Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01970/11.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/09/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Anabela Ferreira Alves Russo
Descritores:COMPENSAÇÃO
EXECUÇÃO
IMPUGNAÇÃO
SUSPENSÃO
Sumário:I – Embora os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação graciosa ou impugnação judicial de qualquer acto tributário devam obrigatoriamente ser aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração tributária, tal não deverá ocorrer se estiver em curso prazo para interposição de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução ou estiver pendente qualquer dos meios graciosos ou judiciais referidos e desde que a divida exequenda se mostre garantida nos termos do art. 169º do CPPT.
II – Assim, se a Administração Tributária tinha conhecimento da pendência de impugnação que tinha por objecto a liquidação da quantia exequenda, não podia proceder à referida compensação antes de notificar o executado para prestação daquela garantia e de confirmar que aquele a não tinha prestado dentro do prazo que para esse efeito lhe havia concedido.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:W..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
W…,S.A., com sede na Rua …, com o NIF … … …, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a reclamação por si apresentada do acto de compensação parcial do crédito/reembolso do IVA, no valor total de E 11.476.512,61, com a divida exequenda do processo de execução fiscal n.º 1821200901155849, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional
A culminar as suas alegações de recurso apresentou a Recorrente as seguintes conclusões:
1. Entende o Tribunal a quo que «(…) a AT apenas informada da pendência de impugnação, na sequência de resposta apresentada pela reclamante à notificação da proposta de inclusão na lista de devedores tributários, ou seja, já em momento posterior à realização do segundo acto de compensação, pelo que não lhe era exigível notificar a reclamante para apresentar garantia.».
2. Como resulta da alínea G da matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo, para proferir a sentença sob recurso, fê-lo com base nos elementos documentais constantes do processo de impugnação judicial que corre termos sob o n.º 3074/09.5BEPRT.
3. Desses elementos documentais resultam dois factos determinantes que não foram considerados pelo Tribunal a quo: (i) que em 27.04.2010 a Administração Fiscal revogou parcialmente o acto tributário impugnado (doc. n.º1), e (ii) que em 12.05.2010 a Representante da Fazenda Pública juntou aos autos o processo administrativo autuado pelo 1.º Serviço de Finanças de Matosinhos (doc. n.º2)
4. Os documentos referidos são juntos em sede de recurso por se entender que a junção se tornou supervenientemente útil, atendendo a que, na prolação da decisão em causa, o Tribunal a quo remete para o respectivo processo, mas, salvo o devido respeito, não considera elementos que se afiguram essenciais para a boa decisão da causa (artigos 727.º e 743.º n.º3 do C.P.C., ex vi, do artigo 2.º e) do CPPT).
5. Note-se que, nos termos do artigo 110.º n.º 3 do CPPT, para efeito da instrução da impugnação judicial, o Representante da Fazenda Pública deve solicitar o processo administrativo ao serviço periférico local e que, nos termos do artigo 149.º do CPPT, o serviço periférico local é o órgão de execução fiscal.
6. Ora, como resulta dos elementos juntos - cujo conhecimento ex ofício foi invocado pelo Tribunal a quo para a prolação da decisão em causa - o processo administrativo foi junto aos autos em 12.05.2010 e
7. o acto de compensação reclamado foi efectuado em 14.09.2010 – ou seja cerca de QUATRO MESES DEPOIS.
8. Estabelece o artigo 169.º n.º 2 CPPT que, se não houver garantia prestada, nem penhora, o executado deverá ser notificado para prestar garantia no prazo de 15 dias - o que nunca sucedeu - nem antes, nem depois, da anulada compensação.
9. A Administração Fiscal tinha conhecimento da impugnação judicial, mas, na sequência da anulação da primeira compensação, nunca notificou a Recorrente para prestar garantia, sendo que nada existe na lei a dispensar esta notificação,
10. Aliás, a proposta de lei de Orçamento de Estado para o ano de 2012 (PL 90/2011 de 2011.10.13) vem estabelecer, no artigo 169.º n.º 6 do CPPT, a dispensa de notificação do executado para prestar garantia, o que vem reforçar a ideia de que, no regime vigente, quando a Administração Fiscal tem conhecimento oficioso da pendência de impugnação judicial, essa notificação do contribuinte, para prestação de garantia, é necessária.
11. Como resulta dos autos, a primeira compensação levada a cabo pelo órgão de execução fiscal foi efectuada no 10.º dia dentro dos 30 dias que lhe haviam sido conferidos para, querendo, pagar voluntariamente ou requerer o pagamento em prestações –
12. compensação, essa, que sempre inviabilizaria que a Reclamante prestasse garantia, uma vez que, ao contrário do referido na sentença de que se recorre, não faria qualquer sentido que a Reclamante constituísse uma garantia de dois milhões e meio de euros, quando a AF já tinha em seu poder essa quantia em virtude da ilegal compensação operada.
13. Ao assim não ter decidido, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento da matéria de direito – concretamente do disposto nos artigos 89.º n.º 1, 169.º n.º 1 e n.º 2, 199.º n.º 1 do CPPT - a impor a revogação da sentença.
14. O Tribunal a quo suporta a sua decisão em alguns elementos retirados do processo de impugnação judicial n.º 3074/09.5BEPRT, mas desconsidera outros que se afiguram essenciais, e que, se devidamente apreciados, conduziriam, inelutavelmente, à procedência da reclamação.
15. Existe matéria de facto que não foi levada à matéria assente, e que o deveria ter sido – em face da fundamentação factual da sentença recorrida – nomeadamente: QUE em 27.04.2010 a Administração Fiscal revogou parcialmente o acto tributário impugnado (doc. n.º1); QUE em 12.05.2010 a Representante da Fazenda Pública juntou aos autos o processo administrativo autuado pelo 1.º Serviço de Finanças de Matosinhos (doc. n.º2).
16. A baixa do processo ao Tribunal a quo para ampliação da matéria de facto é condicionada pela necessidade da existência de factos que não tenham sido considerados e que tenham interesse para a decisão da causa, na sua adequação ao direito aplicável - como manifestamente acontece no caso sub iudice.».
A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações
Neste Tribunal, A Exma. Procuradora Geral-Adjunta emitiu douto parecer concluindo pela procedência do recurso.
Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos – «C.P.T.A.» – e 707.º, n.º 4, do Código de Processo Civil – «C.P.C.»), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.
II – O Objecto do Recurso
Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo o já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
No caso concreto estas considerações mostram-se relevantes já que, é necessário deixar desde já claro que, pese embora tenham sido três as questões colocadas pela ora Recorrente em sede de reclamação e não obstante todas terem sido apreciadas e decididas pelo Tribunal a quo [a) ilegalidade do acto de compensação efectuado pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1, em 14/09/2010; b) falta/insuficiência de fundamentação do acto de compensação e c) o direito da reclamante a juros indemnizatórios – vide, ponto «O DIREITO» das sentença recorrida], é apenas contra a decisão proferida no que toca à primeira das questões enunciadas que a Recorrente se insurge em sede de recurso jurisdicional.
E, sendo assim, temos por seguro, atento o exposto e as conclusões da alegação de recurso apresentada que o objecto do presente recurso está circunscrito a duas questões:
(i) Saber se o Tribunal a quo errou no julgamento que realizou sobre a matéria de facto por não ter feito constar dos factos assentes que em 27.04.2010 a Administração Fiscal revogou parcialmente o acto tributário impugnado e que em 12.05.2010 a Representante da Fazenda Pública juntou aos autos o processo administrativo autuado pelo 1.º Serviço de Finanças de Matosinhos e
(ii) Saber se a sentença recorrida enferma de erro no julgamento de direito realizado por, tendo em consideração os factos apurados se ter necessariamente de concluir que a Administração Fiscal tinha conhecimento da pendência do processo de impugnação e, consequentemente, antes de realizar o acto de compensação, tinha o dever de ter notificado a Executada para, querendo, prestar garantia.
III – Os Factos
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto fixou como relevante para a decisão da causa, a seguinte factualidade:
A) Em 21/09/2009, foi instaurada, no Serviço de Finanças de Matosinhos 1, contra a ora reclamante, a execução fiscal n.° 1821200901155849, para cobrança coerciva de dívida resultante de liquidações adicionais de IVA relativas a 2006, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 31/08/2009. (Cfr. certidões de dívida, a fls 1 a 25 e Informação oficial a fls.4 52 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
B) A Reclamante foi citada para a execução em 24/09/2009 (Cfr. § 8 da P.I., a fls. 314 dos autos, fls. 26 a 28 dos autos e Informação oficial a fls. 452 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
C) A Reclamante possuía um crédito de IVA, relativo ao período de Abril de 2009, no valor de € 11.476.512,61 (Cfr. fls. 55 dos autos e § 10 da P.I., a fls. 315 dos autos).
D) Em 29/09/2009, o Serviço de Finanças de Matosinhos 1 compensou o montante de € 2.450.221,26 com o crédito/reembolso de IVA referido na alínea anterior, através do acto de compensação n.° 2009 0000000148056 (Cfr. fls. 55 dos autos e Informação oficial a fls. 452 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
E) Em 02/10/2009 a reclamante foi notificada do acto de compensação referido na alínea anterior. (Cfr. fls. 108 e 109 dos autos e Informação oficial a fls. 110 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
F) Em 12/10/2009 a reclamante apresentou reclamação judicial contra a compensação referida na alínea D), que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o n.° 148/10.3BEPRT, com fundamento de que “...à data do acto de compensação, 29.09.2009, ainda não haviam terminado os prazos legais de reclamação ou impugnação judicial contra as liquidações exequendas,...” e “...a compensação foi efectuada muito antes de decorrido o prazo legal de oposição à execução fiscal... “, concluindo que “O acto de compensação é ilegal, ... “, pelo que “Deve.., ser anulada.” e, “...além da efectiva restituição da totalidade do reembolso de IVA... deve ser ordenada a liquidação e pagamento de juros indemnizatórios,.. “(Cfr. fls 41 a 51 dos autos e Informação oficial a fls. 110 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
G) Em 27/11/2009, a reclamante deduziu Impugnação Judicial contra as liquidações que estão na génese da quantia exequenda, apresentando a respectiva P.I. no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a qual corre termos sob o n.° 3074/09.5BEPRT ( Cfr “marca do dia electrónica” a fls. 3 do processo n.° 3074/09.5 BEPRT a correr termos neste Tribunal e de que este tem conhecimento ex officio).
H) A reclamação judicial referida na alínea F) foi julgada procedente, por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 26/03/2010, transitada em julgado a 19/07/2010, e na qual se decidiu nos seguintes termos: “...aqui está em causa o acto de compensação efectuado pela Administração Tributária e que, como vimos, se impõe anular, com a consequente restituição à reclamante do montante em causa, não dispondo os autos de elementos suficientes que permitam determinar o direito aos juros...“...julgo a reclamação procedente (salvo quanto ao direito a juros indemnizatórios) e, em consequência anulo a compensação reclamada. “(Cfr. fls 130 a 132 verso dos autos, fls 251 dos autos e Informação oficial a fls. 452, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
I) Em 08/04/2010, a reclamante interpôs recurso da sentença referida na alínea anterior, para o Tribunal Central Administrativo Norte, “...no segmento em que esta não reconheceu o direito a juros indemnizatórios a favor da Recorrente “(Cfr. fls 138 a 143 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
J) Em 02/07/2010, o Tribunal Central Administrativo Norte proferiu o douto Acórdão no sentido de “Negar provimento ao recurso. “ (Cfr. fls 182 a 189 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
K) Em 23/08/2010, o Serviço de Finanças de Matosinhos 1 emitiu uma certidão, nos seguintes termos: “... certifica que W…, S.A Face aos elementos disponíveis no sistema informático de gestão e controlo de processos de execução fiscal, tem a sua situação tributária regularizada, nos termos da alínea c), do art.° 2° do DL. 236/95, de 13 de Setembro, visto que, contra a(s) liquidação(ões) que integra(m) a dívida exequenda foi deduzido processo Administrativo/Judicial, encontrando-se a(s) execução (ões) fiscal (is) suspensa(s) nos termos da lei (Cfr. fls. 373 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)
L) A certidão referida na alínea anterior concerne aos processos executivos n.°s 1821200901009273 e 1821200901024787, instaurados para cobrança coerciva de dívida resultante de liquidações adicionais de IVA relativo a 2004 e 2005, que “Na data a que se reporta a certidão encontram-se suspensos “ (Cfr. fls. 487 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
M) Em 14/09/2010, o Serviço de Finanças de Matosinhos 1 enviou à reclamante um oficio com a proposta de inclusão da reclamante nas listas de devedores tributários na Internet, tendo a reclamante exercido direito de audição, em 28/09/2010, informando o Serviço de Finanças da existência da impugnação referida na alínea G) e solicitando a suspensão do processo de execução fiscal, tendo apresentado como garantia fiança prestada pela “S… SGPS, S.A.”, no valor que ainda se encontrava em dívida (€ 377.286,53) (Cfr. fls. 278 a 280, 285, 304 e 305 dos autos e Informação oficial a fls. 452 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
N) Em face do direito de audição referido na alínea anterior, a A.T. associou, em 30/09/2010, a impugnação ao processo executivo (Cfr. fls. 388 dos autos e Informação oficial a fls. 452 dos autos).
O) A garantia apresentada pela reclamante foi aceite por despacho de 22/10/2010, do Chefe de Divisão de Gestão de Dívida Executiva da Direcção de Finanças do Porto (Cfr. fls. 385 a 393 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
P) Em 10/09/2010 o Serviço de Finanças de Matosinhos 1 anulou a compensação referida na alínea D), o que “...desencadeou informaticamente a reactivação... “do processo de execução fiscal n.° 1821200901155849, que estava “...extinto por pagamento em face da compensação efectuada e voltou a estar activo para prosseguimento da cobrança do mesmo... “(Cfr. Informação oficial a fls. 452 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
Q) Em 14/09/2010 Em face da verificação de novo crédito a favor da reclamante resultante do cumprimento da sentença... “, “...foi efectuada uma nova compensação... “ no valor de € 2.450.221,26 (Cfr. Informação oficial a fls. 452 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
R) Em 22/09/2010 a Reclamante apresentou, no Serviço de Finanças de Matosinhos 1, requerimento a solicitar a notificação das operações de cálculo conducentes ao valor constante do acto de compensação, a forma de cálculo dos juros de mora e a fórmula de cálculo do montante relativo a taxa de justiça (Cfr. fls. 275 e 276 dos autos).
S) Em 30/09/2010, a reclamante não conformando com o acto posto em crise nos presentes autos intentou a Reclamação em apreço (Cfr. “marca do dia electrónica “, a fls. 310 dos presentes autos).
T) Pelo oficio n.°15778/1821-30 de 01/10/2010, remetido por carta registada expedida em 04/10/2010, o Serviço de Finanças de Matosinhos 1 respondeu ao requerimento referido na alínea P), enviando à reclamante demonstração da compensação e informando que: “...os juros moratórios foram calculados nos termos da lei em vigor, isto é a 1% ao mês ou fracção, ou seja, de 01/09/2009 a 14/09/2010, treze vezes o arredondamento de 1% do valor de cada certidão de dívida.” , “A taxa de justiça foi calculada nos termos da tabela anexa referida no n° 1 do artigo 9° do Regulamento das Custas dos processos tributários, já sem a redução da b), do n°2 do artigo 14° que foi aplicada na primeira compensação. “(cfr. fls. 308 a 309 verso dos autos).
U) Em 18/10/2010 a Reclamante enviou, via fax, para o Serviço de Finanças de Matosinhos 1, novo requerimento a solicitar esclarecimentos sobre o cálculo da taxa de justiça, tendo sido proferido despacho pelo Chefe de Finanças de Matosinhos 1, em 29/10/2010, nos seguintes termos: “Por não existirem factos novos relativamente a esta matéria fiscal mantém-se “ipsis verbis” o conteúdo transmitido através do oficio 15778 de 01/10/2010. “ (Cfr. fls 375 a 377 e 420 dos autos).
V) Foram pagos à reclamante juros indemnizatórios, relativamente ao valor de € 9.026.291,35 (valor do crédito de IVA efectivamente reembolsado) de 01/09/2009 a 02/10/2010 e ao valor de € 2.450.221,26 desde 01/09/2009 até 14/09/2010 (Cfr. fls 434 e 435 dos autos).
IV – O Direito
Conforme resulta do ponto I e II supra, a Recorrente não se conforma com o julgamento realizado pelo Tribunal
a quo relativo à questão que havia suscitado quanto à legalidade do acto de compensação praticado pela Direcção-Geral dos Impostos.
Tal inconformidade assenta, como vimos, fundamentalmente, no facto de o julgamento realizado quanto à legalidade daquele acto realizado pelo Tribunal assentar, no essencial, no seguinte raciocínio: tendo a Administração Tributária apenas sido informada da pendência da impugnação na sequência da resposta apresentada pela reclamante à notificação da proposta de inclusão na lista de devedores tributários, ou seja, já em momento posterior à realização do segundo acto de compensação, não lhe era exigível que tivesse notificado a reclamante para apresentar garantia.
Ora, alega, tal juízo ou conclusão não pode aceitar-se, por, por um lado, na sua decisão de facto o Tribunal ter dado como assente que a prolação da sentença proferida teve por base os elementos documentais constantes do processo de impugnação judicial que corre termos sob o n.º 3074/09.5BEPRT e, por outro, porque se o Tribunal tivesse seleccionado, como relevante para decidir do mérito dos autos, que em 27.04.2010 a Administração Fiscal revogou parcialmente o acto tributário impugnado e que em 12.05.2010 a Representante da Fazenda Pública juntou aos autos o processo administrativo autuado pelo 1.º Serviço de Finanças de Matosinhos, o julgamento ou decisão teria, necessariamente, que ser de sentido oposto ao adoptado.
Adiantemos, desde já, que no que concerne à questão do erro de julgamento sobre a matéria de facto não pode deixar de ser reconhecida razão à Recorrente.
Efectivamente, estando posta em causa a legalidade do acto de compensação com fundamento na não observância por parte da Administração da previa notificação do sujeito passivo para prestar garantia impunha-se que fossem seleccionados todos os factos necessários ao apuramento dessa matéria, isto é, impunha-se que a factualidade relevante traduzisse o concreto circunstancialismo de facto susceptível de permitir um juízo seguro ou de probabilidade possível sobre o momento exacto do conhecimento, ou não, da pendência da impugnação judicial por parte da Administração Fiscal para, após, então, se poder concluir pela observância, ou não, do dever legal de notificação do contribuinte por parte daquela em ordem à prestação de garantia.
Ora, da sentença recorrida, e como bem realça a Recorrente, resulta que, na mesma, mormente no apuramento dos factos, foram tidos em consideração os elementos documentais constantes do processo de impugnação judicial que corre termos sob o n.º 3074/09.5BEPRT (cf. alia G) do probatório) sendo que desses mesmos autos consta, de forma inequívoca - e como é reconhecido na própria contestação aí deduzida a 29-4-2010 pela Fazenda Pública (cf. arts. 13º a 16º dessa peça processual) – que, a 27-4-2010, a Administração Tributária revogou parcialmente o acto tributário impugnado tendo, inclusive, o Representante da Fazenda Pública requerido a 11-5-2010 a apensação do respectivo processo administrativo autuado pelo 1º Serviço de Finanças de Matosinhos àquele mesmo processo [cf. processo n.º 3074/09.5BEPRT, consultável no sitaf).
E tais factos, em especial a data da prolação dos mesmos, não pode deixar de ser qualificada como determinante na decisão posterior relativamentre à questão fulcral dos autos - e que, de resto, como tal, não deixou de ser equacionada pela Meritíssima Juíza - sobre se a Administração Tributária tinha, ou não, conhecimento à data em que concretizou o acto de compensação impugnado nestes autos, de que havia uma impugnação judicial pendente de decisão contra as liquidações que estão na génese da quantia exequenda,
Temos, pois, por seguro, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento no apuramento da matéria de facto relevante para a apreciação da questão jurídica relativa à legalidade do acto de compensação, o qual, tendo em conta os elementos de prova constantes destes autos, do processo n.º 1374/09.5BEPRT e do processo administrativo a este apensado, que se julgam os necessários à reapreciação da prova respectiva, o Tribunal, pode e deve ultrapassar, o que fazemos ao abrigo do disposto no artigo 712.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do C.P.C. (aplicável ex vi do artigo 281.º do C.P.P.T.), decidindo-se, em conformidade, alterar aquela factualidade, aditando duas alíneas (“X” e “Z”) com a seguinte redacção:
«X) A 27.04.2010 a Administração Fiscal revogou parcialmente o acto tributário impugnado (cf. processo administrativo instrutor apenso ao processo n.º 1374/09.5BEPRT);
Z) A 11.05.2010 o Representante da Fazenda Pública junto do tribunal administrativo e Fiscal do Porto requereu a apensação ao processo n.º 1374/09.5BEPRT do processo administrativo autuado pelo 1.º Serviço de Finanças de Matosinhos (cf. processo n.º 1374/09.5BEPRT) ».

4.2. Estabilizada, deste modo, a factualidade relevante para apreciação da questão sob recurso, vejamos, agora, o que se nos oferece dizer sobre o julgamento de direito daí decorrente.
E, nesse sentido, retomemos o caso concreto, começando por salientar que, em primeira instância, a Meritíssima Juíza apreciou a questão da legalidade ou ilegalidade do acto de compensação tendo presente todos os fundamentos invocados pela Recorrente, isto é, a ilegalidade do acto de compensação por: (i) o mesmo traduzir um incumprimento da decisão judicial que ordenou a anulação da primeira compensação; (ii) violação do artigo 89.° do C.P.P.T., decorrente da ilegalidade da reactivação do processo executivo, em virtude da reclamante entender que este processo tinha sido extinto por pagamento (ocorrido por via da primeira compensação), pelo que deveria ter sido instaurada uma nova execução e, consequentemente, teria a reclamante de ser novamente citada, correndo novo prazo para dedução de oposição à execução; (iii) violação do n° 2 do artigo 169.º do C.P.P.T. em virtude da A.T. não ter notificado a reclamante para prestar garantia; e (iv) violação das regras de boa fé e transparência, que devem nortear as relações com os contribuintes.
Na sentença proferida todas as objecções ou argumentações jurídicas invocadas para fundamentar a ilegalidade do segundo acto de compensação foram julgadas improcedentes.
Assim, e relativamente ao alegado incumprimento da decisão judicial por a mesma apenas se dever entender como cumprida caso o imposto indevidamente compensado tivesse sido efectivamente restituído, o que não se verificou, o Tribunal a quo assumiu frontalmente a sua discordância afirmando que «(…) conforme resulta do probatório (alínea P)), a A.T. procedeu à anulação do primeiro acto de compensação, pelo que, consequentemente, renasceu um crédito de IVA na esfera do contribuinte, no valor do montante inicialmente compensado, dando assim cumprimento ao judicialmente ordenado.
Ora, a reactivação do crédito a favor do sujeito passivo constituiu, precisamente, a restituição/reembolso à sua titularidade do valor ilegalmente compensado, não sendo, de todo, exigível que tal acto se concretizasse num acto de entrega material da quantia pecuniária, atentas as circunstâncias concretas do caso em apreço.
De facto, tendo a anulação da compensação provocado, em simultâneo, o renascimento da dívida à A.T., e desde que verificados os demais pressupostos legais decorrentes do referido artigo 89.° do C.P.P.T., o crédito resultante da anulação da compensação não poderia deixar de ser afecto à compensação da dívida tributária, o que veio a suceder através de um novo acto de compensação.».
Mais salienta a Meritíssima Juíza que, aliás, « a utilização do crédito na nova compensação da dívida comprova que a A.T. restituiu a quantia inicialmente compensada, pois só foi possível realizar a segunda compensação porque o crédito reconstituído passou a integrar, efectivamente, o acervo patrimonial da reclamante.» para concluir que, por essa razão, «não assiste razão à impetrante quando, alheada das circunstâncias concretas do caso, pretende interpretar a expressão “... restituição à reclamante do montante em causa...”, contida na sentença, no sentido restrito de devolução material do valor, retirando a ilação de que a A.T., ao efectuar a segunda compensação, agiu à revelia da decisão judicial.» e que, «Impera, ainda, realçar que a ilegalidade da primeira compensação não implica que a segunda compensação padeça do mesmo vício, não podendo a decisão judicial ser transposta para o caso sub judice, desde logo porque não estamos perante a renovação do acto viciado, mas sim na presença de um novo acto, os fundamentos que levaram à anulação da primeira compensação não se aplicam à compensação ora em crise, como ao deante se demonstrará.».
No que concerne à alegada violação do artigo 89.º do C.P.P. T. alicerçada no entendimento de que a A.T. deveria ter declarado extinta a execução fiscal por pagamento integral da dívida exequenda através da primeira compensação, cumprindo o artigo 269.° do C.P.P.T. e, com a anulação desta, deveria ter instaurado um novo processo executivo, citando novamente a reclamante, possibilitando a abertura de um novo prazo para a dedução da oposição a esta nova execução, o Tribunal a quo, após invocar Jurisprudência e Doutrina unânimes na interpretação daquele normativo (no sentido de não ser permitida a realização da compensação enquanto não estiverem esgotados os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação subjacente à dívida em causa), indeferiu a pretensão da Recorrente por, no caso vertente resultar dos autos que « à data do segundo acto de compensação (14/09/2010, cfr alínea Q) do probatório) já tinham decorrido todos os prazos para reagir contra as liquidações (considerando que o prazo para pagamento voluntário terminou em 31/08/2009, cfr alínea A) do probatório) e o prazo para deduzir oposição à execução (em virtude da citação ter ocorrido em 24/09/2009, cfr. resulta da alínea B) do probatório» e que, não estávamos perante uma situação em que se impusesse «à A.T. a instauração de um novo processo executivo e nova citação da reclamante com o início de um novo prazo para a oposição à execução.», por ser « pacífico que a compensação constitui uma forma de extinção da obrigação tributária e tem como consequência a extinção do processo executivo, conforme resulta da alínea a) do n.° 1 do artigo 176.° do C.P.P.T..», que a própria Administração Fiscal reconheceu expressamente « que o processo executivo foi extinto por pagamento, em 29/09/2009, em virtude da primeira compensação realizada (cfr alínea P) do probatório)» pelo que, considerando que havia sido «anulado o acto de compensação, tudo se passa na ordem jurídica como se este nunca tivesse sido praticado, pois “Anulado o acto ilegal, (...), ficam destruídos os seus efeitos,...” , devendo ser praticados “...os actos necessários para a repor (a ordem jurídica) na situação em que hoje estaria, se o acto ilegal não tivesse vindo à luz do dia “. Ou seja, entendeu-se na sentença recorrida que «se a primeira compensação não tivesse existido, o processo executivo teria permanecido activo prosseguindo os seus demais termos, tendo em vista a cobrança coerciva da dívida exequenda» mas que «Como é manifesto, o reconhecimento da ilegalidade do primeiro acto de compensação fez renascer a dívida exequenda (lembre-se, as certidões de dívida mantiveram-se válidas), não afectando os actos praticados no processo até ao momento da anulação da compensação e, consequentemente, reactivando o processo executivo, anterior e ilegalmente declarado extinto», alertando-se aí, inclusive, para o facto de, «se das vicissitudes que frustram o modo/meio de extinção da dívida (que ocorrem, logicamente, em momento posterior à extinção da execução), resultasse a obrigação de instaurar um novo processo executivo, estaria encontrada a forma de fazer renascer prazos já extintos, o que não se mostra, de todo, aceitável nem se vislumbra que tenha sido o objectivo do legislador.».
Tudo, para aí se concluir, nesta parte que «a A.T. agiu correctamente ao reactivar o processo executivo, inexistindo fundamento legal para que se procedesse à instauração de um novo processo executivo (lembre-se, para cobrança coerciva da mesma dívida tributária) ordenando-se, de novo, a citação da reclamante/executada.».
E, diga-se peremptoriamente, conclusão cujo acerto é, para este Tribunal, inquestionável, pelas razões de facto e direito exaustivamente aduzidas em primeira instância e que não permitem, em circunstância alguma, decisão diversa.

Mas a decisão diametralmente distinta havemos de chegar no que respeita à questão da violação do art. 169º do CPPT invocada pela Recorrente, como infra se demonstrará.
E, nesse sentido, recorde-se antes de mais que, por força do preceituado no preceito em referência, que tem por epígrafe «Suspensão da Execução. Garantias», e para o que ora releva, a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a liquidação exequenda (n.º 1) ou se, decorrido o prazo de pagamento voluntário for prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda (n.º 2) e que se não houve garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é ordenada a notificação do executado para prestar a garantia referida no n.º 1 no prazo de 15 dias (n.º 5).
Por sua vez, também com inegável pertinência de direito para a decisão, importa ainda ter em atenção que, nos termos do n.º 1 do art. 89º do mesmo Código, os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação graciosa ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração tributária, excepto se estiver a correr prazo para interposição de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução ou estiver pendente qualquer dos meios graciosos ou judiciais referidos e desde que a divida exequenda se mostre garantida nos termos do art. 169º supra mencionado.
É, com base nestes normativos e na factualidade apurada que a Recorrente pede neste recurso a revogação da sentença recorrida.
E, como dissemos já, bem.
Na verdade, da factualidade apurada (fixada pelo Tribunal a quo e aditada por nós) pode adiantar-se, sem qualquer dúvida - porque não questionado pelas partes nem imposto por quaisquer elementos que devêssemos relevar - que a Administração tributária nunca notificou, após a anulação do primeiro acto de compensação realizado, a Reclamante para, querendo, prestar garantia. Ou seja, pode afirmar-se com segurança que a Administração Fiscal nunca deu cumprimento ou observou a obrigação de notificação do executado que lhe está imposta pelo n.º 5 do art. 169º do CPPT e, consequentemente, nunca suspendeu, com esse fundamento, o processo executivo.
Todavia, o Tribunal a quo, secundando o invocado pelo Representante da Fazenda Pública, entendeu que tal omissão lhe não poderia ser imputável e se encontrava justificada já que, até à realização do segundo acto de compensação àquela não foi dado conhecimento de que estava pendente qualquer processo de impugnação e que esse conhecimento apenas lhe adveio com a resposta apresentada pela reclamante à notificação da proposta de inclusão na lista de devedores tributários.
Porém, não é, de todo, essa a realidade evidenciada pela factualidade apurada.
Efectivamente, resulta claramente do probatório, em especial da conjugação dos factos apurados nas alíneas G), X) e Z) do ponto III supra, que a Administração Tributária bem sabia, pelo menos desde 27-4-2010, que se encontrava pendente impugnação judicial na qual se discutia precisamente a legalidade da divida exequenda. Isto é, resulta manifesto dos factos apurados que, aquando da realização do acto de compensação a 14-9-2010 e cuja aferição de legalidade constitui objecto destes autos, já a Administração sabia, ou, no mínimo, não deveria ignorar, que a Recorrente tinha pendente impugnação judicial.
Donde, forçoso é concluir, como o faz a Recorrente, com o integral acordo, nesta parte, da Exma. Magistrada do Ministério Público e, agora, também nosso, que o acto de compensação realizado pela Administração Fiscal é ilegal por não ter sido primeiramente dada a oportunidade à Recorrente para prestar garantia - por força da qual essa execução fiscal ficasse suspensa até à decisão final da impugnação judicial que conhecesse da legalidade da divida exequenda – em clara violação do disposto nos arts. 89º e 169º, ambos do CPPT.
E, sendo assim, por a decisão sob recurso padecer de erro de direito no julgamento realizado, não pode manter-se na ordem jurídica devendo, em conformidade, ser revogada.
V – Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, concedendo provimento ao recurso, em revogar a sentença recorrida e julgar procedente a reclamação deduzida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 9-2-2012
Ass. Anabela Russo
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos