Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02233/14.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/28/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:RECLAMAÇÃO
ACTO DE COMPENSAÇÃO
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - De acordo com o disposto no artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), os créditos ali previstos (entre os quais os de reembolso) são obrigatoriamente aplicados na compensação das dívidas do executado cobradas pela AT, excepto nos casos em que (a) esteja a correr prazo para interposição de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução ou (b) esteja pendente qualquer desses meios graciosos ou judiciais, ou a dívida esteja a ser paga em prestações, desde que a dívida exequenda se mostre garantida nos termos do artigo 169.º do mesmo Código.
II - O disposto no n.º 1 do artigo 89.º do CPPT pressupõe a proibição de efectuar a compensação se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda, exprimindo uma intenção legislativa de a compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia.
III – Para este efeito, entende-se estar pendente reclamação graciosa se a mesma não foi objecto de decisão final, seja administrativa seja judicial, designadamente por não ter sido efectivamente apensada à impugnação judicial correspondente, nos termos do disposto no artigo 111.º, n.º 4 do CPPT, e não ter sido considerado o seu conteúdo nos precisos limites e termos em que foi julgada a impugnação judicial – cfr. artigo 621.º do Código de Processo Civil.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:S..., SA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

S…, S.A., pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Avenida…, no Porto, anteriormente denominada P…, S.A., executada no processo de execução fiscal n.º 3182200201010085, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 06/02/2015, que julgou improcedente a reclamação apresentada contra o acto de compensação da dívida, no valor de €5.477,13, efectuado no referido processo executivo.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso com as conclusões que se reproduzem de seguida:
1. Contrariamente ao pressuposto na douta Sentença aqui recorrida, no Acórdão do TCAN de 25.01.2007 não foi apreciado o mérito da Reclamação Graciosa apresentada em 24.11.2005 - nem em qualquer outra decisão judicial proferida no processo de Impugnação Judicial n.º 02/02/22.
2. O que se disse naquele douto Acórdão do TCAN de 25.01.2007 foi que a isenção de IRC entretanto concedida à referida Fundação não alterava o sentido da decisão expressa no anterior Acórdão do mesmo TCAN de 10.11.2005.
3. Ou seja, tratou-se de uma pronúncia meramente formal ou adjectiva/processual.
4. Com efeito, no Acórdão do TCAN de 25.01.2007 não se emitiu aí qualquer pronúncia substancial de mérito quanto à questão de fundo concretamente suscitada na sobredita Reclamação Graciosa – que os donativos em questão, por virtude da superveniente concessão de isenção de IRC à Fundação, enquadravam-se no artigo 39º-A do CIRC, com o consequente vício de violação desta disposição legal.
5. Daí que, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, esse Acórdão do TCAN de 25.01.2007 (e o respectivo trânsito em julgado) não produziu caso julgado sobre a questão de fundo concretamente suscitada na reclamação graciosa – o enquadramento dos donativos no artigo 39º-A do CIRC em consequência do reconhecimento administrativo superveniente da isenção de IRC da entidade beneficiária desses donativos.
6. Sendo certo que, tal como resulta do disposto no artigo 621º do CPC, a decisão judicial constitui caso julgado tão só “nos precisos limites e termos em que julga”.
7. E aquele Acórdão do TCAN de 25.01.2007 limitou-se a referir que o anterior Acórdão de 10.11.2005 do mesmo Colendo Tribunal não podia ser alterado – com o consequente indeferimento do pedido de reforma.
8. De modo que a decisão judicial que acabou por prevalecer, nos precisos termos em que decidiu, foi a decisão plasmada no douto Acórdão do TCAN de 10.11.2005 – proferido antes da remessa da Reclamação Graciosa ao TAF do Porto.
9. E não a decisão expressa no douto Acórdão do TCAN de 25.01.2007, que não emitiu qualquer pronúncia de mérito sobre a questão de fundo, outrossim limitando-se a indeferir a arguição de nulidade decisória e a indeferir o pedido de reforma.
10. Diferente seria se o Acórdão do TCAN de 25.01.2007 tivesse efectivamente reformado o anterior Acórdão de 10.11.2005 – caso em que, nos termos 670º nº 2 do CPC (redacção à data), o Acórdão de 25.01.2007 considerar-se-ia para todos os efeitos como “complemento e parte integrante” do anterior Acórdão de 10.11.2005.
11. Contudo, manifestamente que não foi esse o caso, conforme resulta do teor do douto Acórdão do TCAN de 25.01.2007 – este não alterou minimamente o Acórdão de 10.11.2005; muito pelo contrário, manteve-o na íntegra.
12. Por conseguinte, o único Acórdão prevalecente sobre a questão de fundo, “nos precisos limites e termos em que decidiu” (actual artigo 621º do CPC; anterior 673º do CPC), foi precisamente o Acórdão de 10.11.2005 – proferido antes, inclusivamente, da data da apresentação da Reclamação Graciosa (apresentada em 24.11.2005), pelo que jamais a poderia ter apreciado.
13. Sendo que em nenhuma decisão judicial proferida no processo de Impugnação Judicial nº 02/02/22 foi apreciado o mérito da Reclamação Graciosa apresentada em 24.11.2005 – a violação (ou não) do artigo 39º-A do CIRC por virtude do reconhecimento administrativo superveniente da isenção de IRC à Fundação B….
14. Nem podia, pois tal como se afirma em F) da factualidade provada e resulta da documentação aí mencionada, a Direcção de Finanças do Porto remeteu a Reclamação Graciosa ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto por ofício datado de 17.02.2006.
15. Ora, o processo de Impugnação Judicial, nessa data, já não estava no TAF do Porto, mas sim no TCAN.
Sendo certo que,
16. Desconhece-se se o processo de reclamação graciosa nº 3182-05/400424.8 alguma vez chegou a ser efectivamente apensado ao processo de Impugnação Judicial nº 02/02/22, muito menos em que data.
17. Contudo, importa dilucidar essa factualidade, a qual deve resultar do teor do processo de Impugnação Judicial nº 02/02/22.
18. Com efeito, trata-se de matéria fáctica relevante para a decisão de mérito segundo as diferentes soluções plausíveis de Direito, pelo que deve igualmente ser conduzida ao probatório.
19. Para esse efeito, previamente à prolação de decisão sobre o mérito da presente Reclamação Judicial, deve ser junto aos presentes autos o sobredito processo de Impugnação Judicial nº 02/02/22, por imposição do princípio do inquisitório (artigo 411º do CPC).
20. Padecendo a douta Sentença aqui recorrida, com efeito, de insuficiente julgamento da matéria de facto, em consequência de défice instrutório – que importa suprir pelo Tribunal a quo, com o consequente alargamento da factualidade provada.
Seja como for,
21. À data da remessa da reclamação graciosa ao TAF do Porto já se havia esgotado o poder jurisdicional do Tribunal para se pronunciar sobre o conteúdo e mérito da reclamação graciosa, quanto à questão de fundo nela abordada (artigo 613º nº 1 do CPC).
22. Com efeito, nessa data já havia sido proferido o sobredito Acórdão do TCAN de 10.11.2005.
23. Assim sendo, é manifesto que o Tribunal não se pronunciou, não podia, nem tinha de se pronunciar sobre a questão de fundo suscitada naquela Reclamação Graciosa – como aliás é manifesto em face do teor das sobreditas decisões judiciais.
24. Com efeito, em nenhuma dessas decisões judiciais é feita qualquer referência à sobredita Reclamação Graciosa.
25. Pelo que a douta Sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente aos factos o disposto no artigo 111º nº 4 do CPPT.
26. Com efeito, a AT deveria ter solicitado ao Tribunal a devolução da Reclamação, de modo a que a mesma fosse decidida pela própria AT e não pelo Tribunal – pois sobre a AT impende uma obrigação legal de decisão e apreciação de todas as petições que lhe são dirigidas pelos contribuintes (cfr. artigo 56º nº 1 da LGT).
27. Contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, do artigo 111º nº 4 do CPPT não resulta qualquer “impedimento” legal de que seja apreciada por via administrativa a legalidade de uma liquidação objecto de reclamação graciosa que tenha sido anteriormente alvo de Impugnação Judicial.
28. O artigo 111º nº 4 do CPPT preconiza a apensação à impugnação judicial da reclamação graciosa posteriormente apresentada contra a mesma liquidação e com diverso fundamento (devendo a reclamação ser então considerada naquela impugnação judicial), caso ainda não se tenha esgotado o poder jurisdicional no processo de impugnação judicial, como é óbvio – sob pena de se tratar de uma apensação inútil e a lei proibir actos inúteis (artigo 130º do CPC).
29. Porque se trata de uma norma meramente formal ou procedimental, o artigo 111º nº 4 do CPPT logicamente que não veda a possibilidade – ou melhor dever (cfr. artigo 56º nº 1 da LGT) - de apreciação administrativa da reclamação graciosa sempre que a mesma, por alguma razão, não seja apreciada no processo de impugnação judicial (princípio da decisão administrativa ou da proibição administrativa do non liquet).
30. Com efeito, ainda que o poder jurisdicional no processo de impugnação judicial porventura ainda não se tenha esgotado no momento da apensação da reclamação graciosa, nem por isso a reclamação graciosa não apreciada nessa impugnação judicial pode deixar de ser administrativamente decidida.
31. Posto isto, e dada a pendência da Reclamação Graciosa e a pendência de garantia prestada pelo contribuinte (cfr. H) da factualidade provada), o acto tributário de compensação aqui reclamado violou os artigos 89º nº 1 b) e 169º nº 1 do CPPT, e 52º nº 1 e 2 da LGT.
32. Padecendo a douta Sentença recorrida, por conseguinte, de erro de julgamento e de errónea interpretação e aplicação das referidas disposições legais.

Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao presente Recurso e, consequentemente, revogando a douta Sentença recorrida e concedendo provimento à presente Reclamação Judicial, com a anulação do acto tributário de compensação aqui reclamado e as demais consequências legais, mais uma vez V. Exas. farão inteira JUSTIÇA.
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se a fls. 455 a 457 dos autos, no sentido de o recurso merecer provimento.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a decisão recorrida incorre em erro de julgamento de facto, por insuficiência, impondo-se verificar da necessidade de alargamento da factualidade assente, e em erro de julgamento de direito, ao ter decidido que o acto tributário de compensação aqui reclamado não violou os artigos 89.º, n.º 1, b) e 169.º, n.º 1 do CPPT, e 52.º, n.º 1 e 2 da LGT.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“1. FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Em 09/01/2002, foi instaurado contra a ora Reclamante o processo de execução fiscal n.° 3182200201010085, para cobrança de dívida proveniente da liquidação de IRC n.° 8310010770, respeitante ao exercício de 1996, no valor de € 39 299,69 - cfr. fls. 162 e 290 dos autos.
B) A ora Reclamante deduziu impugnação judicial da liquidação mencionada na alínea antecedente, que deu lugar à instauração, no extinto Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto, do processo n.° 02/02/22, no qual foi proferida sentença, em 24/04/2004, a julgar a impugnação parcialmente procedente na parte relativa aos juros compensatórios incluídos na liquidação impugnada - cfr. fls. 298 a 313 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
C) A Impugnante interpôs recurso da sentença mencionada na alínea antecedente, que foi confirmada por acórdão do TCA Norte de 10/11/2005 - cfr. fls. 314 a 318 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
D) Em 24/11/2005, a ora Reclamante apresentou, nos termos do art.° 70°, n.ºs 2, 3 e 4, do CPPT, reclamação graciosa da liquidação mencionada na alínea A) supra, invocando que, entretanto, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, por despacho de 11/10/2004 (publicado em Diário da República em 03/12/2004), ao abrigo do disposto no art.° 10°, n.° 2, do Código do IRC (CIRC), reconheceu à “Fundação B…” a isenção de IRC, com efeitos a partir de 30/04/1992, pelo que os donativos a esta concedidos e que não foram aceites como custo fiscal, enquadram-se no disposto no art.° 39°-A do CIRC, padecendo, por isso, a liquidação reclamada de vício de violação de lei, determinante da sua anulação na parte referente à correção dos ditos donativos - cfr. fls. 323 e 324 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
E) Em 25/11/2005, a ora Reclamante pediu a reforma do acórdão mencionado na alínea C) supra, por dos autos constar documento que implicava decisão diversa da proferida, invocando, para o efeito, a publicação em Diário da República, em 03/12/2004, do despacho do Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais de 11/10/2004, que reconheceu à “Fundação B…” a isenção de IRC com efeitos a partir de 30/04/1992 - cfr. fls. 319 a 321 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
F) A reclamação graciosa mencionada na alínea D) supra, que deu lugar à instauração do processo n.° 3182-05/400424.8, foi remetida a este tribunal por ofício da Direção de Finanças do Porto de 17/02/2006, para efeitos de apensação à impugnação judicial n.° 02/02/22 - cfr. fls. 214, 215, 325 e 326 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
G) O pedido de reforma mencionado na alínea E) supra foi indeferido por acórdão do TCA Norte datado de 25/01/2007, do qual se extrai, além do mais, o seguinte (cfr. fls. 322 dos autos):
“(...)
Cumpre decidir.
Para tanto dá-se aqui por reproduzido o teor do Diário da República onde se reconhece a isenção à FUNDAÇÃO... em sede de IRC para efeitos do n°2 do artigo 10 do IRC a partir de 30/04/1992 e com a amplitude aí discriminadas.
Em primeiro lugar diremos que o Tribunal embora sem referir expressamente o pedido da suspensão da instância tomou sobre tal pedido posição e posição expressa ao referir não existir aqui questão prejudicial devido ao motivo determinante da correcção efectuada.
E efectivamente o pedido de suspensão da instância com as razões invocadas não constitui questão prejudicial da decisão a tomar já que o reconhecimento de isenção de IRC da beneficiária FUNDAÇÃO... não contende com a eventual qualificação dos donativos atribuídos pela impugnante àquela par(a) fins culturais.
É que estes donativos sendo custos para a impugnante que os suporta só poderão relevar como custos fiscais para a impugnante se às acções desenvolvidas pelas entidades beneficiárias assumirem manifesto interesses cultural reconhecido por despacho conjunto do MF e do ministro que tenha seu cargo o sector da cultura.
E este acto de reconhecimento conjunto não existe.
Sendo que o reconhecimento de isenção de IRC para efeitos do n° 2 do artigo 10 do CIRC à FUNDAÇÃO... em nada altera o quadro da decisão e
Porque se mantém o circunstancialismo impeditivo da qualificação como custos dedutíveis aos donativos da Impugnante à FUNDAÇÃO... acordam os Juízes do TCAN em indeferir a nulidade invocada e o pedido de reforma do acórdão.
(...)”.
H) Em 09/09/2011, a ora Reclamante apresentou garantia sob a forma de fiança, no valor de € 19 136,00, através da qual a sociedade “SC…, S.A.” se constituiu sua fiadora no processo de execução fiscal n.° 3182200201010085 - cfr. fls. 33 dos autos.
I) Em 23/07/2014, a Autoridade Tributária, ao abrigo do art.° 89° do CPPT, procedeu à compensação da dívida em cobrança no processo de execução fiscal n.° 3182200201010085 com parte de um crédito resultante de reembolso de IRC de 2013, no valor de € 5 477,13, tendo a aqui Reclamante sido notificada dessa compensação em 12/08/2014 - cfr. fls. 27 a 31 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
J) A presente reclamação foi remetida ao Serviço de Finanças Porto 2 por correio, com registo postal efetivado em 19/08/2014 - cfr. fls. 8 dos autos.
Mais se provou que,
L) Em 25/03/2002, a aqui Reclamante deduziu oposição à execução fiscal n.° 3182200201010085, que deu lugar à instauração neste tribunal do processo de oposição n.° 2046/09.4BEPRT, tendo a Fazenda Pública sido absolvida da instância por sentença de 30/01/2013, transitada em julgado face à deserção do recurso dela interposto - facto dado como provado através da consulta efetuada no SITAF ao processo n.° 2046/09.4BEPRT.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem, com interesse para a decisão.
Motivação:
A convicção do tribunal na consideração dos factos provados alicerçou-se no teor dos documentos constantes dos autos e, bem assim no teor dos documentos insertos no processo de oposição n° 2046/09.4BEPRT, que foi objeto de consulta através do SITAF.”

Nas conclusões das suas alegações de recurso (16 a 18), a Recorrente aponta existir matéria fáctica relevante para a decisão de mérito, segundo as diferentes soluções plausíveis de Direito, que deve igualmente ser conduzida ao probatório. Reportando-se à circunstância de o processo de reclamação graciosa n.º 3182-05/400424.8 ter sido ou não apensado ao processo de Impugnação Judicial n.º 02/02/22, e em que data.
Uma vez que todos os processos se encontram, agora, apensados aos presentes autos (processo n.º IMP02/02/22, processo de oposição n.º 2046/09.4BEPRT, processo de reclamação graciosa n.º 3182-05/400424.8 e processo administrativo), essa factualidade mostra-se totalmente dilucidada, pelo que se aditam os seguintes factos à decisão da matéria de facto, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil:

M) Em 19/07/2004, o processo n.º IMP02/02/22 foi remetido ao Supremo Tribunal Administrativo – cfr. fls. 132 a 133 verso do processo n.º IMP02/02/22.
N) Por decisão proferida em 21/10/2004, o Supremo Tribunal Administrativo declarou-se incompetente para conhecer o objecto do recurso, julgando competente o Tribunal Central Administrativo Norte – cfr. fls. 138 a 145 do processo n.º IMP02/02/22.
O) Em 09/11/2004, o processo n.º IMP02/02/22 foi remetido ao Tribunal Central Administrativo Norte – cfr. fls. 152 do processo IMP02/02/22.
P) Em 19/02/2007, o Tribunal Central Administrativo Norte remeteu somente o processo n.º IMP02/02/22 e o processo administrativo apenso ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – fls. 190 do processo n.º IMP02/02/22.
Q) Por ofício datado de 04/07/2007, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto remeteu, a título devolutivo, ao Chefe do Serviço de Finanças de Porto – 6, o processo n.º IMP02/02/22, para conhecimento e integral execução da decisão judicial, designadamente, no tocante aos fins previstos no artigo 100.º da LGT – cfr. última folha do processo n.º IMP02/02/22.
R) Por despacho judicial datado de 31/03/2008, foi determinada a apensação do processo de reclamação graciosa n.º 3182-05/400424.8 à impugnação judicial que lhe corresponde – cfr fls. 54 do processo de reclamação.
S) Em 23/04/2008, deu entrada no Serviço de Finanças do Porto – 2 (ex Porto 6) ofício, com indicação do proc. n.º 2/02/22, conforme epígrafe, com o seguinte teor: “(…) Remete-se a V. Exa. a título definitivo o processo de reclamação. Mais se informa de que o processo de impugnação foi remetido a essa Repartição de Finanças no dia 03/07/2007. (…)” – cfr. última folha do processo de reclamação n.º 3182-05/400424.8.

2. O Direito

Com a presente reclamação, a ora Reclamante pretende a anulação do acto de compensação da dívida, no valor de €5.477,13, efectuado no processo de execução fiscal n.º 3182200201010085.
De acordo com o disposto no artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), os créditos ali previstos (entre os quais os de reembolso) são obrigatoriamente aplicados na compensação das dívidas do executado cobradas pela AT, excepto nos casos em que (a) esteja a correr prazo para interposição de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução ou (b) esteja pendente qualquer desses meios graciosos ou judiciais, ou a dívida esteja a ser paga em prestações, desde que a dívida exequenda se mostre garantida nos termos do artigo 169.º do mesmo Código.
Por sua vez, nos termos do disposto nos nºs. 1 e 2 deste artigo 169.º do CPPT, a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda (…) desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o mesmo sucedendo no caso de, após o termo do prazo de pagamento voluntário, ser prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a intenção de apresentar tal meio gracioso ou judicial.
A compensação, prevista na lei civil como forma de extinção das obrigações (nos termos do artigo 847.º, n.º 1, do Código Civil, «[q]uando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor», desde que o crédito seja exigível judicialmente e as duas obrigações tenham por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade), constitui também forma de extinção da obrigação tributária (cfr. artigo 40.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária - LGT).
A extinção da obrigação tributária por compensação pode efectuar-se, ou por iniciativa da AT, com «créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer acto tributário» (artigo 89.º do CPPT), exceptuando as situações previstas no n.º 1 do mesmo artigo [na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 18 de Abril (Orçamento do Estado para 2010), e que veio consagrar legislativamente o entendimento da jurisprudência à face da redacção inicial da norma, de que a compensação por iniciativa da AT só era possível se a dívida não estivesse garantida ou, estando-o, não estiver pendente reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução fiscal relativa à dívida do contribuinte, nem estar a dívida a ser paga em prestações, ou seja, que essa compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia ou já não haja controvérsia, pelos meios procedimentais e processuais adequados, quanto à legalidade da dívida], ou por iniciativa do executado, com créditos tributários e também com créditos não tributários (artigos 90.º e 90.º-A, do CPPT).
Assim, o disposto no n.º 1 do artigo 89.º do CPPT pressupõe a proibição de efectuar a compensação se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda, exprimindo uma intenção legislativa de a compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia.
Por outro lado, a suspensão da execução enquadra-se no direito constitucionalmente garantido à efectividade da tutela judicial (cfr. artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa), o qual também se encontra reconhecido no artigo 9.º, n.º 1 da LGT (cfr. Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, 2012, Editora Encontro de Escrita, pág.423).
A sedimentação de tal efeito suspensivo deriva da prestação de garantia, que, conforme consta do probatório, ocorreu in casu – cfr. ponto H) da decisão da matéria de facto.
Neste âmbito, releva, igualmente, o estabelecido no artigo 52º da LGT:
“1. A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem nº 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre as empresas associadas de diferentes estados.
2. A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias. (…) ”.
A presente reclamação surge na sequência da aplicação do crédito da ora Reclamante, resultante de parte do reembolso de IRC de 2013, no valor de € 5.477,13, na compensação da dívida exequenda (IRC de 1996), em cobrança no processo de execução fiscal n.º 3182200201010085.
A Reclamante insurge-se contra esta compensação, efectuada em 23/07/2014, sustentando que a legalidade da liquidação exequenda ainda se encontra em discussão na reclamação graciosa apresentada em 24/11/2005 e que o pagamento da dívida exequenda se encontra garantido através da fiança constituída no processo de execução fiscal, o que determinava a suspensão da execução, ao abrigo do artigo 169.°, n.º 1, do CPPT.
Como já referimos, resultou provado que a dívida exequenda está garantida através da fiança apresentada na execução fiscal em 09/09/2011.
Assim, para aferir da legalidade da compensação reclamada, o tribunal recorrido verificou se à data em que esta foi concretizada (23/07/2014) estava ou não pendente algum meio gracioso ou judicial de discussão da legalidade ou da exigibilidade da liquidação exequenda.
No âmbito do trabalho desta averiguação, o tribunal a quo decidiu o seguinte:
“(…) Conforme ficou provado, a aqui Reclamante impugnou a liquidação exequenda, dando lugar à instauração do processo de impugnação judicial n.° 02/02/22. Neste processo foi proferida sentença, em 24/04/2004, a julgar a impugnação parcialmente procedente e a anular a liquidação apenas na parte relativa aos juros compensatórios, decisão essa que foi confirmada por acórdão do TCA Norte datado de 10/11/2005. Sucede que a ora Reclamante não se conformou com a decisão ali proferida, tendo pedido a reforma do acórdão, invocando, para o efeito, que o despacho do Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais de 11/10/2004, que reconheceu à “Fundação B…” a isenção de IRC com efeitos a partir de 30/04/1992, despacho esse publicado em Diário da República em 03/12/2004, implicava uma decisão diversa da proferida, no sentido da aceitação como custo fiscal do exercício de 1996 dos donativos concedidos àquela fundação.
Sendo certo que o reconhecimento pelo Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais da isenção de IRC à “Fundação B…”, com efeitos reportados a 30/04/1992, é também o fundamento em que assenta a reclamação graciosa apresentada em 24/11/2005.
Resultou igualmente provado que o sobredito pedido de reforma foi indeferido por acórdão do TCA Norte prolatado em 25/01/2007, no qual se entendeu, em síntese, que o reconhecimento da isenção de IRC à “Fundação B…” não contendia com a eventual qualificação dos donativos atribuídos a esta pela ora Reclamante, uma vez que os donativos só poderiam relevar como custos fiscais se as ações desenvolvidas pela entidade beneficiária assumissem manifesto interesse cultural reconhecido por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do Ministro que tenha a seu cargo o setor da cultura, sendo que este ato de reconhecimento conjunto não existia, mantendo-se, por isso, o circunstancialismo impeditivo da qualificação como custos dedutíveis dos donativos concedidos à referida fundação.
Assim, constata-se que a legalidade do ato cuja apreciação foi posta à consideração da Autoridade Tributária na reclamação graciosa apresentada em 24/11/2005, já foi objeto de apreciação judicial no acórdão do TCA Norte de 25/01/2007, pelo que, atendendo à já mencionada preferência absoluta do processo judicial sobre o processo administrativo na apreciação de um mesmo ato tributário, não cabe à Autoridade Tributária decidir a reclamação graciosa (remetida para apensação à impugnação), uma vez que os fundamentos nela invocados já foram objeto de decisão judicial transitada em julgado.
Desta forma, e tendo igualmente presente que não se encontra pendente qualquer oposição à execução fiscal n.° 3182200201010085, impõe-se concluir que a ora Reclamante esgotou os meios procedimentais e processuais relativos à apreciação da legalidade e da exigibilidade da dívida exequenda, inexistindo, por isso, fundamento legal para que a execução fiscal não prossiga para a cobrança da dívida, designadamente através da compensação desta com um reembolso de IRC de 2013. (…)”
Ora, estabilizada a matéria de facto apurada, com o aditamento efectuado por este tribunal de recurso, podemos constatar que, na verdade, o processo de reclamação graciosa nunca esteve efectivamente apensado ao processo n.º IMP02/02/22.
Verifica-se que a reclamação graciosa mencionada na alínea D) supra, que deu lugar à instauração do processo n.º 3182-05/400424.8, foi remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por ofício da Direcção de Finanças do Porto de 17/02/2006, para efeitos de apensação à impugnação judicial n.º IMP02/02/22. Contudo, nessa data, esta impugnação não se encontrava no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (cfr. alíneas M) a P)), encontrando-se até 19/02/2007 nos tribunais superiores para apreciação de recurso interposto.
Observa-se, ainda, que este processo de reclamação nunca chegou a ser apensado ao processo n.º IMP02/02/22, nem em primeira instância nem nos tribunais superiores. Isto porque o Tribunal Central Administrativo Norte remeteu ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto o processo n.º IMP02/02/22 unicamente com o processo administrativo apenso. Aqui chegado, com decisão transitada em julgado, em 04/07/2007 foi enviado, a título devolutivo, para o Serviço de Finanças (cfr. alínea Q)).
Note-se que somente em 31/03/2008 é proferido despacho judicial a determinar a apensação do processo de reclamação ao processo n.º IMP02/02/22. Uma vez que este já não se encontrava novamente no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, o processo de reclamação foi remetido a título definitivo ao respectivo serviço de finanças.
Em face dos factos, não podemos acompanhar a sentença recorrida quando constata que a legalidade do acto, cuja apreciação foi posta à consideração da Autoridade Tributária na reclamação graciosa apresentada em 24/11/2005, já foi objecto de apreciação judicial no acórdão do TCA Norte de 25/01/2007.
Na verdade, quando a reclamação graciosa foi deduzida em 24/11/2005, já o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto havia prolatado decisão em 24/04/2004. Esta foi objecto de recurso e quando o processo de reclamação foi enviado pelo Serviço de Finanças respectivo para apensação à impugnação judicial, já esta tinha sido remetida, para apreciação do recurso, ao STA. Saliente-se que o processo n.º IMP02/02/22 esteve nos tribunais superiores somente acompanhado do processo administrativo. Logo, em rigor, não podemos dizer que o processo de reclamação já foi objecto de decisão, uma vez que nunca o seu conteúdo foi conhecido e apreciado por qualquer tribunal até à data.
Vejamos.
A reclamação graciosa fundamentou-se em circunstâncias inovadoras e documentos supervenientes em relação à impugnação judicial anteriormente apresentada contra a mesma liquidação de imposto – o processo de Impugnação Judicial n.º 02/02/22, apresentado em 31/12/2001, cuja pronúncia sobre a questão de fundo foi proferida por Acórdão do TCAN de 10/11/2005 (cfr. alíneas B) e C) da factualidade provada).
Com efeito, conforme resulta da reclamação graciosa e respectiva documentação anexada à mesma, esta foi apresentada com fundamento nos artigos 70.º, n.º 2, 3 e 4 do CPPT (na redacção então em vigor) e assentou no facto do SEAF, entretanto, por despacho superveniente, de 11/10/2004 (publicado em DR em 03/12/2004), ter reconhecido à entidade donatária (a Fundação B..) a isenção de IRC, com efeitos desde 30/04/1992 (cfr. alínea D) da factualidade provada).
Em 25/11/2005, a Recorrente apresentou requerimento de arguição de nulidade e pedido de reforma do sobredito Acórdão do TCAN de 10/11/2005 – (cfr. alínea E) da factualidade provada).
No entanto, conforme se afirma em alínea G) da factualidade provada, esse requerimento de arguição de nulidade decisória e pedido de reforma foi indeferido por Acórdão do TCAN de 25/01/2007.
Reitera-se, contrariamente ao pressuposto na decisão aqui recorrida, nesse Acórdão do TCAN de 25/01/2007 não foi apreciado o mérito da reclamação graciosa apresentada em 24/11/2005, nem em qualquer outra decisão judicial proferida no processo de Impugnação Judicial n.º 02/02/22, conforme resulta de todos os elementos constantes dos autos.
O que se disse naquele Acórdão do TCAN de 25/01/2007 (para além de se considerar não haver nulidade por omissão de pronúncia) foi que a isenção de IRC entretanto concedida à referida Fundação não alterava o sentido da decisão expressa no anterior Acórdão do mesmo TCAN de 10/11/2005 (cfr. alínea G) da factualidade provada).
Ou seja, como refere a Recorrente nas suas alegações de recurso, tratou-se de uma pronúncia meramente formal ou adjectiva/processual – a dita factualidade/documentação superveniente não era de molde a alterar o anteriormente decidido no Acórdão sobre a matéria de fundo, proferido em 10/11/2005, atento o sentido decisório expresso nesse Acórdão.
Com efeito, no Acórdão do TCAN de 25/01/2007 não se emitiu qualquer pronúncia substancial de mérito quanto à questão de fundo concretamente suscitada na reclamação graciosa – que os donativos em questão, por virtude da superveniente concessão de isenção de IRC à Fundação (com efeitos retroagidos a 30/04/1992), enquadravam-se no artigo 39º-A do Código do IRC (na redacção à data), com o consequente vício de violação desta disposição legal (cfr. pontos 12. e 13. da reclamação graciosa).
Daí que, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, esse Acórdão do TCAN de 25/01/2007 não produziu caso julgado sobre a questão de fundo concretamente suscitada na reclamação graciosa – o enquadramento dos donativos no artigo 39.º-A do Código do IRC em consequência do reconhecimento administrativo superveniente da isenção de IRC da entidade beneficiária desses donativos.
Salienta-se o disposto no artigo 621.º do CPC: a decisão judicial constitui caso julgado tão só “nos precisos limites e termos em que julga”.
Aquele Acórdão do TCAN de 25/01/2007 limitou-se a referir que o anterior Acórdão de 10/11/2005 do mesmo Tribunal não podia ser alterado – com o consequente indeferimento do pedido de reforma.
De modo que a decisão judicial que acabou por prevalecer, nos precisos termos em que decidiu, foi a decisão plasmada no Acórdão do TCAN de 10/11/2005 – proferido antes da remessa da reclamação graciosa ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. E não a decisão expressa no Acórdão do TCAN de 25/01/2007, que não emitiu qualquer pronúncia de mérito sobre a questão de fundo, outrossim limitando-se a indeferir a arguição de nulidade decisória e a indeferir o pedido de reforma; não alterando minimamente o Acórdão prolatado em 10/11/2005, pois manteve-o na íntegra.
Por conseguinte, o único Acórdão prevalecente sobre a questão de fundo, “nos precisos limites e termos em que decidiu” (artigo 621.º do CPC), foi precisamente o Acórdão de 10/11/2005 – proferido antes, inclusivamente, da data da apresentação da reclamação graciosa (apresentada em 24/11/2005), pelo que jamais a poderia ter apreciado.
Sendo que em nenhuma decisão judicial proferida no processo n.º IMP02/02/22 foi apreciado o mérito da reclamação graciosa apresentada em 24/11/2005 – a violação (ou não) do artigo 39º-A do Código de IRC, por virtude do reconhecimento administrativo superveniente da isenção de IRC à Fundação B…– a mesma permanece pendente, ou seja, sem decisão final.
Nesta conformidade, estamos perante a excepção prevista no artigo 89.º do CPPT, que impede que créditos, designadamente oriundos de reembolso, sejam aplicados na compensação das dívidas do executado cobradas pela AT: está pendente reclamação graciosa n.º 3182-05/400424.8 e a dívida exequenda mostra-se garantida nos termos do artigo 169.º do CPPT.
O que ficou dito é suficiente para concluirmos que o acto tributário de compensação aqui reclamado violou os artigos 89.º, n.º 1, alínea b) e 169.º, n.º 1 do CPPT, e 52.º, n.º 1 e 2 da LGT, pelo que se impõe a sua eliminação da ordem jurídica.
Nestes termos, o recurso merece provimento.


Conclusões/Sumário

I - De acordo com o disposto no artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), os créditos ali previstos (entre os quais os de reembolso) são obrigatoriamente aplicados na compensação das dívidas do executado cobradas pela AT, excepto nos casos em que (a) esteja a correr prazo para interposição de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução ou (b) esteja pendente qualquer desses meios graciosos ou judiciais, ou a dívida esteja a ser paga em prestações, desde que a dívida exequenda se mostre garantida nos termos do artigo 169.º do mesmo Código.
II - O disposto no n.º 1 do artigo 89.º do CPPT pressupõe a proibição de efectuar a compensação se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda, exprimindo uma intenção legislativa de a compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia.
III – Para este efeito, entende-se estar pendente reclamação graciosa se a mesma não foi objecto de decisão final, seja administrativa seja judicial, designadamente por não ter sido efectivamente apensada à impugnação judicial correspondente, nos termos do disposto no artigo 111.º, n.º 4 do CPPT, e não ter sido considerado o seu conteúdo nos precisos limites e termos em que foi julgada a impugnação judicial – cfr. artigo 621.º do Código de Processo Civil.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a reclamação procedente, anulando o acto de compensação reclamado.
Custas a cargo da entidade recorrida somente em 1.ª instância.

Porto, 28 de Maio de 2015
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves