Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00351/22.3BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/28/2022
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins [por vencimento]
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR; PROCEDIMENTO CAUTELAR; PROVA TESTEMUNHAL;
N.º 1 DO ARTIGO 118º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
N.º2 DO ARTIGO 393º DO CÓDIGO CIVIL; RENOVAÇÃO DA PROVA; PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA;
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES; ARTIGO 2º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; ARTIGO 266º, N.ºS 1 E 2, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; IGUALDADE DAS PARTES NO PROCESSO;
PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; PROCESSO CIVIL; ARTE FINAL DA ALÍNEA G), DO N.º 3 DO ARTIGO 114º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; CADUCIDADE;
INFRACÇÃO CONTINUADA; PODERES DE ENQUADRAMENTO JURÍDICO DO JUIZ CAUTELAR; ARTIGO 220.º, N.º 4, ALÍNEA B), DA LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS;
ESCOLHA E MEDIDA DA SANÇÃO DISCIPLINAR; PODERES DISCRICIONÁRIOS.
Sumário:
1. No processo judicial não cabe fazer nova prova dos pressupostos de facto da decisão punitiva, tomada em processo administrativo disciplinar. Fazendo tábua rasa e inutilizando toda a prova produzida em processo administrativo, pela simples interposição de uma impugnação judicial, sob pena de violação do princípio da separação de poderes consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa. Cabe apenas apreciar se foi feita toda a prova requerida que fosse pertinente e se, tratando-se aqui de uma providência cautelar, os factos que serviram de fundamento à decisão recorrida se podem considerar indiciados face à prova produzida no procedimento disciplinar.
2. Não se vê em que medida este entendimento viola o princípio da igualdade das partes e o direito à tutela jurisdicional efectiva.
3. Ao demandado cabe demonstrar, neste caso de forma perfunctória, que dos elementos de prova recolhidos no procedimento administrativo se podem extrair os factos que serviram de fundamento à decisão punitiva. Ao autor cabe abalar a firmeza dessa tese, em termos de se concluir ser provável que se venha a demonstrar no processo principal existir erro nos pressupostos de facto da decisão punitiva. As partes estão em posição de igualdade.
4. Também se mostra sem sentido a alegação de que tal entendimento se traduz numa violação do direito à tutela jurisdicional efectiva. Apenas se trata do entendimento, conforme à Constituição, de que no caso de uma relação jurídica administrativa em que existe um acto administrativo, a regulação judicial do conflito que surja à volta dessa relação não pode ser efectuada da mesma maneira que seria se não tivesse sido praticado um acto administrativo.
5. Tratam-se de situações jurídicas distintas a exigir uma tutela jurisdicional distinta. Não pode fazer tábua rasa da prova produzida em sede administrativa e julgar sobre a relação jurídica em litígio ignorando por completo a regulação feita em primeira linha pela Administração, de acordo com os poderes que a própria Constituição lhe confere – artigo 266º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa. Como se se tratasse de um litígio entre particulares em que nenhuma das partes exerce poderes de autoridade e de definição unilateral da relação jurídica sobre a outra.
6. O princípio da igualdade, também das partes em processo, exige que se trate de forma diferente, não igual, situações que são diferentes. E o direito à tutela jurisdicional torna-se efectivo de formas distintas, nos conflitos jurídico-privados e nos conflitos jurídico-administrativos. Precisamente por isso é que (ainda) existe um Código de Processo Civil e um Código de Processo nos Tribunas Administrativos e Fiscais e embora aquele se aplique subsidiariamente não se aplica indistintamente um ou outro consoante a vontade do julgador – artigo 1º deste último diploma.
7. No caso concreto uma análise perfunctória do processo disciplinar permite confirmar que a condenação do requerente se baseou em provas credíveis e não simples indícios ou opiniões subjectivas, que permitem um juízo de certeza e uma convicção segura de que o requerente praticou os factos que lhe foram imputados, baseando-se na participação dos 129 estudantes e nos 17 depoimentos de estudantes da Faculdade de Letras da Universidade demandada, bem como nos documentos apresentados pelos estudantes ouvidos, de onde constam, entre outros aspectos, algumas das citações e comentários transcritos. Não se pode concluir, portanto, ao menos de forma perfuntória, ser provável que no processo principal o Autor e Recorrente venha a demonstrar o erro nos pressupostos e facto do acto punitivo.
8. No processo cautelar a produção de prova para além da já produzida nos articulados é excepcional e depende do livre arbítrio do juiz na consideração da sua necessidade, como decorre claramente da parte final do n.º 1 do artigo 118º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. No caso, o autor e recorrente pretendia fazer prova testemunhal de que “existiam professores com formação jurídica que podiam ser instrutores”. Ora este alegado facto não é sequer susceptível de prova testemunhal, face ao disposto no n.º2 o artigo 393º do Código Civil, por dever ser provado documentalmente. A formação dos funcionários e a sua afectação a determinado serviço ou departamento prova-se por documento e não pelo que se diz. Se queria fazer prova desse facto deveria ter apresentado em tempo oportuno, com o articulado inicial, como era seu ónus, a pertinente prova documental – parte final da alínea g), do n.º 3 do artigo 114º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
9. Compete ao juiz cautelar decidir, ainda que de forma perfuntória, se a infracção é espontânea ou continuada, pois em matéria de direito, seja em processo principal seja em providência cautelar, cabe ao tribunal aplicar o direito aos factos com liberdade e autonomia. De resto, não se vê em que pode afectar a validade da decisão judicial a análise mais profunda do caso quando é apenas exigível uma análise sumária. O contrário, sim, uma análise perfuntória no processo principal afectaria se não a validade pelo menos o mérito da decisão.
10. A audiência prévia do autor, não sendo obrigatória, permite um melhor apuramento dos factos dando ao visado a oportunidade de mais uma vez apresentar, quiçá de maneira mais aprofundada, a sua defesa. Pelo que cabe perfeitamente no conceito de “novas diligências” a que alude o artigo 220.º, n.º 4, alínea b), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, para fixar novo termo para a decisão do procedimento, o termo do prazo fixado para a realização dessas diligências.
12. Na escolha e medida da sanção a Administração goza de uma ampla margem de discricionariedade. Pelo que, sob pena de o Tribunal se imiscuir naquilo que é essencialmente actividade administrativa, ou seja, de violação do princípio da separação de poderes, só no caso de violação dos parâmetros vinculados da decisão, de erro grosseiro ou desvio de poder, pode o acto ser anulado.
Recorrente:AA
Recorrido 1:Universidade do Porto
Votação:Maioria
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
AA, veio interpor o RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 26.07.2022, pela qual foi julgado (totalmente) improcedente o processo cautelar que deduziu contra a Universidade do Porto para a suspensão da eficácia do acto do seu Reitor, de 22.03.2022, de aplicação da pena disciplinar de despedimento.
Invocou para tanto, em síntese, que: a decisão recorrida é nula, nos termos previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, uma vez que não deu por provado um só facto que tenha sido praticado pelo arguido (e em que data os terá praticado), o que era absolutamente essencial para que pudesse concluir pela não comprovação do fumus boni iuris; em todo o caso, a decisão recorrida errou ao considerar não verificado este requisito quando, ao invés, deveria ter julgado verificados todos os requisitos a que alude o artigo 120º do Código de Procedimento Administrativo.
A Universidade do Porto contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
O Ministério Público não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1.ª O presente recurso jurisdicional foi interposto contra a sentença cautelar proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 26 de Julho p.p., que julgou improcedente a providência cautelar de suspensão da eficácia do despacho punitivo por, alegadamente, o requerente não ter logrado demonstrar sumariamente o fumus boni iuris.
2ª Consequentemente, o presente recurso é, deste modo, restrito ao segmento decisório que considerou não verificado o fumus boni iuris, uma vez que relativamente à comprovação do periculum in mora a sentença em recurso não merece qualquer reparo e nem sequer é objecto de recurso.
3º Salvo o devido respeito, ao não decretar a providência cautelar por não comprovação da aparência do bom direito, o tribunal a quo incorreu em flagrante erro de julgamento, cometendo uma sucessiva série de erros jurídicos, dificilmente compreensíveis por parte de quem tem a obrigação de não ignorar a natureza instrumental da tutela cautelar e, sobretudo, de respeitar e fazer respeitar o princípio constitucional da presunção da inocência.
Na verdade,
4ª O aresto em recurso enferma da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do art.º 615º do CPC, uma vez que não deu por provado um só facto que tenha sido praticado pelo arguido (e em que data os terá praticado), o que era absolutamente essencial para que pudesse concluir pela não comprovação do fumus boni iuris, uma vez que sem dar por provados os concretos factos praticados pelo arguido não poderia o Tribunal a quo afastar a presunção de inocência de que este beneficiava nem considerar que quem se presumia inocente não lograra demonstrar a aparência da sua inocência e o erro nos pressupostos em que incorrera o acto punitivo.
5ª Ora, o aresto em recurso apenas deu por provado (tendo transcrito) o texto da acusação, não tendo em parte alguma dado por provado que efectivamente o arguido proferira qualquer afirmação perante os seus alunos, pelo que o aresto em recurso não especificou o ou os factos que eram essenciais para poder afastar a presunção de inocência de que aquele beneficiava e para poder concluir que o vício de violação da lei por erro nos pressupostos não se verificava.
Acresce que,
6.ª O aresto em recurso atentou contra a natureza instrumental, perfunctória e provisória da tutela cautelar, pois se na apreciação de alguns vícios tudo decidiu e nada deixou para o juiz da acção principal decidir, já noutro vício – o da violação de lei por erro nos pressupostos – se demitiu completamente da sua função de juiz cautelar e nem sequer quis saber se os factos que fundamentavam tal vício tinham ou não verosimilhança ou uma probabilidade séria de serem verdadeiros.
Para além disso,
7ª O aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento ao considerar não demonstrado sumariamente o fumus boni iuris, desde logo porque se não especificou como provado um só comportamento que tenha sido praticado pelo requerente - designadamente que afirmações proferiu na sala de aula e quando as proferiu-, muito naturalmente que não poderia deixar de considerar verificada a aparência do bom direito, uma vez que, presumindo-se o Requerente inocente e não tendo sido dado por provada a ocorrência dos factos pelos quais foi acusado e punido pela entidade demandada, não havia qualquer facto que legitimasse o afastamento da presunção de inocência e que permitisse considerar que a factologia constante da acusação era verdadeira e que, portanto, não era provável a procedência do vício de violação d elei por erro nos pressupostos.
Por outro lado,
8º O aresto em recurso incorreu em manifesto erro de julgamento e em clara violação do princípio da igualdade das partes e do direito à tutela judicial efectiva ao considerar que o requerente não lograra demonstrar a probabilidade da procedência do vício de violação de lei por erro nos pressupostos, uma vez que só atendeu à factologia constante do processo instrutor e nem sequer permitiu que fosse realizada a prova que o Requerente arrolara para comprovar a sua inocência e a probabilidade de procedência de tal vício, o que é inadmissível num estado de direito, conforme ainda recentemente deixou bem claro este douto Tribunal Central Administrativo em Acórdão de 15 de Julho de 2022.
9ª Com efeito, um dos vícios imputados e que fundamentavam a aparência do bom direito era o vício de violação de lei por erro nos pressupostos, tendo o requerente alegado factos contrários àqueles pelos quais fora acusado e punido e requerido a produção de prova testemunhal para comprovar a ocorrência de tal vício, pelo que o Tribunal a quo não se poderia demitir da sua função e dar por verdadeiros os factos alegados pela Administração sem antes permitir ao requerente provar a veracidade dos factos que alegara para sustentar a procedência do vício de violação de lei por erro nos pressupostos.
10ª Neste mesmo sentido, ainda recentemente este TCANORTE deixou bem claro que “… se cabe ao interessado o ónus da prova dos factos que alega, não lhe pode ser recusada a possibilidade de os provar sob pena de coartar “o direito à prova” dos seus apresentantes. De facto este direito à prova postula a ideia as partes têm o direito (i), por via de ação e da defesa, de utilizarem a prova em seu beneficio e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal, de (ii) contradizer as provas apresentada pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal, bem como (iii) o direito à contraprova” (v. Ac.º TCA Norte, de 15 de Julho de 2022, Proc. n.º 653/21.6BEAVR).
11ª Refira-se, aliás, que também relativamente à nulidade do procedimento disciplinar por violação do art.º 208º da LTFP, o tribunal a quo não permitiu ao requerente ouvir as testemunhas que poderiam comprovar que existiam professores com formação jurídica que podiam ser instrutores e depois concluiu que o requerente não lograra provar que havia tais outros professores, devendo-se perguntar como é que o Requerente poderia comprovar a veracidade do que afirmara e a aparência da procedência do vício se o Tribunal a quo nem sequer quis ouvir a sua prova?
12ª Consequentemente, é manifesta o erro de julgamento em que incorreu o aresto em recurso ao considerar que o requerente não lograra demonstrar a probabilidade da procedência do vício de violação de lei por erro nos pressupostos, podendo-se dizer que com a tese sufragada pelo Tribunal a quo não há tutela cautelar que seja decretada nem igualdade de partes ou tutela judicial efectiva que seja assegurada.
13ª O aresto em recurso incorreu igualmente em erro de julgamento ao considerar que o requerente não lograra demonstrar sumariamente que o procedimento disciplinar enfermava de nulidade insuprível por falta de descrição das circunstâncias de modo em que a infracção teria sido cometida, uma vez que não só o próprio Tribunal a quo reconhece que “nem todos os comentários foram textualmente reproduzidos…” e que em alguns até se fala apenas em “…não assumir uma postura dinâmica…” – o quer por si só é suficiente para sumariamente se considerar demonstrado o fumus boni iuris, seja por da acusação terem de constar textualmente as afirmações imputadas ai arguido, seja por uma postura dinâmica ser uma conclusão que tem de ser alicerçada em factos -, como uma simples leitra da acusação permitir ainda verificar que as circunstâncias de tempo são diluídas por dois longos anos – sem ao menos se referir o mês ou semana em que o arguido terá praticado os factos - e que a maioria das acusações imputadas ao arguido se baseavam em muitas outras conclusões desprovidas de qualquer facto que as alicerce ou comprove.
14ª O aresto em recurso incorreu ainda em erro de julgamento ao considerar que o direito de instaurar o procedimento disciplinar ainda não estava prescrito, uma vez que não só não compete ao juiz cautelar decidir se a infracção é espontânea ou continuada – e nem a acusação sequer considerou que a infracção era de natureza continuada - como, em qualquer dos casos, não sabendo o Tribunal a quo em que data cada afirmação imputada ao arguido teria sido proferida e competindo a quem acusa comprovar as circunstâncias de tempo, muito naturalmente que por força da presunção de inocência de que beneficia o arguido teria o Tribunal a quo de admitir como sendo provável que o procedimento disciplinar já estivesse caduco em 28 de Fevereiro de 2021 e, como tal, dar por sumariamente verificado o fumus boni iuris.
Para além disso,
15ª O aresto em recurso incorreu ainda em erro de julgamento ao considerar que não era provável que o vício de caducidade do direito de aplicar a pena fosse procedente, uma vez que não só não compete ao juiz cautelar estar a discorrer sobre novas causas de prolongamento do prazo de 30 dias previsto nos nºs 4 e 6 do artº 220º da LTFP, como, em qualquer dos casos, a facultativa realização de um acto não previsto nem obrigatório – como o da audiência dos interessados em sede disciplinar – não tem a virtualidade de impedir o início do prazo de caducidade de 30 dias nem de prorrogar esse mesmo prazo, pelo que é notório que em 22 de Março de 2022 já estava caduco o direito de aplicar a pena (ex vi do disposto nos nºs 4 e 6 do artº 220º da LTFP). Por fim,
16ª O aresto em recurso incorreu em erro de julgamento ao não considerar verificada a violação do princípio da proporcionalidade, uma vez que tendo o Tribunal a quo expressamente reconhecido que um dos fundamentos para a aplicação da pena de demissão foi a circunstância de o Requerente em 2015 ter sido alvo de um processo disciplinar, muito naturalmente que não podendo essa circunstância ser ponderada para efeitos de determinação da medida da pena (v., neste sentido, o artº 191º da LTFP) está sumariamente provada a violação do princípio da proporcionalidade das penas, justamente por na determinação da pena ter sido considerada uma circunstância que à face da lei não poderia ser ponderada para esse efeito.
17ª Demonstrado o erro de julgamento em que incorreu o aresto em recurso ao não considerar preenchido o fumus boni iuris e estando assente nos presentes autos a verificação do periculum in mora, o decretamento da tutela cautelar depende apenas da ponderação de interesses a que alude o nº 3 do artº 120º do CPTA.
18ª Ora, não obstante o tribunal a quo não se ter pronunciado sobre essa matéria, a verdade é que por força do alegado nos artºs 106º a 115º da p.i – que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos – nada obsta em sede de ponderação de interesses a que a tutela cautelar requerida seja concedida, não havendo qualquer grave prejuízo para o interesse público – o qual, aliás, nem sequer foi objecto de prova em tribunal, não tendo sido submetidos a prova os factos alegados pela entidade demandada no sentido da existência de tal grave prejuízo.
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Questão prévia. A nulidade da sentença.
Invoca o Recorrente, nas suas conclusões, o seguinte, a este propósito:
4ª O aresto em recurso enferma da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do art.º 615º do CPC, uma vez que não deu por provado um só facto que tenha sido praticado pelo arguido (e em que data os terá praticado), o que era absolutamente essencial para que pudesse concluir pela não comprovação do fumus boni iuris, uma vez que sem dar por provados os concretos factos praticados pelo arguido não poderia o Tribunal a quo afastar a presunção de inocência de que este beneficiava nem considerar que quem se presumia inocente não lograra demonstrar a aparência da sua inocência e o erro nos pressupostos em que incorrera o acto punitivo.
5ª Ora, o aresto em recurso apenas deu por provado (tendo transcrito) o texto da acusação, não tendo em parte alguma dado por provado que efectivamente o arguido proferira qualquer afirmação perante os seus alunos, pelo que o aresto em recurso não especificou o ou os factos que eram essenciais para poder afastar a presunção de inocência de que aquele beneficiava e para poder concluir que o vício de violação da lei por erro nos pressupostos não se verificava.
Acresce que,
6.ª O aresto em recurso atentou contra a natureza instrumental, perfunctória e provisória da tutela cautelar, pois se na apreciação de alguns vícios tudo decidiu e nada deixou para o juiz da acção principal decidir, já noutro vício – o da violação de lei por erro nos pressupostos – se demitiu completamente da sua função de juiz cautelar e nem sequer quis saber se os factos que fundamentavam tal vício tinham ou não verosimilhança ou uma probabilidade séria de serem verdadeiros.
Mas sem razão.
O Tribunal não tinha de dar como provados factos à margem da prova produzida no processo administrativo porque não é uma segunda instância administrativa nem pode decidir como se o fosse.
Desde logo, por uma questão prática, os tribunais não têm condições humanas nem materiais de decidirem como se fossem uma segunda instância administrativa em relação a toda a Administração Pública, ainda que restringindo a sua actividade às relações de conflito jurídico.
Mas também porque tal constituiria uma flagrante violação do princípio da separação de poderes constitucionalmente consagrado - artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.
Uma coisa é analisar a prova produzida no processo disciplinar para verificar a regularidade do procedimento, designadamente no diz respeito às garantias de defesa e concluir – ou não -, face à prova ali produzida, pela verificação dos pressupostos de facto e pela validade ou invalidade da escolha da sanção aplicada e o acerto da medida.
Essa é tarefa dos Tribunais.
Coisa distinta é fazer tábua rasa do procedimento disciplinar e fazer nova prova em Tribunal da verificação ou não dos pressupostos de facto da decisão punitiva.
Isso é tomar o lugar da Administração, em reexame do processo.
A impugnação contenciosa não constitui uma renovação, reexame ou revisão do processo disciplinar, pelo que é pela prova neste produzida que deverá conhecer-se da sua regularidade, da prática das faltas imputadas ao arguido e da qualificação jurídica das apuradas.
São os factos aí estabelecidos face à investigação feita pela entidade demandada e face à defesa apresentada – e não outros – os que importa determinar se estão verificados ou não para aquilatar da validade do acto punitivo, em concreto para aquilatar da verificação – ou não - dos pressupostos de facto e da validade da escolha e medida da sanção aplicada.
Verificação que não passa por um novo julgamento, mas pela análise da suficiência, legalidade e conformidade entre as provas produzidas no procedimento administrativo – e que incluíram as oferecidas pela defesa -, e os factos fixados pela entidade demandada.
Sob pena de, repete-se, fazendo o tribunal um novo julgamento sobre a verificação ou não da infracção, abstraindo do acto impugnado, se verificar uma clara violação do princípio da separação de poderes.
No caso o Tribunal recorrido alinhou os factos relevantes que importava alinhar, o que estava documentado no processo disciplinar e permite aquilatar da validade do mesmo e da validade da decisão final punitiva.
A prova dos autos ultrapassa até as exigências de prova de um procedimento cautelar, sumária e perfunctória.
Pelo que se conclui inexistir a nulidade apontada.
II –Matéria de facto.
A decisão recorrida deu como indiciariamente provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte e que são os relevantes, nos termos acima expostos:
A) O Requerente, foi, desde 13.05.2001, Professor Auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, exercendo as suas funções em regime de exclusividade.
B) Em 24.01.2021, BB, estudante da Licenciatura em Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, dirigiu uma mensagem de correio eletrónico a CC, Diretor da Licenciatura e Mestrado em Ciências da Comunicação desta última faculdade, através do qual expôs, entre o mais, o seguinte:
“Depois da reunião da Comissão de Acompanhamento da LCC, na segunda-feira passada, ao dizer que precisaríamos de provas concretas para sustentar as queixas graves que apresentamos sobre o Prof. Doutor AA, os alunos decidiram organizar-se e redigir duas queixas formais aos docentes em questão. O documento relativo ao Prof. AA tem 115 assinaturas do 2º e 3º ano da Licenciatura. Tal como indica no primeiro parágrafo dos documentos, peço que reencaminhe este email para a Diretora da FLUP, Prof. Doutora DD, a Prof. Doutora EE, na pessoa de Presidente da Comissão de Ética da FLUP, e o Prof. Doutor FF, na pessoa de Responsável do Conselho Pedagógico da FLUP. Acreditamos que a dimensão e gravidade das queixas que apresentamos justificam o envolvimento destes órgãos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e por isso, no melhor espírito democrático em dia de Eleição Presidencial, expomos as nossas preocupações e esperamos que justiça possa ser feita. Não servirá de muito aos que já terminaram as Unidades Curriculares, mas nestes documentos encontra 308 assinaturas de estudantes que querem melhorar esta Instituição de Ensino e melhorar a situação das gerações de Ciências da Comunicação que estão por vir.”
(cfr. fls. 6 a 7 do processo administrativo).
C) Em anexo à mensagem aludida na alínea anterior, BB procedeu ao envio de um documento, do qual se extrai, além do mais, o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 8 a 12 do processo administrativo).
D) Em 25.01.2021, CC reencaminhou esta mensagem e respectivo anexo para a Directora da Faculdade da Letras da Universidade do Porto (cfr. fls. 6 do processo administrativo).
E) Em 26.01.2021, a Directora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto reencaminhou a mensagem e respectivo anexo, “para conhecimento e eventual instauração de processo de averiguações”, ao Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (cfr. fls. 5 e 6 do processo administrativo).
F) O Director da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, em 28.01.2021, com referência aos documentos que antecedem, proferiu o despacho n.º ...21, do qual se extrai o seguinte:
“(…) é suficientemente clara a existência de matéria factual para instaurar o competente Processo Disciplinar ao Professor Doutor AA, por estarem em causa, em abstrato, violação de deveres imputados aos trabalhadores, previstos no artigo 73.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na sua redação atual preconizada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março), bem como outros que deverão ser apurados, sem prejuízo de eventual apuro em matéria criminal.
Nomeio como instrutor a Sociedade de Advogados “GG”, na pessoa do Dr. HH, Advogado, ao abrigo do artigo 1.º, alínea a) do Despacho n.º ...18, de 3 de julho de 2018, publicado no Diário da República n.º 162/2018, publicado no Diário da República n.º 162/2018, Série II de 2018-08-23, em consonância com o artigo 108.º da LGTFP.
Considerando que:
(…)
Em reunião de Conselho Científico de 17 de janeiro de 2020, para o ano letivo 2020/2021, foi deliberado a seguinte distribuição de serviço docente ao Professor Doutor AA:
· Seminário de Economia (1EC304) I Semestre – Licenciatura em Economia – 3 turmas – 4H50
· Gestão da Informação (1GE107) – II Semestre – Licenciatura em Gestão – 2 turmas – 6H00
· Introdução à Economia (CC028) – II Semestre – Lic. Ciências da Comunicação – 2 turmas – 6H00
Os factos relatados, em abstrato, violam deveres de prossecução do interesse público, de zelo, de obediência e de lealdade, previstos nos artigos 73.º, n.º 1 e 2, alíneas a), e), f) e g) da Lei Geral do Trabalho em funções públicas, com infração punível com sanção disciplinar de suspensão ou superior.
O alarme instalado na Universidade do Porto, nomeadamente na Faculdade de Letras, pelo facto de as condutas relacionadas estarem, em abstrato, relacionadas com o incitamento ao ódio e discriminação.
O Despacho Reitoral n.º GR.06... da Universidade do Porto em que foi aplicado ao Professor Doutor AA uma sanção de suspensão por 30 dias, por condutas relacionadas com a mesma temática, mas em contexto diferente.
A presença e o exercício das funções docentes do Professor Doutor AA não se revela conveniente ao bom funcionamento das unidades curriculares em causa e ao apuramento da verdade.
Determino:
Ao abrigo do disposto no artigo 211.º da LGTFP, a suspensão preventiva ao Professor Doutor AA, com efeitos a 15 de fevereiro de 2021 e pelo prazo máximo de 90 dias, sem perda de retribuição. (…)” .
(cfr. fls. 3 e 4 do processo administrativo).
G) Em 29.01.2021, foi remetido ao Requerente, um oficio assinado pelo Diretor da Faculdade de Economia e Gestão da Requerida, a dar-lhe conhecimento do despacho que antecede (cfr. fls. 13 do processo administrativo).
H) Na mesma data, o secretariado daquela Faculdade, remeteu uma mensagem de correio eletrónico ao Requerente, a dar-lhe conhecimento do indicado despacho (cfr. fls. 27 do processo administrativo).
I) Em 01.02.2021, foi, pelo indicado Instrutor, dado início ao procedimento disciplinar (cfr. fls. 1 e 2 do processo administrativo).
J) Em 03.02.2021, a sociedade de advogados “GG” remeteu ao Requerente, por carta registada, com aviso de recepção, a comunicação do início do procedimento disciplinar (cfr. fls. 13 e 15 do processo administrativo).
L) A carta que antecede veio devolvida com a indicação de “Objecto não reclamado” (cfr. fls. 41 e seguintes do processo administrativo).
M) Com data de 12.02.2021, o Director da Faculdade de Economia da Universidade do Porto emitiu “Aviso” para publicação em Diário da República (cfr. fls. 28 e 41 do processo administrativo).
N) Em 15.02.2021, o indicado Instrutor exarou a seguinte cota no processo:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
O) Nesta mesma data, o secretariado da Faculdade de Economia da Universidade do Porto remeteu uma mensagem de correio eletrónico ao Requerente a dar-lhe conhecimento do aviso a que se reporta a alínea m) (cfr. folhas 26 e seguintes do processo administrativo).
P) Em 01.03.2021, e sob o assunto “Recurso ao Despacho N. ...21 do Exmo. Sr. diretor da FEP”, o Requerente dirigiu ao Reitor da Universidade do Porto uma mensagem de correio eletrónico, do qual se extrai o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 68 do processo administrativo).
Q) Na sequência da mensagem aludida na alínea anterior, o Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto proferiu o despacho n.º ...21, datado de 02.03.2021, do qual se extrai o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 71 do processo administrativo).
R) Em 03.03.2021, o secretariado da Faculdade de Economia da Universidade do Porto dirigiu uma mensagem de correio eletrónico ao Requerente, dando-lhe conhecimento do despacho aludido na alínea que antecede (cfr. fls. 72 do processo administrativo).
S) Na mesma data, o secretariado da Faculdade de Economia da Universidade do Porto remeteu ao Requerente, carta registada, com aviso de recepção, contendo o despacho em questão (cfr. fls. 72 e 73 do processo administrativo).
T) Em 09.03.2021, foi publicado, em Diário da República, o aviso de 12.02.2021.
(cfr. fls. 89 do processo administrativo).
U) Na mesma data, o Instrutor do processo disciplinar, dirigiu uma mensagem de correio eletrónico à Directora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto solicitando-lhe o “envio dos resultados dos inquéritos pedagógicos realizados nos anos letivos 2018/2019 e 2019/2020 à unidade curricular CC028 - Introdução à Economia e ao respectivo docente, incluindo eventuais comentários que os estudantes possam ter escrito” (cfr. fls. 93 do processo administrativo).
V) Em 22.03.2021, o secretariado da Faculdade de Economia da Universidade do Porto comunicou ao indicado Instrutor que a carta registada com aviso de recepção de 03.02.2021 foi devolvida (cfr. fls. 146 do processo administrativo).
X) Em 19.04.2021, foi publicado, em Diário da República, o Aviso nº 2...21, o qual apresentava, entre o mais, o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 210 do processo administrativo).
Z) Em 27.04.2021, o referido Instrutor requereu ao Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, “se digne conceder a prorrogação de prazo não inferior a 120 dias para a conclusão das diligências de instrução, tendo em conta que impende sobre o Instrutor o dever de analisar com rigor toda a prova trazida para os autos” (cfr. fls. 222 e 248 do processo administrativo).
AA) Em 03.05.2021, o Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, com referência ao requerimento que antecede, exarou o seguinte despacho: “Deferido” (cfr. fls. 222 e 248 do processo administrativo).
BB) Em 19.05.2021, o Instrutor remeteu ao Requerente, carta registada, com aviso de recepção, comunicando-lhe a necessidade de proceder à sua inquirição e designando, para o efeito, o dia 26.05.2021, pelas 10h30m (cfr. fls. 223 e 224 do processo administrativo).
CC) Nesta data, o Requerente não compareceu à aludida inquirição, tendo o Instrutor exarado a seguinte cota no processo:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
cf. fls. 225 do processo administrativo).
DD) Em 31.05.2021, a carta aludida em …) veio devolvida pelos CTT com a menção de “Objecto não reclamado” (cfr. fls. 230 do processo administrativo).
EE) Em 01.06.2021, o instrutor dirigiu uma mensagem de correio eletrónico ao Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto solicitando-lhe que diligenciasse, junto dos serviços competentes, no sentido de obter a disponibilização: (I) do processo disciplinar instaurado ao Requerente no ano de 2015; e de (II) certidão do registo disciplinar referente ao mesmo (cfr. fls. 226 do processo administrativo).
FF) Em 14.06.2021, o secretariado da Faculdade de Economia da Universidade do Porto remeteu ao instrutor cópia da declaração de registo disciplinar respeitante ao Requerente, de cujo teor se extrai, com interesse, o seguinte: “consultado o processo individual de AA […] consta a sanção disciplinar de suspensão graduada em 30 dias, entre 17 de fevereiro e 18 de março de 2017” (cfr. fls. 235 e 236 do processo administrativo).
GG) Em 27.07.2021, o instrutor deu por concluídas as diligências de instrução (cfr. fls. 240 do processo administrativo).
HH) Com esta mesma data, o instrutor subscreveu um documento que identificou como “Relatório do Instrutor”, do qual se extrai o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 241 a 274 do processo administrativo).
II) Em 29.07.2021, foi, pelo Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, proferido despacho de concordância em relação ao teor do relatório aludido na alínea anterior (cfr. fls. 241 do processo administrativo).
JJ) Com esta mesma data, o Instrutor deduziu acusação no processo disciplinar, da qual se extrai, entre o mais, o seguinte:
“(…)
[restante imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
[restante imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. fls. 275 a 300 do processo administrativo).
LL) Em 30.07.2021, foi remetida ao Requerente, carta registada, com aviso de recepção, contendo a cópia da acusação aludida na alínea anterior, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 301 e 302 do processo administrativo).
MM) Na mesma data, foi remetida à Comissão de Trabalhadores da Universidade do Porto, por carta registada, com aviso de recepção, cópia da acusação (cfr. fls. 303 e 304 do processo administrativo).
NN) Em 12.08.2021, a carta de 03.07.2021 veio devolvida pelos CTT com a menção de “Objecto não reclamado” (cfr. fls. 306 do processo administrativo).
OO) Na mesma data, a carta aludida em mm), veio devolvida pelos CTT com a menção de “Objecto não reclamado” (cfr. fls. 308 do processo administrativo).
(cfr. fls. 305, do processo administrativo).
PP) Em 26.10.2021, foi publicado, em Diário da República, o Aviso nº 4...21, o qual apresentava o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 309 a 311 e 313 do processo administrativo).
QQ) Em 09.12.2021, o Instrutor do processo, deu por concluídas todas as diligências de instrução (cfr. fls. 317 do processo administrativo).
RR) Com data de 14.12.2021, o Instrutor elaborou um documento que identificou como “Relatório do Instrutor”, do qual se extrai o seguinte: “
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
SS) Na mesma data, o relatório aludido na alínea anterior foi remetido ao Reitor da Requerida e ao Diretor da Faculdade de Economia desta Universidade, que o receberam nesta mesma data (cfr. fls. 357, 358 e 378 do processo administrativo).
TT) Em 20.12.2021, o Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, dirigiu uma mensagem de correio eletrónico ao secretariado da Reitoria, pelo qual lhe comunicou que: “Considerando: 1) os fundamentos da decisão de abertura do Processo Disciplinar a que se refere o presente Relatório; 2) o facto de o referido processo ter sido conduzido de modo a apurar os dados relevantes e, forçosamente, assegurar os direitos do docente; 3) o facto de o docente ter prescindido de apresentar a sua visão pessoal dos factos; 4) a conclusão a que, fundamentadamente, chega o Instrutor; Nada tenho a opor à proposta de sanção formulada tal como consta do “Relatório do Instrutor”(cfr. fls. 357 do processo administrativo).
UU) Em 21.12.2021, o Reitor da Requerida remeteu à Comissão de Trabalhadores da Universidade do Porto, cópia integral do procedimento disciplinar instaurado ao Requerente, para que, no prazo de 5 dias úteis, pudesse juntar ao processo parecer fundamentado (cfr. fls. 359 do processo administrativo).
VV) A indicada Comissão não se pronunciou (cfr. fls. 362 a 372 do processo administrativo.
XX) Em 04.01.2022, foi elaborada uma informação pelos Serviços de Apoio Jurídico da Requerida de cujo teor se extrai, entre o mais, o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 362 a 372 do processo administrativo).
ZZ) Sobre a informação aludida na alínea anterior recaiu despacho do Reitor da Requerida, datado de 11.01.2022, com o seguinte teor: “Ao Senado da UP para pronúncia” (cfr. fls. 362 do processo administrativo).
AAA) Em 19.01.2022, em reunião do Senado da Requerida, foi deliberado, por 52 votos a favor e 6 contra, “dar parecer favorável à proposta do instrutor do processo disciplinar de aplicação de sanção disciplinar de despedimento do Professor Doutor AA, docente da Faculdade de Economia da Universidade do Porto” (cfr. fls. 381 do processo administrativo).
BBB) Em 25.01.2022, o Reitor da Requerida, proferiu um despacho intitulado “Projeto de Decisão Final sobre Processo Disciplinar”, do qual se extrai o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
CCC) Em 26.01.2022, foi remetida, ao Requerente, carta registada, com aviso de recepção, concedendo-lhe o prazo de 10 dias úteis para se pronunciar em sede de audiência prévia quanto à referida proposta de decisão final (cfr. fls. 382 e 385 do processo administrativo).
DDD) Em 08.02.2022, a carta aludida na alínea anterior veio devolvida pelos CTT com a menção de “Objecto não reclamado” (cfr. fls. 383 e 384 do processo administrativo).
EEE) Em 14.02.2022, o Requerente dirigiu uma mensagem de correio eletrónico ao Reitor da Requerida, sob o assunto “Pedido de declaração de nulidade do despacho nº ...22, de 11 de fevereiro do diretor da FEP”, com, entre o mais, o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 481 a 483 do processo administrativo).
FFF) Na mesma data, o Requerente remeteu ao Reitor da Requerida, carta registada, com aviso de recepção, da qual se extrai o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 481 a 483 do processo administrativo).
GGG) Em 21.02.2022, em resposta à mensagem de correio eletrónico acabada de referir, foi remetida ao Requerente carta registada, com aviso de recepção, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 480 do processo administrativo).
HHH) Na mesma data, em resposta à carta de 14.02.2022, foi enviado ao Requerente o ofício n.º ...22, o qual apresenta, entre o mais, o seguinte o teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 488 a 490 do processo administrativo).
III) Em 25.02.2022, foi publicado em Diário da República o aviso a que se reporta a alínea anterior, aí se fixando o prazo de 10 dias úteis para o Requerente, querendo, se pronunciar quanto à proposta de despacho final do processo disciplinar (cfr. fls. 1045).
JJJ) Em 07.03.2022, a carta de 21.02.2022 veio devolvida pelos CTT com a menção de “Objecto não reclamado” (cfr. fls. 477 a 479 do processo administrativo).
LLL) Em 08.03.2022, o ofício de 14.02.2022 veio devolvido pelos CTT com a menção de “Objecto não reclamado” (cfr. fls. 560 do processo administrativo).
MMM) Em 09.03.2022, o Requerente remeteu ao Reitor da Requerida, resposta da qual se extrai o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 503 a 556 do processo administrativo).
NNN) Em 22.03.2022, o Reitor da Requerida proferiu despacho no processo disciplinar em causa, da qual se extrai o seguinte:
(cfr. fls. 562 a 571 do processo administrativo).
OOO) Em data não apurada, através do ofício nº ...22, foi remetida ao Requerente a decisão aludida na alínea anterior (cfr. fls. 573 do processo administrativo).
PPP) Em 05.04.2022, o ofício aludido na alínea anterior veio devolvido pelos CTT com a menção de “Objecto não reclamado” (cfr. fls. 575 e 576 do processo administrativo).
QQQ) Em 06.04.2022, o Requerente dirigiu uma mensagem de correio eletrónico ao secretariado da Reitoria, questionando se o Reitor da Requerida já havia dado “resposta às suas alegações e requerimento em Audição Prévia” e, em caso afirmativo, qual a resposta (cfr. fls. 591 e 592 do processo administrativo).
RRR) Em 11.04.2022, em resposta à mensagem aludida na alínea anterior, e também através de correio eletrónico, aquele secretariado comunicou ao Requerente, que:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 591 do processo administrativo).
SSS) Em 18.04.2022, aquele secretariado dirigiu nova mensagem de correio eletrónico ao Requerente comunicando-lhe que:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 593 do processo administrativo).
TTT) Em 21.04.2022, foi publicado, em Diário da República, o Despacho nº ...22, o qual apresentava o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 595 do processo administrativo).
*
III - Enquadramento jurídico.
Este é o teor da decisão recorrida, a parte relevante:
“(…)
Do direito fundamental à presunção da inocência.
Alega o Requerente que para evitar incorrer em violação do principio constitucional da presunção de inocência, o juiz cautelar terá de considerar ab initio que o arguido é inocente, pois enquanto a Entidade Requerida não fizer prova em Tribunal dos factos pelos quais puniu o Requerente terá de ser respeitado o principio da presunção da inocência e considerar-se demonstrado sumariamente o fumus boni iuris; que, por força da presunção de inocência, não é arguido que tem de demonstrar e convencer o juiz cautelar da elevada probabilidade de que não proferiu tais expressões e o acto punitivo enferma de erro nos pressupostos.
A Requerida, por sua vez, contrapõe, alegando, em súmula, que uma análise perfunctória ao processo disciplinar permite confirmar que a condenação do Requerente se baseou em provas credíveis e não simples indícios ou opiniões subjectivas, que permitem um juízo de certeza e uma convicção segura de que o Requerente praticou os factos que lhe foram imputados, baseando-se na participação dos 129 estudantes e nos 17 depoimentos de estudantes da Faculdade de Letras da Universidade do Porto ouvidos, bem como nos documentos apresentados pelos estudantes ouvidos, de onde constam, entre outros aspectos, algumas das citações e comentários transcritos.
Vejamos, por isso.
Não sendo o Requerente, como decorrência do princípio da presunção da inocência, quem tem de provar a sua inocência quanto aos factos de que é acusado, uma vez que, sem qualquer dúvida, o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção cabe ao titular do poder disciplinar, tal não significa que essa prova tenha que ser renovada em juízo por parte da Requerida, sem o que “o juiz cautelar terá de considerar ab initio que o arguido é inocente”.
Isto porque, como escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, 2017, 4.ª edição, Almedina, páginas 974 e 975, “o CPTA lançou definitivamente por terra a ideia de que, nos processos cautelares relativos a situações definidas por acto administrativo, a pretensa presunção de legalidade destes actos obrigaria o tribunal a assumir como verdadeiros os pressupostos que serviram de base ao acto administrativo, impedindo-o de proceder, em sede cautelar, à fiscalização, ainda que perfunctória, da sua legalidade. Pelo contrário, o n.º 1 deste artigo 120.º exige essa fiscalização, na medida em que dela depende, nos casos em que o litigio envolva a apreciação da legalidade de actos administrativos, a formulação de um juízo sobre as perspectivas de êxito que se oferecem no processo principal”.
Ora, o entendimento do Requerente quanto ao alcance do principio da presunção da inocência, do qual se retira que o juiz cautelar teria, sem mais, que considerar que o Requerente é inocente, cabendo à Requerida fazer prova em Tribunal dos factos pelos quais puniu o Requerente, colide frontalmente com esta apreciação do juiz cautelar quanto à legalidade do acto, nomeadamente, no que respeita ao erro nos pressupostos de facto.
Assim, porque vem invocado o erro nos pressupostos de facto, é para esse momento que se transfere esse juízo de fiscalização da legalidade do acto suspendendo, concluindo-se, por isso, pela improcedência da alegação do Requerente com o alcance pretendido.
Da nulidade insuprível do procedimento disciplinar (por falta da descrição das circunstâncias de tempo e modo das infracções que lhe são imputadas).
Alega o Requerente que a acusação deduzida contra o arguido e em que se baseou o facto punitivo começa por não descrever as circunstâncias de tempo em que as infracções imputadas ao arguido teriam sido praticadas, limitando-se a referenciar dois anos lectivos – 2018/2019 e 2019/2020 – sem, ao menos referir, o mês ou os meses em que as infracções teriam sido cometidas o que compromete irremediavelmente o seu direito de defesa, justamente por sem a indicação dos dias, ou pelo menos, dos concretos meses em que lhes imputam a prática de ilícitos não poder comprovar um dos seus mais elementares direitos de defesa, justamente o da prescrição da infracção disciplinar; que tal situação inviabiliza o seu direito de defesa; que, além do mais, a acusação não descreve todas as circunstâncias de modo da infracção, socorrendo-se de expressões vagas, de formulas “passe-partout” ou de meras conclusões desprovidas de qualquer suporte factual.
A Requerida contrapõe, nesta parte, que consta da acusação as circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática das infracções, mais concretamente, dos seus artigos 3.º, 4.º, 12.º e 14.º.
Vejamos, por isso.
Desde logo, com interesse para a decisão dispõe o artigo 213.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, sob a epígrafe “Termo da instrução”, no seu n.º 3, que:
“A acusação contém a indicação dos factos integrantes da mesma, bem como das circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática da infração, bem como das que integram atenuantes e agravantes, acrescentando a referência aos preceitos legais respetivos e às sanções disciplinares aplicáveis”.
Constitui o preceito em causa corolário do princípio constante do n.º 3 do artigo 269.º da Constituição da República Portuguesa, o qual estabelece que “Em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa”.
Como se assinalou no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12.03.2015, proferido no processo nº 09192/12, “o arguido deve ser ouvido sobre a acusação deduzida de forma articulada e na qual as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos correspondentes preceitos legais. É um direito que assiste àquele, além de ser do interesse público do serviço que as infracções imputadas sejam claramente explicitadas, por forma que aquele possa exercer o seu direito de defesa, constitucionalmente garantido, e até contribuir para o esclarecimento da verdade material, quanto mais não seja porque à disciplina do serviço não interessam punições injustas, mas apenas apurar se o funcionário ou agente visado violou algum dos deveres funcionais a que está adstrito”.
Porém, não se pode olvidar que “os processos disciplinares não estão sujeitos às férreas exigências de rigor técnico-jurídico dos processos criminais, não só devido à distinta natureza dos interesses em presença, mas também porque seria excessivo impor aos instrutores daqueles processos uma proficiência pensada para a magistratura (cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.12.2002, proferido no âmbito do recurso nº 38892; e, no mesmo sentido, entre outros, o acórdão do mesmo Tribunal de 30.05.2013, proferido no processo nº 0658/12).
Pelo que, qualquer deficiência da acusação que não tenha obstado, em concreto, à sua completa compreensão pelo arguido, em termos de não impedir a sua defesa integral, degradar-se-á em mera irregularidade não invalidante (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07.10.2004, proferido no processo n.º 05491/01; e, no mesmo sentido, o já citado acórdão do Tribunal Administrativo Sul de 12.03.2015, proferido no processo nº 09192/12).
E assim é no caso em apreço, pois resulta da factualidade indiciariamente provada que a acusação, cuja factualidade veio depois vem a ser integralmente reproduzida no relatório final, na parte relativa aos factos provados, foi compreendida pelo Requerente que dela se veio defender em sede de audiência prévia realizada antes de ter sido proferida a decisão final (cfr. factos assentes nas alíneas jj) e lll)).
No entanto, resulta ainda da acusação, no que à descrição das circunstâncias de tempo diz respeito, que da conjugação dos seus artigos 3.º e 4.º, com, nomeadamente, os seus artigos 14.º; 23.º; 32.º; 34.º; 39.º e 44.º, que as infrações que são imputadas ao Requerente se mostram compreendidas dentro dos períodos de 12.02.2019 a 23.05.2019 e de 19.02.2020 a 10.03.2020.
Do mesmo modo, mas desta feita no que à descrição das circunstâncias de modo concerne, crê-se, também, atentando no teor da acusação, não assistir razão ao Requerente.
Na verdade, se atentarmos ainda àquela concreta acusação, verifica-se que quanto ao artigo 26.º da acusação, o mesmo não deixa de ser concretizado com alguns exemplos, os quais vêm apresentados nos artigos 27.º e 28.º. Em relação ao artigo 38.º, o mesmo surge na sequência do descrito nos artigos 34.º, 36.º e 37.º, donde se retira algumas das afirmações proferidas. No que ao artigo 42.º diz respeito, como se retira da palavra “Aliás”, que o antecede, o mesmo surge como concretização/complemento do artigo 39.º. E, embora se reconheça que nem todos os comentários foram textualmente reproduzidos, não deixou de ser feita referência ao facto de que os mesmos eram feitos “em plena sala de aula, sem qualquer pudor ou reserva, reportando factos e situações sem qualquer razão ou contexto da aula”, “Nada tendo a ver com a matéria que lecionava”. No que tange, por fim, ao artigo 119.º, como se retira do seu teor, o Requerente é acusado de não assumir uma “postura dinâmica” no esclarecimento das dúvidas e não de as não esclarecer. Isto é, imputa-se ao Requerente uma conduta passiva, pouco dinâmica, no sentido de o mesmo apenas se ter limitado a fornecer material de estudo, não lecionando aulas à distância, e não uma “recusa” no esclarecimento de uma dúvida em concreto, pelo que, naturalmente, não poderia ter sido indicada uma concreta dúvida não esclarecida.
Por último, sempre se acrescenta ainda que as infracções cuja prática é imputada ao Requerente, devem ser consideradas permanentes ou duradouras, “por que se está perante uma unidade de acção típica (em sentido estrito), pois que o facto punível cria um estado anti-jurídico mantido pelo autor, cuja permanência vai realizando ininterruptamente o tipo. A criação do estado anti-jurídico forma, com os actos destinados à sua manutenção, uma acção unitária.
Os crimes cuja eficácia se estende ao longo de um determinado espaço de tempo, constituem crimes permanentes ou crimes de estado. Assim, nos crimes permanentes, a manutenção do estado antijurídico criado pela acção punível depende da vontade do seu autor, que o mantem, e cuja permanência vai realizando ininterruptamente o tipo. A criação do estado anti-jurídico forma, com os actos destinados à sua manutenção, como já se referiu uma acção unitária (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, I, 2ª ed., págs. 195, 314 e 984).” – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 10.07.2012, no processo n.º 803/11.
Assim, é que, neste contexto, também se deve compreender que a referência às expressões e comentários utilizados pelo Requerente nas suas aulas, com referência a dois anos lectivos, contém as descrições de tempo e modo das infracções que são imputadas ao Requerente, conforme resulta claramente dos artigos 77.º e seguintes da acusação.
Pelo exposto, afigura-se que na acção principal se venha a concluir pela improcedência do presente fundamento.
Da nulidade insuprível do procedimento disciplinar (por falta de notificação da acusação nos termos legalmente prescritos.
Alega ainda o Requerente que ocorre nulidade insuprível do procedimento disciplinar, porque a acusação não lhe foi notificada nos termos legalmente impostos.
Contrapõe a Requerida que a notificação da acusação foi efectuada por publicação em aviso em Diário da República, pois o Requerente sempre se furtou a receber qualquer notificação da Requerida que foi enviada por correio registado com aviso de recepção.
Vejamos, por isso.
Dispõe o artigo 214.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, sob a epígrafe “Notificação da acusação”, o seguinte:
“1 - Da acusação extrai-se cópia, no prazo de 48 horas, para ser entregue ao trabalhador mediante notificação pessoal ou, não sendo esta possível, por carta registada com aviso de receção, marcando-se-lhe um prazo entre 10 e 20 dias para apresentar a sua defesa
escrita.
2 - Quando não seja possível a notificação nos termos do número anterior, designadamente por ser desconhecido o paradeiro do trabalhador, é publicado aviso na 2.ª série do Diário da República, notificando-o para apresentar a sua defesa em prazo não inferior a 30 nem superior a 60 dias, a contar da data da publicação.
3 - O aviso deve apenas conter a menção de que se encontra pendente contra o trabalhador procedimento disciplinar e indicar o prazo fixado para apresentar a defesa.
4 - Quando o processo seja complexo, pelo número e natureza das infrações ou por abranger vários trabalhadores, e precedendo autorização da entidade que mandou instaurar o procedimento, o instrutor pode conceder prazo superior ao previsto no n.º 1, até ao limite de 60 dias.
5 - Quando sejam suscetíveis de aplicação as sanções de despedimento disciplinar, demissão ou cessação da comissão de serviço, a cópia da acusação é igualmente remetida, no prazo previsto no n.º 1, à comissão de trabalhadores, e quando o trabalhador seja representante sindical, à associação sindical respetiva.
6 - A remessa de cópia da acusação, nos termos do número anterior, não tem lugar quando o trabalhador a ela se tenha oposto por escrito durante a fase de instrução.”
Como escreve Raquel Carvalho, em Comentário do Regime Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, página 290, “A notificação da acusação é, portanto, um acto instrumental fundamental para o exercício do direito de defesa.”, a qual deve ser preferencialmente “presencial”.
Sucede que, conforme resulta do aludido normativo, não sendo possível a notificação pessoal, deve sê-lo por carta registada com aviso de recepção, e, por último, quando não seja possível nestes termos, “é publicado aviso na 2.ª série do Diário da República, notificando-o para apresentar a sua defesa em prazo não inferior a 30 nem superior a 60 dias, a contar da data da publicação”.
Ora, resulta da factualidade indiciariamente assente que o Instrutor remeteu ao Requerente carta registada com aviso de recepção, na qual refere que “na impossibilidade de se concretizar a entrega em mão da Acusação deduzida contra V.ª Ex.ª em sede do Processo Disciplinar movido pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em virtude da suspensão das actividades lectivas, fazendo uso da prerrogativa concedida pela 2.ª parte do n.º 1 do artigo 214.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, junto remeto pela presente via, cópia da Acusação acompanhada de sete documentos, para querendo, apresentar a sua defesa no prazo de 15 (quinze) dias úteis a contar da recepção da presente carta” e apenas quando se viu confrontado com a devolução da referida carta registada, procedeu à notificação através de aviso publicado na 2.ª série do Diário da República (cfr. factos assentes nas alíneas jj), ll) nn), pp)).
Foi assim dado cumprimento ao disposto no indicado artigo 214.º, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, não assistindo qualquer razão ao Requerente quando imputa o alegado incumprimento das formalidades previstas nesta norma, por a notificação não ter ocorrido por edital “nem na morada do arguido nem na sede da respectiva junta de freguesia, ao arrepio e em clara violação do determinado pela alínea b) do n.º 3 do artº 112.º do CPA”, uma vez que aquele artigo 214.º constituiu norma especial que se sobrepõe à regra geral do indicado artigo 112.º, para a forma das notificações (o qual, aliás, ao contrário do indicado artigo 214.º, admite a notificação por contacto pessoal apenas “se esta forma de notificação não prejudicar a celeridade do procedimento ou se for inviável a notificação por outra via”).
Pelo exposto, afigura-se que na acção principal se venha a concluir pela improcedência do presente fundamento.
Da nulidade insuprível do procedimento disciplinar (por incumprimento do disposto no artigo 208.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).
Alega ainda o Requerente que ocorre nulidade do procedimento disciplinar porque o instrutor do processo disciplinar não tinha formação jurídica, “quando no seio da Entidade Demandada havia inúmeros professores de direito em condições de assumirem tal qualidade, decorrendo do incumprimento do preceituado no n.º 1 do artº 208º da LTFP uma violação das garantias de defesa do arguido, justamente por a adequada formação jurídica do instrutor ser uma das principais garantias de defesa de todo e qualquer arguido”.
Contrapõe a Requerida que o instrutor foi nomeado de entre trabalhadores do mesmo órgão ou serviço, titular de cargo ou de carreira ou categoria de complexidade funcional superior à do trabalhador, sendo professor catedrático da Faculdade de Economia, com categoria superior à do Requerente, tendo sido ainda nomeada secretária com a adequada formação jurídica.
Ora, cabendo aqui o ónus de alegação ao Requerente, porque, como se disse já, lhe cabe o encargo de fazer prova do bem fundado da pretensão a deduzir no processo principal, cabia-lhe, assim, o ónus da alegação do facto constitutivo da invocada nulidade, ou seja, “de que havia ao menos outro docente, em condições de ser nomeado, no corpo docente” da Faculdade de Economia, por ser este o serviço onde o Requerente é professor auxiliar – cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.04.2018, proferido no processo n.º 792/17.
Ora, além do Requerente não cumprir este ónus, resulta da sua alegação que é “no seio da Entidade Demandada” que o Requerente alega que “havia inúmeros professores de direito em condições de assumirem tal qualidade”, nada referindo quanto à Faculdade de que é professor, serviço, onde, como se referiu já, deveria ser aferida a alegada existência de professores com formação jurídica com categoria superior à do Requerente.
Pelo exposto, afigura-se que na acção principal se venha a concluir pela improcedência do presente fundamento.
Da prescrição.
Alega ainda o Requerente na data em que foi instaurado o procedimento disciplinar, 28.01.2021, já se encontrava prescrita qualquer infracção disciplinar eventualmente por si praticada, uma vez que os factos em causa, a terem-se verificado, ocorreram antes do mês de Janeiro de 2020.
Defende, por sua vez, a Requerida que o Instrutor do procedimento disciplinar considerou o início da contagem do prazo de prescrição reportando-o, pelo menos, a 10.03.2020, data em que cessaram os comentários apurados com relevância disciplinar; e que, além disso, o mesmo teve ainda em conta a circunstância de os prazos de prescrição e de caducidade terem ficado suspensos por força das medidas excecionais e temporárias de resposta à Pandemia de COVID-19, o que significa que apenas a 03.09.2021 ocorreria a prescrição da infração disciplinar.
Analisemos, então.
Dispõe o artigo 178.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, sob a epígrafe “Prescrição da infração disciplinar e do procedimento disciplinar”, no seu nº 1, que “A infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infracção penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos.”
Decorre, assim, do normativo citado que, decorrido um ano sobre o dia da prática do ilícito disciplinar por trabalhador público - seja ele, ou não, conhecido por parte
da sua entidade empregadora - sem que tenha sido instaurado o competente procedimento disciplinar, a infracção pelo mesmo cometida não mais poderá ser perseguida.
Importa, por conseguinte, apurar, no caso em apreço, quando é que foram cometidas as infracções praticadas pelo Requerente, sendo que em tal análise não pode deixar de se atender ao facto de que as infracções de que o Requerente foi acusado devem ser consideradas permanentes ou duradouras nos termos já supra melhor descritos.
Ora, assim o sendo não é possível ainda olvidar que ao contrário do que sucede com as “infracções de execução instantânea (em que o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado - (art. 119º, nº 1, do CP), esta “só corre” “nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação” (art. 119º, nº 2, a), do CP) - Miguez Garcia/Castela Rio, Código Penal, Parte Geral e Especial, 2014, Almedina, pág. 462.” – cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15.07.2014, proferido no processo n.º 907/05.9BELSB.
Ora, no caso em apreço, os sucessivos comentários que ao longo do indicado período de 2018/2019 e 2019/2020, o Requerente proferiu nas aulas, ocorreram, pelo menos, até 10.03.2020 (facto assente na alínea jj) e rr)), pelo que é esta data que se deve, por isso, considerar, no mínimo, como do inicio da contagem do prazo de prescrição.
Ora, tendo o procedimento disciplinar sido instaurado em 28.01.2021 (cfr. alínea f)), forçoso se torna desde logo concluir que, nesta data, ainda não tinha decorrido o prazo de 1 ano, cuja contagem se tinha iniciado em 10.03.2020, não tendo, por isso, ocorrido a prescrição invocada. De todo o modo, sempre se acrescenta que, nos termos do disposto nos n.°s 3 e 4 do artigo 7.° da Lei n.° 1- A/2020, de 19 de Março, com a alteração que lhe foi introduzida pela Lei n.° 4-A/2020, de 6 de Abril, os prazos de prescrição estiveram, por força da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, suspensos entre 09.03.2020 e 03.06.2020, tendo sido, acrescidos, nos termos de artigo 6.° da Lei n.° 16/2020, de 29 de Maio, do período pelo qual durou a suspensão, pelo que, aquele prazo de 1 ano, se estende, no caso em apreço, para além daquele dia 10.03.2021.
Pelo exposto, afigura-se que na acção principal se venha a concluir pela improcedência do presente fundamento.
Da caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar.
Invoca ainda o Requerente, que, de todo o modo, caducou o direito de aplicar a sanção disciplinar.
Dissente, por seu turno, a Requerida, defendendo que os prazos indicados em sede de processo disciplinar são meramente ordenadores ou indicativos, não havendo qualquer razão para se considerar caducado o direito de aplicar a pena.
Vejamos, então.
Estabelece o artigo 219.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, sob a epígrafe “Relatório final do instrutor”, no seu n.º 4, que:
“1 - Finda a fase de defesa do trabalhador, o instrutor elabora, no prazo de cinco dias, um relatório final completo e conciso donde constem a existência material das faltas, a sua qualificação e gravidade, importâncias que porventura haja a repor e seu destino, bem como a sanção disciplinar que entenda justa ou a proposta para que os autos se arquivem por ser insubsistente a acusação, designadamente por inimputabilidade do trabalhador.
2 - A entidade competente para a decisão pode, quando a complexidade do processo o exija, prorrogar o prazo fixado no número anterior, até ao limite total de 20 dias.
3 - O processo, depois de relatado, é remetido, no prazo de 24 horas, à entidade que o tenha mandado instaurar, a qual, quando não seja competente para decidir, o envia no prazo de dois dias a quem deva proferir a decisão.
4 - Quando seja proposta a aplicação das sanções disciplinares de despedimento disciplinar, demissão ou cessação da comissão de serviço, a entidade competente para a decisão apresenta o processo, por cópia integral, à comissão de trabalhadores e, quando o trabalhador seja representante sindical, à associação sindical respetiva, que podem, no prazo de cinco dias, juntar o seu parecer fundamentado.
5 - A remessa da decisão, nos termos do número anterior, não tem lugar quando o trabalhador a ela se tenha oposto por escrito durante a fase de instrução.”
Por outro lado, resulta ainda do artigo 220.º desta mesma Lei, sob a epígrafe
“Fase da decisão”, que:
“1 - Junto o parecer referido no n.º 4 do artigo anterior, ou decorrido o prazo para o efeito, sendo o caso, a entidade competente analisa o processo, concordando ou não com as conclusões do relatório final, podendo ordenar novas diligências, a realizar no prazo que para tal estabeleça.
2 - Antes da decisão, a entidade competente pode solicitar ou determinar a emissão, no prazo de 10 dias, de parecer por parte do superior hierárquico do trabalhador ou de unidades orgânicas do órgão ou serviço a que o mesmo pertença.
3 - O despacho que ordene a realização de novas diligências ou que solicite a emissão de parecer é proferido no prazo máximo de 30 dias, a contar da data da receção do processo.
4 - A decisão do procedimento é sempre fundamentada quando não concordante com a proposta formulada no relatório final do instrutor, sendo proferida no prazo máximo de 30 dias, a contar das seguintes datas:
a) Da receção do processo, quando a entidade competente para punir concorde com as conclusões do relatório final;
b) Do termo do prazo que marque, quando ordene novas diligências;
c) Do termo do prazo fixado para emissão de parecer.
5 - Na decisão não podem ser invocados factos não constantes da acusação nem referidos na resposta do trabalhador, exceto quando excluam, dirimam ou atenuem a sua responsabilidade disciplinar.
6 - O incumprimento dos prazos referidos nos n.ºs 3 e 4 determina a caducidade do direito de aplicar a sanção.”
Decorre, assim, dos preceitos acabados de transcrever, no que para o caso sub judice releva, que junto o parecer da comissão de trabalhadores, ou decorrido o prazo de 5 dias para o efeito, a entidade competente analisa o processo, podendo, no prazo de 30 dias, ordenar a emissão de parecer (em 10 dias), por parte do superior hierárquico do trabalhador ou de unidades orgânicas do órgão ou serviço a que o mesmo pertença; e que a decisão do procedimento deve ser proferida no prazo máximo de 30 dias a contar do termo do prazo fixado para a emissão de parecer ou da recepção do processo quando a entidade competente para punir concorde com as conclusões do relatório final, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
A caducidade do direito de aplicar a sanção ocorre, por isso, se a “Administração for relapsa e não cumprir os prazos de emissão de parecer e de decisão”, pelo que, sendo aplicada a sanção após o decurso destes prazos pode “a mesma ser impugnada, invocando-se a caducidade com todas as consequências legais” – cfr. Raquel Carvalho, em Comentário ao Regime Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas, Universidade Católica, 2.º edição, página 304.
Vejamos, por isso.
Extrai-se a este propósito da factualidade indiciariamente assente que: em 14.12.2021, o relatório do Instrutor com a proposta de decisão foi remetido ao Reitor da Requerida; em 21.12.2021, foi remetida à Comissão de Trabalhadores, pelo Reitor, cópia integral do procedimento disciplinar instaurado ao Requerente, para que, no prazo de 5 dias, pudesse juntar ao processo parecer fundamentado, a qual não se pronunciou; em 04.01.2022, pelos Serviços de Apoio Jurídico da Universidade do Porto foi elaborada uma informação em relação à qual foi exarado o despacho do Reitor da Universidade da Requerida, datado de 11.01.2022, a determinar a ida ao Senado, “para pronúncia”, da proposta contida no relatório do Instrutor; em 19.01.2022, em reunião do Senado, foi deliberado “dar parecer favorável” àquela proposta; em 25.01.2022, o Reitor exarou um despacho no qual determinou que o seu projecto de decisão final quanto á aplicação da sanção disciplinar de despedimento ao Requerente lhe fosse notificado para se pronunciar em sede de audiência prévia, tendo-lhe sido remetida carta registada, com aviso de recepção, em 26.01.2022, para esse efeito, a qual veio devolvida em 08.02.2021, sendo que após publicação em Diário da República, que ocorreu em 25.02.2022, no qual lhe era concedido o prazo de 10 dias uteis para se pronunciar em sede de audiência prévia, veio o Requerente pronunciar-se quanto àquele projecto de decisão, em 09.03.2022; e, em 22.03.2022, foi proferida a decisão final do procedimento disciplinar em questão (factos assentes nas alíneas ss) a nnn)).
Assim, mesmo que se desconsidere a inclusão da solicitação/determinação do “parecer” do Senado, na previsão do artigo 220.º, n.º 2 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, por não estar em causa nem um superior hierárquico do Requerente, nem uma unidade orgânica do serviço a que o mesmo pertença, tal não significa que o prazo de 30 dias se conte a partir da data em que terminou o prazo para a emissão de parecer pela comissão de trabalhadores (ou seja, a partir de 29.12.2021).
Com efeito, conforme se referiu já, em 25.01.2022, o Reitor decidiu proceder à audiência prévia do Requerente face ao projecto de decisão que pretendia proferir, sendo que o Requerente, notificado desta decisão através de aviso publicado em Diário da República, em 25.02.2021, veio a responder em 09.03.2022, tendo a decisão final do procedimento disciplinar sido proferida após esta pronuncia, mais concretamente, em 22.03.2022.
Ora, não podemos deixar de considerar a realização desta audiência prévia do Requerente, mesmo que facultativa para a entidade que aplica a pena disciplinar, como uma diligência enquadrável na previsão do artigo 220.º, n.º 4, alínea b), da Lei Geral do
Trabalho em Funções Públicas, para mais quando se trata de pena disciplinar de despedimento.
Acresce dizer que, se a caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar tem em vista evitar que a Administração seja relapsa na aplicação da sanção, garantindo assim que o Requerente não seja colocado numa situação de insegurança durante um período de tempo muito dilatado, face ao resultado final do procedimento disciplinar, não se pode entender que, tendo a Requerida optado por realizar mais esta diligência junto do Requerente, a mesma não seja enquadrável no âmbito de aplicação do indicado normativo, não deixando o mesmo de cumprir a referida função.
É que a possibilidade concedida à entidade competente para proferir a decisão final de realizar novas diligências justificada, justificada que é pelo principio do inquisitório e pela procura da verdade material, encontra também na decisão de realização da referida audiência prévia e, assim, numa diligência que tem como fim ouvir o Requerente antes de ser proferir essa decisão final, a plena realização desses mesmos fins.
Com efeito, fica o Requerente provido de mais uma garantia de defesa, pois élhe concedida mais uma oportunidade para apresentar a sua versão dos factos, oportunidade esta que, além do mais, o Requerente aceitou, tendo vindo pronunciar-se em 09.03.2022, e tendo a decisão final sido proferida em 22.03.2022.
Assim, tendo a decisão suspendenda sido proferida 13 dias depois da pronúncia do Requerente em sede de audiência prévia, não se pode concluir pela caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar.
Pelo exposto, afigura-se que na acção principal se venha a concluir pela improcedência do presente fundamento.
Da violação do princípio da proporcionalidade.
Alega ainda o Requerente que quer a acusação, quer o despacho punitivo, consideraram na graduação da pena uma agravante que, face à lei, não é nem pode ser considerada como circunstância agravante e que, como tal, não pode ser considerada para efeitos de determinação da medida da pena, razão pela qual o acto impugnado atenta não só contra o principio da proporcionalidade, como seguramente enferma de erro nos pressupostos ao considerar uma agravante inexistente.
A Requerida, por sua vez, alega que esta circunstância, que é de livre apreciação da prova, pesou na ponderação do Instrutor, além de que cabe muito bem na previsão da alínea b), do n.º 1, do artigo 191.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; que a referida circunstância deve ser ponderada por consideração de interesses da ordem jurídica a tutelar e que em concreto revela uma situação de particular censurabilidade.
Vejamos.
Resulta da factualidade indiciariamente assente que a decisão final com fundamento no relatório final apresentado pelo Instrutor considerou que, entre o demais, como um fundamento para a aplicação da pena disciplinar de despedimento o facto de o Requerente ter sido “alvo de um processo disciplinar no ano de 2015 no qual lhe foi aplicada a sanção disciplinar de suspensão graduada em 30 dias entre 17 de Fevereiro e 18 de Março de 2017 e ainda que os actuais factos acusatórios e provados sejam distintos dos de outrora, a verdade é que o arguido não retirou as ilações devidas da sua anterior condenação disciplinar, persistindo em comportamentos e comentários – ainda que diferentes dos que conduziram à instauração do primeiro processo disciplinar – que violam deveres éticos previstos no Código Ético (…)” (factos assentes nas alíneas rr) e nnn)).
Ora, em momento algum da decisão proferida é feita qualquer referência a tal circunstância como agravante especial da responsabilidade disciplinar do Requerente, sendo apenas convocada na actividade da escolha e medida da sanção a aplicar, não se descortinando em que medida a consideração desta realidade (que o Requerente não contesta), para este efeito, pode ser considerada desproporcional e não adequada.
Neste sentido, aliás, refere António Monteiro Martins, em “A Responsabilidade
Disciplinar na Administração Central, Regional e Local”, ed. da Direcção Geral do Emprego e Formação da Administração Pública, Março/1984, pág. 43, que “O mesmo facto pode ter diferente gravidade quando cometido por um agente jovem e inexperiente no principio da sua carreira ou por um veterano da função pública e ainda, neste último caso, consoante se trate de funcionário já com cadastro disciplinar ou, pelo contrário, com uma folha de serviços de exemplar comportamento.”
Pelo exposto, afigura-se que na acção principal se venha a concluir pela improcedência do presente fundamento.
Da falta de fundamentação.
Alega ainda o Requerente que a pena de despedimento não está suficientemente fundamentada, uma vez que para fundamentar tal tipo de pena não basta que se tenham violado deveres disciplinares e adoptado o comportamento tipificado na norma incriminadora, antes se exigindo que se demonstre que para um empregador normal esse comportamento torna absolutamente inviável a continuidade da relação funcional; que apenas é referido a perda de confiança do empregador na alegada gravidade da conduta do Requerente; que trata-se de uma justificação, não de uma fundamentação; que, de todo o modo, a perda de confiança não é argumento suficiente para se considerar a relação funcional inviabilizada; que caracterizando-se a instituição universitária pela liberdade de ensino e de orientação cientifica, muito naturalmente para um cidadão normal fica sempre a dúvida sobre a razão pela qual uma voz eventualmente discordante da opinião da maioria e do “politicamente correcto” inviabiliza necessariamente a continuidade da relação funcional.
A Requerida contrapõe alegando que a conduta do Requerente revestiu uma gravidade e censurabilidade tal que era impossível a Requerida manter ao ser serviço o Requerente, por total perda de confiança; que todos os demais aspectos que inviabilizaram a manutenção do vínculo laboral com o Requerente foram considerados, seja no relatório do Instrutor, seja na decisão final.
Vejamos.
Resulta da factualidade indiciariamente assente que a decisão final com fundamento no relatório final apresentado foram exaradas as razões que levaram a concluir pela inviabilidade da manutenção do vínculo funcional, a par da constatação da inexistência de circunstâncias atenuantes e a existência de uma punição anterior com sanção disciplinar que não se revelou dissuasora da prática das infracções disciplinares que lhe são agora imputadas (factos assentes nas alíneas rr) e nnn)).
Com efeito, refere-se, no relatório final, entre o demais, que o Requerente “assumiu repetidamente, ao longo de dois anos letivos seguidos, comentários de índole discriminatória, racista, sexista, machista, sem qualquer razão ou sentido com a matéria a leccionar, fazendo-o espontaneamente, sem qualquer receio das suas consequências, não hesitando, inclusive, em demonstra-lo por escrito, quando por exemplo se quis referir às pessoas de etnia cigana” (…) “atendendo a que a postura do arguido causou igualmente grande impacto na comunidade estudantil” (…) “atentou de forma muito grave contra o prestigio das suas funções e colocou em causa o bom nome e a boa reputação da Faculdade de Economia da Universidade do Porto” (…) “colocou-se em situação de violação culposa e muito grave dos deveres de prossecução do interesse público, de zelo, de obediência, de lealdade e de correcção (…) inviabilizando em definitivo a manutenção do seu vínculo laboral, por total perda da confiança da arguente.”, mostrando-se, por isso, fundamentada a aplicação da pena disciplinar em causa.
Acresce que compete à Administração, no exercício dos seus poderes discricionários, determinar a medida da pena, não cabendo ao Tribunal imiscuir-se nessa avaliação, a não ser em caso de erro manifesto e grosseiro, o que não se afigura existir no caso em apreço.
Pelo exposto, afigura-se que na acção principal se venha a concluir pela improcedência do presente fundamento.
Do erro nos pressupostos.
Alega, por último, o Requerente que durante a pandemia sempre cumpriu os deveres que lhe incumbem enquanto docente do ensino superior e enquanto professor das disciplinas que foi incumbido de leccionar; que as expressões e frases que lhe são imputadas ou nunca as proferiu ou estão descontextualizadas; que mesmo que tivessem sido proferidas ou não tivessem um certo contexto, sempre traduziriam um direito à liberdade de expressão que a qualquer cidadão e, portanto, também a um docente do ensino superior é reconhecido pela Constituição da República Portuguesa, razão pela qual, ainda que fossem verdadeiras, nunca constituiriam violação de qualquer dever disciplinar.
A Requerida contrapõe que a acusação não refere que o Requerente se demitiu de dar aulas, mas fê-lo de forma defeituosa, especialmente, em contexto de pandemia, a quem era exigido mais atenção aos estudantes; que o direito de liberdade de expressão individual cede perante a ofensa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos em geral.
Ora, reiterando na presente instância o conhecimento das invalidades que são assacadas ao acto suspendendo tem uma natureza sumária e perfunctória, não sendo finalidade própria da instância cautelar concluir pela verificação ou não dos vícios alegados, concluímos, após perscrutada a factualidade indiciariamente assente, que não se afigura verificar-se qualquer erro grosseiro na valoração da prova, a qual se mostra, além do mais, suficientemente fundamentada face aos depoimentos recolhidos em sede de instrução, bem como à prova documental junta, tudo como devidamente referenciado pelo Instrutor do processo disciplinar (cfr. factos assentes na alínea rr)).
Acresce que o Requerente, em sede de pronúncia aquando da notificação da proposta de decisão final, não negou a prática de alguma da factualidade que lhe vem imputada, defendendo apenas que se tratam de opiniões ou que são expressões que não consubstanciam qualquer infracção disciplinar (cfr. factos assentes na alínea mmm)).
Pelo exposto, por último e também aqui, se afigura que na acção principal se venha a concluir pela improcedência do presente fundamento.
*
Pelo exposto, uma vez que não está demonstrada a aparência de bom direito (fumus boni iuris), na sua formulação positiva, por não se mostrar provável que a pretensão a formular no processo principal venha a ser julgada procedente, tal determina a improcedência da presente providência cautelar.
(….)”.
Mostra-se totalmente acertada, ao contrário do que defende o Recorrente.
O Autor deveria demonstrar, e não demostrou, como veremos, ser provável o êxito da impugnação pelos diversos vícios que imputa ao acto punitivo, nos termos impostos pela segunda parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

1. O fumus boni iuris
Quanto ao direito fundamental à presunção da inocência, à violação do princípio da igualdade das partes e do direito à tutela judicial efectiva e, em resumo, ao erro nos pressupostos de facto da decisão punitiva:
Como acima se disse, no processo judicial não cabe fazer nova prova dos pressupostos de facto da decisão punitiva.
Fazendo tábua rasa e inutilizando toda a prova produzida em processo administrativo, pela simples interposição de uma impugnação judicial, sob pena de violação do princípio da separação de poderes consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.
Cabe apenas apreciar se foi feita toda a prova requerida que fosse pertinente e se, tratando-se aqui de uma providência cautelar, os factos que serviram de fundamento à decisão recorrida se podem considerar indiciados face à prova produzida no procedimento disciplinar.
Não se vê em que medida este entendimento viola o princípio da igualdade das partes e o direito à tutela jurisdicional efectiva.
Ao demandado cabe demonstrar, neste caso de forma perfunctória, que dos elementos de prova recolhidos no procedimento administrativo se podem extrair os factos que serviram de fundamento à decisão punitiva.
Ao autor cabe abalar a firmeza dessa tese, em termos de se concluir ser provável que se venha a demonstrar no processo principal existir erro nos pressupostos de facto da decisão punitiva.
As partes estão em posição de igualdade.
Também se mostra sem sentido a alegação de que tal entendimento se traduz numa violação do direito à tutela jurisdicional efectiva.
Apenas se trata do entendimento, conforme à Constituição, de que no caso de uma relação jurídica administrativa em que existe um acto administrativo, a regulação judicial do conflito que surja à volta dessa relação não pode ser efectuada da mesma maneira que seria se não tivesse sido praticado um acto administrativo.
Tratam-se de situações jurídicas distintas a exigir uma tutela jurisdicional distinta.
Não pode, como acima se disse, fazer tábua rasa da prova produzida em sede administrativa e julgar sobre a relação jurídica em litígio ignorando por completo a regulação feita em primeira linha pela Administração, de acordo com os poderes que a própria Constituição lhe confere – artigo 266º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
Como se se tratasse de um litígio entre particulares em que nenhuma das partes exerce poderes de autoridade e de definição unilateral da relação jurídica sobre a outra.
O princípio da igualdade, também das partes em processo, exige que se trate de forma diferente, não igual, situações que são diferentes.
E o direito à tutela jurisdicional torna-se efectivo de formas distintas, nos conflitos jurídico-privados e nos conflitos jurídico-administrativos.
Precisamente por isso é que (ainda) existe um Código de Processo Civil e um Código de Processo nos Tribunas Administrativos e Fiscais e embora aquele se aplique subsidiariamente não se aplica indistintamente um ou outro consoante a vontade do julgador – artigo 1º deste último diploma.
Ora, tal como defende a Requerida e Recorrida, uma análise perfunctória ao processo disciplinar permite confirmar que a condenação do Requerente se baseou em provas credíveis e não simples indícios ou opiniões subjectivas, que permitem um juízo de certeza e uma convicção segura de que o Requerente praticou os factos que lhe foram imputados, baseando-se na participação dos 129 estudantes e nos 17 depoimentos de estudantes da Faculdade de Letras da Universidade do Porto ouvidos, bem como nos documentos apresentados pelos estudantes ouvidos, de onde constam, entre outros aspectos, algumas das citações e comentários transcritos.
Não se pode concluir, portanto, ao menos de forma perfuntória, ser provável que no processo principal o Autor e Recorrente venha a demonstrar o erro nos pressupostos e facto do acto punitivo.

A nulidade do procedimento disciplinar à nulidade do procedimento disciplinar por violação do artigo 208º da Lei do Trabalho em Funções Públicas; a inquirição de testemunhas.
No processo cautelar a produção de prova para além da já produzida nos articulados é excepcional e depende do livre arbítrio do juiz na consideração da sua necessidade, como decorre claramente da parte final do n.º 1 do artigo 118º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
No caso o Autor e Recorrente pretendia fazer prova testemunha de que “existiam professores com formação jurídica que podiam ser instrutores”.
Ora este alegado facto não é sequer susceptível de prova testemunhal, face ao disposto no n.º2 o artigo 393º do Código Civil, por dever ser provado documentalmente. A formação dos funcionários e a sua afectação a determinado serviço ou departamento prova-se por documento e não pelo que se diz.
Se queria fazer prova desse facto deveria ter apresentado em tempo oportuno, com o articulado inicial, como era seu ónus, a pertinente prova documental – parte final da alínea g), do n.º 3 do artigo 114º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Também por aqui é improvável o êxito da acção.

A nulidade insuprível do procedimento disciplinar (por falta de notificação da acusação nos termos legalmente prescritos).
Consta acusação:
“(…)
17º
A propósito das ditas aulas de judo de que tinha uma amiga de nome “II” que era “cega” que a considerava muito atraente, mencionando em plena aula que “A instrutora teve de me mandar lá para fora porque estava quase a saltar-lhe ao pacote”
Bem como,
18º
Afirmou que “No judo a gente agarra—se uns aos outros como se fossemos fazer amor. Qualquer dia a minha amiga II do judo, que é ceguinha, vai chegar a casa grávida”.
(…)
24º
O arguido, no decurso das suas aulas referiu-se a pessoas de cor ..., apelidando-se de “pretalhada”.
(…)
32º
Nos anos lectivos de 2018/2019 e 2019/2020, no decurso da unidade curricular de Introdução à Economia leccionada aos estudantes do 1º ano da licenciatura de ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o argui referiu “Nenhuma das Professoras da Faculdade de Letras da Universidade do Porto se aproveita”, apelidando-as de “velhas”, gordas e “feias”.
(…)
44º
No ano lectivo de 2019/2020, o arguido afirmou perante a plateia de estudantes da Faculdade de Letras da Universidade do Porto que não necessitava de dar aulas de qualidade referindo “Não existe obrigatoriedade de eu ensinar nada porque quem ensina sou eu e nºao há nenhuma disciplinar que vá perguntar o que eu dei”, cuja transcrição foi anotada pelos estudantes e foi alvo de comentários nas redes sociais.
(vide doc. n.º1 a fls.3).
45º
Após a interrupção das aulas presenciais decorrentes da pandemia Covid-19, o arguido não deu quaisquer aulas à distância (on line) aos estudantes, chegando a classificá-las de pouco valerem.
Com efeito,
46º
No dia 12 de março de 2020, pelas 23,07horas, o arguido enviou o seguinte e-mail, pelas 23,07 horas, o arguido enviou o seguinte e-mail aos estudantes da faculdade de Letras da Universidade do Porto:
“Estimados Alunos.
Hoje as actividades lectivas foram interrompidas por tempo indeterminado não sabendo eu o que vai acontecer daqui para a frente.
Aconselho a que vão lendo os apontamentos para estarem preparados para a eventual existência de testes ou exames mesmo sem haver aulas( que, como sabem, de pouco valem)”.
Crf. doc. que se junta com n.º 5 e que aqui se dá como integrado para todos os efeitos legais).
Independentemente de outras passagens da acusação serem vagas, genéricas e conclusivas, estas referem, o mais concretamente possível, factos susceptíveis de integrarem infracções disciplinares.
Tendo em conta o tempo que decorreu a acumularem-se atitudes destas e o tempo que os alunos levaram a reagir e a participar os factos (o que é compreensível face ao ascendente que normalmente o professor tem sobre os alunos), é natural que as testemunhas já não tivessem presente sequer o dia ou o mês em que os factos relatados ocorreram.
Tais circunstâncias, mais pormenorizadas, do dia e hora, nenhum relevo têm para o caso, de resto.
O que interessa é o teor das declarações prestadas e o tempo e lugar em que foram prestadas: na sala de aulas e durante os períodos de leccionação.
Em todo o caso, os factos que contam dos pontos 47º e 48º, documentados e referindo em concreto a hora, o dia, o mês e o ano em que ocorreram (por se tratarem de mensagens electrónicas), complementados pelos anteriores factos, bastariam para fundar a acusação e, depois, a punição, numa análise perfuntória da questão.
Aqui se descreve:
“(…)
47º
No dia 03 de Abril de 2020, às 14h52, o arguido enviou o seguinte e-mail aos estudantes da Faculdade de Leras da Universidade do Porto:
“Estimados alunos,
Espero que estejam todos bem de saúde.
Pedo a criação de um moodle para a disciplina.
Quando estiver criado, vou ainda estudar como se faz o teste.
Dado o meu atraso, o mais certo é precisar de adiar o teste um bocadinho.
Outra coisa e que vai apenas valer 25% (e ficam 75% para o exame ou outra coisa qualquer).
Para os alunos que têm dificuldade em se motivarem para o estudo, aconselho a partilha do vosso avanço com os vossos colegas (ou comigo), por exemplo fazendo uma previsão em ermos de páginas diárias.
Vamos ver se conseguimos “despachar” a coisa.
E não se preocupem porque a mortalidade de pessoas saudáveis abaixo dos 30 anos é zero.
Bem sei que a vida em confinamento custa (mando-vos como motivação uma fotografia da minha irmã fechada em casa, hoje de manhã, a tele-trabalhar o meu sobrinho a tele-estudar para os testes on-line : - )
Continuem a estudar.
Pc”.
(cfr. doc. que se junta com o n.º 6 e qu aqui se dá como reproduzido para todos os efeitos legais).
48º
A acompanhar o referido e-mail aos estudantes o arguido anexou uma fotografia, alegadamente da sua irmã e sobrinho, encontrando-se os mesmos a apanhar sol, junto de uma piscina em atitude de descontração e relaxe,
(Vide doc. n.º 6 a fls. 2).
“(…)”
O que permite perfeitamente tirar as conclusões que aí se seguem:
“(…)
49º
O que não se coaduna com a postura de um professor universitário,
50º
E muito menos a mensagem que o mesmo pretendia passar constitui qualquer incentivo ao estudo.
(…)”
A que acrescem estoutros factos com relevo disciplinar, que integram uma infracção continuada:
“(…)
51º
Até ao final do ano lectivo de 2019/2020, o arguido limitou-se a enviar material de estudo, não se disponibilizando para leccionar aulas à distância ou esclarecer dúvidas aos estudantes,
52º
Contrariando as ordens e directivas emanadas pela Universidade do Porto e pela Faculdade de economia, as quais adoptaram procedimentos com a finalidade de assegurarem a aprendizagem dos estudantes,
53º
Nomeadamente criando plataformas de ensino à distância a serem utilizadas pelos docentes,
54º
E que o arguido se absteve de utilizar em proveito dos estudantes, limitando-se a fornecer materiais de estudo, sem se preocupar ou disponibilizar-se a esclarecer dúvidas àqueles,
(…)”
Factos que bastam para alicerçar e tornar perceptível a acusação e, logo, permitir a defesa.

A prescrição do procedimento disciplinar.
Defende o Recorrente nesta parte:
“O aresto em recurso incorreu ainda em erro de julgamento ao considerar que o direito de instaurar o procedimento disciplinar ainda não estava prescrito, uma vez que não só não compete ao juiz cautelar decidir se a infracção é espontânea ou continuada – e nem a acusação sequer considerou que a infracção era de natureza continuada - como, em qualquer dos casos, não sabendo o Tribunal a quo em que data cada afirmação imputada ao arguido teria sido proferida e competindo a quem acusa comprovar as circunstâncias de tempo, muito naturalmente que por força da presunção de inocência de que beneficia o arguido teria o Tribunal a quo de admitir como sendo provável que o procedimento disciplinar já estivesse caduco em 28 de Fevereiro de 2021 e, como tal, dar por sumariamente verificado o fumus boni iuris.
Torna-se desde logo difícil de perceber a posição do Recorrente nesta parte, ao sustentar que não compete ao juiz cautelar decidir se a infracção é espontânea ou continuada, quando, logo atrás, defendeu que o juiz cautelar deve fazer produzir prova sobre os pressupostos de facto da decisão punitiva.
Quando é certo que em matéria de factos a regra é a do ónus das partes na alegação e prova e no procedimento cautelar colhem-se apenas indícios de factos e não se faz prova dos factos. Já em matéria de direito, seja em processo principal seja em providência cautelar, cabe ao Tribunal aplicar o direito aos factos com liberdade e autonomia.
De resto, não se vê em que pode afectar a validade do decidido a análise mais profunda do caso quando é apenas exigível uma análise sumária. O contrário, sim, uma análise perfuntória no processo principal afectaria se não a validade pelo menos o mérito da decisão.
Em todo o caso, a análise feita pelo Tribunal recorrido não se pode dizer que seja uma análise aprofundada, exaustiva do tema, embora seja suficiente.
Mas é, seguramente, uma análise acertada.
Como facilmente se descortina dos factos constantes da acusação sob os artigos 51º a 54º, transpostos para o relatório final (factos constantes das alíneas JJ) e RR), acima transcritos, houve uma infracção continuada.
Infracção esta que se prolongou pelo menos até 03.04.2020 (factos 47 da acusação) pelo que o início do prazo de prescrição não pode ser anterior a esta data.
Tendo o procedimento disciplinar sido instaurado em 28.01.2021 (cfr. alínea F)), forçoso se torna concluir que, nesta data, ainda não tinha decorrido o prazo de 1 ano, contado a partir de 03.04.2020.
A que acresce a circunstância de, como se refere na decisão recorrida, os prazos de prescrição terem estado, por força da situação de excepção criada com a propagação do COVID-19, suspensos entre 09.03.2020 e 03.06.2020.
Pelo que a excepção de prescrição, a invocar no processo principal não tem probabilidade de proceder.

A caducidade do direito a aplicar a sanção.
Faz todo o sentido entender, como se entendeu na decisão recorrida, que a audiência prévia do autor, não sendo obrigatória, permite um melhor apuramento dos factos dando ao visado a oportunidade de mais uma vez apresentar, quiçá de maneira mais aprofundada, a sua defesa.
Pelo que cabe perfeitamente no conceito de “novas diligências” a que alude o artigo 220.º, n.º 4, alínea b), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, para fixar novo termo para a decisão do procedimento, o termo do prazo fixado para a realização dessas diligências.
No caso foi publicada em Diário da República, em 25.02.2022, a decisão de conceder ao arguido o prazo de 10 dias uteis para se pronunciar em sede de audiência prévia, tendo-se este pronunciado quanto ao projecto de decisão, em 09.03.2022.
E a decisão final do procedimento disciplinar foi proferida em 22.03.2022.
Factos assentes nas alíneas SS) a NNN)).
Pelo que claramente foi respeitado o prazo de 30 dias a que alude o corpo do n.º 4 do artigo 220.º, da Lei Geral do Trabalho em Funções Pública.
Pelo que também nesta parte, da invocada excepção da caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, se mostra pouco provável a procedência da acção principal.

A violação do princípio da proporcionalidade.
Na escolha e medida da sanção a Administração goza de uma ampla margem de discricionariedade.
Pelo que, sob pena, mais uma vez, de o Tribunal se imiscuir naquilo que é essencialmente actividade administrativa, ou seja, de violação do princípio da separação de poderes, só no caso de violação dos parâmetros vinculados da decisão, de erro grosseiro ou desvio de poder, pode o acto ser anulado.
Não tendo graduação a sanção escolhida, o despedimento, apenas há que verificar se houve erro, grosseiro, na escolha desta pena.
No caso, a sanção de despedimento não se mostra, de forma evidente, desproporcionada aos factos provados em sede disciplinar.
Pelo contrário, mostra-se a única adequada ao caso.
Por se poder concluir, a partir dos factos provados em sede disciplinar, que ficou inviabilizada a continuidade da relação funcional.
Tal como se extrai da resolução fundamentada junta aos autos em 17.05.2022, o comportamento do arguido, objecto do processo disciplinar provocou a “quebra definitiva e objectiva da confiança em si depositada para o exercício de funções públicas”.
Pelo que também por esse vício é improvável o êxito da acção.
O que confirma a conclusão tirada na decisão recorrida de não se verificar no caso o pressuposto da probabilidade de êxito na acção principal (fumus boni iuris) para o decretamento da providência.
Tendo em conta que os requisitos para o decretamento da providência cautelar são cumulativos, como é pacificamente aceite (neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 26.10.2012, no processo 01087/12.9 –A BRG e toda a jurisprudência aí citada), basta não se verificar este requisito para a providência ser indeferida, com prejuízo do conhecimento dos demais requisitos.
Como foi decidido.
*
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
*
Porto, 28.10.2022
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia, com a declaração de voto que se segue
Ricardo de Oliveira e Sousa, vencido, conforme voto que se segue

Declaração de voto:

Voto a decisão, concordando no que, de linha essencial, a dita; com especial relevo, quanto a um dos aspectos, que confronta um procedimento que tem de raiz uma estrutura acusatória em que é intrínseco à bondade da decisão uma valoração aí alcançada por único apoio de contributo da prova aí recolhida e sem que o acerto nos pressupostos de facto admita outra que aí não tenha sido produzida; pelo que o controlo de legalidade há-de ser fiel a essa lógica de aferição; e não por outra, de renovação do procedimento ou à laia de revisão (sem prejuízo para essa diferente hipótese, nos casos admitidos por lei); mais a mais num processo caracterizado como de conhecimento perfunctório, entendo que, no caso, pelo menos pela motivação a que pretende servir, quando - independentemente a que tese possa mais servir, portanto sem prejuízo de subsequente passo lógico de valoração - já emerge vasto alimento probatório ao propósito, não se justifica a pretendida produção de prova.
Porto, 28.10.2022

(Luís Migueis Garcia)

Voto vencido:
Salvo o devido respeito, discordo da argumentação expendida no projeto que fez vencimento no sentido de que não compete aos Tribunais Administrativos proceder à revisão da prova produzida no processo disciplinar visado nos autos.
De facto, conforme ressalta teor do aresto do Tribunal Cúpula desta Jurisdição, de 20.10.2015, tirado no processo nº. 014/12: “(…)
V. Na fixação dos factos que funcionam como pressupostos da verificação/preenchimento dos ilícitos disciplinares e do sancionamento com as respetivas penas a Administração não detém um poder insindicável em sede contenciosa, pelo que nada obsta a que o julgador administrativo sobreponha o seu juízo de avaliação face àquele que foi adotado pela Administração, mormente, por reputar existir uma situação ilegalidade objetiva material relativa aos pressupostos de facto, ou seja, por insuficiência probatória e erro na valoração e fixação do quadro factual tido por apurado em sede de processo disciplinar.
VI. Daí que não colha e não pode proceder, como meio de limitação da esfera de proteção e de tutela contenciosa do arguido, uma qualquer invocação de que este, no quadro do processo disciplinar, não havia deduzido qualquer requerimento de instrução probatória ou sequer haja apresentado defesa negando a prática dos factos que lhe foram imputados, porquanto a conduta pelo mesmo tida naquele processo não condiciona os seus direitos, mormente, ao nível probatório, em sede do processo judicial.
VII. Mas se dúvidas não devem existir quanto à possibilidade de haver lugar à produção de prova no quadro duma ação administrativa especial na qual se discuta da legalidade de ato disciplinar punitivo, também não vislumbramos em que medida se possa limitar o conhecimento de pretensas violações de requisitos de legalidade objetivos materiais que se prendam com o próprio erro sobre os pressupostos de facto do ato disciplinar punitivo.
VIII. É que no quadro do contencioso administrativo são passíveis de serem sindicadas quaisquer ilegalidades assacadas ao ato administrativo sancionador, inexistindo, por conseguinte, uma qualquer limitação quanto aos poderes de conhecimento e de pronúncia do julgador administrativo, incluindo o de sindicar os próprios pressupostos de facto em que se estribou o ato disciplinar sancionador.
IX. O juiz administrativo fará o seu próprio juízo a propósito dos factos e elementos que o processo forneça, assistindo-lhe o poder de realizar o controlo pleno dos factos tidos por provados no ato disciplinar punitivo, mediante a produção de prova que venha a ser carreada ou oficiosamente determinada para o processo judicial, poder esse que terá sempre como limite a proibição da “reformatio in pejus” já que não poderá, em decorrência da atividade probatória realizada, fixar novos factos, alterando os constantes da acusação, e, de seguida, enquadrando juridicamente os mesmos, manter ou alterar a punição (…)”.
Reiterando esta linha jurisprudencial, tenderia a considerar que nada obsta à repetição do julgamento da matéria de facto apurada em sede procedimental no domínio disciplinar.
Desta feita, e sopesando que [também] a situação de refutação da validade existencial da materialidade adquirida no procedimento disciplinar visado nos autos traduz a existência de materialidade controvertida no processo judicial em curso, impor-se-ia, a eu ver, a possibilidade de produção de prova ao nível do invocado erro nos pressupostos do ato punitivo.
No quadro em apreço, concederia provimento ao recurso da sentença recorrida, devendo ser anulado o todo o processado praticado até à sua prolação para que se procedesse à instrução dos autos seguida da legal tramitação processual e oportuna prolação de sentença.
Porto, 28 de setembro de 2022,
O Juiz Desembargador,
[Ricardo de Oliveira e Sousa]