Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02459/09.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/18/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
GERÊNCIA DE FACTO
Sumário:I) A sentença é nula quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer” e, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
II) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
III) No entanto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
IV) A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
V) O grande argumento relacionado com o facto de a partir de certa altura a ora Recorrente se ter tornado o único gerente da sociedade executada não se revela assim tão decisivo, na medida em que, se bem que se afigure compreensível que se postule a necessidade da respectiva intervenção no que concerne ao giro comercial normal da executada originária, tal apenas é legítimo, no entanto, à luz do enquadramento legal aplicável, nada impedindo, de facto, que ela exerça a actividade para que se constituiu, negociando com clientes e fornecedores, sem o acatamento da aludida prescrição estipulada no pacto e que, como é sabido, inúmeras vezes é desconhecida daqueles que entram em relações comerciais com as empresas que assim operam.
VI) Assim, analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte da ora Recorrente, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova e ainda que assim não tenha sucedido, temos por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte do ora Recorrido, de modo que, competindo à AT o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte do Recorrente, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a AT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
M..., identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 26-11-2013, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução fiscal nº 3387200101026810 a correr termos no serviço de finanças do Porto 4, originariamente instaurada contra a sociedade “C…,Lda.”, e contra si revertida por dividas de IVA relativas aos anos 1999, 2000 e 2001.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 146-155), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1. Nos presentes autos há erro no apuramento da matéria de facto em H). dos factos dados como provados e contradição.
2. Não foi produzida prova da cessação da actividade em 31/12/2001, mas sim que os Serviços Fiscais declararam a cessação oficiosamente.
3. Os tributos liquidados foram-no oficiosamente e não com base em declarações ou transacções efectuadas.
4. As testemunhas arroladas produziram prova de que a actividade não foi exercida há mais de 20 anos - Cfr. CD nº 1: 000:001.
5. Foi produzida prova para além dos factos dados como provados, designadamente a prova testemunhal sobre os factos alegados na oposição.
6. A douta decisão omitiu a produção de prova produzida.
7. Bem como não apreciou os factos de que foi produzida prova.
8. Não há factos demonstrativos do exercício da gerência por parte da recorrente.
9. A Fazenda Pública não provou qualquer acto do exercício da gerência por parte da recorrente.
10. A douta decisão errou na apreciação e julgamento dos factos, bem como na aplicação jurídica.
11. Errando também na aplicação jurídica no que se reporta à alegada violação do princípio do contraditório.
12. Verificou-se a prescrição dos tributos.
13. Há violação, entre o mais, do disposto nos artigos 413º e ss do CPC, 615ºdo CPC, 60º da LGT e 175º do CPPT.
Termos em que, anulando e/ou revogando a douta decisão, se fará, JUSTIÇA.”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se pela improcedência do presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, apreciar a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, o erro de julgamento em sede de matéria de facto e bem assim saber se a Recorrente exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeada e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizada pelo pagamento das mesmas, sem olvidar a invocada violação do princípio do contraditório e a alusão à prescrição dos tributos.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A). Contra a sociedade C… Lda. foi instaurado o processo de execução fiscal nº 3387200101026810 pelo não pagamento no prazo de cobrança voluntária de dívidas de IVA referente aos anos de 1999, 2000 e 2001, no valor total de €4.434,70, cf. informação de fls. 48 dos autos.
B). A oponente foi notificada do projecto de decisão da reversão para, querendo exercer o direito de audição, cf. 36 dos autos.
C). Em 30/09/2008 apresentou o direito de audição nos termos e com os fundamentos constantes do teor de fls. 14 a 17 dos autos, onde arrola 3 testemunhas.
D). Por despacho de 21/07/2009 a execução fiscal, indicada em A)., reverteu contra M... aqui Oponente, na qualidade de responsável subsidiária pelas dividas de IVA da executada originária, cf. fls. 43 dos autos.
E). A aqui Oponente foi citada para a reversão em 23/07/2009, cf. fls. 41 a 44 dos autos.
E). Desde da data da constituição da sociedade C…, Lda., em 08/06/1982, que a Oponente e C… eram os seus sócios gerentes, cf. fls. 22 a 24 dos autos.
G). A sociedade C…, Lda. obrigava-se com a assinatura de um gerente, cf. fls. 22 a 24 dos autos.
H). A sociedade executada originária C…,Lda. cessou a actividade em IVA em 31/12/2012, cf. fls. 32 e 33 dos autos.
I). Em 16/11/2005 foi proferida Sentença de Declaração de Insolvência e nomeação de administrador judicial em processo de insolvência da sociedade C…,Lda., com trânsito em julgado da sentença em 28/09/2006, cf. fls. 22 a 24 dos autos.
J). Em 31/05/1995 foi proferida sentença de interdição definitiva de C…, por anomalia psíquica fixando a data de início da incapacidade no ano de 1991, cf. fls. 73 a 76 dos autos.
L). A presente oposição deu entrada em 13/08/2009, no Serviço de Finanças do Porto 4, cf. fls. 7 dos autos.
IV. FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem outros factos provados ou não provados nos autos.
O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos indicados relativamente a cada um dos factos os quais não foram impugnados.
As testemunhas arroladas, um amigo da Oponente e a sua filha, apenas vieram dizer ao Tribunal que a “empresa” estava sem actividade à longos anos e que a Oponente estava sempre em casa e não se deslocava às instalações da sociedade, no entanto não conseguiram afastar as provas documentais que demonstram a cessação da actividade em IVA ocorreu apenas em 31/12/2001 e a falência da sociedade decretada apenas em 2005.
A instauração da execução contra a sociedade, posterior reversão e a altura a que se reportam as contribuições, constituem factos de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do art. 514º C.P.C.”
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, estaria cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Com efeito, nas suas alegações, embora não identificando a nulidade em apreço de uma forma muito clara, apontando apenas para a violação do art. 615º do C. Proc. Civil, a Recorrente refere que foi produzida prova para além dos factos dados como provados, designadamente a prova testemunhal sobre os factos alegados na oposição e a douta decisão omitiu a produção de prova produzida bem como não apreciou os factos de que foi produzida prova.
Segundo o disposto no artigo 125º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, sendo que esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
Como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, Vol. II, pág. 353 que “as nulidades de sentença distinguem-se das restantes nulidades do processo tributário.
As nulidades de processo «são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais».
As nulidades de sentença, em processo de impugnação judicial, são apenas as que se prevêem neste art. 125.º.
No entanto, para além das nulidades, haverá que ter em consideração situações em que poderá estar-se perante situações de inexistência de sentença, como é o caso da decisão proferida por quem não tem poder jurisdicional e da decisão que não tem por objecto a matéria da causa. …”.
Com este pano de fundo, não se vislumbra que a questão suscitada pela Recorrente tenha qualquer fundamento, pois que não se aponta para qualquer das situações previstas no art. 125º do CPPT.

Com efeito, não existe qualquer elemento susceptível de suportar o exposto pela Recorrente, dado que, não está em causa a falta de produção de qualquer meio de prova suscitado pelas partes, sendo que a avaliação do Tribunal nesta matéria pode, isso sim, estar inquinada de erro, o que significa que não pode proceder a invocada nulidade da sentença.
Avançando, e com referência ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 685º-B do C. Proc. Civil, que regulava esta matéria depois da alteração introduzida pelo D.L. nº 303/07, de 24-08 (actual art. 640º), porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 685º-B nºs 1 e 2 do C. Proc. Civil (actual art. 640º), e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 685º-B do C. Proc. Civil (actual art. 640º).
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no então art. 655º do C. Proc. Civil (actual art. 607º), sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa gravação simples áudio. Tal como já era apontado por Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, sempre o juiz perante o qual foram prestados os depoimentos estará em posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos de Enrico Altavilla "… o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras …" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos de M. Teixeira de Sousa ”… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 348).
Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Pois bem, sobre esta matéria, e quanto à crítica da Recorrente no que concerne ao teor da al. H) do probatório, não existe qualquer dúvida que em função dos elementos que suportam tal matéria (fls. 32-33 dos autos) é manifesto que existe um lapso na afirmação da data em que a sociedade em apreço cessou a sua actividade em sede de IVA, sendo também claro que o fundamento para o efeito reside no art. 33º nº 2 do CIVA, de modo que, ao abrigo do artigo 712º do C. Proc. Civil (actual art. 662º), aplicável ex vi artigo 1º c) do CPPT, decide-se alterar a al. H) do probatório que passará a ter a seguinte redacção:
H) A sociedade executada originária C…,Lda. cessou a actividade em IVA em 31/12/2001, tendo por base o disposto no art. 33º nº 2 do CIVA - cf. fls. 32 e 33 dos autos.
Quanto ao mais, não pode dizer-se que o Tribunal recorrido desconsiderou os factos alegados e a prova produzida pela ora recorrente, situação que só aconteceria se nada dissesse sobre o alegado pela parte, ou seja, se omitisse pronúncia sobre tais factos, não os dando como provados ou como não provados.
Ora, como se constata da sentença recorrida, o Tribunal recorrido depois de elencar os factos provados, considerou que “não existem outros factos provados ou não provados nos autos” e fundamentou essa sua decisão, referindo que “As testemunhas arroladas, um amigo da Oponente e a sua filha, apenas vieram dizer ao Tribunal que a “empresa” estava sem actividade à longos anos e que a Oponente estava sempre em casa e não se deslocava às instalações da sociedade, no entanto não conseguiram afastar as provas documentais que demonstram a cessação da actividade em IVA ocorreu apenas em 31/12/2001 e a falência da sociedade decretada apenas em 2005”, fazendo um exame crítico do depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante.
Por outro, tendo presente a forma como a ora Recorrente coloca em crise o julgamento da matéria de facto, e perante o que ficou exposto sobre o enquadramento desta matéria, resulta claro que a recorrente não cumpriu com o ónus acima descrito, pois que não indicou os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados - alínea a) - nem os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida - alínea b).
Com efeito, e como se disse, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que cabia à Recorrente especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, o que significa que tal não pode ser feito por referência à prova produzida no seu todo, impondo-se, isso sim, relativamente a cada ponto da matéria de facto, a sua indicação como elemento a ponderar como provado ou não provado, elencando de forma individualizada os meios de prova e, no caso da prova testemunhal, especificando os momentos do depoimento, cuja leitura conjugada determina uma decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Assim, e em conformidade com a norma legal citada, nesta parte rejeita-se o recurso.

A Recorrente insiste depois que não há factos demonstrativos do exercício da gerência por parte da recorrente, pois que a Fazenda Pública não provou qualquer acto do exercício da gerência por parte da recorrente, sendo que a douta decisão errou na apreciação e julgamento dos factos, bem como na aplicação jurídica.

Pois bem, neste ponto, a decisão recorrida ponderou, além do mais, que:
“…
Face ao exposto, não pode sustentar-se que, dada como assente a gerência de direito, a Oponente, tenha que fazer qualquer prova no sentido de demonstrar que não exerceu a administração efectiva e de facto e que, não o logrando, a oposição deve ser decidida contra ela.
Pelo contrário, é sobre a Fazenda Publica que recai o ónus de demonstrar que, a gerente/administração de direito, contra quem reverteu a execução fiscal, exerceu de facto tais funções.
Ora, analisando o probatório e os argumentos da Fazenda Publica, verifica-se que a sociedade executada originária não podia obrigar-se sem a assinatura da aqui Oponente, pelo menos a partir de 1991, data da interdição do outro sócio gerente, ou quando muito 1995, data da prolação da sentença de interdição definitiva, o que por si só seria suficiente para demonstrar a gerência.
Independentemente de estar ou não directamente à frente dos destinos da sociedade primitiva executada, a Oponente teria sempre que saber o que se passava a nível financeiro, contratual etc. uma vez que a sua assinatura era obrigatória, e a única possível, para os qualquer acção, tais como contratos ou cheques destinados a promover os destinos da sociedade ou simples declarações anuais de rendimentos, cessação de actividade, obrigações fiscais.
Acresce que, a Oponente, sendo a única sócia gerente com capacidade para obrigar a sociedade executada originária, deveria ter sido diligente no sentido de promover junto da contabilidade o imediato encerramento da mesma, caso esta não desenvolvesse qualquer actividade há longos anos, mas nada fez.
Assim, resta concluir que ficou demonstrado que a intervenção do Oponente não só era obrigatória para a realização efectiva da gerência da sociedade, como efectivamente a fez.
Conclui-se, pois, pela legitimidade da Oponente para a execução. …”

Que dizer?
Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.

Sendo as dívidas exequendas provenientes de IVA referente aos anos de 1999, 2000 e 2001, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.

Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.

Perante o que fica exposto, e que traduz o real enquadramento da matéria em apreço, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.

Ora, considerando a realidade vertida no probatório, pode dizer-se que o único elemento apontado para a ora Recorrente ser considerada gerente de facto ou efectivo, reconduz-se ao facto de a Oponente e C… serem os seus sócios gerentes desde a data da constituição da sociedade C…,Lda., em 08/06/1982, a qual se obrigava com a assinatura de um gerente, verificando-se que em 31/05/1995 foi proferida sentença de interdição definitiva de C…, por anomalia psíquica fixando a data de início da incapacidade no ano de 1991, cf. fls. 73 a 76 dos autos.

Ora, o estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa, verificando-se que a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (Ac. deste Tribunal de 08-05-2012, Proc. nº 5392/12).
É no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).

Naturalmente, não se olvida que tal matéria deixou de ser suficiente para o preenchimento desse fundamento da gerência efectiva ou de facto, pelo que só fundada nessa nomeação não poderia haver lugar à reversão da execução contra a ora Recorrida ao abrigo das normas apontadas, antes tendo a mesma de ter praticado em nome e por conta dessa sociedade alguns dos actos típicos que normalmente por eles são praticados, em que se consubstanciam os poderes de representação e de exteriorização da vontade do ente colectivo - cfr. arts. 390º e segs do CSC.

Nesta sequência, considerando a realidade vertida no probatório e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, ao contrário do decidido, pode dizer-se que os elementos presentes nos autos não permitem a conclusão de que a ora Recorrente foi gerente de facto da sociedade nos termos apontados.
Com efeito, como já vimos, não competia à ora Recorrente fazer qualquer prova neste âmbito, cabendo à FP a alegação da matéria neste domínio, pois que, embora não seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pelo menos, na contestação, terá de indicar tais factos, por forma a cumprir com o ónus que a lei lhe comete.

Pois bem, voltando aos elementos efectivamente a considerar nos autos, o grande argumento que poderá ser ponderado circunscreve-se ao facto de a partir de certa altura a ora Recorrente se ter tornado o único gerente da sociedade executada, de modo que, estaria aqui o necessário fio condutor que permitiria uma percepção distinta da realidade em apreço.
Ora, tal argumento não se revela assim tão decisivo, na medida em que, se bem que se afigure compreensível que se postule a necessidade da respectiva intervenção no que concerne ao giro comercial normal da executada originária, tal apenas é legítimo, no entanto, à luz do enquadramento legal aplicável, nada impedindo, de facto, que ela exerça a actividade para que se constituiu, negociando com clientes e fornecedores, sem o acatamento da aludida prescrição estipulada no pacto e que, como é sabido, inúmeras vezes é desconhecida daqueles que entram em relações comerciais com as empresas que assim operam.
Ou seja e dito de outra forma, a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura de um ou mais sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado.
Do mesmo modo, ainda que a partir de certa altura, a ora Recorrente apareça como o único gerente, nada garante que a situação se tenha desenvolvido nos termos sugeridos pela Fazenda Pública, de modo que, apesar do exposto, não se pode concluir decorrer uma qualquer presunção natural de que a ora Recorrente exerceu a gerência da sociedade executada.
Isto porque a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139.

Assim, analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte da ora Recorrente, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.
Na realidade, ainda que assim não tenha sucedido, temos por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte da ora Recorrente, de modo que, competindo à AT o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte da Recorrente, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a AT.
Nesta medida, tem de reconhecer-se pertinência ao exposto pela Recorrente quando defende que a Fazenda Pública não provou qualquer acto do exercício da gerência por parte da mesma, condição necessária à reversão, o que determina a procedência do presente recurso, a revogação da sentença recorrida e a natural procedência da presente oposição, ficando prejudicado o conhecimento do mais suscitado nos autos, apenas merecendo uma breve referência a questão da invocada prescrição em que a Recorrente se limita a dizer que “Acresce por último que os tributos se mostram prescritos. A prescrição é do conhecimento oficioso - artigo 175º do CPPT - e como tal deveria ter sido declarada.”, sendo naturalmente impensável que a Recorrente deveras acreditasse que o seu esforço mínimo para questionar a matéria da prescrição levaria o Tribunal ao esforço máximo de a avaliar em toda a sua amplitude, na medida em que ao Tribunal apenas se impõe a análise de matéria devidamente suscitada nos autos, não podendo aceitar-se a alegação acima descrita em que não se alinha qualquer elemento susceptível de conferir qualquer virtualidade ao exposto.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, nesta sequência, julgar procedente a presente oposição à execução fiscal e, deste modo, extinta a execução no que concerne às dívidas descritas nestes autos (IVA referente aos anos de 1999, 2000 e 2001, no valor total de €4.434,70).
Custas pela Recorrida, apenas em 1ª Instância.
Notifique-se. D.N..
Porto, 18 de Dezembro de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Cristina da Nova