Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00552/11.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/09/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CONVOLAÇÃO
PRESSUPOSTOS
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Sumário:I) O erro na forma de processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado, de acordo com o pedido formulado pelo autor, sendo que, in casu, o Tribunal a quo considerou que a inscrição oficiosa como prédio deve ser objecto de A. A. Especial ao contrário do outro pedido formulado nos autos (anulação da 2ª avaliação do referido prédio) e, por uma questão de precedência, determinou a convolação dos presentes autos em AAE.
II) Nos termos do artigo 97º nº 3 da Lei Geral Tributária, em ordem à celeridade da justiça tributária e à concessão de uma tutela jurisdicional efectiva e plena deverá ser ordenada “a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei”, procurando evitar-se que, apesar de uma errada eleição da forma processual idónea, o Tribunal deixe de se pronunciar sobre o mérito da causa.
III) No entanto, tal convolação está dependente, nomeadamente, da idoneidade do pedido, da causa de pedir, e, também, da não caducidade do direito de acção, sendo este último elemento decisivo na apreciação do presente recurso, pois que, tendo o Tribunal a quo avançado para a convolação dos autos em AAE, resulta claro da lei que tal depende da não caducidade do direito de acção, o que equivale a dizer que a decisão acima descrita tomou posição, ainda que implícita sobre esta matéria, considerando não existir nesta sede qualquer obstáculo à decidida convolação.
IV) Tendo o Tribunal a quo reconhecido a existência de erro na forma processo e apreciado os requisitos de que dependia a possibilidade de haver lugar à convolação do processo para a forma processual adequada, com vista a que os autos pudessem prosseguir, avançando depois para a ordenada convolação, notificando a agora Recorrente para reformular a petição inicial de forma a apenas indicar o pedido consentâneo com a referida forma processual, tem de entender-se que o Tribunal validou o entendimento de que era possível o prosseguimento do processo na forma de processo adequada, nomeadamente em função do facto de a petição ter sido tempestivamente apresentada para efeitos da nova forma processual, constituindo-se sobre esta ultima questão, na medida em que tal decisão não mereceu reparo de qualquer das partes, caso decidido ou caso resolvido, consolidando-se a decisão na ordem jurídica.
V) Não deve operar-se, sob pena da prática de actos inúteis, proibida por lei, qualquer convolação se a petição é intempestiva para o efeito, na medida em que tal acabará por conduzir a um resultado como o que emerge da decisão recorrida, na medida em que não tem qualquer sentido e interesse a decidida convolação para depois se decidir pela caducidade do direito de acção.
VI) Por outro lado, a concessão de uma tutela jurisdicional efectiva e plena significa que outra decisão afrontaria de forma gravosa o aludido princípio que tem abrigo na Lei Fundamental, porquanto, tendo o Tribunal afastado a apreciação do pedido relativo à 2ª avaliação do imóvel descrito nos autos, a decisão recorrida deixaria a Recorrente numa situação insustentável no que concerne ao exercício dos seus direitos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“M…, Lda.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 18-03-2017, que julgou procedente a excepção dilatória de caducidade do direito de acção no âmbito da presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL relacionada com o pedido de anulação da inscrição do Parque Eólico… na matriz, realizada pelo Serviço de Finanças de Resende.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 310-330), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A. A sentença recorrida violou o disposto no artigo 87.º, do CPTA, artigo 595.º, do CPC (aplicáveis ex vi artigo 2.º, do CPPT), e artigo 205.º, da CRP, bem como o princípio da tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrado, o princípio do acesso à justiça vertido no artigo 7.º do CPTA e o dever de gestão processual, previsto no artigo 7.º-A do mesmo Código (e que decorre da CRP).
B. Com efeito, as regras constantes destas normas impõem que, após trânsito em julgado de uma determinada decisão judicial, mesmo que a mesma tenha um cariz interlocutório, a mesma tem força obrigatória dentro do processo, por força do instituto do caso julgado.
C. O TAF Viseu deu provimento à exceção de erro na forma de processo e apreciou os requisitos de que dependia a possibilidade de haver lugar à convolação do processo para a forma processual adequada, com vista a que os autos pudessem prosseguir
D. E concluiu aquele Tribunal que deveriam os autos “ser convolados em AAE, devendo a A. reformular a petição inicial de forma a apenas indicar o pedido consentâneo com a referida forma processual”.
E. Nestes moldes, os pressupostos indispensáveis à realização da convolação foram oportunamente apreciados pelo TAF Viseu, tendo este decidido, aquando da prolação do despacho saneador de 12.03.2012, que não só a mesma era possível, como, em abono da verdade, era desejável que viesse a ocorrer mediante ação a desenvolver pela M….
F. Não tendo este despacho saneador de 12.03.2012 proferido pelo TAF Viseu sido objeto de recurso por nenhum dos atores processuais, é inevitável que se conclua, à luz do disposto nos artigos 87.º, do CPTA, e artigo 595.º, do CPC, que o mesmo transitou em julgado e, com isso, tem valor de sentença no que tange às questões nele decididas.
G. Assim, independentemente do acerto ou não do entendimento e decisão firmados pelo TAF Viseu no seu despacho saneador de 12.03.2017, o que se passa é que o mesmo mostra-se transitado em julgado e, como tal, o mesmo Tribunal não pode emitir pronúncia contraditória com o que havia sido julgado e considerado anteriormente de modo definitivo, pelo que ao fazê-lo a decisão judicial recorrida padece de erro de julgamento por violação do disposto no artigo 87.º, do antigo CPTA (similar ao atual 88.º), artigos 510.º (similar ao atual 595.º) e 672.º (similar ao atual 620.º) do antigo CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º, do CPPT, e artigo 205.º, da CRP.
H. Ao ser violadora destas normas legais, deve a sentença recorrida ora impugnada ser necessariamente revogada por este Alto Tribunal, devendo, em consequência, estes autos baixar à 1.ª instância para que a ação prossiga aí os seus termos normais.
I. Por outro lado, mesmo que não se aceite a tese ora exposta (o que apenas à cautela se admite mas sem conceder), ainda assim ter-se-á de concluir que não assiste razão ao Tribunal a quo no que respeita ao tema da suposta intempestividade da ação administrativa especial.
J. Com efeito, ter-se-á de entender que o início de contagem do respetivo prazo de interposição da ação administrativa especial não poderia deixar de ocorrer a partir da notificação do resultado da segunda avaliação, porquanto é com esta notificação que a M… tomou conhecimento definitivo da posição da AT no que tange ao tema da inscrição oficiosa na matriz predial do Artigo P 1….
K. Nestes termos, deve assim ser considerada como tempestiva a ação administrativa especial intentada no prazo de três meses contados da notificação do resultado da segunda avaliação, porquanto a impugnante foi notificada da 2.ª avaliação em 31.08.2011 e a petição foi intentada em 28.11.2011
L. Qualquer entendimento diverso daquele que se encontra aqui pugnado estará em total violação com o que prescreve a Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., que se roga, deve ser dado provimento ao presente recurso, e consequentemente, revogar-se a sentença recorrida com todas as demais consequências de lei.”

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações (cfr. fls. 343 a 345), tendo concluído da seguinte forma:
“(…)
A. No presente recurso invoca a Recorrente a violação do instituto do caso julgado por entender que o despacho saneador de 12.03.2012 não só decidiu que a convolação era possível, como era desejável ocorrer, tendo os pressupostos indispensáveis à realização da convolação sido oportunamente apreciados pelo tribunal a quo, e que a tempestividade da acção administrativa especial deve aferir-se da notificação do resultado da segunda avaliação
B. Entende a Requerida que o douto Tribunal a quo fez uma exacta apreciação dos factos e correcta aplicação do direito, máxime das normas legais aplicáveis, razão pela qual deverá ser mantido o entendimento constante da douta sentença de que o direito de acção da Recorrente caducou.
C. O acto controvertido é a inscrição do prédio na matriz
D. A Recorrente foi notificada do acto de inscrição do prédio na matriz em 27 de Maio de 2011.
E. A al. b) do n° 2 do artigo 58° do CPTA determina que a impugnação dos actos tem lugar no prazo de 3 meses
F. A presente acção, foi intentada em 25 de Novembro de 2011 pelo que é manifestamente intempestiva.
G. Tem sido entendimento da jurisprudência que a convolação a operar-se determina a rejeição liminar da Acção Administrativa Especial.
H. Por relevante para o caso em apreço, a jurisprudência vertida no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido a 2013-04-10, no âmbito do processo n.° 0230/13, considerou, de forma clara, que: “Atendendo, por um lado, à proibição da prática de actos inúteis (art. 137° do CPC) e por outro lado, que o pedidos formulados nestes autos são consentâneos com um processo de oposição e não de impugnação, conclui-se não poderem os autos ser aproveitados para prosseguirem sob a forma de processo determinada na lei. Na verdade se convolação ocorresse a Oposição ou Reclamação seriam rejeitadas liminarmente cfr. entre outros, artigo 209°, n° 1, alínea a) do CPPT.” (negrito nosso).
I. Bem andou a sentença a quo, ao reconhecer que o direito de acção da Recorrente caducou.
J. Como vem afirmando a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, não deve operar-se, sob pena da prática de actos inúteis, proibida por lei a convolação da impugnação judicial em oposição à execução fiscal se a petição é intempestiva para o efeito, pois logo haveria lugar a indeferimento liminar por extemporaneidade - vide acórdãos de 11.04.2007, recurso 19/07, de 21.06.2000, recurso 24605, de 10.09.2008, recurso 358/08 e de 12.09.2012, recurso 453/12. (sublinhados nossos).
K. Nenhum vício pode ser assacado à sentença recorrida.
Nestes termos e nos mais de Direito, e com o douto suprimento de V. Ex.as, reitera-se tudo quanto peticionado em sede de Contestação, devendo o presente recurso ser julgado improcedente por correcta interpretação e aplicação da lei, com todas as legais consequências.”

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a única questão a conhecer no presente recurso é a matéria da caducidade do direito de acção.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)
CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO:
Para a decisão da questão suscitada, mostra-se pertinente a seguinte factualidade, a qual se dá por assente, face aos documentos não impugnados juntos aos autos, nos documentos dos processos administrativos apensos e na posição assumida pelas partes nos seus articulados:
1. Por ofício n.º 2749, de 17.03.2011, foi a Autora notificada, através de correio registado com aviso de receção, para proceder à apresentação da declaração modelo 1 de IMI, para proceder à inscrição do Parque Eólico…. – Cfr. fls. não numeradas do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2. A Autora foi notificada em 27.05.2011 da inscrição oficiosa do Parque Eólico… como prédio na matriz e da 1.ª avaliação do mesmo, no valor de € 244.000,00 euros. – Facto não controvertido e cfr. fls. não numeradas do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. A presente ação foi enviada para este Tribunal através de correio registado no dia 28.11.2011. – Cfr. fls. 2 e ss. do processo físico, concretamente fls. 122.”
Ao abrigo do disposto no art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil (actual art. 662º), adita-se ao probatório o seguinte:
4. O presente processo começou como impugnação judicial dirigida contra a 2ª avaliação do valor patrimonial do “prédio urbano tipo outros”, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P 1…, da freguesia 181302, peticionando-se, a final, a anulação do resultado da segunda avaliação do VPT de parte do Parque Eólico ... e a anulação da inscrição do mesmo na matriz, realizada pelos Serviços de Finanças de Resende, para efeitos de IMI (fls. 2-26 destes autos).
5. Após a contestação da Fazenda Pública onde conclui que o meio de reacção utilizado, no caso, a impugnação judicial, não é o correcto, de conformidade com o preceituado nos art.º 98º nº. 4 e 52º, ambos do CPPT, e art.º 97º nº. 3 da LGT, antes será a Acção Administrativa Especial e que estão preenchidos os necessários pressupostos para a convolação no referido processo e a resposta da Impugnante à matéria de excepção, foi proferido em 06-03-2012 o seguinte despacho:
“A Fazenda Pública na contestação que apresentou radicou a análise da petição inicial no alegado erro na forma processual pois que entendeu que apesar de a Impugnante também referir que reage contra o resultado da 2ª avaliação o que Ela fundamentalmente argumentou é atinente à inscrição oficiosa do imóvel.
Reagiu a Impugnante pugnando pela improcedência da excepção afirmando que os dois pedidos estão interligados: pretende a impugnação de um acto de fixação de valores patrimoniais originado em realidade que não está sob a incidência do IMI, a inscrição oficiosa de um parque eólico como prédio.
Indubitavelmente os pedidos realizados na petição inicial estão interligados mas, em abono da verdade eles respeitam a realidades que devem ser objecto de formas processuais diversas: As avaliações podem e devem ser objecto de impugnação judicial enquanto que a inscrição oficiosa como prédio deve ser objecto de A. A. Especial. Nesta parte defender o que a Impugnante defendeu na resposta a aludida excepção é ir para além do que a lei prevê: Na verdade a impugnação de “actos de fixação de valores tributários” é objecto de previsão legal mas estender esta a puros actos de inscrição oficiosa de prédio é algo bem diverso, ainda que antecedente daqueles.
A referida interligação dos pedidos deverá originar que a Impugnação a instaurar deverá suspender-se a aguardar a decisão a proferir em sede de A.A. Especial pois a procedência da mesma originará a inutilidade superveniente da segunda. Digo impugnação a instaurar pois que, em questões de precedência, os presentes autos devem ser convolados em AAE, devendo a A. reformular a petição inicial de forma a apenas indicar o pedido consentâneo com a referida forma processual e instaurar Impugnação para questionar as avaliações sobre o prédio em causa.
Inste a M... a proceder como se deixou referido advertindo-a de que se não o fizer os presentes autos, tal como hoje se encontram, apenas poderão prosseguir como impugnação, limitada à apreciação das avaliações.
Comunique às Partes.
Procedendo a M... como supra se instou oportunamente proceda conforme determina o CPTA. …” (fls. 127-138, 141-143 e 144 destes autos).
6. O despacho referido em 5. foi notificados às partes, que nada disseram, juntando a ora Recorrente uma nova petição inicial devidamente reformulada e adaptada como Acção Administrativa Especial (fls. 145, 146 e 147-171).

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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos e que se prende com a questão da caducidade do direito de acção.

Para julgar procedente a aludida excepção, o Tribunal a quo ponderou que:

“…
Os vícios assacados ao ato em crise são geradores de anulabilidade, logo a presente ação administrativa teria de ter sido intentada no prazo de três meses a partir da notificação do ato – artigo 58.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação em vigor à data dos factos.
Nessa linha, como decorre dos factos assentes, o prazo de impugnação de 3 meses a considerar, encontra-se já, e em muito transcorrido à data em que a ação foi instaurada.
Com efeito, a Autora foi notificada da inscrição oficiosa do prédio na matriz em 27.05.2011 e apresentou a presente ação em 28.11.2011 (factos provados 2. e 3.).
É assim, evidente, que o direito de ação da autora caducou.
Nesta conformidade, ocorre fundamento que obsta ao prosseguimento do processo por caducidade do direito da ação, o que impede o conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da Entidade Demandada da instância – artigo 89.º, n.º 1, alínea h) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Em face da conclusão que antecede, fica prejudicado o conhecimento das demais exceções invocadas. …”.

Nas suas alegações, a Recorrente defende que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 87.º, do CPTA, artigo 595.º, do CPC (aplicáveis ex vi artigo 2.º, do CPPT), e artigo 205.º, da CRP, bem como o princípio da tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrado, o princípio do acesso à justiça vertido no artigo 7.º do CPTA e o dever de gestão processual, previsto no artigo 7.º-A do mesmo Código (e que decorre da CRP), pois que as regras constantes destas normas impõem que, após trânsito em julgado de uma determinada decisão judicial, mesmo que a mesma tenha um cariz interlocutório, a mesma tem força obrigatória dentro do processo, por força do instituto do caso julgado.
Ora, o TAF Viseu deu provimento à excepção de erro na forma de processo e apreciou os requisitos de que dependia a possibilidade de haver lugar à convolação do processo para a forma processual adequada, com vista a que os autos pudessem prosseguir e concluiu aquele Tribunal que deveriam os autos “ser convolados em AAE, devendo a A. reformular a petição inicial de forma a apenas indicar o pedido consentâneo com a referida forma processual”, o que significa que os pressupostos indispensáveis à realização da convolação foram oportunamente apreciados pelo TAF Viseu, tendo este decidido, aquando da prolação do despacho saneador de 12.03.2012, que não só a mesma era possível, como, em abono da verdade, era desejável que viesse a ocorrer mediante acção a desenvolver pela M... e não tendo este despacho saneador de 12.03.2012 proferido pelo TAF Viseu sido objecto de recurso por nenhum dos atores processuais, é inevitável que se conclua, à luz do disposto nos artigos 87.º, do CPTA, e artigo 595.º, do CPC, que o mesmo transitou em julgado e, com isso, tem valor de sentença no que tange às questões nele decididas.
Assim, independentemente do acerto ou não do entendimento e decisão firmados pelo TAF Viseu no seu despacho saneador de 12.03.2017, o que se passa é que o mesmo mostra-se transitado em julgado e, como tal, o mesmo Tribunal não pode emitir pronúncia contraditória com o que havia sido julgado e considerado anteriormente de modo definitivo, pelo que ao fazê-lo a decisão judicial recorrida padece de erro de julgamento por violação do disposto no artigo 87.º, do antigo CPTA (similar ao atual 88.º), artigos 510.º (similar ao atual 595.º) e 672.º (similar ao atual 620.º) do antigo CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º, do CPPT, e artigo 205.º, da CRP.

Que dizer?
Para cabal enquadramento da situação em análise nos autos, importa ter presente que este processo começou como impugnação judicial dirigida contra a 2ª avaliação do valor patrimonial do “prédio urbano tipo outros”, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P 1…, da freguesia 181302, peticionando-se, a final, a anulação do resultado da segunda avaliação do VPT de parte do Parque Eólico ... e a anulação da inscrição do mesmo na matriz, realizada pelos Serviços de Finanças de Resende, para efeitos de IMI.

Na sua contestação, a Fazenda Pública refere que assente que todos os fundamentos alegados se prendem exclusivamente com a discordância da impugnante em relação à inscrição oficiosa do imóvel, solicitando a anulação dessa inscrição, resta-nos verificar da possibilidade de convolação para o meio processual próprio - Acção Administrativa Especial, sendo que a impugnação contenciosa, a efectuar através de acção administrativa especial (art.º 97, nº 1, alínea p) e 2 do CPPT), deverá ser efectuada no prazo de três meses, se se tratar de impugnação de acto expresso (art.º 58º, nº. 1, alinea b) do CPTA), pois que, ao meio contencioso citado (Acção Administrativa Especial) não são aplicáveis os prazos de impugnação previstos no art.º 102º do CPPT, mas antes os prazos indicados no art.º 58º nº. 2 do CPTA, sendo que, sobre a eventual possibilidade de convolação para a forma processual correcta, dir-se-á que se a petição de impugnação puder ser utilizada para outro meio processual (designadamente Acção Administrativa Especial), deverá ser efectuada a convolação daquela petição, ordenando-se que se siga a forma processual adequada, como impõe o nº. 3 do art.º 97º da LGT e o nº. 4 do art.º 98º do CPPT, tratando-se de uma decorrência do principio do aproveitamento das peças úteis ao apuramento dos factos, contemplado nos art.º 52º e 98º nº. 4, ambos do CPPT.
No entanto, será de afastar a convolação no caso de haver obstáculos impeditivos de atribuição desse efeito, sendo que são pressupostos indispensáveis para proceder à mencionada convolação:
- Por um lado, que seja possível o prosseguimento do processo na forma de processo adequada, nomeadamente, que a petição tenha sido tempestivamente apresentada para efeitos da nova forma processual;
- Por outro, que os fundamentos invocados no pedido se enquadrem na forma de processo para a qual se pretende convolar.
Assim, a convolação nem sempre é viável, tornando-se necessário que seja possível o prosseguimento do processo na forma processual adequada, designadamente que a respectiva petição tenha sido tempestivamente apresentada para efeitos desta nova forma processual.
Vejamos: no caso dos autos, constata-se que os fundamentos apresentados consubstanciam fundamentos próprios do processo de Acção Administrativa Especial, bem como, que é possível convolar o processo de impugnação judicial numa Acção Administrativa Especial por ser tempestiva para o efeito (a impugnante foi notificada da 2ª avaliação em 31.08.2011 e a petição intentada em 29.11.2011).
Assim, pelos motivos supra relatados, não podem os fundamentos invocados na petição ser analisados nesta sede, mas em processo de Acção Administrativa Especial; Acresce que, por estar em tempo, pode ser efectuada a convolação na forma processual adequada.
Teremos de concluir que o meio de reacção utilizado, no caso, a impugnação judicial, não é o correcto, de conformidade com o preceituado nos art.º 98º nº. 4 e 52º, ambos do CPPT, e art.º 97º nº. 3 da LGT, antes será a Acção Administrativa Especial e que estão preenchidos os necessários pressupostos para a convolação no referido processo.

Após a resposta da Impugnante à matéria de excepção acima descrita, foi proferido em 06-03-2012 o seguinte despacho:
“A Fazenda Pública na contestação que apresentou radicou a análise da petição inicial no alegado erro na forma processual pois que entendeu que apesar de a Impugnante também referir que reage contra o resultado da 2ª avaliação o que Ela fundamentalmente argumentou é atinente à inscrição oficiosa do imóvel.
Reagiu a Impugnante pugnando pela improcedência da excepção afirmando que os dois pedidos estão interligados: pretende a impugnação de um acto de fixação de valores patrimoniais originado em realidade que não está sob a incidência do IMI, a inscrição oficiosa de um parque eólico como prédio.
Indubitavelmente os pedidos realizados na petição inicial estão interligados mas, em abono da verdade eles respeitam a realidades que devem ser objecto de formas processuais diversas: As avaliações podem e devem ser objecto de impugnação judicial enquanto que a inscrição oficiosa como prédio deve ser objecto de A. A. Especial. Nesta parte defender o que a Impugnante defendeu na resposta a aludida excepção é ir para além do que a lei prevê: Na verdade a impugnação de “actos de fixação de valores tributários” é objecto de previsão legal mas estender esta a puros actos de inscrição oficiosa de prédio é algo bem diverso, ainda que antecedente daqueles.
A referida interligação dos pedidos deverá originar que a Impugnação a instaurar deverá suspender-se a aguardar a decisão a proferir em sede de A.A. Especial pois a procedência da mesma originará a inutilidade superveniente da segunda. Digo impugnação a instaurar pois que, em questões de precedência, os presentes autos devem ser convolados em AAE, devendo a A. reformular a petição inicial de forma a apenas indicar o pedido consentâneo com a referida forma processual e instaurar Impugnação para questionar as avaliações sobre o prédio em causa.
Inste a M... a proceder como se deixou referido advertindo-a de que se não o fizer os presentes autos, tal como hoje se encontram, apenas poderão prosseguir como impugnação, limitada à apreciação das avaliações.
Comunique às Partes.
Procedendo a M... como supra se instou oportunamente proceda conforme determina o CPTA. …”.

O presente despacho foi notificados às partes, que nada disseram, juntando a ora Recorrente uma nova petição inicial devidamente reformulada e adaptada como Acção Administrativa Especial.

A partir daqui, cumpre analisar a realidade que envolve o presente recurso e que se prende com a relevância do aludido despacho para a sorte dos presentes autos, reclamando a Recorrente que tal despacho mostra-se transitado em julgado e, como tal, o Tribunal não pode emitir pronúncia contraditória com o que havia sido julgado e considerado anteriormente de modo definitivo, o equivale a ponderar se o referido despacho resolveu a questão da tempestividade da agora acção administrativa especial, inviabilizando uma nova análise da matéria nos termos apontados na decisão recorrida.
Ora, é sabido que o erro na forma de processo se afere pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado, de acordo com o pedido formulado pelo autor - Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, vol. II, pág. 88 -, sendo que, in casu, o Tribunal a quo considerou que a inscrição oficiosa como prédio deve ser objecto de A. A. Especial ao contrário do outro pedido formulado nos autos e, por uma questão de precedência, determinou a convolação dos presentes autos em AAE.

Pois, nos termos do artigo 97º nº 3 da Lei Geral Tributária, em ordem à celeridade da justiça tributária e à concessão de uma tutela jurisdicional efectiva e plena deverá ser ordenada “a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei”, procurando evitar-se que, apesar de uma errada eleição da forma processual idónea, o tribunal deixe de se pronunciar sobre o mérito da causa.
Como escrevem Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária Anotada, 2.ª edição, p. 422, nota 3, “trata-se de uma injunção ao próprio juiz” que “só estará desonerado da obrigação de ordenar a correcção da forma de processo quando ela se mostre, de todo, inviável”, o que constitui a aplicação dos princípios anti-formalista, pro actione e pro favoritate instantiae (favorecimento do processo).
No entanto, tal convolação está dependente, nomeadamente, da idoneidade do pedido, da causa de pedir, e, também, da não caducidade do direito de acção, sendo este último elemento decisivo na apreciação do presente recurso.
Com efeito, tendo o Tribunal a quo avançado para a convolação dos autos em AAE, resulta claro da lei que tal depende da não caducidade do direito de acção, o que equivale a dizer que a decisão acima descrita tomou posição, ainda que implícita sobre esta matéria, considerando não existir nesta sede qualquer obstáculo à decidida convolação.

A partir daqui, e com este pano de fundo, só pode merecer a adesão deste Tribunal a ideia de que, tendo o Tribunal a quo reconhecido a existência de erro na forma processo e apreciado os requisitos de que dependia a possibilidade de haver lugar à convolação do processo para a forma processual adequada, com vista a que os autos pudessem prosseguir, avançando depois para a ordenada convolação, notificando a agora Recorrente para reformular a petição inicial de forma a apenas indicar o pedido consentâneo com a referida forma processual, tem de entender-se que o Tribunal validou o entendimento de que era possível o prosseguimento do processo na forma de processo adequada, nomeadamente em função do facto de a petição ter sido tempestivamente apresentada para efeitos da nova forma processual, constituindo-se sobre esta ultima questão, na medida em que tal decisão não mereceu reparo de qualquer das partes, caso decidido ou caso resolvido, consolidando-se a decisão na ordem jurídica.
E a decisão apenas pode ser esta por duas ordens de razões.
Por um lado, como bem refere a Recorrida, não deve operar-se, sob pena da prática de actos inúteis, proibida por lei, qualquer convolação se a petição é intempestiva para o efeito, na medida em que tal acabará por conduzir a um resultado como o que emerge da decisão recorrida.
Na verdade, que sentido e interesse tem a decidida convolação para depois se decidir pela caducidade do direito de acção. É um total absurdo.
Tal constitui a razão para que tal elemento seja pressuposto da convolação, porquanto, é preciso dar sentido ao exposto na lei com referência à correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei, procurando evitar-se que, apesar de uma errada eleição da forma processual idónea, o tribunal deixe de se pronunciar sobre o mérito da causa.
Está bom de ver que, afinal, o Tribunal decidiu a convolação, colocando mais tarde em crise tudo aquilo que está na base da figura descrita, tornando inconsequente a alusão à celeridade da justiça tributária e à concessão de uma tutela jurisdicional efectiva e plena.
Isto entronca com o outro elemento a ponderar - a concessão de uma tutela jurisdicional efectiva e plena -, na medida em que outra decisão afrontaria de forma gravosa o aludido princípio que tem abrigo na Lei Fundamental, porquanto, tendo o Tribunal afastado a apreciação do pedido relativo à 2ª avaliação do imóvel descrito nos autos, a decisão recorrida deixaria a Recorrente numa situação insustentável no que concerne ao exercício dos seus direitos.
Assim sendo, dependendo a convolação do facto de a petição ter sido tempestivamente apresentada para efeitos da nova forma processual, tal decisão incorpora este elemento, tornando-se caso decidido, o que quer dizer que o Tribunal a quo não podia voltar a equacionar a questão nos termos em que o fez, o que significa que tal decisão não pode manter-se, impondo-se a sua revogação, baixando os autos à primeira instância para apreciação da AAE, se outro fundamento, diverso do ora decidido, a tal não obstar.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, baixando os autos à primeira instância para apreciação da AAE, se a tal nada mais obstar.
Custas pela Recorrida.
Notifique-se. D.N..
Porto, 09 de Novembro de 2017
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Cristina da Nova