Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00013/12.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/12/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL.
OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS.
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO.
GERÊNCIA DE FACTO.
Sumário:I) Compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.
II) Nesta linha de raciocínio, resulta claro que a dispensa, a não produção de quaisquer diligências de prova não implica uma violação de qualquer acto/formalidade imposta por lei, no caso a respectiva inquirição, já que é a própria lei que expressamente atribui ao juiz a faculdade de dela poder prescindir e não se vislumbra compatível que, de um passo, se confira ao juiz o poder de não produzir prova requerida pelas partes litigantes e, de outro e em simultâneo, se sancione a utilização de tal poder com um vício de forma fulminado com a nulidade.
III) Em todo o caso, e com referência à avaliação do juiz que suporta a sua decisão de não considerar quaisquer diligências de prova pode estar inquinada de erro, isto é, pode ter considerado, à luz das soluções jurídicas que postule como possíveis ao caso em apreciação, que os elementos provados já disponíveis eram bastantes e suficientes, sem que tal tenha, efectivamente, aderência à realidade, matéria em que nos deparamos, não com um vício de forma mas, antes e de facto, de fundo consubstanciado em erro de julgamento nessa medida inquinando o valor doutrinal da decisão proferida sem que tenha o apoio da prova prescindida.
IV) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
V) A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
VI) Tal significa que, no caso de reacção do visado, a AT terá então (na contestação à oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência, sendo que tal situação não se estende para lá do momento acima apontado, ou seja, em sede de contestação, a AT tem de enumerar os tais factos concretos que evidenciam o apontado exercício de funções de gerente por parte do ora Recorrente.
VII) A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
VIII) Analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte da ora Recorrida, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova, além de que, ainda que assim não tenha sucedido, temos por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte da ora Recorrida, de modo que, competindo à AT o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte da Recorrida, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a AT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:A... e Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O Ministério Público, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 31-12-2012, que julgou procedente a pretensão deduzida na presente instância de OPOSIÇÃO por A…, com referência à execução originariamente instaurada contra a sociedade “E…, Lda”, e contra si revertida, proveniente de dívidas de IVA do ano de 2010, IRC do ano de 2009 e coimas fiscais relativas aos exercícios dos anos 2010 e 2011.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 156-159), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
I - A M.ma Juiz a quo omitiu diligências essenciais para a descoberta da verdade material, violando o princípio da investigação ou do inquisitório consagrado no art.º 13.º, n.º 1, do CPPT e no n.º 1 do art.º 99.º da LGT, o que constitui nulidade que implica a anulação da sentença e de todos os actos posteriores, nos termos conjugados dos artigos 194º, al. b), 200.º, 201.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, 203.º, 205º, n.º 1 (2.ª parte), e 668º, nºs 1, al. d) e 4, do C P Civil (redacção vigente data da sentença), ex vi do disposto no art.º 2.º al. e) do CPPT;
II - Além disso, a M.ma Juíza a quo deu como provados os factos enunciados sob as alíneas A), B) e C), do probatório da douta sentença recorrida, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. E deu como não provado o facto indicado sob a alínea A.;
III - Salvo o devido respeito, a M.ma Juíza a quo não apreciou correctamente a prova produzida nos autos, desde logo porque o facto provado sob a alínea C) está em manifesta contradição com o que consta do despacho de reversão e, por outro lado, face à prova constante dos autos, não podia dar como não provado que a oponente tenha realizado qualquer acto de gerência da originária devedora aquando da ocorrência dos factos que originaram a dívida exequenda;
IV - Antes pelo contrário, os «factos índice da gestão de facto» referidos no despacho de reversão e bem assim as informações oficiais constantes do processo são indicativos de que a oponente realizou actos efectivos de gerência, ou seja, exerceu efectivamente funções de gerente na executada originária;
V - Por outro lado, no despacho de reversão não é necessário imputar factos concretos demonstrativos do exercício da gerência de facto, bastando que a administração tributária impute, como de facto imputou, esse exercício e o delimite no tempo por referência às dívidas exequendas cuja responsabilidade subsidiária atribuiu à oponente, tal como se decidiu no recente Acórdão do STA, 0580/12, de 31-10-2012;
VI - Face à prova produzida nos autos, está demonstrado o exercício efectivo da gerência por parte da oponente, e sendo certo que nenhuma prova foi feita para ilidir a presunção de culpa prevista no art.º 24.º, n.º 1 al. b) da LGT, antes pelo contrário, essa prova permite concluir que agiu com desleixo e negligência na condução dos negócios da sociedade, deveria ser considerada parte legítima na execução e responsável pelo pagamento das dívidas exequendas;
VII - Decidindo como decidiu, a M.ma Juiz a quo omitiu diligências essenciais a que estava vinculada, violou os artigos 13.º, n.º 1, do CPPT, não apreciou correctamente a prova produzida nos autos, e fez errada interpretação do artigo 24.º, n.º 1, al. b) da LGT.
Pelo que, determinando a anulação da douta sentença recorrida e ordenando a baixa dos autos para inquirição das testemunhas oferecidas pela oponente e os demais termos subsequentes, VOSSAS EXCELENCIAS farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA.”

A recorrida A… não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar o invocado erro de julgamento de facto e bem assim apreciar se a ora Recorrida exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) Nos autos de execução fiscal n.º 2348201037455, instaurados originariamente contra a sociedade “E…, Lda” é visada a cobrança coerciva de dívidas provenientes de IVA do ano de 2010, IRC do ano de 2009 e coimas fiscais relativas aos exercícios dos anos 2010 e 2011;
B) Por despacho as execuções mencionadas em A. reverteram contra os responsáveis subsidiários, entre eles a aqui oponente, A…;
C) Do despacho de reversão, com interesse para a decisão, nada consta a fundamentar o exercício da gestão de facto pela aqui oponente.
*
Facto não provado
A. - Que a Oponente tenha realizado qualquer acto de gerência da originária devedora aquando da ocorrência dos factos que originaram a dívida exequenda.
Quanto a esta factualidade não foi apresentada qualquer prova nem sequer aquela foi alegada, aliás o alegado, no despacho de reversão, não passam de meros juízos conclusivos, importando, ainda, realçar que na informação prestada pelo órgão da execução fiscal nos termos e para os efeitos do artigo 208.º do CPPT consta, entre outros, que “a gerência de direito faz presumir a gerência de facto”.
*
A base probatória radica nos documentos neles referidos e noutros juntos aos autos.
Ao abrigo do disposto no art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil (actual art. 662º), adita-se ao probatório o seguinte:
D) A ora Recorrida A… é sócia da sociedade devedora originária desde a sua constituição, tendo sido nomeada gerente em 2001 juntamente com J…, sendo a forma de obrigar a assinatura de qualquer um dos gerentes (fls. 32-34 do PEF apenso).
E) O Instituto da Segurança Social informou em 12-05-2011 relativamente a E…, Lda.:
“- Consta inscrita como entidade empregadora com o NISS nº 2…, com sede em …
- Consta como única sócia-gerente da empresa em causa A…, encontrando-se excluída do regime MOE (membro de órgão estatutário), em virtude de ser pensionista e ter apresentado prova de não ser remunerada pela empresa.” (fls. 36 do PEF apenso).
F) A ora Recorrida A… foi notificada na qualidade de fiel depositário da venda dos bens ordenada no âmbito do PEF nº 2348200801012789 e aps. (fls. 47-47v. do PEF apenso).
G) J… faleceu em 03-05-2010 (art. 5º da petição inicial).
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que o âmbito e objecto do recurso jurisdicional está balizado pelo teor das respectivas conclusões, o que significa que a este Tribunal está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da apontada omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade material, violando o princípio da investigação ou do inquisitório consagrado no art.º 13.º, n.º 1, do CPPT e no n.º 1 do art.º 99.º da LGT, o que constitui nulidade que implica a anulação da sentença e de todos os actos posteriores, nos termos conjugados dos artigos 194º, al. b), 200.º, 201.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, 203.º, 205º, n.º 1 (2.ª parte), e 668º, nºs 1, al. d) e 4, do C P Civil (redacção vigente data da sentença), ex vi do disposto no art.º 2.º al. e) do CPPT.
Quanto à questão enunciada relativamente à não consideração das diligências de prova requeridas, cabe notar que eventual vício formal pelo facto de o Tribunal não ter considerado ou ter prescindido da produção da prova apontada pelas partes fulminado com a nulidade esta não poderá deixar de ser de natureza secundária, na medida em que da sua realização, enquanto um acto ou uma formalidade prescrita por lei, pudessem resultar elementos susceptíveis de influir no exame ou na decisão da causa, integrando, assim, como se referiu, uma nulidade secundária, à luz do que preceitua o art.º 201º do CPC, por não abrangida pelos artigos que o precedem, a invocar/arguir nos termos do subsequente art.º 205.º do mesmo compêndio legal.
Por outro lado, dúvidas, também, não subsistem que, não dispondo o CPPT, de regime próprio relativamente às nulidades secundárias, estas terão de ser analisadas à luz do que, a respeito delas, se dispõe no dito C. Proc. Civil, por imposição do, também, referido art.º 2.º/e do CPPT.
Diga-se ainda que a consideração de qualquer vício de forma neste âmbito exigiria que as diligências em apreço fossem impostas, tal como se refere no Ac. do T.C.A. Sul de 06-10-2010, Proc. nº 03603/09, ao que se crê ainda inédito, “no sentido de inexoravelmente vinculadas, ou no dizer do preceito, prescrita por lei, para além de poder influir no exame ou na decisão da causa; Ou seja, e ao que aqui releva, para além de ter de se tratar de formalidade omitida cuja ausência não assegure, no dizer do Prof. A. dos Reis Cfr. Comentário ao CPC , vol. II , 481 e segs.. “(...) a instrução , a discussão e o julgamento regular do pleito”, assim devendo ser entendida a exigência de que a “(...) irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa” tem, ainda, de se tratar de formalidade imposta por lei Como diz aquele mestre, no mesmo local, ainda que a propósito das nulidades desde logo decretadas por lei; “A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos:
a)Quando a lei expressamente a decreta;
b)Quando a irregularidade cometida posa influir no exame ou na decisão da causa.
O primeiro caso não levanta dúvidas. Se a lei declara, em termos explícitos, que determinado acto não poderá ser praticado, sob pena de nulidade, ou impõe a prática de um acto (...) não há que averiguar se (...) é ou não susceptível de influir no exame e decisão da causa (...); o tribunal tem de inclinar-se perante o império da lei, tem de decretar a anulação pura e simplesmente.
(...).
O 2.º caso em que a infracção formal tem relevância deixa ao juiz um largo poder de apreciação. (...)”.(sublinhado da nossa responsabilidade). , no sentido de a verificação de tal formalidade não estar, em circunstância alguma, sujeita a avaliação, segundo critérios de oportunidade, por parte do juiz.”.

É sabido que o processo judicial tributário é, pelo menos desde a Lei Geral Tributária, um processo de partes, pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais. E, por isso, o juiz só pode dispensar a fase de instrução dos autos «se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários» (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115, n.º 1 e 119.º do CPPT.

Assim, embora o tribunal tenha, em princípio, de admitir todos os meios de prova que as partes ofereçam - posto que em processo tributário de impugnação são, em regra, admitidos todos os meios gerais de prova (artigo 115.º do CPPT) - pode recusar a sua produção caso exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias.

O direito à prova no procedimento e no processo tributário existe e é objecto de uma tutela muito forte, mas não constitui um direito absoluto, pois que o legislador ordinário estabeleceu limites e indicou critérios precisos de restrição do uso de meios de prova em relação a factos determinados, como acontece com o artigo 392.º do Código Civil, onde se estabelece que “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”, e com o disposto nos artigos 393.º, 394.º e 395.º desse Código, que prevêem as situações em que é inadmissível a prova testemunhal.

Em suma, compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Nesta linha de raciocínio, resulta claro que a dispensa, a não produção de quaisquer diligências de prova não implica uma violação de qualquer acto/formalidade imposta por lei, no caso a respectiva inquirição, já que é a própria lei que expressamente atribui ao juiz a faculdade de dela poder prescindir e não se vislumbra compatível que, de um passo, se confira ao juiz o poder de não produzir prova requerida pelas partes litigantes e, de outro e em simultâneo, se sancione a utilização de tal poder com um vício de forma fulminado com a nulidade.

Em todo o caso, e com referência à avaliação do juiz que suporta a sua decisão de não considerar quaisquer diligências de prova pode estar inquinada de erro, isto é, pode ter considerado, à luz das soluções jurídicas que postule como possíveis ao caso em apreciação, que os elementos provados já disponíveis eram bastantes e suficientes, sem que tal tenha, efectivamente, aderência à realidade, matéria em que nos deparamos, tal como se refere no Ac. acima referido, não com um vício de forma mas, antes e de facto, de fundo consubstanciado em erro de julgamento nessa medida inquinando o valor doutrinal da decisão proferida sem que tenha o apoio da prova prescindida, sendo que, “in casu”, tal não se verifica, em função da análise acima efectuada pelo Tribunal ao nível da consideração da factualidade relevante para a sorte dos presentes autos.


O Recorrente refere depois que a M.ma Juíza a quo deu como provados os factos enunciados sob as alíneas A), B) e C), do probatório da douta sentença recorrida, que aqui se dão por integralmente reproduzidos e deu como não provado o facto indicado sob a alínea A., sendo que não apreciou correctamente a prova produzida nos autos, desde logo porque o facto provado sob a alínea C) está em manifesta contradição com o que consta do despacho de reversão e, por outro lado, face à prova constante dos autos, não podia dar como não provado que a oponente tenha realizado qualquer acto de gerência da originária devedora aquando da ocorrência dos factos que originaram a dívida exequenda.
Neste ponto, crê-se que é pertinente a crítica do Recorrente dirigida ao facto considerado como não provado (A. - Que o Oponente tenha exercido a gestão de fato e tenha culpa na insuficiência do património para fazer face às dívidas tributárias) e ao teor da al. C) do probatório, não porque esteja em causa qualquer situação de contradição, mas porque se trata de matéria conclusiva, que resolve a questão em análise nos autos, sendo que a partir das aludidas afirmações, não fica qualquer espaço para a subsequente discussão de direito, de modo que, determina-se a eliminação de tais elementos do probatório.

O Recorrente insiste depois que, pelo contrário, os «factos índice da gestão de facto» referidos no despacho de reversão e bem assim as informações oficiais constantes do processo são indicativos de que a oponente realizou actos efectivos de gerência, ou seja, exerceu efectivamente funções de gerente na executada originária, sendo que no despacho de reversão não é necessário imputar factos concretos demonstrativos do exercício da gerência de facto, bastando que a administração tributária impute, como de facto imputou, esse exercício e o delimite no tempo por referência às dívidas exequendas cuja responsabilidade subsidiária atribuiu à oponente, tal como se decidiu no recente Acórdão do STA, 0580/12, de 31-10-2012 e face à prova produzida nos autos, está demonstrado o exercício efectivo da gerência por parte da oponente, e sendo certo que nenhuma prova foi feita para ilidir a presunção de culpa prevista no art.º 24.º, n.º 1 al. b) da LGT, antes pelo contrário, essa prova permite concluir que agiu com desleixo e negligência na condução dos negócios da sociedade, deveria ser considerada parte legítima na execução e responsável pelo pagamento das dívidas exequendas.

Na sentença recorrida, foi entendido que:
“…
Analisando o aplicável à situação, ou seja o que decorre do artigo 24º da Lei Geral Tributária, considerando também o disposto no artigo 73º do mesmo diploma, não temos dúvidas em afirmar que a gestão de facto, cumpre ser provada pela Entidade Exequente pois é ela que exerce a reversão e aquela gestão é “um facto constitutivo” do direito a exercer a reversão.
Apurado a quem compete o ónus da prova da gestão de facto por parte da revertida impõe-se, sem mais considerandos (porque a clareza resultante do conjunto dos factos provados e não provados os dispensa), responder que a Entidade Exequente (EE), aqui FP, não só nada provou como nada alegou. E dificilmente o faria pois do despacho que ordenou a reversão não constam quaisquer “factos índice da gestão de facto”.
Pelo exposto, constatamos que é o próprio despacho de reversão que peca por falta de fundamentação, quanto aos requisitos legais do instituto da reversão, logo, dificilmente provaria a AT o exercício da gestão de facto por parte da oponente. …”.

Que dizer?
Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.
Ora, sendo as dívidas exequendas provenientes de IVA do ano de 2010, IRC do ano de 2009 e coimas fiscais relativas aos exercícios dos anos 2010 e 2011, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Por seu lado, o art. 8º nº 1 do RGIT aponta que “Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis: a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento; b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.”.

Ora, em função da inclusão nas disposições apontadas das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.

Perante o que fica exposto, e que traduz o real enquadramento da matéria em apreço, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.
Aliás, como se aponta no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 16-10-2013, Proc. nº 0458/13, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “… De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).

Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário» (No mesmo sentido ver também o acórdão de 23/1/2013, processo nº 0953/12.) sendo que, em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT). …”.
Ora, como se colhe do aresto agora descrito, não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reacção do visado (leia-se oposição), a AT terá então, no desenvolvimento do processo, de afirmar esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência.
Nesta sequência, e desde logo, sobre esta matéria, a FP, na sua contestação, apenas refere que “de acordo com os elementos juntos ao processo de execução fiscal, que acompanharam a informação prestada pelo SF nos termos do art. 208º do CPPT (de fls. 12 a 45), designadamente, a informação fornecida pelo Instituto da Segurança Social, IP e o teor da certidão da Conservatória do Registo Comercial de Viana do Castelo, a oponente exercia a gerência da sociedade em causa”, não fazendo qualquer referência aos documentos entregues nos serviços da DGCI relativamente à sociedade executada, porventura porque esses elementos não envolvem a ora Recorrida, com excepção do exposto em F).

Ora, considerando a realidade vertida no probatório, pode dizer-se que o único elemento apontado para a ora Recorrida ser considerada gerente de facto ou efectivo, reconduz-se ao facto de a mesmo ter sido nomeado para o exercício da gerência da sociedade devedora originária, matéria que abrange todo o período em que nasceram as dívidas e que a oponente A… consta dos registos da segurança social como única sócia-gerente da empresa em causa.

Ora, o estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa, verificando-se que a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (Ac. deste Tribunal de 08-05-2012, Proc. nº 5392/12).
É no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).

Naturalmente, não se olvida que tal matéria deixou de ser suficiente para o preenchimento desse fundamento da gerência efectiva ou de facto, pelo que só fundada nessa nomeação não poderia haver lugar à reversão da execução contra a ora Recorrida ao abrigo das normas apontadas, antes tendo a mesma de ter praticado em nome e por conta dessa sociedade alguns dos actos típicos que normalmente por eles são praticados, em que se consubstanciam os poderes de representação e de exteriorização da vontade do ente colectivo - cfr. arts. 390º e segs do CSC.

Nesta sequência, considerando a realidade vertida no probatório e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, pode dizer-se que os elementos presentes nos autos não permitem a conclusão de que a ora Recorrida foi gerente de facto da sociedade nos termos apontados.
Com efeito, como já vimos, não competia à ora Recorrida fazer qualquer prova neste âmbito, cabendo à FP a alegação da matéria neste domínio, pois que, embora não seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pelo menos, na contestação, terá de indicar tais factos, por forma a cumprir com o ónus que a lei lhe comete.
Neste ponto, a leitura da contestação remete para a certidão da Conservatória do Registo Comercial de Viana do Castelo e para a informação fornecida pelo Instituto da Segurança Social, IP.
No fundo, são estes elementos que são retomados pelo Recorrente no sentido de obter uma diferente análise da questão por parte deste Tribunal, antecedida de uma alusão à necessidade de o Tribunal ouvir as testemunhas arroladas pela Recorrente, porventura com a esperança de aportar ao processo elementos que o mesmo não comporta no sentido de evidenciar algo que cabia à AT demonstrar nos autos.
Pois bem, voltando aos elementos efectivamente a considerar nos autos, o grande argumento que poderá ser ponderado circunscreve-se ao facto de a partir de certa altura a ora Recorrida se ter tornado o único gerente da sociedade executada, de modo que, estaria aqui o necessário fio condutor que permitiria uma percepção distinta da realidade em apreço.
Ora, tal argumento não se revela assim tão decisivo, na medida em que, se bem que se afigure compreensível que se postule a necessidade da respectiva intervenção no que concerne ao giro comercial normal da executada originária, tal apenas é legítimo, no entanto, à luz do enquadramento legal aplicável, nada impedindo, de facto, que ela exerça a actividade para que se constituiu, negociando com clientes e fornecedores, sem o acatamento da aludida prescrição estipulada no pacto e que, como é sabido, inúmeras vezes é desconhecida daqueles que entram em relações comerciais com as empresas que assim operam.
Ou seja e dito de outra forma, a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura de um ou mais sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado.
Do mesmo modo, ainda que a partir de certa altura, a ora Recorrida apareça como o único gerente, nada garante que a situação se tenha desenvolvido nos termos sugeridos pelo Recorrente, de modo que, apesar do exposto, não se pode concluir decorrer uma qualquer presunção natural de que a ora Recorrido exerceu a gerência da sociedade executada.
Isto porque a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139.
Analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte da ora Recorrida, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.
Na realidade, ainda que assim não tenha sucedido, temos por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte da ora Recorrida, de modo que, competindo à AT o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte da Recorrida, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a AT.
Diga-se ainda que fica também claramente evidenciada a irrelevância da matéria suscitada pelo Recorrente com referência à prova que pretendia ver produzida, ou seja, resulta claro que não se mostram, pois, necessárias as diligências requeridas, sendo que o Tribunal só deve ordenar a realização das diligências que se mostrem úteis para a descoberta da verdade. Não assiste, pois, razão legal válida ao Recorrente na pretensão de realização de tais diligências, donde a improcedência do peticionado nesse sentido, sendo que os autos se mostram devidamente instruídos, o que significa que não pode afirmar-se um qualquer juízo de censura sobre a decisão recorrida nos termos propostos pelo Recorrente.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação do recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Sem custas.
Notifique-se. D.N..
Porto, 12 de Junho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves