Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00551/12.4BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/27/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL.
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA. CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR.
Sumário:I) Por norma as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.
II) Mas nem sempre é assim. Casos há, como o previsto no art. 33º do Decreto-lei nº 8-B/2002, em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Segurança Social em suprimento das obrigações dos contribuintes.
III) Nestas situações a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem um verdadeiro acto administrativo declarativo de liquidação de um tributo.
IV) Assim, estando em causa na situação dos autos uma verdadeira liquidação, a matéria em causa terá de ser enquadrada no âmbito do art. 102º nº 1 al. a) do CPPT, o qual dispõe que “a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte”, não estando em causa qualquer das outras situações previstas no aludido preceito.
V) Deste modo, tendo presente o teor das notificações efectuadas, não é possível vislumbrar em qualquer delas a concessão de um prazo ao ora Recorrente para proceder ao pagamento voluntário da dívida, o que significa que a notificação da liquidação não foi acompanhada pela fixação do competente para o pagamento voluntário da quantia liquidada, ou seja, não pode ter-se por verificada a hipótese prevista no art. 102º nº 1 al. a) do CPPT, situação que tem como consequência não ter ainda ocorrido o termo inicial do prazo (90 dias) de dedução da impugnação judicial previsto na norma em apreço, assim se devendo considerar tempestiva a p.i. que deu origem ao presente processo, contrariamente ao entendido pelo Tribunal “a quo”.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Sport Clube...
Recorrido 1:IGFSS de Viana do Castelo
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. RELATÓRIO
Sport Clube..., devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 18-02-2013, que julgou verificada a excepção peremptória de caducidade do direito de impugnar e, consequentemente, absolveu a entidade impugnada do pedido na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com os actos tributários de liquidação subjacentes às execuções fiscais nºs 1601201100145769 AP e 1601201100148245 AP.

Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 209-212), nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
A - Em 2010/2011, o Departamento de Fiscalização da Segurança Social do Norte - Núcleo de Fiscalização de Viana do Castelo efectuou uma acção inspectiva à impugnante, tendo apurado pretensas contribuições em falta.
B - Concluída aquela acção inspectiva, o Instituto da Segurança Social de Viana do Castelo notificou a impugnante, através do seu ofício nº 76785, datado de 3.11.2011, dando-lhe conta de que era sua intenção proceder ao lançamento das remunerações apuradas se, no prazo de 10 dias úteis não desse entrada naqueles Serviços resposta, por escrito, da qual constassem elementos que obstassem ao aludido lançamento
C - Para a impugnante, aquela notificação, informando sobre a intenção de levar a cabo determinados procedimentos, tinha natureza de acto preparatório da liquidação, a que lhe deveria seguir uma notificação dessa liquidação
D - E, como acto preparatório, insusceptível de ser impugnado, em face do princípio da impugnação unitária consagrado no art.º 54º do CPPT.
E - Daí, a impugnante ter ficado a aguardar a notificação do acto final, o que não aconteceu, tendo a impugnante sido surpreendida com a citação nas execuções fiscais que lhe foram movidas.
F - Ao considerar a impugnação judicial intempestiva, a douta sentença recorrida considerou igualmente como impugnável o relatório da Inspecção da Segurança Social, violando o princípio da impugnação unitária.
G - Um tal julgamento põe em causa o direito de a impugnante obter uma pronúncia dos tribunais sobre a ilegalidade da liquidação efectuada pelos Serviços da Segurança Social de Viana do Castelo.
H - Ou seja, põe em causa a tutela jurisdicional efectiva dos direitos da impugnante, violando o disposto no art.º 268º/nº4 da CRP e art.º 9º/nº 1 da LGT.
I - Não tendo a impugnante sido formalmente notificada da liquidação impugnada, deverá ser admitida a impugnar tal liquidação, contando-se o prazo a partir do momento em que teve conhecimento desse acto, ou seja, a contar a citação na execução fiscal.
J - A impugnação deduzida pela ora recorrente é tempestiva, pelo que devem os autos baixar ao Tribunal a quo para julgamento de mérito.”

O recorrido Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se a favor da improcedência do presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a única questão a conhecer no presente recurso é a matéria da caducidade do direito de impugnar.



3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1- Em 2010/2011, o Departamento de Fiscalização da Segurança Social do Norte efectuou uma acção inspectiva ao impugnante.
2- Em 19.07.2011, foi o impugnante notificado “do teor da decisão constante do relatório final (...) essa entidade é considerada definitivamente em dívida de contribuições para com a segurança social, na importância de 93.936,66 euros (...) Mais se notifica que a presente decisão é desde já passível de recurso contencioso nos termos gerais aplicáveis» - cfr. fls. 17 a 27 dos autos.
3- Através do ofício nº 76785, datado de 03.11.2011, o impugnante foi notificado de que “nos termos do despacho do Director de Unidade de Identificação, Qualificação e Contribuições de 20.10.2011 é intenção, nos termos e com os fundamentos do apuramento de remunerações efectuado pelo sector de fiscalização de Via na do Castelo, e a que se refere a cópia do ofício que este acompanha, proceder ao lançamento das remunerações assim apuradas, se, no prazo de 10 dia úteis, não der entrada nestes serviços, resposta, por escrito, da qual constem elementos que obstem ao aludido lançamento, acompanhada dos meios de prova que entender por convenientes. Mais se informa que na falta de resposta, o lançamento e registo na conta corrente do debito (...) ocorrerá no primeiro dia útil seguinte ao termos do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de 15 dias para reclamar; 3 meses para recorrer hierarquicamente (...); 3 meses para recorrer contenciosamente» - cfr. fls. 16 dos autos.
4- Nos dias 19.12.2011 e 30.12.2011, foi o ora impugnante citado em execução fiscal - cfr. fls. 63 a 71 dos autos.
5- A petição inicial desta impugnação judicial foi apresentada em 19.03.2012 - cfr. fls. 2 dos autos.”
3.1 DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos e que se prende com a questão da caducidade do direito de impugnar.

Na sentença recorrida foi considerado que:
A presente impugnação judicial dirige-se contra os actos de liquidação relativos a contribuições para a segurança social dos anos de 2005 a 2011, no valor de 93.936,66 euros.
Estabelece-se no art. 102° nº1 do CPPT que:
«A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos seguintes factos:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte;
b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
d) Formação da presunção de indeferimento tácito;
e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste código;
f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.”
No caso em apreço, a ora impugnante foi notificado em 19.07.2011,do teor da decisão constante do relatório final, de que “é considerada definitivamente em dívida de contribuições para com a segurança social, na importância de 93.936,66 euros”e de que «a presente decisão é desde já passível de recurso contencioso nos termos gerais aplicáveis”.
Por ofício datado de 03.11.2011, o impugnante foi notificado de que «nos termos do despacho do Director de Unidade de Identificação, Qualificação e Contribuições de 20.10.2011 (...) é intenção, nos termos e com os fundamentos do apuramento de remunerações efectuado pelo sector de fiscalização de Viana do Castelo, e a que se refere a cópia do oficio que este acompanha, proceder ao lançamento das remunerações assim apuradas, se, no prazo de 10 dia úteis, não der entrada nestes serviços, resposta, por escrito, da qual constem elementos que obstem ao aludido lançamento, acompanhada dos meios de prova que entender por convenientes. Mais se informa que na falta de resposta, o lançamento e registo na conta corrente do débito (...) ocorrerá no primeiro dia útil seguinte ao termos do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de 15 dias para reclamar; 3 meses para recorrer hierarquicamente (...); 3 meses para recorrer contenciosamente
Entende a entidade impugnada e o Ministério Público que, notificada a impugnante do acto impugnado a 19.07.2011, a presente impugnação foi interposta fora do prazo legal. E mesmo considerando que a notificação foi renovada pelo ofício de 03.01.2011, o direito de acção teria igualmente caducado.
Argumenta a impugnante que a notificação feita não satisfaz os requisitos legais das liquidações dos tributos. Só com a citação é que ficou em condições de se defender e por isso tal citação deverá ter o valor de notificação da liquidação. Invoca a al. f) do art. 102º, nº 1 do CPPT.
Desde já se adianta que assiste razão à entidade impugnada e ao Ministério Público.
Com efeito, mesmo considerando apenas a notificação de 03.11.2011, e tendo em conta o decurso do prazo de 10 dia úteis aí indicado, instaurada a presente impugnação no dia 19.03.2012, impõe-se concluir que o foi quando já decorrera o prazo legal de 90 dias.
Carece de fundamento a aplicação ao caso em apreço da alínea f) do artigo 102º, nº 1 - “Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos no abrangidos nas alíneas anteriores”.
A citação para a execução em 30.12.2011, marca o início do prazo (de 30 dias) para reagir, não contra o acto de liquidação, mas contra a execução, mediante oposição à execução e com os fundamentos previstos no artigo 204° do CPPT.
Entendendo a impugnante que a notificação da liquidação não satisfazia os requisitos legais, poderia ter usado da faculdade concedida pelo artigo 37° do CPPT, contando-se o prazo de impugnação apenas a partir da data da notificação ou da entrega da certidão.
Ocorre, portanto, a invocada caducidade do direito de impugnar.
Assim, sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir pela procedência da excepção peremptória da caducidade do direito de impugnar. …”.

Nas suas alegações, o Recorrente refere que em 2010/2011, o Departamento de Fiscalização da Segurança Social do Norte - Núcleo de Fiscalização de Viana do Castelo efectuou uma acção inspectiva à impugnante, tendo apurado pretensas contribuições em falta e concluída aquela acção inspectiva, o Instituto da Segurança Social de Viana do Castelo notificou a impugnante, através do seu ofício nº 76785, datado de 3.11.2011, dando-lhe conta de que era sua intenção proceder ao lançamento das remunerações apuradas se, no prazo de 10 dias úteis não desse entrada naqueles Serviços resposta, por escrito, da qual constassem elementos que obstassem ao aludido lançamento, sendo que, para a impugnante, aquela notificação, informando sobre a intenção de levar a cabo determinados procedimentos, tinha natureza de acto preparatório da liquidação, a que lhe deveria seguir uma notificação dessa liquidação e, como acto preparatório, insusceptível de ser impugnado, em face do princípio da impugnação unitária consagrado no art.º 54º do CPPT, daí, a impugnante ter ficado a aguardar a notificação do acto final, o que não aconteceu, tendo a impugnante sido surpreendida com a citação nas execuções fiscais que lhe foram movidas.
Ao considerar a impugnação judicial intempestiva, a douta sentença recorrida considerou igualmente como impugnável o relatório da Inspecção da Segurança Social, violando o princípio da impugnação unitária e um tal julgamento põe em causa o direito de a impugnante obter uma pronúncia dos tribunais sobre a ilegalidade da liquidação efectuada pelos Serviços da Segurança Social de Viana do Castelo, ou seja, põe em causa a tutela jurisdicional efectiva dos direitos da impugnante, violando o disposto no art.º 268º/nº4 da CRP e art.º 9º/nº 1 da LGT, de modo que, não tendo a impugnante sido formalmente notificada da liquidação impugnada, deverá ser admitida a impugnar tal liquidação, contando-se o prazo a partir do momento em que teve conhecimento desse acto, ou seja, a contar a citação na execução fiscal, pelo que, a impugnação deduzida pela ora recorrente é tempestiva, pelo que devem os autos baixar ao Tribunal a quo para julgamento de mérito.

Que dizer?
No sentido de enquadrar esta matéria, cumpre ter presente o exposto no recente Ac. do S.T.A. (Pleno) de 26-02-2014, Proc. nº 01481/13, www.dgsi.pt, onde se aponta que “…

Em primeiro lugar cumpre referir, como bem se nota no acórdão fundamento, que doutrinaria e jurisprudencialmente, as contribuições para a Segurança Social são consideradas como impostos, ou pelo menos como equiparadas a impostos (Neste sentido, e sobre a natureza das contribuições para a Segurança Social vide , Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, pags. 662 e segs., Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social - Natureza de Regime e de Técnicas e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos do IDEFF, nº 12, ed. Almedina, J.J.Teixeira Ribeiro, anotações ao Acórdão de 24 de Janeiro de 1996, revista de Legislação e Jurisprudência, 1 de Junho de 1996, Ano 129º, nº 3863, e Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, vol. I, ed. Rei dos Livros, pag. 322.).
Como refere Casalta Nabais (ob. citada, pag. 663) trata-se de uma acepção que vem sendo admitida um pouco por toda a parte e que, no nosso regime jurídico, tem manifestações importantes traduzidas no seguinte: «1) na integração das contribuições para a segurança social no nível de fiscalidade ou carga fiscal, nomeadamente para efeitos da sua comparação internacional; 2) na equiparação das contribuições para a segurança social aos impostos, ao menos para efeitos jurídico-constitucionais, que o mesmo é dizer em sede da constituição fiscal; 3) na aplicação às contribuições para a segurança social das normas do procedimento e processo tributários e do regime das infracções tributárias (v. o art. 1.º do CPPT e os arts. 1.º, n.º 1, al. d) e 106.º e 107.º do RGIT)”
Também a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem considerado as contribuições para a Segurança Social como impostos, desde a Constituição de 1976, e como tal sujeitas ao princípio da legalidade tributária (cfr., entre outros, os Acórdãos n ºs 183/96 e 621/99, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 23/05/1996 e 23/02/2000).
E no mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência desta secção, de que destacamos, para além dos arestos citados no acórdão fundamento, os Acórdãos de 16.06.1999, recurso 23889 e de 23.05.2007, recurso 63/07, ambos in www.dgsi.pt.
Temos pois por seguro que, em temos doutrinais e jurisprudenciais, as contribuições para a Segurança Social são consideradas, à luz do actual quadro legislativo, como impostos (pese embora com algumas peculiaridades).
Por outro lado, e como já ficou dito, o caso em apreço tem características específicas porque não está em causa uma situação de autoliquidação mas sim uma liquidação oficiosa de contribuições para a Segurança Social.
Por norma as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.
Verifica-se nestes casos, como refere Casalta Nabais, (Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, 2010, pag. 664) reportando-se à liquidação e cobrança da Taxa Social Única, «uma autoliquidação relativamente às contribuições das entidades patronais, e uma liquidação por terceiro (liquidação em substituição) no concernente às contribuições dos trabalhadores, já que estas são objecto de retenção na fonte a título definitivo pelas entidades patronais»
Nestas situações, que têm assim um carácter de autoliquidação, a jurisprudência desta secção vem entendendo que não será aplicável o regime previsto no artº 45º da Lei Geral Tributária, o que se justifica porque «o acto da entidade emitente do respectivo título executivo (certidão de dívida) não pode ser formalmente definido como acto de liquidação, desde logo porque não está subordinado a qualquer procedimento próprio para liquidação de tributos, nem é imposta por lei a notificação de qualquer acto antes da citação em processo de execução] fiscal» - cf., neste sentido, os já citados acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14.06.2012, recurso 443/12, de 23 de Setembro de 2009, recurso n.º 436/09, e de - de 30 de Maio de 2012, recurso n.º 104/12, todos in www.dgsi.pt.
Mas nem sempre será assim.
Casos há, como o dos presentes autos, em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Administração em suprimento das obrigações dos contribuintes.
Com efeito o artº 33º do decreto-lei nº 8-B/2002, sob a epígrafe «suprimento oficioso das obrigações dos contribuintes» dispõe o seguinte:
«1 - Nos casos em que as entidades obrigadas a promover a respectiva inscrição como contribuinte ou a apresentar a declaração de remunerações não cumpram tais obrigações, a inscrição e a declaração de remunerações são efectuadas oficiosamente ou por solicitação de terceiro que prove ter interesse no cumprimento daquelas obrigações.
2 - A inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam são efectuados oficiosamente, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção.» …”

Ora, no caso presente, tal como na situação a que alude o aresto apontado, foi impugnada uma liquidação oficiosa efectuada pela Segurança Social na sequência de investigação efectuada ao Recorrente em que se apurou Declarações de Remunerações não declaradas à SS, no montante de € 93.911,47.
Trata-se, portanto, como se refere no descrito aresto, de uma liquidação oficiosa por iniciativa do Instituto da Segurança Social, efectuada em suprimento das obrigações dos contribuintes, e que constitui, por isso, um verdadeiro acto administrativo declarativo de liquidação de um tributo, praticado por autoridade pública.
Na verdade enquanto que nas situações de autoliquidação se verifica, por via de regra uma homologação implícita pela Administração decorrente da aceitação do pagamento do imposto, já na liquidação estamos perante uma verificação constitutiva da existência da obrigação de imposto, cujos efeitos se reportam ao momento da verificação do facto tributário, por via de uma retrodatação de efeitos. (Mas não retroactividade de efeitos -cf., neste sentido, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, pag. 325 ).
Ora dúvidas não há, atento o regime previsto no referido artº 33º do Decreto-lei 8 B/2002, que esta inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem uma verificação constitutiva da existência daquela obrigação contributiva, e assumem, por isso, a natureza de uma verdadeira liquidação.

Pois bem, o probatório informa que:
“1- Em 2010/2011, o Departamento de Fiscalização da Segurança Social do Norte efectuou uma acção inspectiva ao impugnante.
2- Em 19.07.2011, foi o impugnante notificado “do teor da decisão constante do relatório final (...) essa entidade é considerada definitivamente em dívida de contribuições para com a segurança social, na importância de 93.936,66 euros (...) Mais se notifica que a presente decisão é desde já passível de recurso contencioso nos termos gerais aplicáveis» - cfr. fls. 17 a 27 dos autos.
3- Através do ofício nº 76785, datado de 03.11.2011, o impugnante foi notificado de que “nos termos do despacho do Director de Unidade de Identificação, Qualificação e Contribuições de 20.10.2011 é intenção, nos termos e com os fundamentos do apuramento de remunerações efectuado pelo sector de fiscalização de Via na do Castelo, e a que se refere a cópia do ofício que este acompanha, proceder ao lançamento das remunerações assim apuradas, se, no prazo de 10 dia úteis, não der entrada nestes serviços, resposta, por escrito, da qual constem elementos que obstem ao aludido lançamento, acompanhada dos meios de prova que entender por convenientes. Mais se informa que na falta de resposta, o lançamento e registo na conta corrente do debito (...) ocorrerá no primeiro dia útil seguinte ao termos do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de 15 dias para reclamar; 3 meses para recorrer hierarquicamente (...); 3 meses para recorrer contenciosamente» - cfr. fls. 16 dos autos.”

Nestas condições, não se vislumbra qual o fundamento para a afirmação da decisão recorrida no sentido de que “mesmo considerando apenas a notificação de 03.11.2011, e tendo em conta o decurso do prazo de 10 dia úteis aí indicado, instaurada a presente impugnação no dia 19.03.2012, impõe-se concluir que o foi quando já decorrera o prazo legal de 90 dias”.

Com efeito, e como se apontou, o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem uma verificação constitutiva da existência daquela obrigação contributiva, e assumem, por isso, a natureza de uma verdadeira liquidação, de modo que, afigura-se-nos que a situação em apreço terá de ser enquadrada no âmbito do art. 102º nº 1 al. a) do CPPT, o qual dispõe que “a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte”, não estando em causa qualquer das outras situações previstas no aludido preceito.
Ora, tendo presente o teor das notificações efectuadas, não é possível vislumbrar em qualquer delas a concessão de um prazo ao ora Recorrente para proceder ao pagamento voluntário da dívida, sendo de sublinhar que no Relatório Final, e forma esclarecida, o seu subscritor incluiu entre as propostas descritas a realização de tal notificação.
No entanto, na primeira notificação (ofício de 21-07-2011), determina-se apenas a notificação do relatório final e aponta-se que a partir da data do registo do ofício, é considerada definitivamente em dívida a quantia de € 93.932,66.
Por outro lado, na segunda notificação a que se alude nos autos, alude-se ao lançamento das remunerações assim apuradas, se, no prazo de 10 dia úteis, não der entrada nestes serviços, resposta, por escrito, da qual constem elementos que obstem ao aludido lançamento, acompanhada dos meios de prova que entender por convenientes, informando-se ainda que na falta de resposta, o lançamento e registo na conta corrente do debito (...) ocorrerá no primeiro dia útil seguinte ao termos do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de 15 dias para reclamar; 3 meses para recorrer hierarquicamente (...); 3 meses para recorrer contenciosamente.
Ora, mesmo deixando de lado a questão do reflexo deste novo elemento na esfera jurídica do Recorrente, onde parece querer conceder-se ao mesmo a possibilidade de reabrir a discussão, no fundo, da matéria da liquidação já estabelecida nos termos da decisão e notificação anteriores, aquilo que emerge como indiscutível é que, em nenhuma das situações, foi fixado um qualquer prazo para o ora Recorrente proceder ao pagamento voluntário da quantia liquidada.
Assim sendo, como é, e na medida em que a notificação da liquidação não foi acompanhada pela fixação do competente para o pagamento voluntário da quantia liquidada, não se pode ter por verificada a hipótese prevista no art. 102º nº 1 al. a) do CPPT, situação que tem como consequência não ter ainda ocorrido o termo inicial do prazo (90 dias) de dedução da impugnação judicial previsto na norma em apreço, assim se devendo considerar tempestiva a p.i. que deu origem ao presente processo, contrariamente ao entendido pelo Tribunal “a quo”.
Consequentemente, não pode concluir-se, como decidido, pela procedência da excepção peremptória de caducidade do direito de impugnar, pois que não se verifica tal situação, não merecendo qualquer censura a oportunidade da apresentação da petição inicial subjacente aos presentes autos, havendo que revogar a sentença recorrida, baixando os autos à primeira instância para apreciação da impugnação.
Com efeito, revogada a sentença recorrida em que não se conheceu do pedido, do fundo da causa, por mor da citada questão da caducidade do direito de impugnar, caberia a este Tribunal conhecer do mérito da mesma, em substituição, se os autos fornecessem os necessários elementos para o efeito, ao abrigo do disposto no actual art. 665º do C. Proc. Civil.
Porém, como se decidiu no Acórdão do S.T.A. de 17-10-2001, Proc. nº 26.193, tal conhecimento em substituição, apenas pode ter lugar quando o tribunal recorrido tenha conhecido e fixado o competente quadro probatório atinente à matéria do fundo da causa, já que o Tribunal superior pode alterar a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida mas não se pode substituir por completo, àquele, no julgamento de tal matéria - cfr. nº 1 do art. 712º do C. Proc. Civil (actual art. 662º) - pelo que no caso, não tendo a M. Juiz do tribunal “a quo” fixado na sentença recorrida, qualquer matéria relativa às questões suscitadas quanto ao mérito da presente impugnação judicial, apenas tendo julgado a matéria de facto relativa ao conhecimento da matéria da caducidade do direito de impugnar, tal conhecimento em substituição logra inviabilizado, pelo que os autos terão de baixar à 1.ª Instância para tal matéria de facto ser julgada, com eventual produção de prova, e ser proferida nova decisão em conformidade, se outro fundamento, diverso do ora decidido, a tal não obstar.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, baixando os autos à primeira instância para apreciação da Impugnação, se outro fundamento, diverso do ora decidido, a tal não obstar.
Sem custas.
Notifique-se. D.N..
Porto, 27 de Março de 2014
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Pedro Marques
Ass. Fernanda Esteves