Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00186/15.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/19/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL - ACIDENTE DE VIAÇÃO - ATRAVESSAMENTO DE ANIMAL - PRESUNÇÃO DE INCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DE SEGURANÇA - ARTIGO 12º DA LEI Nº. 24/2007, DE 18.07.
Sumário:I- A Lei n.º 24/2007, de 18 de julho, veio definir direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares.

II- A imposição de assegurar as condições de segurança em lanço rodoviário concessionado integra uma obrigação reforçada de meios.

III- Só o “caso de força maior devidamente verificado” exonera a concessionária da sua obrigação de garantir a circulação nas autoestradas em condições de segurança, pelo que, para afastar a presunção de culpa estabelecida no mencionado art. 12º,nº. 1, al. c) da Lei nº 24/2007, terá a concessionária de provar a ocorrência de um acontecimento concreto que integre o conceito de força maior, ou seja, de um “acontecimento imprevisto e irresistível cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da concessionária”.

IV- Não conseguindo a R. provar a forma como o dito canídeo entrou na autoestrada, por forma a imputar a sua proveniência a terceiros ou eventualmente a um caso fortuito, e que não podia ter adotado conduta diferente daquela que adotou, isto é, não logrando a mesma provar factualidade de onde se possa concluir que cumpriu as exigências de diligência na sinalização e remoção dos obstáculos existentes na via, não foi ilidida a presunção de incumprimento que sobre si impendia relativamente ao aludido dever de vigilância. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A., S. A.
Recorrido 1:F., LDA.,
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *
I – RELATÓRIO
A., S. A., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga promanada no âmbito da Ação Administrativa Comum intentada por F., LDA., e M., também com os sinais dos autos, que, em 14.11.2018, julgou a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a Ré, aqui Recorrente, no pagamento à Autora, aqui Recorrida, da quantia de 2.733,37 Euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, mais absolvendo-a do demais peticionado.
Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“(…)
I. A omissão de pronúncia em que incorreu a sentença, nomeadamente sobre a matéria de facto alegada pela R./recorrente nos artigos 4°, 5°, 6° e 7° da sua contestação, não tem, salvo o devido respeito, qualquer justificação plausível, considerando a prova produzida a esse respeito (depoimento de L.), o diploma legal relevante (DL n° 248-A/99, de 6 de julho, alterado pelo DL n° 44-E/2010, de 5 de maio, Bases n°s. XXIX, n° 4 alínea a), XXX n° 1 e XXXVII n°s. 3 e 4) e sobretudo a constatação evidente que aquela matéria é simultaneamente importante para a defesa da R. e sobretudo para a boa decisão da causa;
II. Na verdade, não se vislumbra como pode ser possível concluir que a R./recorrente cumpriu as suas obrigações de segurança (ou deixou de o fazer) num acidente com animal, quando nem sequer se trata de apurar se a vedação existente nas imediações do local do acidente era ou não aquela que ali devia ter sido instalada;
III. Ora, quer com apoio legal, quer especialmente com base no depoimento da testemunha L. (transcrito parcialmente, e para o que interessa, nestas linhas), dúvidas não restam que devia ter sido (e deve ainda, ao abrigo dos poderes conferidos a este Venerável Tribunal ad quem) dada como provada a seguinte matéria de facto (a acrescer, portanto, ao rol de factos provados destes autos):
a) “As vedações daquela autoestrada A7 merecem a prévia aprovação por parte do concedente (Estado Português) através dos organismos competentes.” (artigo 4° da contestação);
b) “À data do sinistro as vedações que se encontravam implementadas no local do sinistro e suas imediações respeitavam o respectivo projeto e mereceram prévia aprovação por parte dos organismos competentes do Estado Português, designadamente no que se refere às suas características, tais como a sua dimensão e altura, por exemplo, pois se assim não fosse a autoestrada A7 não teria aberto ao tráfego.” (artigos 5°, 6° e 7° da contestação);
Posto isto,
IV. É verdade que com o advento da Lei n° 24/2007, de 18 de julho se procedeu a uma inversão do ónus da prova (que não da ausência de culpa, mas apenas do cumprimento das obrigações de segurança) que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora - insista-se - sempre filiado na responsabilidade extracontratual;
V. Contudo, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos n°s. 1 e 2 do artigo daquela lei), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projeto de lei n° 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de incumprimento (ou de culpa, ou de ilicitude, ou do que quer que seja) em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redação do citado artigo 12° n° 1 seria seguramente outra, bem diferente e seguramente bem mais próxima daquela constante do artigo 493° n° 1 do Cód. Civil;
VI. Com efeito, e quanto à dita presunção de culpa (ou de incumprimento, já que a sentença alude às duas) nem tal decorre da referida lei, nem tal resulta da Base LXXIII do DL n° 248-A/99, de 6 de julho (com as alterações subsequentes), podendo tão-só concluir-se que com a entrada em vigor da lei citada passou a impender um ónus de prova (com aquelas características) sobre as concessionárias de autoestradas (e nada mais que isso, tal como se pode concluir do ac. RG de 23.09.2010, relatado por Amílcar Andrade). Isto para além de não se poder, de forma alguma, concluir que sempre há situações de inversão de ónus de prova se quer(quis) consagrar uma presunção legal de culpa (cfr. Cód. Civil, artigo 344° n° 1);
VII. De outra parte, sendo verdade que a R. se obrigou a vigiar e a patrulhar a autoestrada, assim envidando os seus melhores esforços no sentido de assegurar a circulação na autoestrada em boas condições de segurança e comodidade, daí não decorre que essa sua obrigação implica uma omnipresença em todos os locais da sua concessão como, na realidade, considerou a douta sentença, mormente nos locais de eclosão de acidentes ou onde possam estar a deambular animais;
VIII. O artigo 12° n° 1 da citada lei faz recair sobre as concessionárias, entre as quais, a recorrente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, sendo que no caso dos autos é nítido e indiscutível que a R. satisfez o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação (cfr. ponto 22 dos factos provados, bem como aqueles dois pontos respeitantes à conformidade da vedação com as normas em vigor, matéria essa, e tal como defendido na primeira parte deste recurso, que deve constar do elenco dos factos provados) e à vigilância da via no local de eclosão do sinistro (vide pontos 18, 19, 20 e 21 dos factos provados);
IX. Efetivamente, a definição destas obrigações de segurança passa essencial e obrigatoriamente (como é até intuitivo), num acidente com animais, pela prova de que as vedações ali instaladas eram aquelas que ali deviam estar e que se encontravam intactas e sem ruturas nas imediações (contiguidade, arredores, etc.) do local do acidente - e a verdade é que essa prova foi claramente feita pela R./recorrente;
X. A não ser assim - i. e., a situarmo-nos num plano em que acaba por se colocar a douta sentença em matéria de exigência probatória (p. ex. de ter de se provar por onde o animal entrou na AE ou imputar a eclosão do sinistro na via ao condutor ou a terceiros) -, cairíamos necessariamente no âmbito da responsabilidade objetiva, na prova impossível (e não apenas extremamente difícil ou na chamada probatio diabolica) para a concessionária que não se vê onde esteja prevista, nomeadamente na lei citada (cfr. também o ac. da RC de 10.01.2006, www.dgsi.pt);
XI. É, por isso, visível que o raciocínio seguido pela sentença é nitidamente especulativo, pois que parte claramente do princípio (e sem base factual para que o possa fazer) que o animal só poderia ter ingressado na AE devido a uma qualquer anomalia/falha (na vedação?), sem considerar qualquer outra possibilidade/explicação perfeitamente plausível para a presença do animal na via (e a verdade é que essas possibilidades/explicações existem, não se podendo concluir automaticamente que o animal acedeu à via porque p. ex. as vedações apresentavam deficiências ou então que ocorreu uma qualquer anomalia, seja ela qual for);
XII. Por outro lado, a R. também demonstrou, sem qualquer espécie de dúvida ou reserva, que desconhecia a presença do animal na via apesar do cumprimento integral (e permanente, no sentido de estar sempre no terreno, embora não esteja, como é evidente, em todo o lado ao mesmo tempo) da sua missão de vigilância e patrulhamento;
XII. De modo que, e não podendo a recorrente (nem tal lhe sendo exigível) ser omnipresente, não se vislumbra como podia (ou pode) ser responsabilizada pela eclosão deste acidente, tanto mais que nos parece pacífico e totalmente indiscutível que as obrigações a seu cargo são claramente obrigações de meios. E não, portanto, obrigações de resultado, como acaba por concluir - sem o dizer, no entanto - a sentença do T. A. F. de Braga (e isto sim, ou seja, a natureza das obrigações da concessionária, merecia uma outra análise bem mais ponderada por parte do Tribunal, o que, como se vê, não sucedeu);
XIII. De resto, não sendo possível à recorrente evitar em absoluto que os animais ingressem na AE (cfr. p. ex. Carneiro da Frada, “Sobre a Responsabilidade das Concessionárias por acidentes ocorridos em autoestradas”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 65, setembro de 2005, págs. 407 - 433) e, face ao que ficou provado e também ao que decorre do diploma legal que versa sobre a sua concessão, nada mais lhe devendo ser exigível em termos de conduta e de prova, parece claro que se impunha (e isso ainda sucede) a sua absolvição, já que esta demonstrou que cumpriu de forma positiva, em concreto (e não apenas “genericamente” - o que quer que isso signifique) com todas as suas obrigações, concretamente com aquelas de segurança;
XIV. Aliás, mais até do que mera curiosidade (e mesmo não estando em vigor à data do sinistro destes autos), será seguramente útil, mormente em termos interpretativos, atentar nos n°s. 1 e 2 da Base LXIII do DL n° 248-A/99, de 6 de julho (redação do DL n° 109/2015, de 18 de junho), como forma de comparar e distinguir aquilo que é verdadeiramente essencial do que é manifestamente acessório (e, de resto, sem qualquer lastro legal);
XV. A sentença violou, salvo o devido respeito, o artigo 5° n° 2 alínea b) do C. P. C., o n° 1 do artigo 12° da Lei n° 24/2007, de 18 de julho, os artigos 342°, 483° e 487° n° 2 do Cód. Civil e ainda a Base LXXIII do Decreto-Lei n° 248-A/99, de 6 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n° 44-/E2010, de 5 de maio, devendo, por isso, ser revogada em conformidade com o expendido nestas linhas.
(…)”.
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Notificada que foi para o efeito, a Recorrida F., Lda., produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à procedência parcial da presente ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a existência de qualquer nulidade da decisão judicial recorrida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu o parecer a que se alude no nº.1 do artigo 146º do CPTA.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as seguintes: (i) Nulidade de sentença - Impugnação da matéria de facto; e (ii) Erro de julgamento de direito, por ofensa do “(…) artigo 5° n° 2 alínea b) do C. P. C., [d]o n° 1 do artigo 12° da Lei n° 24/2007, de 18 de julho, os artigos 342°, 483° e 487° n° 2 do Cód. Civil e ainda a Base LXXIII do Decreto-Lei n° 248-A/99, de 6 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n° 44-/E2010, de 5 de maio (…)”.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico [positivo e negativo e respetiva motivação] apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…)
Factos Provados
1- Cerca das 10h00m, do dia 05.12.2012, o veículo ligeiro de mercadorias, de serviço particular, matrícula XX-FD-XX, de marca Renault Trafic, propriedade da Autora e conduzido pelo Autor, sócio gerente daquela, circulava na A7, na via da direita, cerca do Km 14,375, na localidade de Fradelos, Vila Nova de Famalicão, no sentido de marcha Vila do Conde - Vila Nova de Famalicão.
2- Quando, de forma inesperada, um cão, vindo da berma do lado direito, se atravessou à sua frente.
3- Não conseguindo o Autor evitar o embate no animal.
4- O referido embate causou estragos na frente do veículo, ficando imobilizado na berma da faixa de rodagem.
5- O Autor viu-se obrigado a contactar os serviços de reboque para procederem ao transporte da viatura para a oficina de reparações.
6- Do acidente foi informado o Destacamento de Trânsito da GNR de Braga, que compareceu no local e elaborou auto de participação de acidente de viação.
7- O funcionário da Ré A., S.A. também compareceu no local.
8- A viatura foi reparada.
9- A Autora pagou 3.116.05 euros (sendo 582,68 o valor do IVA) pela reparação da viatura.
10- A Autora recuperou o referido valor do IVA.
11- A Autora encontrou-se privada do uso da sua viatura por um período de 20 dias.
12- O que causou à Autora transtornos já que a mesma era utilizada no exercício da sua atividade, designadamente para transportar trabalhadores das suas residências para os locais de trabalho.
13- A Autora despendeu a quantia de 52,00 euros para obtenção, junto dos serviços da GNR de Braga, da certidão do auto de ocorrência do acidente, junta a estes autos como documento n° 4.
14- Em consequência do acidente, o Autor viu-se obrigado a contratar os serviços da sua mandatária para resolver judicialmente o acidente em apreço.
15- No momento do acidente, o Autor assustou-se.
16- A autoestrada A7 foi concessionada à Ré A., S.A..
17- A Ré A., S.A. Norte, SA efetua o patrulhamento da A7, em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia, todos os dias do ano.
18- A Ré obrigou-se, em condições normais, a efectuar passagens de vigilância no mesmo local, com o intervalo máximo de três horas, salvo se as condições de tráfego/circulação ou a eclosão de acidentes ou outro tipo de ocorrências não o permitirem.
19- Os patrulhamentos da Ré passaram no local do acidente, cerca das 8h — 8h05m, não tendo detetado a presença de qualquer animal.
20- A Ré desconhecia a presença de qualquer animal (cão) na via nas proximidades do local e na data do sinistro.
21- A Ré A., S.A. Norte, SA sempre que tem conhecimento de quaisquer animais que possam colocar em risco a segurança e a normal circulação automóvel na sua concessão - nomeadamente, através de informações de utentes ou da própria BT da GNR - atua de forma imediata por forma a expulsar rapidamente esses animais da via.
22- No dia que se seguiu ao dia do acidente, foi verificado o estado de conservação das vedações, nos dois lados na autoestrada A7, numa extensão correspondente a 1 Km (500m antes e 500m depois do local do acidente), não tendo sido detetada nenhuma anomalia.
23- A Ré A., S.A. celebrou com a Interveniente Companhia de Seguros (...), SA., um contrato de seguro, titulado pela apólice n.° 0002581811, em vigor à data do acidente, pelo qual transferiu a sua responsabilidade civil decorrente de sinistros desta natureza.
24- O referido contrato de seguro previa, para danos materiais, uma franquia equivalente a 10% do valor do sinistro, com um mínimo de 3.000,00 euros e um máximo de 25.000,00 euros.
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B) Factos não provados
Não resultaram provados os demais factos alegados pelas partes, designadamente que:
- A viatura XX circulava dentro da velocidade legalmente permitida;
- Verificadas as condições de segurança da via, imediatamente a seguir ao acidente, constatou o Autor e as testemunhas que existiam pedras e densa vegetação, junto à vedação;
- A rede de vedação encontrava-se destruída numa extensão superior a 3 metros;
- A Ré A., S.A. não procedeu à reparação da vedação;
- A Autora viu-se obrigada a recorrer à bondade de terceiros para poder efectuar as deslocações que fossem necessárias;
- A viatura nunca havia sofrido qualquer outro acidente;
- O acidente provocou na viatura uma acentuada desvalorização comercial;
- Em consequência do acidente, o Autor viu-se obrigado a deslocar-se várias vezes à oficina de automóveis para acompanhar a reparação do veículo sinistrado;
- Em consequência do acidente, o Autor viu-se obrigado a deslocar-se aos serviços da GNR de Braga para solicitar o auto de ocorrência do acidente e proceder ao levantamento da certidão;
- Nos instantes que precederam o acidente, o Autor sofreu um enorme susto;
- Dada a violência do embate, o caráter súbito e imprevisto que caracterizou o acidente, a sua incapacidade de lhe escapar, o Autor receou pela sua própria vida;
- As vedações da A7 encontravam-se, na data do sinistro, e no local e nas suas imediações, em boas condições de segurança e conservação.
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C) Motivação da matéria de facto
Quanto à factualidade dada como provada, o tribunal formou a sua convicção nos seguintes meios de prova, conjugados entre si e apreciados à luz das regras da experiência:
a) No teor dos documentos juntos aos autos: cópia do certificado de matrícula (doc. 1 junto com a p.i.); cópia de participação de acidente de viação efetuada pela Guarda Nacional Republicana (doc. 2 junto com a p.i.); cópia de fatura e recibo emitidos pela firma “I., Lda.” (doc. 3 junto com a p.i.); factura/recibo emitido pela GNR (doc. 4 junto com a p.i.); registo de patrulhamento da Ré (doc. n° 2 junto com a contestação da Ré); informação prestada pela Conservatória de Registo Automóvel (fls. 136 a 140 e 315 dos autos); informação prestada pela firma “I., Lda.” (cfr. fls. 143 e 144 dos autos); informação prestada pela Direção de Finanças (...) (cfr. fls. 152 a 162 dos autos); cópia da apólice de seguros (cfr. fls. 198 a 201 e 237 a 251 dos autos); documento “Conservação e Manutenção — Relatório — Diário de Trabalho” (fls. 344 dos autos); documento “A. ... histórico de notificações enviadas” (fls. 345 dos autos); informação prestada pela Companhia de seguros A., SA” (fls. 347 dos autos);
b) Nas declarações de parte do Autor M., a título pessoal, e também enquanto representante legal da Autora F., Lda.; o seu depoimento foi claramente parcial e denotando algumas contradições, razão pela qual foi valorado apenas e só quando encontrou apoio noutros meios de prova;
c) No depoimento prestado, em audiência, pelas seguintes testemunhas:
- M., esposa do Autor Manuel Abreu, trabalha atualmente na Autora mas não trabalhava à data do acidente; não presenciou o acidente; depôs sobre os danos da viatura, a privação do seu uso, as circunstâncias da sua reparação e ainda sobre os danos morais do Autor; o seu depoimento foi parcial, procurando ir ao encontro da versão apresentada pelo seu marido, razão pela qual as suas declarações foram valoradas apenas na medida em que encontraram apoio em outros meios de prova;
- F., agente da GNR, destacamento de trânsito; foi chamado ao local e elaborou o auto de participação do acidente; declarou recordar-se vagamente da situação, tendo confirmado o teor do auto;
- R., foi quem reparou a viatura; não se recordando da situação em causa, confrontado com os documentos juntos aos autos (doc. 3 junto com a p.i. e fls. 143 dos autos, confirmou o seu teor; assim, confirmou os danos da viatura e as circunstâncias em que ocorreu a sua reparação; o seu depoimento revelou-se isento e credível;
- N., operador da central de comunicações no Centro de Assistência e Manutenção da Ré A., S.A.; declarou não se recordar da situação em concreto, assentando as suas declarações na consulta do processo; concretizou o modo como é organizado o patrulhamento das vias concessionadas; esclareceu em que circunstâncias o colega que efetua o patrulhamento detetou a viatura em causa; o seu depoimento revelou-se isento e credível;
- H., oficial de assistência e vigilância, no Centro de Assistência e Manutenção da Ré A., S.A. desde 2000, membro da patrulha da Ré; declarou não se recordar da situação em concreto, assentando as suas declarações na consulta do processo; esclareceu as circunstâncias em que teve conhecimento da situação e compareceu ao local; atestou a existência do animal na via, que removeu; o seu depoimento revelou-se isento e credível;
- P., auxiliar de manutenção, no Centro de Assistência e Manutenção da Ré A., S.A.; acorreu ao local do acidente, no dia seguinte, para verificar o estado das vedações; depôs sobre as características das mesmas no local, como procedem à sua verificação nestes casos e o estado das mesmas; esclareceu e confirmou o teor dos documentos de fls. 344 e 345 dos autos; o seu depoimento revelou-se isento e credível;
- L., engenheiro civil, funcionário da A., S.A. desde 2000, chefe do Centro de Assistência e Manutenção; depôs sobre o modo de fiscalização e vigilância efectuado pela Ré na Autoestrada concessionada onde ocorreu o sinistro, as características e o estado das vedações; o seu depoimento revelou-se isento e credível;
- A., encarregado de assistência e conservação, no Centro de Assistência e Manutenção da Ré A., S.A.; esclareceu e confirmou o teor dos documentos de fls. 344 e 345 dos autos; o seu depoimento revelou-se isento e credível.
A determinação da matéria de facto não provada baseou-se na circunstância de a prova produzida não ter logrado convencer o tribunal de que tais factos correspondessem à verdade.
O depoimento da testemunha H. não foi considerado pelo Tribunal na medida em que a mesma não se revelou credível. Por um lado, a testemunha apresenta-se como alguém que para na autoestrada para auxiliar o Autor/condutor - que não conhece; vai verificar as vedações mas não espera nem pela GNR nem pelo funcionário da A., S.A.; por outro lado, o Autor/condutor não indica o seu nome como testemunha para o fazer constar do auto de participação do acidente, e, nesta sede, o nome desta testemunha apenas surge numa fase mais tardia (cfr. fls. 309) (…)”.
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III.2 - DO DIREITO
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Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas no recurso jurisdicionais em análise.
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I- Da invocada nulidade de sentença - impugnação da matéria de facto
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A Recorrente começa por invocar que a sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia no que concerne aos factos que foram alegados nos artigos 4º, 5º, 6º e 7º da contestação, o que, no seu entender, não tem “(…) salvo o devido respeito, qualquer justificação plausível, considerando a prova produzida a esse respeito (…)”.
Quid iuris?
De acordo com o art. 608º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), “(…) O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (...).”
A inobservância de tal comando é, como se sabe, sancionada com a nulidade da sentença: art. 615º n.º 1 al. d) CPC.
O exato conteúdo do que sejam as questões a resolver de que falam tais normativos foi objeto de abundante tratamento jurisprudencial.
Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 07.01.2016, no processo 02279/11.5BEPRT: cujo teor ora parcialmente se transcreve: “(…) “As causas determinantes de nulidade de decisões judiciais correspondem a irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua validade encontrando-se tipificadas, de forma taxativa, no artigo 615.º do CPC. O que não se confunde, naturalmente, com errados fundamentos de facto e/ou de direito.
Determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, que a nulidade por omissão de pronúncia ocorre “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este preceito relaciona-se com o comando ínsito na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão); e os acórdãos, entre outros, do STA de 03.07.2007, rec. 043/07, de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09 de 17/03/2010, rec. 0964/09).
Do mesmo modo estipula o artigo 95.º do CPTA que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras”.
Questões, para este efeito, são pois as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes – cfr. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, p. 112 – a decidir pelo Tribunal enquanto problemas fundamentais e necessários à decisão da causa – cfr. Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221.
Exige-se pois ao Tribunal que examine toda a matéria de facto alegada pelas partes e analise todos pedidos formulados por elas, com exceção das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões – cfr. M. Teixeira de Sousa, ob. e pp. cits.”.
Posição que se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 20.10.2017, no Proc.º. n.º 00048/17.6, que: “(…) A questão está desde logo em saber se o tribunal se deixou de pronunciar face ao suscitado e, em qualquer caso, se teria de o fazer.
Referiu a este propósito o STJ, no seu acórdão de 21.12.2005, no Processo n.º 05B2287 que:
“A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 d) do CPC), traduzindo-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever consignado no art. 660º nº 2 - 1ª parte - do CPC, só acontece quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições dos pleiteantes, nomeadamente as que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções (excetuados aqueles cuja decisão esteja prejudicada por mor do plasmado no último dos normativos citados), não, pois, quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas.”
Como se refere no Acórdão, desta feita do STA nº 01035/12, de 11-03-2015, “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice).
(…)
Resulta também do artº 95º, nº 1, do CPTA que, sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Como este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, haverá omissão de pronúncia sempre que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – cf. neste sentido Acórdãos de 19.02.2014, recurso 126/14, de 09.04.2008, recurso 756/07, e de 23.04.2008, recurso 964/06.
Numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista.
Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.”
Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no Acórdão do S.T.A. de 12.06.2018 [processo n.º 0930/12.7BALSB], consultável em www.dgsi.pt: “(…)
24. Caraterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC].
25. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
26. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio (…)”.
Munidos destes considerandos de enquadramento jurisprudencial, e regressando ao caso concreto, adiante-se, desde já, que, atendendo aos fundamentos concretamente invocados, não se vislumbra que a sentença recorrida padeça de nulidade de sentença, por omissão de pronúncia.
Na verdade, o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
Efetivamente, segundo o ensinamento de Alberto dos Reis [In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1981, pp. 144-146.]: «(…) quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664.º), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão (…)”.
Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos Acórdãos dos Tribunais Superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.
Com efeito, e ainda de acordo com o supra citado Autor “(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.» [idem].
Por conseguinte, não ocorre a invocada omissão de pronúncia quando aferida na perspetiva de existência de nulidade de sentença.
Idêntica conclusão é atingível caso se pretenda enquadrar a alegação recursiva em análise, não no domínio da arguição de nulidade de sentença, mas antes no patamar do erro de julgamento de facto.
Na verdade, são os factos vertidos no terceiro parágrafo de fls. 386 dos autos [suporte físico] ora pretendidos aditar inócuos e insuficientes para - de per se, conjugados um com o outro, ou conjuntamente com os demais provados - alteraram a decisão da causa.
Com efeito, a materialidade em questão [aqui sintetizada - as vedações da A7 implementadas no local do sinistro respeitavam o respetivo projeto, tendo sido previamente aprovadas pelos organismos competentes do Estado Português no que se refere às suas características], ainda que aditada, seria inócua para alterar a decisão de mérito proferida, que repousa, sobretudo, no circunstancialismo decorrente de não se mostrar elidida a presunção de culpa de incumprimento das obrigações de segurança que impediam sobre a Ré relativamente a acidente de viação decorrente de atravessamento de canídeo ocorrido no dia 05.12.2012, na A7.
Efetivamente, nada ali nos permite concluir no sentido da elisão da referida presunção de culpa, ou seja, no sentido (i) do apuramento da responsabilidade exclusiva ou concorrencial do condutor na verificação do acidente; (ii) da determinação das circunstâncias que determinaram a presença do animal na via, nomeadamente a sua proveniência, por forma a imputar a sua proveniência a terceiros ou a caracterizá-lo como um caso fortuito; e, bem assim, do (iii) real cumprimento da obrigação por parte da Ré de assegurar das condições de circulação em segurança – que, como veremos mais pormenorizadamente de seguida, não se basta com a aquisição processual da realização por parte da Ré de diligências de mero pendor genérico, como seja o patrulhamento da via de circulação com cadência regular.
E nesta impossibilidade de “apropriação” da alegação da Recorrente com recurso ao aditamento do quadro fáctico pretendido reside o “punctum saliens” distintivo da falta de préstimo à boa decisão de causa.
Nestes termos, e com os fundamentos acima expendidos, improcede a arguida nulidade de sentença -impugnação da matéria de facto.
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II- Do imputado erro de julgamento de direito, por ofensa do “(…) artigo 5° n° 2 alínea b) do C. P. C., o n° 1 do artigo 12° da Lei n° 24/2007, de 18 de julho, os artigos 342°, 483° e 487° n° 2 do Cód. Civil e ainda a Base LXXIII do Decreto-Lei n° 248-A/99, de 6 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n° 44-/E2010, de 5 de maio (…)”.
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A decisão judicial recorrida considerou que, estando em causa um acidente de viação decorrente de atravessamento de canídeo na A7, recaía sobre a Ré a presunção de incumprimento da obrigação de assegurar das condições de circulação em segurança.
Mais considerou que a Ré não logrou elidir tal presunção, porquanto, brevitatis causae, para além de não se ter provado (i) qualquer responsabilidade do condutor na verificação do acidente, (ii) ficaram por demonstrar as circunstâncias que determinaram a presença do animal na via, nomeadamente a sua proveniência, por forma a imputar a sua proveniência a terceiros, bem como (iii) o real cumprimento da obrigação por parte da Ré de assegurar das condições de circulação em segurança.
A Recorrente censura a sentença recorrida em alguns pontos, fundamentalmente terminológicos, por manter a firme convicção que não se podem caracterizar as obrigações das concessionárias como sendo [obrigações] de resultado, mas antes [obrigações] de meios, sendo certo que, contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida, apenas impende sobre a concessionária um ónus de provar que cumpriu com as suas obrigações de segurança, o que logrou satisfazer completamente no caso dos autos.
Esta alegação, porém, não é minimamente persuasiva, carecendo, inclusivamente, de substrato validatório e legitimador.
Para explicitação do juízo que se vem de expor, mostra-se útil começar por deixar um breve enquadramento teórico necessário para a apreciação da questão.
À data do acidente em causa nos autos [05.12.2012], vigorava já o regime jurídico dos direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas e outros tipo de rodovias ali determinadas, aprovado pela Lei nº 24/2007, de 18 de julho [cf. respectivo art.º 14º].
Tal diploma, independentemente da existência de portagens e do pagamento de taxa pela utilização da autoestrada concessionada, e considerando também os itinerários principais e os itinerários complementares, estabeleceu as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis para os utentes, sem prejuízo de regimes mais favoráveis estabelecidos ou a estabelecer [respectivo art.º 1º].
Nos termos do art.º 12º da citada Lei nº 24/2007, “1- Nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a: a) Objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) Atravessamento de animais; c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança. 3 - São excluídos do número anterior os casos de força maior, que diretamente afetem as atividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de: a) Condições climatéricas manifestamente excecionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos; b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio; c) Tumulto, subversão, atos de terrorismo, rebelião ou guerra”.
Desta previsão legal resulta que a concessionária de autoestrada em que se verifique um sinistro rodoviário causado por objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem, atravessamento de animais e líquidos na via, neste último caso quando não resultantes de condições climatéricas anormais, está onerada com uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança que lhe cabe observar.
Esta presunção, porque presume o incumprimento de um certo dever, constitui, simultaneamente, uma presunção da ilicitude de certo facto e uma presunção de culpa, na medida em que revela a inobservância do especial dever de diligência que onera a concessionária [artigo 487º, nº 2, do Código Civil].
Cientes destes considerandos de enquadramento legal, e volvendo ao caso recursivo em análise, cabe notar que se mostra provado, de entre outro tecido fáctico, que a Ré é concessionária da A7, na qual se verificou, cerca das 10h00m, do dia 05.12.2012, um acidente de viação decorrente do atravessamento de um canídeo em que foi interveniente o veículo automóvel de matrícula XX-FD-XX.
Ora, é ponto assente [até porque as partes não discutem tal questão] que a manutenção e fiscalização da segurança rodoviária competem aos concessionários, nas vias concessionadas, o que serve para dizer que era sobre a Ré que impendia a obrigação de manutenção da via pública em condições de segurança de circulação.
Na verdade, enquanto concessionária, são impostas à Recorrente múltiplas obrigações no sentido de manter padrões de qualidade rodoviária elevados, bem como o dever de assegurar boas condições de segurança.

E se assim é, em face da factualidade apurada nos autos, resulta claro que o Réu incumpriu a sua função de regulação e controlo, incorrendo, por omissão, na prática de um ato ilícito por omissão, de modo que, verificado está o pressuposto relacionado com a ilicitude.
Esta ilicitude, porém, só é relevante se estiver associada a uma conduta censurável, isto é, estiver associada à culpa, o que significa que a violação das referidas normas, dos princípios gerais ou do dever geral de cuidado não é, por si só, suficiente para fazer nascer a obrigação de indemnizar já que esta só nascerá quando essa violação for culposa, isto é, quando decorrer de um comportamento que podia e devia ter sido evitado e que só não o foi por razões merecedoras de censura.
E isto porque “agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.” [A. Varela, “Das Obrigações em Geral, 3.ª ed., vol. I, pg. 571]
A qual “é apreciada nos termos do art.º 487.º do Código Civil” [art.º 4.º do DL 48.051], isto é, na falta de outro critério legal, “pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso.” [art.º 487.º/2 do CC].
Não se podendo, pois, falar de autonomização da ilicitude relativamente à culpa em sede de responsabilidade civil extracontratual, importa analisar se o comportamento da Ré infringiu as normas legais ou regulamentares e as regras de cuidado a que devia obediência e, ocorrendo essa infração, se ela se deveu a razões juridicamente reprováveis.
Examinado o probatório coligido, verifica-se que, em substância, ocorreu a colisão do veículo automóvel visado nos autos contra um cão que se atravessou na via onde circulava.
No quadro em apreço, é evidente que, no plano naturalístico, a causa direta do acidente descrito nos autos foi o aparecimento súbito, na faixa de rodagem, do apontado canídeo.
Convém realçar que a Ré não conseguiu demonstrar que a culpa na verificação do acidente se tivesse ficado a dever ao comportamento da condutora do veiculo automóvel sinistrado, não legitimando a matéria de facto dada como provada a referência a qualquer elemento nesse sentido.
Permanece, por isso, intocável, a presunção de culpa da Ré estabelecida por força do estatuído no nº. 3 do art. 10º da Lei 67/2007.
Cumpre, todavia, apurar se terá a Recorrente logrado ilidir tal presunção de culpa.
Neste domínio, ressalte-se que a Ré tratar-se a imposição de assegurar as condições de circulação em segurança no lanço concessionado de uma obrigação de meios, que não uma obrigação de resultados.
Mas será mesmo assim?
Esta questão, não sem algumas dificuldades, foi já também objeto de pronúncia pelos Tribunais Superiores.
Na verdade, e conforme já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça [Acórdão de 14/03/2013, P. 201/06.8TBFAL.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt], não se trata de uma mera obrigação de meios, mas antes de uma obrigação reforçada de meios.
Afirma o aresto que “(…) Sem embargo aquele dever de cuidado que incide sobre condutores de veículos, importa não olvidar também que à permissão genérica de, em tais rodovias, se poder conduzir, em regra, até à velocidade máxima de 120 km/h subjaz o cumprimento da obrigação de assegurar a manutenção das condições de segurança estruturais e operacionais que permitam a condução segura à velocidade consentida, integrando o sinalagma do pagamento de uma taxa de portagem. (…) São os concessionários que dispõem de maior facilidade de identificação dos perigos ou de apuramento das circunstâncias que rodeiam acidentes devido a obstáculos existentes na via, tarefa que naturalmente é dificultada ou praticamente impossibilitada aos utentes e terceiros. (…)”.
Baseia-se assim o Supremo Tribunal de Justiça no nível de exigência no cumprimento das obrigações de segurança para apontar a existência de uma obrigação reforçada de meios, não considerando legítima a argumentação pela concessionária da impossibilidade de prever todos e quaisquer acidentes.
Deverá aqui operar uma avaliação razoável das circunstâncias concretas apuradas.
Procurando fixar o padrão de diligência exigível a uma concessionária pela especificidade das situações elencadas no nº 1 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, observaremos que o funcionamento da presunção aí estabelecida apenas é afastado nas circunstâncias especificadas nos n.º 2 e 3 do mesmo, ou seja, em “casos de força maior, que diretamente afetem as atividades da concessão e não sejam imputáveis ao concessionário, resultantes de: a) Condições climatéricas manifestamente excecionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos; b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio; c) Tumulto, subversão, atos de terrorismo, rebelião ou guerra”.
Com o propósito de esclarecer o teor da expressão “caso de força maior” em matéria de acidentes de viação decorrentes do atravessamento de animais na faixa de rodagem, convoca-se para a questão decidenda o teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.10.2033, tirado no processo nº. 04A1299:
“(…)
O aparecimento de um cão de elevado porte na faixa de rodagem da autoestrada constitui reconhecido perigo para quem ali circula. Cabe à Brisa evitar essa (e outras) fonte de perigos, essa anormalidade. Não pode pôr-se a cargo do automobilista a prova da negligência da Brisa ou da origem do cão porque não foi a prestação dele que falhou nem ele tem a direção efetiva, o poder de facto sobre a autoestrada (como um todo, incluindo vedações, ramais de acesso e áreas de repouso e serviço.
Como acima ficou dito, só o «caso de força maior devidamente verificado» exonera o devedor (a concessionária) da sua obrigação de garantir a circulação em condições de segurança e, na hipótese de inexecução, do dever de reparar os prejuízos causados.
Isto significa, no essencial, que «não será suficiente (ao devedor, a Brisa) mostrar que foi diligente ou que não foi negligente: terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que não lhe deixou realizar o cumprimento».
Essa prova só terá sido produzida quando se conhecer, em concreto, o modo de intromissão do animal. A causa ignorada não exonera o devedor, nem a genérica demonstração de ter agido diligentemente (…)”.
Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no teor do aresto do S.T.J., de 09.09.2008, tirado no processo 08P1856, em que se afirma:
“(…)
Para afastar a presunção de incumprimento que sobre si impende, deveria pois a R. provar, em concreto, que o canídeo surgiu de forma incontrolável para si ou foi colocado na autoestrada, negligente ou intencionalmente, por outrem.
Isto é, sempre que há um acidente devido a um cão (ou outro animal) que se introduziu numa autoestrada, presume-se o incumprimento da concessionária. Esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem (…)”.
Bem como o teor da jurisprudência firmada no Acórdão da Relação do Porto, 11.01.2011, proc. Nº 4196/08.5TBSTS.P1, em que se refere:
“(…)
Em causa estão, (…), certas vias especiais, destinadas ao trânsito rápido, proporcionando a quem as utiliza uma expectativa de circulação em segurança a velocidades até 120 kms/hora, sem que lhe seja exigível um estado de alerta permanente perante a possibilidade de repentino surgimento de obstáculos na via, provocando perigo de despiste, tais como animais a atravessá-la.
Quando, apesar da existência de vedações, um cão se introduz na autoestrada, existe, em princípio, um incumprimento concreto por parte da concessionária, porquanto, nos termos do contrato que celebrou com o Estado, ela se comprometeu, além do mais, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas autoestradas.
E tal presunção de incumprimento subsistirá sempre que, como no caso vertente, seja ignorada a razão da introdução do animal na via. É manifesto que a entrada de um cão na autoestrada pode acontecer por qualquer meio, incluindo ser aí largado por um utente.
Mas, enquanto não for conhecida a efetiva razão do sucedido, é a favor do lesado/utente, e não da concessionária que a respetiva dúvida terá de resolver-se, de acordo com o preceituado no n.º 1 do art.º 12º da Lei n° 24/2007, conjugado com o n.º 1 do art.º 350.º do C. Civil”.
Posição que se acolheu no recentíssimo aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte de 17.04.2020, no Proc.º. n.º processo nº. 01952/15.1BEPRT: “(…)
A presença de um qualquer animal, nomeadamente de um cão, numa autoestrada é sempre um fator de grande risco, já que aos veículos é permitido, em regra, atingir a velocidade de 120 Km/h, ainda que no local em questão o limite fosse de 100km/h, quando é certo que a Recorrente também não demonstrou que a autoestrada estava efetivamente vedada em condições de segurança, ou seja, que tivesse procedido à instalação de mecanismos que permitissem evitar situações como a dos autos.
Não sendo conhecida a efetiva razão determinante do inusitado atravessamento do animal na faixa de rodagem, é a favor do lesado, e não da concessionária, que a respetiva dúvida terá de resolver-se, de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, conjugado com o n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil (cfr. neste sentido o Acórdão do TRP, de 04.07.2013, P. 3238/11.1TBGMR.P1).
(…)
Como se sumariou no Acórdão deste TCAN, de 03.05.2007, no Processo n.º 00814/04.2BEBRG, “(…) a ilisão de uma presunção "juris tantum" só é feita mediante a prova do contrário, não sendo bastante a mera contraprova, pelo que o "non liquet" prejudica a pessoa/parte contra quem funciona a presunção.
Sobre o R. impende o ónus de provar a adoção de todas as providências que, segundo a experiência comum e as regras técnicas aplicáveis, fossem suscetíveis de evitar o perigo, prevenindo o dano, o qual não se teria ficado a dever a culpa da sua parte, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Para se ter como ilidida a presunção de culpa do R. não basta a simples prova, em abstrato, de que o mesmo desenvolve ou dispõe de funcionários ou dum corpo técnico que têm por função proceder à fiscalização e reparação das vias sob sua jurisdição, pois tem de ser demonstrado quais são as providências desencadeadas em relação à via pública em questão, a fim de que o Tribunal possa aferir se aquele «organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância de anomalias previsíveis», exercendo uma «adequada e contínua fiscalização».
Aliás, se dúvidas houvesse, já o Tribunal Constitucional se pronunciou relativamente à interpretação do artigo 12.º/1 da Lei n.º 24/2007, no sentido da sua não inconstitucionalidade, afirmando que “na aceção segundo a qual em caso de acidente rodoviário em autoestradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus de prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária e esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral que não lhe deixou realizar o cumprimento” (Cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 596/2009 e n.º 629/2009) (…)”.
Reiterando toda esta linha jurisprudencial, e cotejando o tecido fáctico coligido nos autos, entendemos ser forçosa a conclusão de que não foi ilidida a presunção de culpa que impendia sobre a Ré no que concerne à produção do sinistro dos autos.
Na verdade, não conseguiu a R. provar a forma como o dito animal entrou na autoestrada, por forma a imputar a sua proveniência a terceiros ou a um caso fortuito e que não podia ter adotado conduta diferente daquela que adotou, isto é, não logrou a R. provar factualidade de onde se possa concluir que cumpriu as exigências de diligência na sinalização e remoção dos obstáculos existentes na via, e, por conseguinte, não foi ilidida a presunção de incumprimento que sobre si impendia relativamente ao aludido dever de vigilância.
Deste modo, tendo sido este também o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir que esta fez correta subsunção do tecido fáctico apurado nos autos ao bloco legal e jurisprudencial aplicável, não sendo merecedora da censura que a Recorrente lhe dirige.
Concludentemente, improcedem todas as conclusões do recurso jurisdicional em análise, sendo de lhe negar provimento, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Registe e Notifique-se.
* *
Porto, 19 de junho de 2020,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão
Hélder Vieira