Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01191/16.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/17/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:CASO JULGADO; AUTORIDADE DE CASO JULGADO;
Sumário:1- Na sua dimensão negativa de exceção dilatória, o caso julgado impede que uma vez decidida, por decisão de mérito transitada em julgado, determinada relação jurídica controvertida submetida a julgamento, essa mesma relação jurídica possa ser julgada uma segunda vez, funcionando como bloqueio à instauração da ulterior ação e pressupõe que entre ambas as ações ocorra identidade de sujeitos, causa de pedir e de pedidos.

2- Na sua dimensão positiva de autoridade de caso julgado, uma vez decidida, por decisão de mérito transitada em julgado, determinada relação jurídica controvertida submetida a julgamento, essa decisão impõe-se necessariamente em todas as posteriores ações que venham a ser instauradas entre as mesmas partes, tendo por objeto causa de pedir e/ou pedidos distintos, mas cuja apreciação mantenha uma relação de prejudicialidade com o objeto dessa primeira ação, de modo que a relação jurídica controvertida na primeira ação mantenha uma verdadeira relação condicionante ou de prejudicialidade em relação ao objeto da segunda ação e impõe que o decidido na primeira ação não possa ser contrariado pela decisão de mérito que venha a ser proferida na segunda.

3- Não ocorre a exceção do caso julgado na sua dimensão positiva de autoridade de caso julgado entre a sentença, transitada em julgado, proferida em ação intentada pelo condutor de um veículo automóvel contra as Rés (concessionárias de auto-estrada e respetivas seguradoras), pedindo a condenação destas a indemnizá-lo pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência de acidente de viação ocorrido em auto-estrada, devido ao surgimento em plena hemifaixa de rodagem, em frente do veículo que conduzida, de um cão de grande porte, em que veio a embater, e cuja produção imputa às Rés por estas não terem alegadamente cumprido com as suas obrigações legais e contratuais de concessionárias, em que a improcedência dessa pretensão indemnizatória se fundamentou na ausência de ilicitude e de culpa das Rés na produção do acidente, e uma outra ação instaurada por uma companhia seguradora contra aquelas mesmas Rés, pretendendo ser indemnizada pelos prejuízos que sofreu em consequência dos estragos emergentes do mesmo acidente para aquele veículo automóvel e cujo valor satisfez ao proprietário desse veículo, na qualidade de tomador do contrato de seguro que celebrou, uma vez que quer a Autora dessa segunda ação (solvens - a companhia seguradora), quer o subrogado (proprietário do veículo e tomador do contrato de seguro), não foram parte naquela primeira ação e, consequentemente, não tiverem nela oportunidade de arrolarem a produzirem a sua prova, sequer de controlar a prova que foi produzida nessa primeira ação e de influir para a decisão de mérito que nela acabou por ser proferida. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:S., S.A.
Recorrido 1:AEDL, S.A. e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte:
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I.RELATÓRIO

C., S.A. (agora S., S.A.), instaurou, ao abrigo da alínea k) do n.º 1 do artigo 37.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro, a presente AÇÃO ADMINISTRATIVA contra AEDL, S.A. e F., S.A., pedindo a condenação solidária destas a pagar-lhe a quantia de 8.159,54 €, acrescida de juros de mora à taxa legal.
Para tanto alega, em síntese, que no dia 29 de abril de 2011, por volta das 22h40m, quando o veículo por si seguro de matrícula XX-GB-XX, conduzido por R., circulava na auto-estrada A43, no sentido Gondomar-Porto, ao km 9,690, embateu num cão de grande porte, que se atravessou no meio da faixa de rodagem, em frente do veículo;
O acidente é de imputar à culpa exclusiva da AEDL, que incumpriu o dever de vigilância que sobre ela impendia de manter a via livre e desimpedida.
Em consequência do acidente, o veículo sofreu estragos, cuja reparação importou em 8.159,54 euros, que aquela, enquanto seguradora do veículo, pagou à RC., proprietária/locadora deste.

A Ré F., S.A., contestou impugnando os factos alegados pela Autora e concluindo pela improcedência da ação.

Por sua vez, a Ré AEDL, S.A., contestou defendendo-se por exceção, invocando a ilegitimidade processual passiva para a presente ação;
Mais invocou a existência de questão prejudicial;
Impugnou parte da factualidade alegada pela Autora, pugnando pela improcedência da ação.
Requereu a intervenção principal provocada da B. .

A Autora respondeu concluindo pela improcedência da exceção dilatória da ilegitimidade passiva suscitada pela Ré AEDL e pela inexistência da questão prejudicial por ela suscitada.

Admitiu-se a intervenção principal provocada, no lado passivo, da B. .

A interveniente B. contestou a fls. 389-448 dos autos (suporte físico), requerendo a intervenção acessória provocada da F., S.A..
Defendeu-se por impugnação, concluindo pela improcedência da ação.

Por despacho de fls. 455-458 dos autos (suporte físico), o 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar determinou a suspensão da presente instância, por considerar que o objeto dos presentes autos é idêntico ao da ação a correr termos com o n.º 2517/12.5TBGDM, pois, além do mais, “a eventual improcedência da pretensão deduzida naquela ação n.º 2517/12.5TBGDM, com a consequente absolvição da aqui ré, destruiria os argumentos aduzidos pela autora na presente ação, com a consequente absolvição da ré, por nenhuma responsabilidade lhe poder ser imputada na verificação do acidente”.

Em 20 de janeiro de 2016, a Secção Cível da Instância Local de Gondomar proferiu saneador-sentença, julgando procedente a exceção dilatória da incompetência, em razão da matéria, dos tribunais cíveis para conhecer da relação jurídica que lhe foi submetida e absolvendo os Réus da instância, considerando que a competência material para conhecer dessa relação jurídica cabe aos Tribunais Administrativos.

Requerida e deferida a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal [cf. fls. 559 do suporte físico], foi prestada informação de acordo com a qual o Proc. n.º 2517/12.5TBGDM, também se encontrava a correr termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal, agora sob o n.º 315/16.5BEPRT [cf. fls. 576 do suporte físico].

Por despacho de fls. 590 dos autos (suporte físico), foi, além do mais, deferida a intervenção acessória da F., S.A., que, uma vez citada, nada disse.

Em 25 de julho de 2016, foi emitida certidão referente à sentença proferida em 19 de Julho de 2016 no âmbito do Processo n.º 315/16.6BEPRT, com nota do respetivo trânsito em julgado [fls. 592-605 do suporte físico].

Realizou-se audiência prévia, na qual se suscitou a questão da eventual ocorrência da exceção da autoridade de caso julgado decorrente do trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do Processo n.º 315/16.6BEPRT.
Observado o contraditório, as Rés B., S.A., AEDL, S.A. e F., S.A. pugnaram pela improcedência da presente ação em virtude do efeito positivo produzido pela sentença transitada em julgado proferida no âmbito do Processo n.º 315/16.6BEPRT [cf. requerimentos de fls. 684, 688-689 e 698 do suporte físico].
Por sua vez, a Autora sustentou não se verificar a exceção do caso julgado entre os presentes autos e aquele outro processo, por falta da tríplice de identidade prevista no artigo 581.º do CPC [cf. requerimento de fls. 686 do suporte físico].

Após proferiu-se saneador-sentença, julgando procedente a exceção da autoridade do caso julgado e julgando a presente ação totalmente improcedente e absolvendo as Rés do pedido, constando esse saneador-sentença da seguinte parte dispositiva:
«Com os fundamentos supra expostos e de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, julgo a presente ação administrativa totalmente improcedente e, em consequência, absolvo as Rés do pedido.
**
Condeno a Autora no pagamento da totalidade das custas processuais”.
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Inconformada com o decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:
1-O presente recurso tem por objeto a seguinte questão, a saber: INEXISTÊNCIA DE CASO JULGADO (na modesta opinião da demandante, claro está), pois a demandante, sempre com o devido respeito, não se pode conformar com a Douta Sentença de que aqui recorre quanto ao entendimento da verificação da exceção de caso julgado e, por conseguinte, com a improcedência (pelo menos nesta fase) do pedido por si formulado, sem a produção de qualquer prova, designadamente testemunhal.
2 - Pelo menos tanto quanto alcança a demandante, baseia-se o Senhor Doutor Juiz "a quonum único facto para considerar haver caso julgado: o acidente de viação dos presentes autos e o acidente de viação tratado nos autos com o n° 315/16.6BEPRT é o mesmo.
3 - Sendo o mesmo acidente, contudo, as partes não são as mesmas, o pedido não é o mesmo, assim como a causa de pedir não é a mesma.
4-Não se verifica nenhum dos três requisitos de identidade previstos no art° 581o do Código de Processo Civil.
5 - Desde logo, não tendo a demandante sido parte nos autos com o nº 315/16.6BEPRT, neles não interveio, não alegou factos, nem produziu prova; ou seja, no entendimento consagrado na Douta Sentença em recurso, a demandante tem que se sujeitar a uma decisão onde não teve qualquer possibilidade de intervir, de apresentar os seus argumentos e de produzir qualquer prova.
6-Com o devido respeito, não colhe o argumento do perigo de decisões contraditórias quanto ao mesmo acidente; se tiver que as haver, nomeadamente pela prova produzida, assim como a prova que se vier a produzir, que haja.
7- Até porque entende a demandante que essa contradição, verdadeiramente, não existe, pois, apesar de ser o mesmo acidente, pode ser produzida prova em sentido diferente; prova essa que terá, pelo menos, que ter a possibilidade de ser produzida.
8-Neste caso concreto, por exemplo, conforme se alcança da certidão da Douta Sentença proferida nos autos no 315/16.6BEPRT, o segurado da demandante não prestou depoimento (pelo menos, tanto quanto a demandante julga saber), designadamente em sede de declarações de parte; esse mesmo segurado foi arrolado pela demandante na qualidade de testemunha.
9-Estatui o no 1 do art° 581º do Código de Processo Civil o seguinte: "Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir" (sublinhado e carregado nosso); sendo certo que os nos 2, 3 e 4 desse mesmo artigo concretizam cada um dos conceitos, a saber:
2 - "Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica" (sublinhado e carregado nosso);
3 – "Há identidade de pedido quando numa outra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico" (sublinhado e carregado nosso);
4 - "Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. (...)" (sublinhado e carregado nosso).
10- No presente caso, resulta evidente que nenhum dos requisitos de identidade se encontra preenchido.
11- As partes são diferentes, os pedidos são diferentes e as causa de pedir são igualmente díspares.
12- O único elemento em comum é que ambas as ações emergem do mesmo acidente de viação.
13- E, diga-se desde já, antes existam decisões contraditórias do que impedir uma parte de fazer a prova dos factos que alega só porque numa outra ação as coisas não correram bem ao aí demandante.
14- Esse entendimento, salvo o devido respeito, com a recusa em pronunciar-se sobre os factos alegados nos presentes autos, representa uma autêntica denegação, uma inconstitucionalidade, nos termos e para os efeitos dos artºs 2° e 202°, ambos da Constituição da República Portuguesa.
15- Assim sendo, não se considerando que se verifica qualquer caso julgado, deverão os autos prosseguir os seus termos.
16 - A Douta Sentença recorrida violou, entre outros, o art° 581 do Código de Processo Civil, assim como os arts. 20° e 202° da Constituição da República Portuguesa.
NESTES TERMOS, dando provimento ao recurso e, por conseguinte, alterando a Douta Sentença recorrida no sentido de considerar que não existe qualquer exceção de caso julgado, ordenando o prosseguimento dos autos para produção de prova.

A apelada AEDL contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação e apresentando as conclusões que se seguem:
A. O acidente de viação constante dos autos do processo n.º 315/16.6BEPRT é efetivamente o mesmo acidente dos presentes autos, ocorrido no dia 29 de abril de 2011 na autoestrada A43, com o veículo segurado pela Recorrente, de matrícula XX-GB-XX.
B. A sentença do processo n.º 315/16.6BEPRT, que já transitou em julgado, declarou totalmente improcedente o pedido, dando como não provada a existência de ilicitude e culpa e absolvendo, em consequência, as Rés e Interveniente Principal AEDL.
C. A pretensão indemnizatória dos presentes autos emerge do mesmo facto dos autos do processo 315/16.6BEPRT.
D. A ação dos presentes autos deve ser totalmente improcedente, ao abrigo da autoridade do caso julgado – função positiva do caso julgado - prevista nos artigos 580.º e 581.º do CPC, impondo-se a aplicação aos autos dos efeitos da sentença já transitada em julgado do processo n.º 315/16.6BEPRT.
E. Efetivamente, a autoridade do caso julgado existe independentemente da verificação da tríplice identidade prevista no artigo 581.º do CPC para a verificação da exceção dilatória do caso julgado, na esteira da Jurisprudência portuguesa.
F. Não pode haver decisões contraditórias sobre causas já apreciadas e cuja decisão judicial transitou em julgado, para evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de se limitar a reproduzir uma decisão anterior, cfr. artigo 580.º do CPC.
G. Não foram violados artigos 20.º e 202.º da Constituição da República Portuguesa, não havendo qualquer denegação de justiça, e muito menos inconstitucionalidade, pela absolvição das Rés ao abrigo da autoridade do caso julgado que advém da sentença transitada em julgado no processo n.º 315/16.6BEPRT.
H. O facto de a Autora, aqui Recorrente, não ter sido parte no processo n.º 315/16.6BEPRT é irrelevante, porque nos dois processos os respetivos Autores peticionam uma indemnização por alegada responsabilidade civil extracontratual decorrente do mesmo acidente de viação ocorrido em 29 de abril de 2011, na autoestrada A43, ao Km, 9,690, sentido Gondomar Porto, derivado de atravessamento de um cão que terá embatido no veículo conduzido por R., Autor no processo n.º 315/16.6BEPRT e segurado pela ora Recorrente e Autora nos presentes autos.
I- É absolutamente irrelevante para o presente caso o facto de o condutor do veículo não ter prestado declarações de parte, por opção sua, no processo n.º 315/16.6BEPRT.
J. Bem procedeu o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ao concluir pela aplicação da autoridade do caso julgado aos presentes autos, absolvendo integralmente as Rés do pedido.
Nestes termos e nos mais de Direito cujo suprimento de V. Exa. se espera e invoca, deverá o recurso interposto pela Autora ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a Douta Decisão recorrida na sua integralidade.
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O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, não emitiu parecer.
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Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso apresentadas pela apelante, não podendo o tribunal ad quem conhecer de questões nelas não suscitadas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso do tribunal – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
No seguimento desta orientação, a única questão a apreciar no âmbito da presente apelação consiste em saber se a decisão recorrida, que julgou procedente a exceção da autoridade do caso julgado e, em consequência, julgou improcedente a presente ação e absolveu os Réus do pedido, padece de erro de direito.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A 1ª Instância considerou provados os seguintes factos, os quais não foram alvo de qualquer impugnação por parte das partes e daí que se tenham, em definitivo, como assentes:
A. Em 22 de junho de 2012, R. intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar uma acção declarativa de condenação contra a B. – Concessão Rodoviária, S.A. e a C., S.A., que ali correu termos sob o n.º 2517/12.5TBGDM [e depois com o n.º 315/16.6BEPRT], peticionando, a final, o pagamento da quantia de EUR 4.200,00, sendo EUR 4.000,00, a título de danos não patrimoniais e EUR 200,00, a título de danos provocados numa t-shirt, camisa e calças [cf. cópia da petição inicial em fls. 103-133 dos autos (suporte físico), cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido; facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC];
B. A B. Concessão Rodoviária, S.A. e a C., S.A. apresentaram a sua contestação no âmbito do processo identificado na alínea antecedente [cf. cópias em fls. 134-136 e 154-166 dos autos (suporte físico); facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC].
C. Depois de admitida a intervenção principal provocada, no plano passivo, da AEDL, S.A. no processo identificado nas alíneas antecedentes, esta deduziu contestação [cf. despacho de fls. 172-173 dos autos (suporte físico); facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções, vide fls. 109-168 do SITAF daquela acção];
D. O Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar declarou-se materialmente incompetente para a apreciação e decisão da referida ação, tendo, nessa medida, sido remetidos os autos para este Tribunal Administrativo e Fiscal sob a forma de ação administrativa comum com o n.º 315/16.6BEPRT [cf. cópia da decisão de fls. 481-487 dos autos (suporte físico) e facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções];
E. Em 27 de maio de 2013, a C., S.A. [S., S.A.], aqui Autora, intentou uma ação declarativa de condenação contra a AEDL, S.A. e a F., S.A. que correu termos no Tribunal Judicial de Gondomar sob o n.º 1994/13.1TBGDM [ora n.º 1191/16.4BEPRT], no qual peticiona, em sub-rogação, o pagamento da quantia de EUR 8.159,54 que havia suportado no âmbito do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n.º 0002182246 [cf. cópia em fls. 4-52 dos autos (suporte físico), cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
F. O 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar determinou a suspensão da instância identificada na alínea antecedente, por considerar existir uma questão prejudicial constituída pelo processo n.º 2517/12.5TBGDM [cf. despacho de fls. 455-458 dos autos (suporte físico)];
G. Em 4 de março de 2016, realizou-se a audiência prévia no âmbito do processo n.º 315/16.6BEPRT, na qual, além do mais, este Tribunal julgou procedente a ilegitimidade processual passiva da B. Concessão Rodoviária, S.A. e a incompetência material relativamente ao pedido dirigido à T., S.A., declarando parte legítima a interveniente principal, AEDL, S.A. [facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções através da consulta do SITAF];
H. Por sentença proferida em 19 de julho de 2016 e transitada em julgado, este Tribunal Administrativo e Fiscal julgou totalmente improcedente a ação administrativa comum que aqui correu termos sob o n.º 315/16.6BEPRT [cf. fls. 592-605 do suporte físico];

IV- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
Tendo Nuno Vieira Pereira intentado ação declarativa, que correu termos sob o Proc. n.º 315/16.6BEPRT, contra B. – Concessão Rodoviária, S.A. e C., S.A. e em que foi interveniente principal AEDL, S.A., pedindo a condenação solidária destas a pagar-lhe a quantia de 4.000,00 euros, a título de compensação por danos não patrimoniais, e a quantia de 200,00 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais emergentes do acidente de viação ocorrido em 29/04/2011, na A43, no sentido Gondomar – Porto, consistente no embate do veículo automóvel de matrícula XX-GB-XX, conduzido pelo aí Autor e um cão de grande porte, que surgiu na faixa de rodagem da auto-estrada, em frente desse veículo, e tendo, no âmbito dessa ação, por decisão transitada em julgado, sido julgada procedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva da Ré “B.” para os termos dessa relação jurídica controvertida que contra ela foi deduzida, que, nessa sequência, foi absolvida da instância e, bem assim, tendo aí igualmente sido julgada procedente a exceção dilatória da incompetência, em razão da matéria, dos Tribunais Administrativos e Fiscais, para conhecer da relação material controvertida quanto à Ré “F., S.A.” e vindo, a final, a ser proferida sentença, transitada em julgado, que julgou essa ação totalmente improcedente quanto à interveniente principal “AEDL”, absolvendo-a do pedido indemnizatório deduzido pelo aí Autor, por claudicação dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual da ilicitude e da culpa quanto a esta interveniente principal, entendeu a 1ª Instância que o trânsito em julgado dessa sentença, na sua dimensão de autoridade e força de caso julgado, impediria que nos presentes autos se reapreciasse o acidente de viação, impondo-se o decidido naquela primeira ação, por decisão transitada em julgado, quanto ao modo como se produziu o acidente e, em consequência, absolveu os aqui Réus do pedido deduzido contra os mesmos pela aqui Autora e apelante, C., S.A., decisão essa com a qual não se conforma a última.
A construção jurídica delineada pela 1ª Instância para, na decisão sob sindicância, concluir pela verificação da exceção da autoridade de caso julgado entre aquela ação e a presente, impondo-se o nela decidido, em definitivo, quanto ao modo como eclodiu o acidente nos presentes autos, como pressuposto inultrapassável, é a seguinte:
Dispõe, a este título, o artigo 619.º, nº 1, do Código de Processo Civil, que: “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artºs 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artºs 696º a 702º”.
Por sua vez, sob a epígrafe “Alcance do caso julgado”, dispõe o artigo 621º que: “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.”
Assim sendo, convém, desde logo, referir que o instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa.
A primeira é exercida através da autoridade do caso julgado, visando impor os efeitos de uma primeira decisão já transitada em julgado [ao fazer valer a sua força e autoridade], ao passo que a segunda é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, tendo por fim evitar a repetição de causas [artigo 580º, nºs 1 e 2, do CPC] [cf. ALBERTO DOS REIS in Código de Processo Civil Anotado, Volume III, p.93 e seguintes].
Ora, para que se verifique a exceção dilatória do caso julgado necessário se torna que nos encontremos perante a “repetição de uma causa”, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 580.º do CPC.
E, por seu turno, para que se possa concluir pela existência de “repetição de uma causa” é indispensável a verificação cumulativa de três identidades entre ambas as acções: (1) quanto aos sujeitos, (2) quanto à causa de pedir, e (3) quanto ao pedido, tal como, de resto, resulta do preceituado no artigo 581.º do CPC.
Pois bem, começando pela identidade das partes, esta verificar-se-á sempre que em ambas as ações os sujeitos processuais sejam os mesmos sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica [artigo 581.º, n.º 2, do CPC], sendo certo que, conforme esclarecem LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, 2018, pp. 593: “(…) há que atender à extensão subjetiva da eficácia do caso julgado (…), pois a identidade de sujeitos estende-se àqueles que, não sendo partes, são – ou hão de ser – abrangidos pela força do caso julgado formado na primeira acção (Varela – Bezerra – Nora, Manual, cit., p. 302 (3)): não é repetível perante o substituído (por exemplo, o credor sobre cujo crédito se decide na ação sub-rogatória ou o adquirente da coisa litigiosa que não se habilite como parte: respectivamente arts. 606 CC e 263-3) o objeto da ação, pendente ou já definitivamente julgada perante o substituto processual (…) [sublinhado nosso]
Por sua vez, no que à identidade do pedido diz respeito, haverá que se atender ao objeto da sentença e às relações de implicação que a partir dele se estabelecem, importando aferir se em ambas as ações se pretendeu obter o mesmo efeito prático-jurídico [artigo 581.º, n.º 3, do CPC], não sendo, em todo o caso, de exigir, para este efeito, uma adequação integral das pretensões [cf. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, in Código de Processo Civil anotado, Vol. 1, 2018, pp. 661].
É assim, por isso, que CASTRO MENDES [in Direito Processual Civil, pp. 350 apud JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pp. 322 pp. 350] conclui ser bastante uma identidade relativa, que abranja “não só o efeito preciso obtido no primeiro processo, como qualquer que nesse processo houvesse estado implicitamente, mas necessariamente em causa”.
Por fim, no que tange à identidade da causa de pedir, esta, enquanto acervo de factos que integram o núcleo essencial [e não meramente concretizador, complementar e sobretudo instrumental] da previsão da norma ou normas do sistema que estatuem o efeito de direito material pretendido – artigo 5.º, n.º 1, do CPC – será idêntica quando as pretensões deduzidas em ambas as ações derivem assim do mesmo facto jurídico, à luz da “teoria da consubstanciação” consagrada no n.º 4 do artigo 581.º do CPC [vide, porém, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16 de Maio de 2019, proferido no processo n.º 275/17.6T8PTL.G1, no qual se considerou que “O caso julgado cobre, por conseguinte, a causa de pedir concretamente aduzida na ação anterior e também aquela que virtualmente o poderia ter sido e por qualquer motivo o não foi”].
Todavia, a autoridade do caso julgado, diversamente do que ocorre com a exceção dilatória de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade prevista no artigo 581º, do CPC [sujeitos, pedido e causa de pedir], pressupondo, por isso, que a decisão de determinada questão que não pode mais voltar a ser discutida [neste sentido, entre vários outros, ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, in Código de Processo Civil anotado, Vol. 1, 2018, pp. 743; LEBRE DE FREITAS, in Código de Processo Civil, Anotado, 2ª ed., pp. 354 e TEIXEIRA DE SOUSA, in O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ, 325º-178 e, na jurisprudência, entre vários outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Fevereiro de 2018, proferido no processo n.º 2472/05.8 TBSTR.E1, acessível em www.dgsi.pt].
Isto, porque, ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a excepção dilatória de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objeto de decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta [cf. entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08 de Janeiro de 2019, proferido no processo n.º 5992/13.7TBMAI.P2.S1, acessível em www.dgsi.pt].
Deste modo, a autoridade do caso julgado impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas, sendo certo que essa autoridade não é retirada, nem posta em causa mesmo que a decisão transitada em julgado não tenha apreciado corretamente os factos ou haja interpretado e aplicado erradamente a lei: no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça [v. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, pág. 93].
Enfim, “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de ação, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior” [cf. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, op. cit., pp. 49 seguintes].
Tendo presentes os considerandos que se acabam de expender, vejamos então se no caso concreto se verifica ou não a tríplice identidade necessária a ocorrência da exceção dilatória do caso julgado e, em caso negativo, se ainda assim deve ou não ser chamada à colação a figura da autoridade do caso julgado.
A ação n.º 315/16.6BEPRT foi instaurada por R., além do mais, contra a aqui Ré, AEDL, S.A. [que ali fora admitida como interveniente principal do lado passivo], com o objetivo de efetivar a responsabilidade civil extracontratual desta pelo acidente de viação ocorrido em 29 de abril de 2011, pelas 22h15m, na auto-estrada A43, ao Km 9,690, sentido Gondomar – Porto, derivado ao atravessamento de um canídeo no qual viria a embater o veículo por si conduzido com a matrícula XX-GB-XX.
Nessa sequência, considerava ali o Autor, na qualidade de condutor do veículo GB, que o aparecimento daquele animal se deveu a uma grosseira violação da segurança do tráfego, sobretudo de acordo com o disposto no artigo 72.º, n.º 1 e 75.º do Código da Estrada.
Na ação n.º 315/16.6BEPRT, R. peticionou, a final, o pagamento da quantia de EUR 4.000,00, a título de danos não patrimoniais, e de EUR 200,00, a título de danos sofridos pela sua t-shirt, camisa e calças.
Ora, como se viu, a ação administrativa n.º 315/16.6BEPRT foi julgada totalmente improcedente por este Tribunal, por aí se haver entendido, através de sentença transitada em julgado, além do mais, que [Ponto H) do probatório]:
“Da factualidade dada como provada não decorre uma qualquer atuação ilícita de qualquer das RR., por força da aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 9.º, na medida em que não foi feita prova que permita imputar o facto sucedido (cão na via) à concreta atuação de um trabalhador ao serviço da Ré B. (a quem incumbia proceder às operações/diligências de conservação/manutenção da via). No entanto, certo é que, de facto, o veículo com a matrícula GB se despistou aparentemente devido à presença de um cão na via. No entanto, conforme se deu como provado, ao contrário do que o Autor pretende, o cão em questão não terá entrado pela vedação que, não só existia no local (o Autor defendia que a mesma era inexistente), como estaria intata. Terá sim, conforme explicação avançada pela testemunha Pedro Saavedra Pinto, agente da GNR, entrado, porventura, por um nó de acesso sito a montante do local onde terá sido avistado pelo Autor. Ora, atenta a factualidade dada como provada, da mesma resulta que a Ré B. deu cumprimento aos deveres de vigilância que lhe incumbiam, através da realização das diligências necessárias para os assegurar. Neste caso, a colocação da vedação e ulterior verificação da integridade da mesma e os subsequentes e regulares patrulhamentos por parte dos oficiais mecânicos e constante reporte entre estes e a GNR/BT e a central de operações. Assim sendo, inexiste, neste caso, qualquer conduta ilícita da parte de qualquer das Rés, em especial por parte da B. (a quem competia, por força do contrato celebrado com a AEDL, diligenciar pela conservação e manutenção da via), por omissão do respetivo dever de vigilância sobre a via que se encontrava obrigada a manter e cujo regular funcionamento lhe incumbia assegurar” e, no que à culpa diz respeito, que “ Conforme se referiu acima, decorre dos autos uma ausência de ilicitude da conduta da Ré B. que determina, por si só, a inexistência da presunção de culpa sobre os mesmos, por força do disposto nos n.ºs 2 e 3 do referido artigo 10.º da Lei n.º 67/2007 de 31/12. Para afastar essa presunção de culpa incumbia aos RR. comprovar a sua ausência de culpa, o que sucedeu, nos termos acima. Entende-se que, in casu, a Ré B. , comprovou que o facto não lhe era imputável por, por um lado, ter atuado com a conduta exigível a um bom pai de família atento o disposto no artigo 487.º do Código Civil (…) Por outro lado, resulta dos autos ter ocorrido uma causa de exclusão da culpa que foi a entrada do cão na via ter ocorrido, nos termos acima, por um nó de acesso destinado a veículos automóveis. É que, efetivamente, nada impede que um animal caminhe ao longo da via (ainda para mais sendo preto e fazendo essa travessia de noite, pela berma) e entre numa auto-estrada por um nó de acesso sem ser detetado. Neste caso, tratar-se-á de algo que pode ocorrer numa janela de 10 a 60 minutos, o suficiente para passar despercebido no âmbito de uma operação de patrulhamento em curso. A não ser que o animal opte, como foi o caso aqui, por prostrar-se no meio da via. Isto posto, somos de concluir que a Ré B. logrou, neste caso, provar ter atuado com a diligência de um bom pai de família, tanto mais que antes da ocorrência do acidente em causa nos autos, nenhuma queixa ou advertência foi recebida nos serviços da B. ou da AEDL (…)”
Por outras palavras. Na sentença proferida no âmbito da acção n.º 315/16 este Tribunal considerou falecer, desde logo, o requisito base da responsabilidade aquiliana, a ilicitude e, bem assim, a culpa, pelo que, nessa sequência, a absolveu a B. e a aqui Ré, AEDL, S.A. de tudo o que fora peticionado pelo condutor do veículo de matrícula XX-GB-XX.
Pois bem, na presente ação, a Autora, na qualidade de seguradora do referido veículo de matrícula XX-GB-XX, sub-rogada nos direitos da sua alegada proprietária, RCI , vem peticionar a efetivação da responsabilidade civil extracontratual da AEDL, S.A. pelo mesmo acidente de viação que supra se descrevera, ou seja, o ocorrido no dia 29 de abril de 2011, pelas 22h15m/22h40m, ao Km 9,690 da auto-estrada A43, sentido Gondomar-Porto, em virtude do atravessamento de um cão na faixa de rodagem no qual o mencionado veículo viria, inevitavelmente, a embater.
Assim sendo, considera a ora Autora, tal como alegado por R. na ação n.º 315/16.6BEPRT, que a AEDL, S.A., concessionária daquela auto-estrada, incorreu em grosseira violação da segurança no tráfego, em violação v.g. dos artigos 72.º, n.º 1 e 75.º do Código da Estrada e 9.º, n.º 1, da Lei n.º 24/2007, de 16 de julho.
A diferença formal entre ambas as petições iniciais reside, a este título, na parte relativa ao requisito dos danos, uma vez que a ora Autora, ao contrário do que havia sido peticionado por R., pretende agora ser ressarcida do valor que, entretanto, pagou à alegada proprietária do veículo de matrícula XX-GB-XX pela sua reparação [em virtude do contrato de seguro celebrado] no montante de EUR 8.159,54.
Pois bem, como é bom de ver, independentemente da questão de saber se há ou não uma identidade de sujeitos entre ambas as ações acabadas de descrever [atenta a qualidade jurídica] – uma conclusão é, no caso, certa: não existe identidade de causa de pedir.
Na verdade, nas ações de responsabilidade civil extracontratual a causa de pedir é, em regra, complexa, isto é, é constituída pelos factos essenciais atinentes a vários requisitos legais, todos eles de natureza cumulativa: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade [cfr., entre muitos outros, vide VAZ SERRA, Revista de Legislação e Jurisprudência, 103º-311 e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Maio de 1971, BMJ 207º-155].
Pretende-se com isto dizer que, como se concluíra, além do mais, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Maio de 2004, proferido no processo n.º 04B948, acessível em www.dgsi.pt: “ (…) constituindo os danos uma vertente integradora da causa de pedir nesta espécie de ações, se não houver coincidência, como efetivamente não há, entre os prejuízos alegados e peticionados numa e noutra acção, falha a referida tríplice identidade, pressuposto legalmente exigido para a procedência da exceção dilatória do caso julgado.”
Portanto, verificando-se que os danos peticionados em ambas as ações são qualitativa e quantitativamente distintos – pois que na acção n.º 351/16 não se peticionaram os danos advenientes da reparação do veículo de matrícula XX-GB-XX – logo se constata que, na ausência de identidade da causa de pedir [artigo 581.º, n.º 4, do CPC], jamais poderia aqui verificar-se aqui uma situação de “repetição de causa” [artigo 580.º, n.º 1, parte final do CPC] e, nessa medida, a exceção dilatória do caso julgado [artigo 577.º, alínea i) do CPC].
Porém, conforme já se teve oportunidade de adiantar, a autoridade do caso julgado deve funcionar independentemente de se encontrar ou não reunida a tríplice identidade a que supra se referiu e que é exigida para a excepção dilatória do caso julgado v.g. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de dezembro de 2007, proferido no processo n.º 07A3739; Ac. de 06 de março de 2008, proferido no processo nº 08B402, e de 23 de novembro de 2011, proferido no processo nº 644/08.2TBVFR.P1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt; e, na doutrina, vide, entre outros, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, in BMJ, 325-49 e seguintes].
A lógica, no fundo, passa, enfim, como se disse, pelo evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou repetir, reproduzir, uma decisão anterior.
Como é bom de ver, no caso dos autos, a pretensão creditícia e sub-rogatória da Autora, enquanto seguradora de matrícula XX-GB-XX, emerge exatamente do mesmo facto ilícito que fora alegado pelo seu condutor, R., e analisado na ação administrativa n.º 315/16.6BEPRT, ou seja, do alegado [in] cumprimento das suas obrigações de segurança causador do acidente de viação verificado no dia 29 de abril de 2011, pelas 22h15m/22h40m, ao Km 9,690 da auto-estrada A43, sentido Gondomar-Porto, através do atravessamento de um canídeo na sua faixa de rodagem.
Ora, como se viu, na ação n.º 315/16.6BEPRT, a bem ou mal, ficou decidido que essa ilicitude e culpa não se verificavam, porque, por um lado, o canídeo em questão entrou por um “nó de acesso a montante do local” em questão e, por outro, a concessionária da A43 provou que cumprira com todos os deveres de vigilância que sobre si impendiam, através da “colocação de vedação e ulterior verificação da sua integridade” e, bem assim, pelos “regulares patrulhamentos” levados a cabo pelos respetivos oficiais mecânicos.
Tendo isto presente, logo é possível antever que, caso este Tribunal “voltasse” a apreciar o supra descrito acidente de viação e respetiva conduta da concessionária da A43 para efeitos de apurar a [in] verificação dos requisitos normativos da ilicitude e da culpa, haveria naturalmente um sério risco de (i) ou contradizer (decidindo diversamente) ou (ii) reproduzir (o que configuraria um acto inútil) o que já havia sido decidido por sentença transitada em julgado no âmbito da acção administrativa n.º 315/16.6BEPRT.
O que naturalmente não se pode, de todo, conceber.
Deve, por isso, estender-se a estes autos a autoridade do caso julgado material produzido pela sentença proferida no processo n.º 315/16.6BEPRT na parte em que, julgando inverificado o requisito da ilicitude e, bem assim, da culpa [e que, também aqui, constituíam, nos exatos moldes, pressuposto indiscutível da pretensão creditícia da ora Autora] absolveu a AEDL, S.A., interveniente principal do lado passivo, de todo o pedido.
Para o efeito, em situações com contornos semelhantes ao do caso concreto, vejam-se, além do mais, os seguintes acórdãos, todos acessíveis em www.dgsi.pt:
- Do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24 de Setembro de 2019, proferido no processo n.º 23605/17.6T8LSB.L1-7, que concluíra que “A causa de pedir nas duas ações é a mesma. Ainda que assim não se entendesse, sempre se teria de concluir pela verificação da autoridade de caso julgado. O objeto da presente ação assenta no mesmo acidente, pretendendo o A. ver, de novo, responsabilizado pelo acidente o condutor do veículo segurado na R., embora alegue uma dinâmica diferente do mesmo.
O objeto da anterior ação inscreve-se, como pressuposto indiscutível, no objeto da presente ação.”; - Do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Janeiro de 2019, proferido no processo n.º 5992/13.7TBMAI.P2.S1, no âmbito do qual se sumariou que “A decisão proferida na ação proposta pelo lesado contra o segurado, onde este foi condenado, por sentença transitada em julgado, a pagar àquela a quantia de € 62.349,74 e respetivos juros de mora, é pressuposto indiscutível da decisão a proferir na acção proposta contra a Seguradora, já que foi esse o risco que esta cobriu.”;
- Do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2018, proferido no processo n.º 3747/13.8T2SNT.L1.S1, concluindo-se que “a decisão absolutória do pedido proferida na ação de 2003 traduz-se em decisão de questão fundamental que constitui precedente lógico indiscutível das ora peticionadas extensões indemnizatórias do anteriormente invocado e negado direito à reparação da canalização e dos danos provocados na fração da A. Nessa medida, à luz das considerações teóricas acima expostas, não pode deixar de se considerar o efeito de autoridade de caso julgado material decorrente da decisão absolutória proferida na ação de 2003, como radical e substantivamente impeditivo da procedência das pretensões indemnizatórias deduzidas na presente ação, pese embora a não coincidência formal e integral dos petitórios formulados nas duas ações, tal como foi decidido pela 1.ª instância.”
- Do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Fevereiro de 2018, proferido no processo n.º 2472/05.8 TBSTR.E1, no qual se concluiu que “A decisão da responsabilidade dos intervenientes em acidente de viação numa primeira ação proposta por alguns lesados contra a seguradora A., volta a inserir-se no objeto da segunda ação, proposta por outro lesado contra a mesma seguradora, devendo aqui ser acatada a decisão anteriormente proferida sobre o ponto – a exclusiva responsabilidade do condutor segurado na ré –, por se impor a autoridade de caso julgado.”;
- Do Tribunal da Relação de Évora, de 30 de Junho de 2016, proferido no processo n.º 1375/06.3TBSTR.E1, no qual se considerou que “A autoridade de caso julgado inerente a uma decisão que reconheceu o condutor de um veículo como o único e exclusivo culpado de um acidente rodoviário e condenou a respetiva seguradora no ressarcimento dos danos causados aos lesado, impede que esta mesma seguradora venha demandar a seguradora de outro veículo interveniente no mesmo acidente, imputando-lhe a responsabilidade pelo mesmo e pedindo a sua condenação no pagamento das quantias que pagou aos familiares do seu segurado (a título de acidente de trabalho).”
- Do Supremo Tribunal de Justiça, de 1 de Abril de 2008, proferido no processo n.º 08A035, onde se considerou que “Embora tenha sido decidido, por sentença transitada em julgado, que o segurado da ora Ré concorreu para a produção de acidente de viação, na proporção de 50%, e que, em regime de solidariedade, a ora Autora companhia de seguros pagaria a totalidade da indemnização, cabendo-lhe direito de regresso contra a ora Ré, na proporção de metade, não pode a Autora exercitar com sucesso tal direito, exigindo da Ré o reembolso de 50% do que pagou, se esta última já tinha sido, numa outra ação e por sentença transitada em julgado, absolvida do pedido contra si deduzido pelos lesados com fundamento no mesmo acidente.”;
A esta conclusão – efeito positivo do caso julgado – não obsta, claro está, o facto de a ora Autora não haver sido parte na ação n.º 315/16.6BEPRT [sendo que, na verdade, foi ali demandada pelo então Autor, tendo, porém, sido absolvida da instância, em sede de despacho saneador], uma vez que, na senda de tudo o que deixou dito e transcrito, esta se trata, em bom rigor, de um “terceiro titular de uma relação ou posição dependente da definida entre as partes por decisão transitada, a quem se tem reconhecido a eficácia reflexa do caso julgado” [cf. MANUEL ANDRADE, in, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 312 a 314 e ANTUNES VARELA e outros, in, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, págs.726 a 729] [em sentido semelhante ao entendido no citado Acórdão do STJ, de 27 de Fevereiro de 2018, processo n.º 2472/05.8 TBSTR.E1].
Enfim, a autoridade do caso julgado material produzido pela sentença proferida na ação administrativa n.º 315/16.6BEPRT, especificamente no que diz respeito à inexistência dos requisitos da ilicitude e culpa, impede que este Tribunal volte a reapreciá-los relativamente à Autora, antes se impondo aqui positivamente o juízo que, neste campo, ali fora formulado.
E, se assim é, considerando que os pressupostos constitutivos de que depende a efetivação da responsabilidade civil extracontratual da Ré são de verificação cumulativa, perecendo, desde logo, o requisito da ilicitude e da culpa, fica inelutável e logicamente prejudicado o conhecimento dos demais requisitos normativos [artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil aplicável por via do artigo 1.º do CPTA; neste sentido, vejam-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31 de março de 2016, proferido no processo n.º 0584/14 e de 7 de fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 0802/17.9BALSB, acessíveis em www.dgsi.pt].
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, improcederá integralmente o peticionado.
Assim se decidirá”.
Perscrutados os fundamentos acabados de transcrever, dir-se-á que se subscreve integralmente a ilação extraída pela 1ª Instância quando pondera que entre a presente ação e a que correu termos no âmbito do Proc. n.º 315/16, não ocorre identidade de pedidos, sequer de causas de pedir e, antecipe-se, desde já, também não ocorre identidade jurídica de sujeitos.
Na verdade, a pretensão de tutela judiciária formulada pelo Autor nos autos de ação que correu termos sob o Proc. n.º 315/16, isto é, o pedido, é a pretensão do aí Autor, R., de ser compensado pelas aí rés, B., S.A., C., S.A. e/ou pela interveniente principal, “AEDL, S.A.”, com a quantia de 4.000,00 euros, a título de compensação pelos danos não patrimoniais que alegadamente sofreu em consequência direta e necessária do acidente de viação ocorrido em 29/04/2011, bem como a ser indemnizado com a quantia de 200,00 euros, pelos prejuízos que sofreu em consequência direta e necessária desse acidente por via da roupa que vestia à data do mesmo ter ficado pretensamente danificada.
Já no âmbito da presente ação, tendo a aqui Autora, na qualidade de seguradora do veículo automóvel de matrícula XX-GB-XX, conduzido pelo identificado R., pago à tomadora desse contrato de seguro e proprietária desse veículo a quantia de 8.159,54 €, a título de custo de reparação dos estragos sofridos por esse veículo em consequência direta e necessária do acidente, pretende aquela, no exercício do direito de sub-rogação legal, reaver das aqui Rés, enquanto eventuais responsáveis civis pelo acidente, a quantia que liquidou.
Logo, o pedido em ambas as ações é distinto, posto que no Proc. 315/16, o pedido aí formulado consiste na compensação do nele Autor, N., pelos danos não patrimoniais que sofreu em consequência direta e necessária do acidente, que liquida em 4.000,00 euros, e pelos danos patrimoniais que sofreu em decorrência da roupa que vestia ter ficado alegadamente danificada em consequência desse mesmo acidente, danos patrimoniais esses que liquida em 200,00 euros.
Já nos presentes autos, o pedido consiste na pretensão formulada pela aqui Autora, “C., S.A.” em ser indemnizada pelas Rés pelo custo da reparação dos estragos sofridos pelo veículo em consequência do mesmo acidente de viação, no montante de 8.159,54 euros, quantia essa que pagou, enquanto seguradora desse veículo, à proprietária do mesmo e tomadora do contrato de seguro.
Por sua vez, constituindo a causa de pedir o ato ou facto jurídico, simples ou complexo, mas sempre concreto, que constitui a fonte de que dimana o direito que o autor pretende fazer valer em juízo, ou dito, por outras palavras, tratando-se do facto juridicamente relevante do qual dimana a pretensão (pedido) deduzida pelo autor Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, 2015, Almedina, págs. 69 a 75., em ambas as ações a causa de pedir é o “acidente de viação, respetivas consequências e a responsabilidade civil daí decorrente”. Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, pág. 137.
Conforme se escreve na decisão sob sindicância, nos acidentes de viação a causa de pedir é necessariamente complexa, na medida em que é integrada não só pelos factos essenciais em que eclodiu o acidente, como pelos danos que emergiram em consequência direta e necessária desse acidente, sendo essa causa de pedir necessariamente consubstanciada pelos factos essenciais integrativos de todos os requisitos legais previstos no art. 483º, n.º 1 do CC., constitutivos dos demandos em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos perante o demandante, ou seja, pelos factos essenciais integrativos do requisito do facto, da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo entre o facto ilícito e culposo e o dano.
Note-se que vigorando no ordenamento jurídico nacional o princípio da substanciação (art. 581º, n.º 4 do CPC), e exercendo, nesse ordenamento, a causa de pedir uma função individualizadora, que impede que o tribunal, sob pena de incorrer em nulidade da sentença que venha a proferir por excesso de pronúncia, por violação dos princípios do dispositivo e do contraditório, ancore a decisão de mérito que venha a proferir em causa de pedir não invocada pelo autor (arts. 608º e 609º), ou seja, em factos essenciais integrativos dessa causa de pedir que não tenham sido alegados na petição inicial Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 71., compreende-se que o autor, na petição inicial, tenha de alegar a causa específica do pedido, ou seja, o concreto título aquisitivo do direito, a concreta causa de pedir que ele elege para ancorar o pedido que formula: um determinado ato jurídico de compra e venda, de doação, de sucessão ou a usucapião, etc. Ferreira de Almeida, ob. cit., págs. 69 a 75..
Deste modo é que, sob pena de incorrer no vício da ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir (art. 186º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC), sobre o Autor impende o ónus de alegar, afirmar ou deduzir, na petição inicial, os factos essenciais constitutivos da causa de pedir que ele elegeu para sustentar a pretensão de tutela judiciária que pretende obter (pedido), isto é, aqueles que permitem individualizar a situação jurídica por ele alegada na ação e de onde faz derivar o pedido e cuja falta determina, consequentemente, a inviabilidade da ação (arts. 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1, al. d) do CPC) Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Ediforum, págs. 70 a 74..
Destarte, nos acidentes de viação a causa de pedir é necessariamente complexa, sendo substanciada não só pelos concretos factos essenciais, nucleares ou principais relativos à ocorrência do acidente, como pelos concretos factos essenciais relativos às consequências e à responsabilidade civil daí decorrente.
Assente nestas premissas, a causa de pedir invocada pela Autora e apelante, C., S.A., nos presentes autos é diversa daquela que foi alegada pelo nela Autor, Nuno Vieira, nos autos de Proc. n.º 315/16, uma vez que se é certo que essa causa de pedir é coincidente quanto aos factos relativos à produção do acidente, já é diversa quanto às consequências desse acidente (danos).
Não obstante essa parcial convergência de causa de pedir, naturalmente que sendo em ambas as ações essa causa de pedir na parte restante, designadamente, quanto aos danos, divergente, forçoso é concluir que entre os presentes autos e aqueles que correram termos no Proc. n.º 315/16, não há coincidência de causas de pedir.
Desta feita, há diversidade de pedidos formulados nos presentes autos e naqueles outros, acresce a diversidade de causas de pedir.
Acresce que igualmente não ocorre identidade de sujeitos entre ambas as ações.
Vejamos:
Dispõe o n.º 2 do art. 581º do CPC que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da qualidade jurídica.
Trata-se de um reflexo do princípio do contraditório ou do direito de defesa a todos reconhecido, enunciado no art. 3º do CPC, no sentido de que quem não pôde defender os seus interesses num determinado processo judicial, não pode ser afetado pela decisão nele proferida.
No entanto, a identidade dos sujeitos relevante para efeitos de caso julgado, conforme decorre do n.º 2 do art. 582º do CPC, não é a simples identidade física, mas a identidade jurídica, deixando claro o legislador que o caso julgado se forma em relação a todos aqueles que por sucessão mortis causa ou por transmissão inter vivos, assumiram a posição jurídica de quem foi parte no processo, quer a substituição se tenha operado no decurso da ação, quer se tenha verificado já depois da sentença proferida.
Acresce que o caso julgado aproveita a ambas as partes do processo, quer à parte vencedora, quer à parte vencida e a sua força impõe-se independentemente da posição que as partes ocupem (como autor ou como réu) nas duas ações Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., págs.721 a 724; Manuel Andrade, ob. cit., págs. 309 a 311..
Nos presentes autos, figuram como partes, a Autora, C., S.A., e como Rés AEDL, Lda., F., S.A. e a interveniente principal “B.”, que por força dessa qualidade de interveniente principal adquire a qualidade de verdadeira parte, isto é, de Ré na presente ação.
A Autora instaurou a presente ação no exercício do direito de sub-rogação que lhe é reconhecido pelo art. 592º, n.º 1 do CC, decorrente de por via do contrato de seguro que celebrou ter indemnizado a tomadora desse contrato e proprietária do veículo interveniente no acidente, RCI ”, pelos estragos sofridos por esse veículo em consequência desse acidente, pretendendo ser indemnizada pelas Rés pelos estragos sofridos pelo veículo em consequência direta e necessária do acidente, reavendo, assim, a quantia que pagou à tomadora do contrato de seguro e proprietária desse veículo.
Dir-se-á que a subrogação legal traduz uma forma de cumprimento da obrigação por um terceiro em que por força do cumprimento o direito de crédito que assistia ao credor primitivo se transmite para o subrogado nos termos e limites desse cumprimento, ou seja, a subrogação legal coloca o subrogado na titularidade do mesmo direito de crédito que pertencia ao credor primito, independentemente de qualquer declaração de vontade do credor ou do devedor nesse sentido Ac. STJ. de 18/01/2018, Proc. 1195/08.0TVLDB.E1.S1, in base de dados da DGSI..
Tal significa que tendo a apelante (Autora), C., por via do contrato de seguro que celebrou, satisfeito a indemnização pelos estragos sofridos pelo veículo automóvel de matrícula XX-GB-XX em consequência direta e necessária do acidente que sofreu em 29/04/2011, à proprietária desse veículo e tomadora do contrato de seguro, a “RCI ”, a mesma sucedeu, na medida desse cumprimento, no direito de crédito indemnizatório que assistia à última perante os responsáveis civis pelo acidente de viação, transmitindo o direito de crédito indemnizatório que lhe assistia - à “RCI” - para a C. (apelante), pelo que o direito de crédito transmitido confere ao solvens (novo credor) o mesmo amplexo de poderes e deveres jurídicos que se encontrava na esfera jurídica do credor originário – a “RCI” Acs. STJ. de 31/01/2017, Proc. 850/09.2TVLSB.L1.S1; RC. de 18/12/2013, Proc. 360/12.0T2AND.C1; TCAS de 25/09/2008, Proc. 03132/07, in base de dados da DGSI:.
Assente nestas premissas, verifica-se que quer a credora originária, “RCI”, de quem a Autora nos presentes autos, “C., S.A.”, adquiriu, por subrogação legal o crédito indemnizatória que assistia à primeira sobre os eventuais responsáveis civis pelo acidente de viação – as aqui Rés AEDL, Lda., F., S.A. e a interveniente principal “B. ” –, sequer a aqui Autora, Companhia de Seguros, S.A.” não figuram como partes nos autos que correram termos no âmbito da ação n.º 315/16.6TBEPRT, onde figurou como Autor, R., e como Ré, exclusivamente a interveniente AEDL, uma vez que, nesse proc. 315/16, as Rés originárias, B. – Concessão Rodoviária, S.A e C., S.A., vieram a ser absolvidas da instância por via da procedência da exceção dilatória da ilegitimidade passiva quanto à Ré “B.” e por via da procedência da exceção dilatória da incompetência material dos Tribunais Administrativos e Fiscais relativamente à Ré “C., S.A.”, pelo que por via da procedência das decisões assim proferidas, que incidiram exclusivamente sobre a relação jurídica processual e, nessa medida, operaram mero caso julgado formal, quer a “B.”, quer a “C.” ficaram arredadas da instrução dessa causa e da decisão de mérito que nela veio a ser proferida, que absolveu a AEDL do pedido que tinha sido deduzido nessa ação pelo aí Autor R., por decisão transitada em julgado.
Destarte, para além de entre a presente ação e a que correu termos no Proc. 315/16 não existir identidade de pedidos, de causas de pedir, também não existe identidade de partes, pelo que se subscreve integralmente a decisão recorrida quando nela se conclui que o trânsito em julgado operado pela sentença proferida no Proc. 315/16, não opera caso julgado na sua dimensão negativa de exceção dilatória, por inexistência da tripla identidade de pedidos, causas de pedir e de sujeitos entre a presente ação e aquela outra a que alude o art. 581º do CPC.
No entanto, considerou-se nessa decisão que ocorre a exceção do caso julgado na sua dimensão positiva de autoridade de caso julgado entre aquela outra ação e a presente, o que, antecipe-se, desde já, não se subscreve.
Vejamos:
É entendimento doutrinário e jurisprudencial consensual e resulta do art. 580º, n.º 1 do CPC, que o caso julgado, enquanto exceção, tem como pressuposto a repetição de uma causa decidida por sentença que já não admite recurso ordinário ou reclamação.
Trata-se de uma exceção que no ordenamento jurídico processual atualmente vigente vem qualificada de exceção dilatória (art. 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, al. i) do CPC.) e que “exerce duas funções: i) uma função positiva e ii) uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal Ac. STJ. de 28/11/2013, Proc. 106/11.0TBCPV.P1.S1, relatado por Serra Baptista, in base de dados da DGSI..
A exceção do caso julgado tem como fundamento teleológico o prestígio dos tribunais, o qual seria altamente comprometido caso a mesma situação concreta, uma vez definida, pudesse posteriormente ser decidida em sentido diverso pelos tribunais, mas assenta, sobretudo, e é este o mais importante e essencial dos seus fundamentos, em razões de certeza e segurança jurídicas, as quais seriam fortemente abaladas, com a inerente instabilidade no tráfego jurídico, caso, uma vez decidida determinada questão, o tribunal pudesse rever essa sua decisão, alterando-a.
Deste modo, decidida determinada questão e transitada em julgado a decisão proferida, isto é, não admitindo a mesma recurso ordinário ou reclamação (art. 628º do CPC), a decisão proferida torna-se inatacável e inalterável, promovendo-se, assim, a justiça, a segurança jurídica, a paz social e o prestígio dos tribunais.
Essa inatacabilidade ou incontestabilidade das decisões judiciais pode, no entanto, projetar-se apenas intra processualmente ou, ainda, extra processualmente e daí que se imponha distinguir entre caso julgado formal e caso julgado material.
O caso julgado formal, também designado de externo ou de simples preclusão, significa que a decisão, uma vez tomada e transitada em julgado, tem força obrigatória, mas apenas dentro do processo, obstando a que o juiz possa, na mesma ação, alterar a decisão antes proferida e transitada em julgado, mas não impede que numa outra ação, em que a mesma questão processual seja suscitada, esse tribunal ou outro que seja convocado a decidi-la, tome decisão distinta da anteriormente tomada.
Esta modalidade do caso julgado – o formal – incide apenas em relação às sentenças e aos despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual (art. 620º do CPC).
Na verdade, constituindo o processo um encadeamento de atos e de decisões que vão sendo tomadas ao longo do iter processual até à decisão final, à medida que se vai percorrendo esse iter processual e que nele vão sendo proferidas decisões que recaiam apenas sobre a relação processual ou, inclusivamente, quando a decisão final verse apenas sobre a relação processual, não definindo a concreta relação controvertida entre as partes, ou seja, não decidindo de mérito, como acontece nos casos em que se absolva o réu da instância em decorrência da procedência de uma exceção dilatória (arts.576º, n.ºs 1 e 2 e 577º do CPC), essas decisões que, reafirma-se, apenas versam sobre a relação processual, logo que transitem em julgado, não admitindo recurso ordinário, sequer reclamação, tornam-se incontestáveis e imodificáveis, mas tão-somente dentro do processo, ficando o tribunal e as partes submetidas ao que ficou decidido, de modo que, posteriormente, não podem naquele mesmo processo ter um comportamento processual contrário ao antes decidido, sequer o tribunal pode decidir de forma diversa ao que anteriormente decidira.
No entanto, porque essas decisões apenas recaíram sobre a relação processual, deixando intocada e por definir a relação jurídica material controvertida entre as partes, isto é, o mérito da causa, em posterior ação que venham a propor, o mesmo tribunal ou outro que venha a ser convocado a decidir essa segunda ação, não está subordinado à decisão anteriormente proferida.
Conforme pondera Manuel Andrade, não provendo essas decisões sobre “os bens litigados, pensou-se não haver inconveniente de maior na possibilidade de serem desrespeitadas noutro processo” Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 304., sendo isto que resulta do comando ínsito no art. 620º do CPC, onde se estabelece que, com exceção dos despachos que não admitem recurso por se tratar de despachos de mero expediente ou proferidos no uso legal de um poder discricionário, “as sentenças e os despachos que recaiam sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”.
Diversamente do caso julgado formal, o caso julgado material, ou interno, tem como pressuposto a prolação de uma sentença ou despacho saneador que decidam sobre o mérito da causa, isto é, que versem “sobre os bens discutidos no processo; definam a relação ou situação jurídica deduzida em juízo; estatuam sobre a pretensão do Autor”.
Tais decisões de mérito, logo que transitem em julgado, isto é, relembra-se, não admitindo recurso ordinário ou reclamação, impõem-se a todos os tribunais e às partes, intra e extra processualmente, de modo que quando seja submetida aos tribunais “a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (ação destinada a fazer valer outro efeito dessa mesma relação jurídica), todos “têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão”. “Quanto a estas, o caso julgado material acresce ao formal” Manuel Andrade, ob. cit., pág. 305..
Na sua dimensão de “efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda ação (proibição de repetição)”, isto é, de exceção dilatória, o caso julgado material funciona como bloqueio ao direito de acesso aos tribunais, e na sua “dimensão de efeito positivo da constituição da decisão proferida constitui pressuposto indiscutível para outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado)”, impedindo a suscitação de solução para uma controvérsia jurídica já decidida.
Dados os efeitos severos do caso julgado material, o mesmo enquanto exceção dilatória, isto é, na sua dimensão negativa, encontra-se sujeito a contornos rígidos e rigorosos que se reconduzem ao requisito da denominada “tripla identidade”, segundo a qual, para que estejamos perante a mesma relação jurídica, é necessário que ocorra identidades de partes, causas de pedir e de pedidos (art. 581º, n.º 1 do CPC).
Assim é que o art. 619º, n.º 1 do CPC., estatui que “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º”, acrescentando o art. 621º que “a sentença constitui caso julgado nos precisos termos em que julga”.
Note-se que o caso julgado só pretende obstar a decisões concretamente incompatíveis, que não possam executar-se sem detrimento de alguma delas, visando evitar a contradição prática de decisões e já não a sua colisão teórica ou lógica.
Nessa medida, quanto aos limites subjetivos, a regra é de que, conforme infra se verá, o caso julgado material apenas tem eficácia relativa.
Já em sede de limites objetivos do caso julgado, a corrente tradicional entendia que o caso julgado abrange apenas a parte decisória da sentença que verse sobre o mérito da causa, mas já não se estende aos seus fundamentos de facto e/ou de direito, confinando-se os limites objetivos do caso julgado à parte injuntiva da decisão, não constituindo caso julgado os fundamentos da mesma Manuel de Andrade, ob. cit., págs. 333 a 336; Antunes Varela, Miguel Bezerra a Sampaio e Nora, in ob. cit., pág.712; Castro Mendes, “Direito Processual Civil”, 3º vol., 1980, págs. 282 e 283; Acs. STJ. 01/06/2010, Proc. n.º 556/06.4TBRMR-B.L1.S1; de 28/11/2013, Proc. 106/11.0TBCPV.P1.S1, ambos in base de dados da DGSI. .
No entanto, outra corrente sustenta que “toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor do caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão” Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 2º ed., 1997, Lex, págs. 578 e 578..
Segundo esta corrente, embora o caso julgado se restrinja à parte dispositiva da sentença, a sua força obrigatória de autoridade de caso julgado deve ser estendida à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada, estendendo-se a força do caso julgado a todos os fundamentos de facto que foram antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da decisão em homenagem à economia processual, ao prestígio das instituições judiciárias quanto à coerência das decisões que proferem e à estabilidade e certeza das relações jurídicas Vaz Serra, in “RLJ, ano 110º, pág. 232; Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, III, págs. 200 a 201; Acs. STJ. 15/01/2013, Proc. 816/09.2TBAGD.C1.S1, R.G. 21/05/2013, Proc. 1152/10.7TBVVD.G1, ambos in base de dados da DGSI..
Ponderando nas soluções que se acabam de expor quanto aos limites objetivos do caso julgado, dir-se-á que aderimos a esta última posição uma vez que naturalmente que a parte dispositiva da sentença não é algo que surja desgarrado, mas assenta necessariamente em determinados pressupostos de facto que lhe serviram de antecedente lógico e do qual, sob pena de incerteza e insegurança jurídicas e se atentar contra a economia processual e ao prestígio dos tribunais, não se pode abstrair.
Deste modo, embora se restrinja os limites objetivos do caso julgado à parte dispositiva da sentença que conheça de mérito, estende-se que é de estender a sua eficácia aos fundamentos de facto que serviram de premissa da conclusão retirada, isto é, à parte dispositiva de decisão.
Note-se, porém, que mesmo aqueles que, como nós, defendem que o caso julgado não opera apenas relativamente à parte dispositiva da decisão, mas estende-se aos fundamentos de facto em que essa decisão se ancorou e que lhe servem de fundamento e pressuposto, esses fundamentos de facto não adquirem de per se, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, uma vez que os mesmos não valem por si, isto é, não são vinculativos quando desligados da respetiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta.
Deste modo, é pacífico o entendimento na doutrina e na jurisprudência que os fundamentos de facto, nunca por nunca, “formam por si só caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente, desgarrados da decisão de que são pressuposto” Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 716, onde escrevem: “Os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final”, e a fls. 719, em que sustentam que a autoridade do caso julgado se limita “aos efeitos concretos que as partes tiveram realmente em vista ao litigarem na ação. Estender a força do caso julgado a outros efeitos decorrentes dos factos apurados na ação, das situações ou relações jurídicas pressupostas na decisão, significaria ampliar a autoridade da decisão a consequências em que as partes podem não ter cogitado, ao formularem as suas pretensões ou ao organizarem a sua defesa”.
No mesmo sentido, Acs. STJ. de 02/03/2010, Proc. 690/09.9YFLSB; de 17/05/2018, Proc. 3811/13.3TBPRD.P1.S1, in base de dados da DGSI..
Assim é que havendo uma sentença de mérito, transitada em julgado, proferida num determinado processo, que decidiu a relação jurídica nele controvertida em determinado sentido com determinados fundamentos fácticos que aí se provaram e não provaram, ainda que a decisão de mérito aí proferida e transitada em julgado, se imponha, na sua dimensão positiva de autoridade e força de caso julgado, em posterior processo que corra termos entre os mesmos sujeitos que intervieram naquela anterior ação (sob o ponto de vista da qualidade jurídica destes), e onde a anterior relação jurídica, já definitivamente decidida em determinado sentido, seja novamente suscitada a título principal ou prejudicial, impeça que o decidido nessa anterior ação seja novamente objeto de discussão e de nova decisão nessa segunda ação, impondo o decidido, por sentença transitada em julgada, nessa segunda ação, tal circunstância não impede, de per se, que nessa segunda ação seja realizado um julgamento de facto diverso daquele que foi realizado sobre esses mesmos factos naquela anterior ação, cuja sentença de mérito transitou em julgado.
Posto isto, dir-se-á que embora a exceção do caso julgado e a autoridade de caso julgado sejam efeitos distintos da mesma realidade jurídica, a exceção do caso julgado, enquanto exceção dilatória, tem que ver com um fenómeno de identidade entre relações jurídicas, sendo a mesma relação submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional, ignorando-se ou desvalorizando-se o facto dessa mesma relação já ter sido anteriormente apreciada jurisdicionalmente, mediante decisão transitada em julgado.
A verificação da exceção dilatória do caso julgado material pressupõe a verificação da tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, embora entendidos nos termos acima enunciados.
Aqui atua a dimensão negativa do caso julgado, impedindo que essa mesma relação jurídica seja julgada segunda vez.
Já a autoridade do caso julgado relaciona-se com a existência de relações – já não de identidade jurídica – mas de prejudicialidade entre os objetos processuais, de modo que julgada, em termos definitivos, certa relação jurídica numa ação que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objeto desta primeira ação impõe-se necessariamente em todas as posteriores ações que venham a correr entre as mesmas partes, incidindo sobre um objeto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objeto previamente julgado, perspetivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda ação.
Deste modo, enquanto “a exceção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição de decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de ação, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior” Miguel Teixeira de Sousa, “O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ, 325, págs.49 e segs...
Sintetizando, a exceção dilatória de caso julgado pressupõe o confronto de duas ações (uma delas contendo uma decisão já transitada em julgado), e a tríplice identidade entre ambas de sujeitos, de causa de pedir e de pedido.
Visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, por forma a evitar a repetição de causas.
Por sua vez, a força e autoridade de caso julgado decorre de uma anterior decisão que tenha sido proferida e em que ficara decidido, com força de caso julgado, uma determinada questão de mérito, impondo que essa questão não mais possa ser apreciada numa ação subsequente, quer nela surja a título principal, quer se apresente a título prejudicial, e independentemente de aproveitar ao autor ou ao réu.
Prende-se com a força vinculativa da primeira decisão e do inerente caso julgado e visa o efeito positivo de impor essa primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito, e pode funcionar independentemente da tríplice identidade exigida pela exceção, pressupondo apenas “a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida” Ac. STJ, de 21/03/2012, Proc. n.º 3210/07.6TCLRS.L1, S1, in base de dados de dados da DGSI.
No mesmo sentido Acs. STJ de 13/12/2007, Proc. 07A3739; 15/01/2013, Proc. 816/09.2TBAGD.C1.S1, base de dados DGSI..
Na dimensão de força e autoridade de caso julgado, conforme escreve Teixeira de Sousa, “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressuposto da decisão” Miguel Teixeira de Sousa, in ob. cit., págs. 578 e 579..
Deste modo, se numa determinada ação se reconheceu que o réu se encontra na posse de um prédio por força de um contrato de arrendamento, não pode este, em posterior ação, alegar ou, fazendo-o, o tribunal decidir, que esse contrato fora revogado por acordo escrito celebrado em data anterior ao encerramento da discussão em audiência final realizada na primeira ação.
Da mesma forma, se numa ação de reivindicação se condenar o Réu a reconhecer a propriedade do Autor sobre determinado imóvel e a restituí-lo àquele, não pode esse Réu, em posterior ação, vir invocar justo título (ex: contrato de arrendamento) que já detinha antes do encerramento da discussão daquela audiência final e que o legitimava a deter o imóvel reivindicado, justo título esse que, no entanto, não cuidou em invocar naquela primeira ação ou que tendo invocado, não logrou provar.
Precise-se que a semelhante resultado também se chega pelo princípio da preclusão dos meios de defesa do Réu.
Com efeito, embora o conhecimento das exceções não adquiram, em regra, força de caso julgado material (cfr. art. 91º, n.º 2 do CPC), o trânsito em julgado de sentença de mérito que reconheceu, em todo ou em parte, o direito do autor, faz precludir todos os meios de defesa do réu, mesmo os que não chegou a deduzir, e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu, impedindo-o, em posterior ação, de vir exercer esses direitos.
Trata-se de uma consequência do princípio da concentração, expressamente definido no art. 573º do CPC, nos termos do qual toda a defesa tem de ser deduzida pelo réu na contestação (n.º 1), sob pena de preclusão, dado que depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que forem supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente (n.º 2).
Deste modo, sob pena de preclusão, o Réu tem de invocar, na contestação, todos os meios de defesa, sob pena de não o fazendo, o trânsito em julgado da sentença de mérito que venha a recair sobre essa relação jurídica material controvertida cobrir o por ele “deduzido e o dedutível” Manuel Andrade, in ob. cit., pág. 324; Ac. STJ. de 08/04/2010, Proc. 2294/06.9TVPRT.S1, in base de dados da DGSI..
Após a contestação o Réu apenas pode invocar meios de defesa contra o Autor, em articulado superveniente a apresentar até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, que sejam objetivamente (isto é, que se fundem em factos ocorridos historicamente após a apresentação da contestação ou do decurso do prazo para a apresentação desse articulado) ou subjetivamente supervenientes (ou seja, que se fundem em factos que apesar de terem ocorrido historicamente antes da apresentação da contestação ou do decurso do prazo para apresentar esse articulado, eram ignorados pelo Réu, por motivo que não lhe seja imputável, à data da apresentação da contestação ou do decurso do prazo para apresentar esse articulado – não imputabilidade essa que, naturalmente carece de ser alegada e provada pelo Réu).
Deste modo, essa preclusão do direito do Réu de vir a invocar num processo posterior que lhe venha a ser instaurado pelo mesmo Autor ou que aquele venha a instaurar contra o último, de meios de defesa que não cuidou em invocar naquele anterior processo e que consubstanciariam facto modificativo, impeditivo ou extintivo do direito que o nela autor vinha exercer contra o mesmo, direito esse que acabou por ser reconhecido ao autor, nessa ação, por sentença transitada em julgado proferida nesse anterior processo, reporta-se, necessariamente, aos meios de defesa do Réu que sejam anteriores ao encerramento da discussão em 1ª Instância naquela anterior ação e que, por isso, não puderam ali ser suscitados, mediante a apresentação de articulado superveniente, pelo que, “para efeitos do caso julgado, apenas os factos ocorridos depois do encerramento da discussão são considerados factos novos e podem ser invocados como uma nova causa de pedir numa ação posterior” pelo Réu contra o mesmo Autor ou a quem lhes sucedeu por ato inter vivos ou mortis causa na relação jurídica discutida e dirimida por sentença transitada em julgado no primeiro processo Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 584..
Sintetizando, “pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (…) Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida” Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., pág. 354. .
Assentes nestas premissas, conforme acima se referiu e demonstrou, entre a presente ação e a que correu termos no Proc. n.º 315/16.6BEPRT, não ocorre a tripla identidade de sujeitos, pedido, sequer de causa de pedir, pelo que o trânsito em julgado da sentença proferida nesse outro processo não opera caso julgado nos presentes autos, na sua vertente negativa de exceção dilatória.
No entanto, contrariamente ao decidido na decisão sob sindicância, o trânsito em julgado da sentença proferida naquela outra ação n.º 315/16, instaurada por Nuno Vieira Pereira, que julgou improcedente o pedido indemnizatório ali formulado pelo identificado R. Pereira quanto à aí interveniente principal (Ré) AEDL, por claudicação dos pressupostos da ilicitude e da culpa, constitutivos desta última em responsabilidade civil extracontratual perante o aí Autor, igualmente não opera caso julgado na sua dimensão positiva de autoridade de autoridade e força de caso julgado, de modo a se impor o decidido nessa decisão de mérito, transitada em julgado, quanto ao que aí ficou decidido quanto à produção do acidente e à consequente inexistência de ilicitude e culpa nos presentes autos.
Na verdade, para que assim fosse, isto é, para que o decidido nessa anterior decisão operasse caso julgado na sua dimensão positiva de autoridade ou força de caso julgado na presente ação, era necessário que as partes em ambas as ações fossem as mesmas do ponto de vista jurídico ou que a eficácia do caso julgado da decisão de mérito proferida nessa anterior ação se pudesse projetar extraprocessualmente em relação à Autora (apelante) nos presentes autos, o que não é o caso.
Embora a dimensão positiva de autoridade de caso julgado prescinda da tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, a mesma, em regra, não prescinde que entre ambas as ações ocorra identidade de sujeitos no sentido propugnado pelo n.º 2 do art. 581º do CPC, exigindo, por isso, que as partes que intervieram naquela outra ação n.º 315/16, fossem as mesmas partes nos presentes autos (independentemente de ocuparem ou não nos presentes autos a mesma posição jurídico processual que ocuparam naquela anterior ação) ou que fossem os sucessores daquelas partes por ato entre vivos ou mortis causa, na relação jurídica controvertida nesse primeiro processo ou então que estivessem abrangidas pela eficácia reflexa do caso julgado material operado pela sentença proferido nesse primeiro processo, o que não é indiscutivelmente o caso.
Com efeito, como decorrência do princípio do contraditório, a regra é que a eficácia do caso julgado se limita, em princípio, às partes (art. 622º do CPC).
Trata-se de regra geral que remonta ao direito romano e justifica-se pela circunstância de só as partes ou os respetivos sucessores mortis causa ou por ato inter vivos, na relação controvertida, que intervieram ou tiveram possibilidades de intervir, no processo em que foi proferida a decisão de mérito, transitada em julgado, para nele defender os seus interesses e para alegarem e provarem os factos informativos do seu direito, podem ser abrangidas pelo caso julgado da decisão nele proferida, sob pena de violação do princípio do contraditório Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., págs. 720 a 724..
Quanto aos terceiros, que não participaram no processo em que foi proferida a decisão de mérito transitada em julgado sobre a relação jurídica material aí discutida e dirimida, aqueles não participaram nessa anterior ação, sequer tiveram oportunidade de nela participar e de defenderem os seus interesses, os quais podem naturalmente colidir, no todo ou em parte, com os da parte vencedora.
Como tal, salvo casos excecionais, a decisão de mérito proferida nessa anterior ação não pode ser oponível a esses terceiros, sob pena de lhes ser coarctado o seu direito fundamental de defesa.
De resto, como se disse, o caso julgado visa evitar, não a mera colisão teórica de decisões, mas a contradição prática dos julgados, ou seja, a existência de decisões que concretamente sejam incompatíveis entre si.
Porque assim é, em duas ações distintas, em que ocorra identidade de causas de pedir e de pedidos, mas em que ocorra diversidade de partes, nada obsta que sejam proferidas decisões de mérito distintas, sequer o trânsito em julgado da sentença de mérito proferida numa dessas ações impede que seja posteriormente proferida na outra ação decisão de mérito distinta Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 709 e 710; Manuel Andrade, ob. cit., págs. 309 e 310.
Ainda Castro Mendes, “Limites Objetivos do Caso Julgado em Processo Civil”, Edições Ática, pág. 51, onde se lê: “Base jurídica que afirmamos que, havendo caso julgado e levantando-se num processo civil seguinte inter easdem personas a questão sobre a qual este recaiu, mas levantando-se como questão instrumental não como thema decidendum (não sendo, pois, de usar a exceçao e caso julgado), o juiz do processo novo está vinculado à decisão anterior, é apenas o art. 671º, n.º 1 (art. 619º, n.º 1 do atual CPC vigente), na medida em que fala de força obrigatória fora do processo, sem restrição, e ainda a ponderação das consequências a que essa falta de vinculação conduziria” – sublinhado nosso..
Esse princípio geral da eficácia relativa do caso julgado, carece no entanto de sofrer restrições e desvios, pela eficácia reflexa do caso julgado em relação a terceiros.
Com efeito, os terceiros, não podem ignorar as sentenças proferidas e transitadas nas diferentes ações (em que não intervieram como partes e daí que são terceiros em relação às mesmas), agindo como se elas não existissem na esfera das realidades jurídicas, sabendo-se que numa vida de relação, com interações sociais cada vez mais intensas, as sentenças judiciais ao definirem determinada relação jurídica entre os pleiteantes, são suscetíveis de afetaram os direitos de terceiros, designadamente, por terem relações conexas com aqueles.
Note-se, no entanto, que tratando-se aqui de afastar o principio regra da eficácia relativa do caso julgado às partes, impondo a eficácia subjetiva extraprocessual da autoridade do caso julgado da decisão de mérito proferida em processo a terceiros que não foram partes nessas ações em que essas decisões de mérito, transitadas em julgado, foram proferidas e que, consequentemente, nelas não tiveram oportunidade de se defender, sequer de controlar a prova nelas produzida e de contribuir ativamente para a decisão de mérito que acabou aí por ser proferida e por transitar, naturalmente que essa extensão extraprocessual da autoridade e eficácia extraprocessual do caso julgado não pode abstrair da concreta relação que esses terceiros tenham com a relação jurídica controvertida discutida e decididas nessas outras ações, em que não foram partes.
Neste domínio, no seguimento dos ensinamentos de Alberto dos Reis e Manuel Andrade, a propósito da eficácia reflexa do caso julgado em relação aos terceiros, impõe-se distinguir “os terceiros juridicamente indiferentes”, dos “terceiros juridicamente interessados”.
Dir-se-á que são “terceiros juridicamente indiferentes” aqueles em relação aos quais a sentença transitada em julgado não lhes causa prejuízo jurídico, deixando íntegra a consistência do seu direito, embora lhes possa causar um prejuízo de facto ou económico.
É o caso dos credores de determinado devedor, demandado em determinada ação por um outro credor, que nela obtém vencimento.
O caso julgado operado nessa anterior ação deixa incólume o direito dos demais credores perante o devedor demandado e condenado nessa 1ª ação a pagar ao credor demandante, por sentença transitada em julgado, determinada quantia monetária, mas pode afetar a consistência prática desses seus direitos de crédito em relação àquele, ao reduzir o património do devedor e, consequentemente, a sua solvabilidade.
Esses “terceiros juridicamente indiferentes” têm de acatar a sentença proferida nessa primeira ação em que aqueles não foram parte, sendo-lhes plenamente oponível a eficácia do caso julgado da decisão de mérito nela proferida.
Por sua vez são “terceiros juridicamente interessados” todos aqueles em relação aos quais a sentença transitada em julgado causa prejuízo jurídico, inviabilizando a existência ou reduzido o conteúdo do seu direito, e não apenas destruindo ou abalando a sua consistência prática.
De entre os identificados “terceiros juridicamente interessados”, distinguem-se os terceiros titulares de relações jurídicas: a) independentes e incompatíveis; b) paralelas; c) concorrentes; ou d) subordinadas e dependentes com a julgada, por decisão de mérito, transitada em julgada numa anterior ação em que não foram partes.
São terceiros juridicamente interessados titulares de uma “relação jurídica independente e incompatível com a das partes”, as pessoas que se arrogam a titularidade de uma relação ou posição incompatível com a reconhecida na sentença anteriormente proferida e transitada em julgado.
Em relação a esses terceiros, a sentença proferida e transitada em julgado em processo em que esses terceiros não foram partes, nunca os pode atingir e, consequentemente, não lhes é oponível o respetivo caso julgado.
É o caso da sentença, transitada em julgado, proferida em ação de reivindicação, em que o reconhecimento do direito de propriedade ao autor dessa ação (reivindicante) não faz precludir a propriedade que um terceiro se arrogue titular sobre o prédio reivindicado.
Deste modo, a circunstância de na sentença, transitada em julgado, se ter julgado que o prédio reivindicado é propriedade do aí reivindicante (autor) e se condenar o reivindicado (réu) a restituir ao primeiro o prédio, não impede que aquele reivindicante se veja posteriormente confrontado com uma outra ação de reivindicação instaurada por um terceiro, em que este último se arroga proprietário desse prédio e que, nessa segunda ação, se venha a decidir que a final o prédio é propriedade do ora reivindicante (do terceiro que instaurou a segunda ação de reivindicação contra o anterior reivindicante (autor da primeira ação) e se condene este último a restituir o prédio ao ora reivindicante.
Já são terceiros juridicamente interessados titulares de “relações paralelas”, as pessoas que se arrogam titulares de uma relação de conteúdo semelhante à sobre que se debruçou a sentença antes proferida e transitada em julgado.
É o caso das obrigações conjuntas – ex: casos de devedores ou credores conjuntos de uma das partes na ação de cumprimento de dívida, que não tenham participado na causa onde foi proferida a decisão de mérito transitada em julgado.
A sentença transitada em julgado não estende a sua eficácia a esses terceiros que não foram parte nessa ação, embora fossem titulares de relações paralelas com o demandante ou o demandado.
São terceiros juridicamente interessados, titulares de “relações concorrentes”, os terceiros que se arrogam titulares de relações de conteúdo único com o demandado na ação onde foi proferida a decisão de mérito transitada em julgado.
É o caso do comproprietário que não interveio a ação instaurada por outro comproprietário relativamente à coisa comum, ou do contitular do direito de preferência que deva ser exercitado por todos os seus titulares, simultaneamente.
O caso julgado da decisão de mérito proferida na ação intentada contra um dos co-titulares do direito, não é oponível a esses terceiros co-titulares do direito em causa, dado que não tendo sido os mesmas partes no processo onde essa decisão de mérito, transitada, foi proferida, e não sendo possível cindir-se a relação nele julgada, o caso julgado operado nunca lhes poderá ser oposto.
Finalmente, são terceiros juridicamente interessados titulares de “relações subordinadas ou dependentes de outra”, aqueles que se arrogam titulares de relações jurídicas que não podem existir, sequer subsistir sem aquela que foi objeto da ação em que foi proferida a decisão de mérito, transitada em julgado.
É o caso da fiança ou da hipoteca constituída por um terceiro.
“A sentença favorável proferida sobre a relação principal aproveita … ao terceiro, porque a relação de que este é sujeito não pode existir ou manter-se sem a relação litigada e definida entre as partes. Ex.: julgada improcedente a ação proposta contra o devedor, pode o fiador defender-se com a respetiva sentença (…). Mas já não é forçoso que tenha de prejudicar o terceiro sentença desfavorável, porque a existência da relação principal não implica a da subordinada” Manuel Andrade, ob. cit., págs. 312 a 315; Antunes Varela, in ob. cit., págs. 724 a 729..
Feitas essas destrinças, dir-se-á que entre a relação jurídica material controvertida discutida e dirimida no Proc. 315/16, por sentença transitada em julgado, e aquela que se encontra em discussão nos presentes autos, não existe qualquer relação de dependência, paralelismo, concorrência, subordinação ou independência, tanto assim que a causa de pedir em que assenta o pedido indemnizatório formulado em ambas as ações, têm causas de pedir diversas, tendo apenas em comum apenas uma parte dessa causa de pedir, mais concretamente, a parte que respeita ao modo como se produziu o acidente.
Acontece que mesmo em relação a essa parte comum da causa de pedir, perante essa divergência de sujeitos, pedidos e causas de pedir que se verifica entre a presente ação e a que correu termos sob o n.º 315/16 e a ausência de qualquer relação que justifique que o caso julgado material operado pela sentença de mérito proferida nessa anterior ação, que julgou improcedente o pedido indemnizatório nela formulado pelo aí autor, R., por claudicação dos pressupostos da responsabilidade aquiliana da ilicitude e da culpa contra a aí e aqui Ré “AEDL” à aqui Autora e apelante, C., S.A., que não foi parte nessa anterior ação, sequer a credora originária do crédito indemnizatório – a “RCI ” – que esta neles vem exercer, é indiscutível que o ali decidido quanto à produção do acidente, por sentença transitada em julgado, não opera caso julgado, na sua vertente positiva de autoridade e força de caso julgado.
Na verdade, a apelante, sequer a credora originária do pretenso crédito indemnizatório da que se arroga titular – a RCI –, não foram partes nessa ação n.º 315/16, pelo que o aí decidido, por sentença de mérito, transitada em julgado, quanto ao modo como se produziu o acidente e a consequente conclusão de que não se verificam os pressupostos da ilicitude e da culpa necessários à constituição das Rés em responsabilidade civil extracontratual, não é oponível à aqui Autora (apelante), sob pena de violação do seu direito fundamental à ação e à defesa, posto que viria a improceder a sua pretensão indemnizatória com fundamento num julgamento realizado no âmbito de um outro processo, em que foi discutida e dirimida uma outra relação jurídica material controvertida, de que a mesma não era parte, e em relação à qual não teve oportunidade de alegar a causa de pedir que fundamenta o pedido que formula nos presentes autos, sequer de apresentar, nesse outro processo, os meios de prova tendentes a demonstrar a verificação dos factos essenciais consubstanciadores dessa causa de pedir que invoca na presente ação para ancorar o seu pedido indemnizatório, sequer de intervir na discussão daquela outra relação jurídica que foi discutida e dirimida no Proc. 315/16, designadamente, de controlar a prova aí produzida, apresentando os seus próprios meios de prova e de influir para a decisão de mérito que aí acabou por ser proferida.
A apelante foi mantida totalmente arredada dessa outra ação e, consequentemente, impedida de dar qualquer contributo útil para a decisão de mérito que nela acabou por ser proferida, estando-lhe, inclusivamente, vedado o direito ao recurso nessa anterior ação.
Logo, não se acompanha a decisão recorrida.
Precise-se que o que se acaba de concluir não é minimamente beliscado, isto é, posto em causa, pelos arestos que são invocados pela 1ª Instância na decisão recorrida e, bem assim, pela apelada nas suas alegações de recurso, antes pelo contrário.
Na verdade, lidos esses arestos verifica-se que as situações sobre que se debruçam os Acs. do STJ. de 22/02/2018, 01/04/2008, 08/11/2018, RL de 24/09/2019 e RE de 30/06/2016, referem-se precisamente a casos em que as partes, na 2ª ação (em que se fez valer a eficácia da autoridade do caso julgado operada pela sentença de mérito proferida em anterior ação, transitada em julgado) são as mesmas que intervieram na anterior ação, ou estas e outras partes (como acontece no acórdão da RE).
Logo, na esteira do que se vem dizendo, tendo determinada relação jurídica sido dirimida entre as partes na 1ª ação, por sentença transitada em julgado, vindo entre elas, sozinhas ou com terceiros, a ocorrer outra ação e suscitando-se, nessa segunda ação, a questão anteriormente decidida na precedente ação, por decisão de mérito transitado em julgado, o decidido impõe-se nessa segunda ação a título de autoridade de caso julgado, situação essa a que não se reconduzem os autos.
Note-se que no acórdão do STJ de 08/11/2018, não só são as mesmas partes que intervêm em ambas as ações, como se discute se o caso julgado material operado pela decisão de mérito proferida na 1ª ação se estende aos factos julgados provados e não provados nessa 1ª ação e se, consequentemente, a autoridade de caso julgado que se impõe na segunda ação, impede que nela se julgue diversamente os factos em relação ao julgamento de facto realizado na 1ª ação por sentença transitada em julgado. Sufragando o entendimento que acima aduzimos, entendeu o STJ que os fundamentos de facto em que se estribou a decisão explanada na parte dispositiva da sentença, transitada em julgado, proferida na 1ª ação, só operam caso julgado em conjunto com essa decisão, mas nunca quando dela isolados, nada impedindo, por isso, que, na segunda ação, seja feito um julgamento de facto diverso daquele que incidiu na primeira ação quanto a esses factos.
Por sua vez, no aresto do STJ de 08/01/2019, Proc. 5992/13, está-se perante uma situação em que o autor instaurou uma ação contra um advogado, reclamando deste uma quantia indemnizatória por prejuízos sofridos em consequência do incumprimento pelo último das suas obrigações legais e contratuais enquanto mandatário.
Nessa ação foi proferida sentença, transitada em julgado, condenando o (réu) a pagar ao aí autor uma indemnização de 62.349,74 euros, acrescida de juros de mora. Posteriormente, esse mesmo autor instaurou nova ação de indemnização contra a companhia de seguros do advogado (anterior réu), reclamando uma indemnização por prejuízos sofridos em consequência do incumprimento por parte do segurado das suas obrigações legais e contratuais enquanto mandatário do autor na pendência do contrato de seguro.
Considerou o STJ que apesar da Ré seguradora da segunda ação não ter sido parte na 1ª ação (intentada diretamente contra o advogado), atendendo ao “regime jurídico aplicável ao contrato de seguro em causa nos autos, a decisão proferida na ação proposta pelo lesado contra o segurado, onde este foi condenado, por sentença transitada em julgado a pagar àquele a quantia de 62.349,74 euros e respetivos juros de mora é pressuposto indiscutível da decisão a proferir na ação proposta contra a seguradora, já que foi esse o risco que esta assumiu, o que significa que o objeto da 1ª ação constitui questão prejudicial na presente ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que neste há-de ser proferida”, concluindo que “tem de admitir a projeção reflexa do caso julgado formado na 1ª ação, na medida em que ela fixou e definiu a relação prejudicial (…), estamos perante relações jurídicas com um nexo de dependência” em que “a Ré seguradora é terceiro juridicamente interessado em relação ao caso julgado formado pela sentença proferida na 1ª ação”.
Trata-se, portanto, de uma situação que nada tem a ver com aquela sobre que se debruçam os presentes autos, uma vez que nele a extensão do caso julgado operado pela decisão de mérito proferida na 1ª ação à Companhia de Seguros (Ré na segunda) é ancorada pelo STJ no regime jurídico do contrato de seguro.
Finalmente, no aresto do STJ de 27/02/2018, Proc. 2472/05, está-se perante uma situação em que tinha sido instaurada uma anterior ação por determinados lesados contra determinada Companhia de Seguros, com quem fora celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório automóvel referente ao veículo em que os autores eram transportados e em que estes reclamam dessa seguradora indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência de acidente, cuja culpa exclusiva imputam ao condutor desse veículo.
Nessa anterior ação foi proferida sentença, transitada em julgado, atribuindo a culpa exclusiva na produção do acidente ao veículo seguro pela Companhia de Seguros Ré e condenando-a a pagar determinado montante indemnizatório aos aí Autores.
Posteriormente, outros lesados (outros Autores) instauraram outra ação de indemnização contra aquele mesma Companhia de Seguros do veículo e outras Companhias seguradoras de outros veículos intervenientes no acidente de viação, pretendendo que estas os indemnizem pelos danos sofridos no acidente.
Entendeu o STJ que nesta 2ª ação “não obstante as partes não serem as mesmas que intervieram no 1º processo, a autoridade do caso julgado formado quanto à definição da responsabilidade dos intervenientes no acidente, tem de se impor como autoridade de caso julgado uma vez que: a) no processo dos autos a Companhia FF é Ré, estando demandada por sujeitos que foram lesados pelo mesmo acidente; b) no processo n.º … (1ª ação), a Companhia de Seguros FF, não obstante os autores serem diversos, mas os factos que serviram de base e o tipo de pedido formulado eram equivalentes – pedidos de indemnização pelo mesmo acidente de viação. Esse processo terminou com decisão transitada em julgado, proferida pelo STJ, que (…) declarou o condutor do veículo (…), único e exclusivo responsável pelo acidente. Em decorrência do mesmo, a responsabilidade civil pelo acidente que havia sido transferida por contrato para a Ré Companhia FF ficou igualmente definida; e c) tendo tido a Ré – Companhia FF – oportunidade de, no âmbito deste processo, realizar a sua defesa e tendo-se concluído aí que tem responsabilidade, sendo uma responsabilidade exclusiva em substituição do segurado, não faz sentido que venha pretender que o apuramento dos factos e inerente responsabilidade possam ser efetuados de modo diferente no âmbito de outro processo judicial, em que se discute o mesmo acidente com as mesmas circunstâncias factuais e pedidos do mesmo tipo, invocando que aqui não funciona a autoridade do caso julgado”, concluindo: “não faz qualquer sentido que, sendo a Companhia FF, parte em ambos os processos, tendo um deles já sido decido definitivamente, se venha a contestar o que ali se firmou”.
Precise-se que subscrevemos integralmente essas judiciosas considerações e aplaudimos a decisão proferida nesse aresto.
Acontece que essa decisão nada tem a ver com o caso dos autos e longe de infirmar a solução jurídica que propugnamos, confirmam-na, posto que resulta claramente desse aresto que a extensão do caso julgado operado pelo trânsito em julgado da decisão de mérito proferida na primeira ação à segunda ação decorre da circunstância da Companhia de Seguros FF ter sido Ré nessa primeira ação e de nela ter tido oportunidade de apresentar a sua defesa e de contribuir para a decisão de mérito nela proferida, onde se concluir ser aquela a exclusiva responsável civil pela satisfação da indemnização devida aos lesados, o que não é o caso que se verifica nos presentes autos, em que a aqui apelante (Autora) não foi parte no Proc. 315/16, pelo que o decidido nesse anterior processo, por sentença transitada em julgado, quanto à produção do acidente e à consequente não verificação dos requisitos da ilicitude e da culpa não lhe pode ser oposto.
Resulta do que se vem dizendo, proceder integralmente a presente apelação, impondo-se revogar a decisão recorrida que julgou improcedente a ação e absolveu as Rés do pedido com fundamento na existência da autoridade do caso julgado, que imporia o decidido no Proc. 315/16.6BEPRT, por decisão transitada em julgado, quanto à produção do acidente e à responsabilidade civil nos presentes autos, e determinar o prosseguimento dos autos.
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IV- DECISÃO

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte, acordam em julgar procedente a presente apelação e, em consequência, revogam a decisão recorrida, que julgou improcedente a ação e absolveu as Rés do pedido, com fundamento na existência da autoridade do caso julgado, que imporia o decidido no Proc. 315/16.6BEPRT, por decisão transitada em julgado, quanto à produção do acidente e à responsabilidade civil, aos presentes autos, e determinam o prosseguimento dos autos.
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Custas pela apelada AEDL, que contra-alegou, propugnando pela improcedência da apelação, no que decaiu (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
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Porto, 17 de abril de 2020.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro