Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00581/11.3BEPNF-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/24/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO - CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO;
IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA DE EXECUÇÃO;
GRAVE PREJUÍZO PARA O INTERESSE PÚBLICO – ADEQUAÇÃO TEMPORAL
Sumário:I- A invocação de causa de legítima de inexecução só pode fundar-se na (i) impossibilidade legal ou física de execução do julgado ou (ii) na majoração acrescida do interesse público em relação ao interesse privado face dos prejuízos resultantes para a comunidade advindas da execução do julgado.

II- A invocação de causa legítima de inexecução, porém, só pode reportar-se a (i) circunstâncias supervenientes ou que (ii) a Administração não estivesse em condições de invocar no momento oportuno do processo declarativo [cfr. nº. 3 do artigo 163º do CPTA].

III- Legitimando os autos a aquisição processual que a causa legítima de inexecução invocada pelo Recorrente não é superveniente face à decisão exequenda, a mesma não pode ser invocada em sede de execução de julgado.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

* *
I – RELATÓRIO
O Município ..., melhor identificado nos autos de Execução para Prestação de Facto intentados por AA e BB, vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do (i) despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel [doravante T.A.F. de Penafiel], editado em 16.11.2022, que indeferiu o pedido de produção de prova testemunhal por si formulado nos autos, bem como da (ii) sentença promanada nos presentes autos, que “(…) julgo[u] procedente o pedido de execução do julgado, por provado, e fixo[u] o prazo de 6 (seis) meses para a realização dos atos e operações materiais que devam ser adotados destinados a dar cumprimento às vinculações legais estabelecidas (…)”.
Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
1. Existe na oposição à execução matéria controvertida que interessa à decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis para a questão de direito, designadamente nos factos alegados sob os art°s 27° a 26° desse articulado.
2. Esses factos são controvertidos e, por isso mesmo, devem ser levados a produção de prova testemunhal, tal como requerido na oposição.
3. A produção de prova testemunhal deveria ter sido feita sobre essa matéria controvertida, para a provar, pelo que o 1° despacho recorrido violou o art° 165° n° 4 do CPTA.
4. Por este motivo deve ser revogado o referido despacho e ser determinado que seja iniciada a fase da instrução com produção de prova testemunhal nos termos do disposto no art° 165° n° 4 CPTA, 5° n° 1 e 410° CPC que foram violados pelo 1° despacho recorrido.
5. O facto provado sob o ponto E da sentença releva para ser decretada a causa legítima de inexecução.
6. As imposições da Lei n° 34/2015 de 27 de abril impedem a execução da sentença.
7. A obra objecto de condenação da sentença tem que ser construída na Estrada Nacional n° ...06, sobre a qual o Recorrente Município ... não tem jurisdição 29.
8. A obra que a douta sentença dada á execução prevê enquadra-se no n° 5 do art° 50°, razão pela qual o executado, Município ... não tem jurisdição sobre a mesma EN ...06, estando, por imperativo legal, impedido legalmente de efetuar a execução de obras na Estrada Nacional n° ...06 objecto da sentença proferida.
9. O Recorrente promoveu essa obra mas não a executou de vontade própria, mas sim por orientação e instruções da Estradas de Portugal (actualmente Infraestruturas de Portugal) Facto J) dos factos provados.
10. É a própria lei que impede que o Recorrente execute a obra na EN ...06, o que implica a impossibilidade absoluta de execução da obra no local que integra a EN ...06, a qual está na exclusiva jurisdição da Infraestruturas de Portugal, IP.
Este mesmo facto demonstra, ainda, a existência de excecional prejuízo para o interesse público, pois que se a obra for executada nos termos sentenciados, ocorre a violação de normas legais imperativas ( art°s 1,2,3, 50 e 51 do Estatuto, das Estradas da Rede Rodoviária Nacional aprovado pela Lei n.° 34/2015, de 27/04).
11. ).
12. O que é reconhecido pelo ofício da Infraestruturas de Portugal, IP, dirigido ao Tribunal datado de 24.05.2022.
13. Para que haja acordo entre o Recorrente e as entidades da administração centra é necessário que o membro do Governo (ministro do setor) o homologue e o mesmo não está no alvedrio nem na livre disponibilidade do Recorrente.
14. Não é possível executar a sentença, mesmo que seja iniciado o procedimento de licenciamento.
15. Isto, porque, quer os prazos, quer a tramitação desse eventual licenciamento são incompatíveis com a tramitação e prazos inerentes à execução para prestação de facto enumerados nos art°s 163° e segs CPTA.
16. Ocorre uma impossibilidade absoluta na execução da sentença, pelo que a douta sentença recorrida fez incorretas interpretação e aplicação dos art°s 163 n° 1 CPTA. (…)”.
*
Notificadas que foram para o efeito, as Recorridas não contra-alegaram.
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
*
O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
*
Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
* *
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se:
(i) o despacho recorrido enferma de erro de julgamento de direito, por violação “(…) do disposto no artº 165º nº 4 CPTA, 5º nº 1 e 410º CPC (…)”;
(ii) a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de direito, por incorreta “(…) interpretação e aplicação dos art.ºs 163 nº 1 CPTA.”
E na resolução de tais questões que consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
* *
III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…)
A. Por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 23/04/2021, foi mantida a sentença proferida pelo TAF de Penafiel a 31/08/2020 na ação administrativa apensa a estes autos de execução, a julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ora Entidade Executada a “efetuar, com qualidade, no prazo máximo de 30 dias, os trabalhos necessários para repor as condições de acesso que existiam antes da construção da rotunda, construída pelo mesmo no entroncamento da Estrada Nacional n.° ...06 com a Rua ... e que permitam o acesso de carros, tratores e máquinas agrícolas da rotunda ao Prédio das Autoras e vice-versa.” - cfr. acórdão do TCAN e sentença proferidos no processo apenso;
B. O acórdão referido na alínea antecedente não foi objeto de recurso - cfr. consulta do SITAF;
C. A audiência final realizada na ação administrativa teve o seu início a 08/10/2015 e a última sessão realizou-se no dia 30/06/2017 - cfr. fls. 311 a 313 do processo apenso;
D. Os trabalhos a realizar a que se alude na decisão dada à execução visam repor o acesso direto do prédio das Exequentes à Estrada Nacional n.° ...06, com o qual confronta a Norte - facto admitido por acordo;
E. A EN ...06 é uma estrada desclassificada pelo Plano Rodoviário Nacional em vigor, ainda não entregue ao Município ... - cfr. documento a fls. 83 a 87 dos autos;
F. A petição de execução foi apresentada em juízo no dia 21/09/2021 - cfr. fls. 1 dos autos (…)”.
* *
IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO
*
IV.1- Recurso interposto do despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal
*
1. O Recorrente insurge-se contra o despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal fundado no entendimento de que “(…) existe na oposição matéria controvertida que interessa à decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis para a questão de direito (…)”.
2. De facto, patenteiam as conclusões alegatórias que o Recorrente invoca o erro de julgamento pelo Tribunal quando indeferiu a produção de prova testemunhal, o que estriba na convicção de que tal meio de prova dirige-se a comprovação de que o Executado está impedido de executar a obra sentenciada no local, pois este situa-se no âmbito da exclusiva jurisdição da Infraestruturas de Portugal, I.P.
3. Vejamos, sublinhando, desde já, que, mostrando-se controvertidos os factos alegados, por força do princípio do direito à prova, incumbe ao juiz abrir um momento de instrução do processo, antes de proferir a decisão final.
4. Porém, no caso da hipótese trazida a juízo recursivo, isso, claramente, não sucede.
5. De facto, e com reporte à alegada integração do local da obra no âmbito da exclusiva jurisdição da Infraestruturas de Portugal, I.P., cabe notar que resultou coligida a seguinte realidade fáctica: “A EN ...06 é uma estrada desclassificada pelo Plano Rodoviário Nacional em vigor, ainda não entregue ao Município ... (…)” [cfr. alínea E) do probatório coligido].
6. A fixação da materialidade nos termos e com o alcance supra explicitados serve o propósito de assentar o estado atual de desclassificação da EN ...06 do Plano Rodoviário Nacional e o seu estado de situacional, o que, com recurso ao bloco legal aplicável, permite dar resposta à questão de saber se o local da obra se situa [ou não] no âmbito da jurisdição da Infraestruturas de Portugal, I.P.
7. Efetivamente, nos termos do disposto no artigo 13º do Plano Rodoviário Nacional [Decreto-Lei nº 222/98 com as alterações introduzidas pela Lei nº 98/99 de 26 de julho, pela Declaração de retificação nº 19-D/98 e pelo Decreto-Lei nº 182/2003 de 16 de agosto], as estradas nacionais não incluídas no PRN integrarão as redes municipais mediante protocolos a celebrar entre a Infraestruturas de Portugal, I.P., e as câmaras municipais, ficando, contudo, sob a jurisdição da Infraestruturas de Portugal, I.P., até à sua receção pelas respetivas autarquias.
8. Neste enquadramento e perante a materialidade supra exposta, é de manifesta evidência que o local da obra a executar situa-se, efectivamente, no âmbito da jurisdição da Infraestruturas de Portugal, I.P.
9. O que nos transporta, inelutavelmente, para a evidência da inexistência de qualquer materialidade controvertida no contexto assinalado, e, consequentemente, da desnecessidade de abertura de um período de produção de prova.
10. Igual asserção se atingiria pela insuscetibilidade da realidade alegada pelo Recorrente relevar em termos da definição da solução da causa.
11. Realmente, a razão determinante da inclusão de um facto na matéria assente prende-se com a sua relevância para a decisão a proferir segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não com a circunstância de terem sido alegados e não terem sido impugnados.
12. De facto, é perfeitamente supérflua a inclusão de factos não controvertidos na matéria de facto assente que não servem nenhum propósito em termos da definição da solução da causa.
13. Assim também o entendeu Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil [anotado], vol. II, 4.ª edição-reimpressão, pág.204, «desde que um facto é inútil ou irrelevante para a solução da causa incluí-lo na especificação é excrecência pura».
14. Ora, a alegação em sede de execução de julgado de que “(…) o executado está impedido de executar a obra sentenciada no local, pois este situa-se no âmbito da exclusiva jurisdição da Infraestruturas de Portugal, I.P. (…)” - como veremos pormenorizadamente mais adiante - não é fundamento que, por si, arrede a obrigação de cumprimento do judicialmente determinado em sede declarativa.
15. Donde resulta inequívoca a insubsistência da materialidade invocada pelo Recorrente como susceptível de relevar em termos da definição da solução da causa.
16. E nesta falta de relevância reside o “punctum saliens” distintivo da falta de préstimo à boa decisão de causa.
17. Concludentemente, improcedem todas as conclusões do recurso jurisdicional em análise.
*
IV.2- Recurso interposto da sentença promanada nos autos
*
18. A questão que se controversa e objeto do presente recurso jurisdicional consiste em saber se a decisão judicial recorrida, ao julgar “(…) procedente o pedido de execução do julgado, por provado, e fix[ar] o prazo de 6 (seis) meses para a realização dos atos e operações materiais que devam ser adotados destinados a dar cumprimento às vinculações legais estabelecidas (…)”, incorreu em erro de julgamento de direito, por incorreta “(…) interpretação e aplicação dos art.ºs 163 nº 1 CPTA (…)”.
19. A resenha processual relevante é a seguinte:
20. O Município ... foi judicialmente condenado “(…) a efetuar, com qualidade, no prazo máximo de 30 dias, os trabalhos necessários para repor as condições de acesso que existiam antes da construção da rotunda, construída pelo mesmo no entroncamento da Estrada Nacional n.º ...06 com a Rua ... e que permitam o acesso de carros, tratores e máquinas agrícolas da rotunda ao Prédio das Autoras e vice-versa (…)”.
21. Esta decisão judicial transitou em julgado, não tendo o Município Réu procedido ao seu cumprimento espontâneo, o que motivou a instauração da presente ação executiva com vista à execução daquele julgado.
22. O T.A.F. de Penafiel julgou, como sabemos, a presente ação executiva procedente, na esteira do que fixou o prazo de 6 [seis] meses para a realização dos atos e operações materiais que devam ser adotados destinados a dar cumprimento às vinculações legais estabelecidas.
23. A ponderação de direito na qual se estribou o juízo de procedência da presente ação executiva foi a seguinte: “(…)
As Exequentes peticionaram a condenação da Entidade Executada a dar execução ao julgado, devendo, para o efeito, ser especificadas as diligências concretas a realizar (e que identificou sob a alínea A) do pedido), peticionando, ainda, a título subsidiário, a determinação do cumprimento da prestação por outrem.
Vejamos.
Dispõe o artigo 205.°, n° 2, da CRP: “As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras entidades”.
Em conformidade com o normativo constitucional supra referenciado, o n° 1 do artigo 158.° do CPTA prescreve: “As decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas”.
Resulta deste artigo a obrigatoriedade das decisões dos tribunais administrativos, a qual implica o dever de cumprimento espontâneo das sentenças pela Administração, dentro de um determinado prazo, exceto em casos em que se verifique uma causa legítima de inexecução.
No que diz respeito ao dever de executar as sentenças que condenem a Administração à prestação de factos, matéria em causa nos presentes autos, resulta do disposto no artigo 162.° do CPTA, que as sentenças devem ser espontaneamente executadas pela própria Administração, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução.
Ora, da factualidade provada e da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados, resulta inequívoco que a Entidade Executada não cumpriu com a execução do julgado, alegando que se verifica causa legítima de inexecução da sentença, uma vez que já não tem jurisdição sobre o local onde a obra seria executada, ou seja a Estrada Nacional n.° ...06, pelo que, atendendo ao disposto nos artigos 50.° e 51.° do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado pela Lei n.° 34/2015, de 27/04, decorre a impossibilidade absoluta de execução da obra naquele concreto local.
Dispõe o artigo 163.° do CPTA, o seguinte:
“1 - Só constituem causa legítima de inexecução a impossibilidade absoluta e o excecional prejuízo para o interesse público na execução da sentença.
2 - A causa legítima de inexecução pode respeitar a toda a decisão ou a parte dela.
3 - A invocação de causa legítima de inexecução deve ser fundamentada e notificada ao interessado, com os respetivos fundamentos, dentro do prazo estabelecido no n.° 1 do artigo anterior, e só pode reportar-se a circunstâncias supervenientes ou que a Administração não estivesse em condições de invocar no momento oportuno do processo declarativo.”
Resulta, assim, do n.° 1 deste artigo que só constitui causa legítima de inexecução a impossibilidade absoluta e o grave prejuízo para o interesse público na execução da sentença.
Como esclarecem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha - in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4- ed., 2017, págs. 1221 e 1222 - «Na definição proposta por Diogo Freitas do Amaral, cuja atualidade permanece intacta, as causas legítimas de inexecução são “situações excecionais que tornam lícita, para todos os efeitos, a inexecução das sentenças dos tribunais administrativos, obrigando, no entanto, ao pagamento de uma indemnização compensatória ao titular do direito à execução”.
Que a ocorrência de causas legítimas de inexecução desonera as entidades públicas do seu dever de cumprir - executar, no sentido em que a expressão é tradicionalmente empregue, de execução espontânea por parte do obrigado (cfr. nota 1 ao artigo 159. °) -, resulta do artigo 162. °, n.° 1 (assim como do artigo 175. °, n.° 1). Que a extinção do dever de cumprir dá origem a um dever de pagar “a indemnização devida pelo facto da inexecução”, resulta dos artigos 164. °, n.° 6, 166. °, n.° 1,176. °, n.° 7, e 177. °, n.° 3 (...)".
A impossibilidade absoluta na execução da sentença não se reconduz, assim, a uma mera dificuldade ou onerosidade dessa execução, pois é necessário que à mesma se aponha, em absoluto, impedimento irremovível, de natureza física ou legal.
Mas a execução de sentença para prestação de factos tem uma prerrogativa no que diz respeito à invocação de causa legítima de inexecução, que é a que resulta do n.° 3 do artigo citado, ou seja, “só pode reportar-se a circunstâncias supervenientes ou que a Administração não estivesse em condições de invocar no momento oportuno do processo declarativo.”
Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha - in ob. cit., págs. 1227 e 1228, «esta solução compreende-se porque a sentença foi proferida no termo de um processo que necessariamente se reportou à situação que existiria no momento do encerramento da discussão em julgamento, e, no âmbito desse processo, foram obrigatoriamente discutidas e decididas todas as questões, de facto e de direito, com relevância para a decisão, incluindo aquelas que poderiam ter justificado a não emissão da sentença de condenação por impossibilidade ou grave prejuízo para o interesse público: cfr. artigo 45.° (...). Só se justifica, pois, que essas questões possam ser legitimamente suscitadas contra a sentença de condenação se disserem respeito a circunstâncias supervenientes em relação ao momento do encerramento da discussão no processo declarativo ou que a Administração tenha estado impossibilitada de invocar no momento oportuno desse processo.»
Para concretizarem na nota de rodapé n.° 1583, pág. 1228 que, caso se verifique efetivamente uma situação de impossibilidade absoluta, “mesmo que a Administração estivesse em condições de invocar a sua existência no momento oportuno do processo declarativo e não o tenha feito”, (...), “por expressa determinação do n.° 3 do artigo 163.°, a situação de impossibilidade deixa de poder ser invocada, a conduta de incumprimento por parte da entidade obrigada, dentro dos três meses a que se refere o n.° 1 do artigo 162.°, deixa de poder ser reputada como lícita, para passar a ser reputada como ilícita, com as correspondentes consequências em sede indemnizatória.”
Isto posto, e voltando ao caso sub judice, a impossibilidade absoluta de cumprimento da sentença exequenda apontada pela Entidade Executada decorreria do estipulado nos artigos 50.° e 51.° do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado pela Lei n.° 34/2015, de 27/04, que entrou em vigor 90 dias após a data da sua publicação - cfr. artigo 6.° deste diploma legal.
Resultou provado que a audiência final realizada na ação administrativa apensa teve o seu início a 08/10/2015 e a última sessão realizou-se no dia 30/06/2017.
Conclui-se, assim, que quando teve início a audiência de julgamento já estava em vigor a Lei n.° 34/2015, de 27/04, pelo que, se era entendimento da ora Entidade Executada que tal legislação a impedia de dar cumprimento ao pedido, caso fosse proferida sentença de condenação (como veio a suceder), deveria ter alegado tal factualidade no processo declarativo para os efeitos previstos no artigo 45.° do CPTA, o que não fez.
Assim, os fundamentos que sustentam a invocação de causa legítima de inexecução não se reportam a circunstâncias supervenientes nem a situações em que a Administração não estivesse em condições de invocar no momento oportuno do processo declarativo, pelo que, não constituem causa legítima de inexecução, nos termos previstos no artigo 163.° do CPTA.
Diga-se, ainda, que mesmo que assim não se entendesse, não se verifica a invocada causa legítima de inexecução.
É que, perante a factualidade provada, mais concretamente que os trabalhos a realizar a que se alude na decisão dada à execução visam repor o acesso direto do prédio das Exequentes à Estrada Nacional n.° ...06, com o qual confronta a Norte, e que esta EN ...06 é uma estrada desclassificada pelo Plano Rodoviário Nacional em vigor, dois “caminhos” se afiguram como possíveis para a Entidade Executada dar cumprimento à sentença exequenda:
(i) nos termos previstos no artigo 2.° do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional (aprovado pela Lei n.° 34/2015, de 27/04) as disposições daquele estatuto - nomeadamente os artigos 50.° e 51.° invocados pela Entidade Executada - aplicam-se às estradas que integram a rede rodoviária nacional e às estradas nacionais desclassificadas, ainda não entregues aos municípios, sendo que a mutação dominial realiza-se por meio de acordo a celebrar entre a administração rodoviária e o município, com autorização prévia da respetiva assembleia municipal, após aprovação pelo IMT, I.P., sujeito a homologação do membro do Governo responsável pela área das infraestruturas rodoviárias e formalizada a mutação opera a mudança de titularidade, ficando a entidade destinatária dos bens investida nos poderes e deveres inerentes a essa titularidade - cfr. artigo 40.°, n.°s 1 e 2 do Estatuto.
Assim, com vista a dar cumprimento à sentença exequenda poderia a Entidade Executada iniciar o procedimento com vista à obtenção do referido acordo para operar a mudança de titularidade e com isso obstar à aplicação do disposto nos artigos 50.° e 51.° referidos;
(ii) Por outro lado, ainda que se aplique o disposto nos artigos 50.° e 51.° do Estatuto, tal não é revelador, pelo menos por ora, de uma impossibilidade absoluta na execução da sentença; é que, ainda que só seja permitido o licenciamento de um novo acesso se já não existir outro acesso ou este não se revelar adequado ao tráfego gerado e nas condições definidas no artigo 51.°, a existência de outro acesso tem que ser atual e a expressão “adequação ao tráfego gerado” encerra um conceito indeterminado a ser concretizado em sede de procedimento administrativo com vista ao licenciamento de um novo acesso. Ora, se nem sequer foi dado impulso a que se iniciasse o competente procedimento administrativo, não se pode concluir que o licenciamento seria indeferido.
Posto isto, conclui-se pela inexecução do julgado, em conformidade com o peticionado pelas Exequentes.
No que respeita à fixação de prazo para a Administração cumprir o dever de executar o julgado e atendendo, quer às operações materiais que cumpre realizar (e que foram elencadas supra em (i) ou em (ii) e que serão seguidas da realização das concretas obras a que as Exequentes aludem na alínea a) do petitório), quer ao disposto no artigo 168°, n.° 1 do CPTA, é fixado o prazo de 6 meses (…)”.
24. Vem agora o Recorrente, por intermédio do recurso sub juditio, refutar o juízo decisório firmado no sentido da inexistência de causa ilegítima de inexecução de julgado, invocando, para tanto, que o mesmo enferma de erro de julgamento de direito.
25. Realmente, o Recorrente clama a existência de causa legítima de inexecução, por (i) impossibilidade absoluta de execução da sentença recorrida e (ii) excecional prejuízo para o interesse público.
26. Arrima tal convicção, por um lado, na consideração de que a obra objecto de condenação da sentença tem que ser construída na Estrada Nacional nº ...06, sobre a qual não tem jurisdição, estando, por imperativo legal, impedido legalmente de efetuar a execução de obras na Estrada Nacional nº ...06 objecto da sentença proferida e, por outro, no entendimento de “(…) se a obra for executada nos termos sentenciados, ocorre a violação de normas legais imperativas ( art.ºs 1,2,3, 50 e 51 do Estatuto, das Estradas da Rede Rodoviária Nacional aprovado pela Lei n.º 34/2015, de 27/04) (…)”.
27. Vejamos, sublinhando, desde já, sublinhando, desde já, que, como se decidiu no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 05.06.2008, tirado no processo nº. 00232-A/2003-Coimbra: “(…)
Continua a ser válido definir as causas legítimas de inexecução como situações excecionais que tornam lícita, para todos os efeitos, a inexecução das sentenças dos tribunais administrativos, obrigando, no entanto, ao pagamento de uma indemnização compensatória ao titular do direito à execução [Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, Almedina, 2ª edição, página 123].
A actual lei processual administrativa reduz a causa legítima de inexecução a duas situações: a impossibilidade absoluta da execução da sentença e o grave prejuízo para o interesse público na sua execução [artigo 163º nº1 do CPTA], sendo certo que é ao tribunal administrativo que cumpre verificar a procedência dos fundamentos invocados pela administração e, sendo caso disso, desonerá-la do dever de executar a sentença [artigos 177º e 178º do CPTA].
Vem sendo entendido pela doutrina e pela jurisprudência que a impossibilidade absoluta na execução da sentença não se reconduz à mera dificuldade ou onerosidade dessa execução, é necessário que à mesma se oponha, em absoluto, impedimento irremovível. Trata-se de uma absoluta impossibilidade física ou legal.
O grave prejuízo para o interesse público vem sendo encarado como autêntica válvula de escape do sistema e, como tal, só deverá ser reconhecido em situações-limite, de claro desequilíbrio entre os interesses em presença, situações nas quais se possa afirmar que os prejuízos que para a comunidade adviriam da execução da sentença se mostram claramente superiores ao sacrifício que representa para o respectivo interessado a sua inexecução. Esta solução legal exige ponderação das situações concretas pelo senso comum do julgador, sobretudo tendo em consideração a multiplicidade de interesses que podem estar em jogo, e sempre sem esquecer que a execução da sentença visa, fundamentalmente, satisfazer os direitos e interesses do exequente [ver, sobre o tema, Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, Almedina, 2ª edição, página 125; Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª edição, página 408; Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, páginas 806 a 812; e, por todos, AC STA de 29.11.94, AP-DR de 18.04.96, página 8425] (…)”.
28. Ou seja, e para o que ora nos interessa, a invocação de causa de legítima de inexecução só pode fundar-se na (i) impossibilidade legal ou física de execução do julgado ou (ii) na majoração acrescida do interesse público em relação ao interesse privado face dos prejuízos resultantes para a comunidade advindas da execução do julgado.
29. Note-se, contudo, que a invocação de causa legítima de inexecução só pode reportar-se a circunstâncias supervenientes ou que a Administração não estivesse em condições de invocar no momento oportuno do processo declarativo [cfr. nº. 3 do artigo 163º do CPTA].
30. Ora, em consonância com exposto, é nosso entendimento que a situação vertente não se enquadra na previsão normativa vertida no nº. 3 do artigo 163º do C.P.T.A. [adequação temporal].
31. De facto, a causa legítima de inexecução invocada pelo Recorrente não é superveniente face à decisão ora exequenda, de modo que nunca a mesma pode ser invocada em sede de execução de julgado.
32. Na verdade, o ato de desclassificação da E.N. 106 do Plano Rodoviário Nacional [sem entrega ao respetivo município] teve lugar no âmbito do Decreto-Lei nº. 222/98, de 17.07, na redação dada pelo Decreto-Lei nº. 182/2003, de 16 de agosto, data em que nem sequer mostrava intentado o processo declarativo nº. 501/11.3BEPNF.
33. Pelo que, emergindo de tal operação qualquer obstáculo legal [cfr. parágrafo 7)] à execução de obras na Estrada Nacional nº ...06 objecto da sentença proferida, era naqueles autos que o Réu haveria de ter suscitado tal causa questão, o mesmo sucedendo com o invocado excecional prejuízo para o interesse público.
34. E nada disto bule com a recente entrada em vigor da Lei nº. nº 34/2025, que aprovou o Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional.
35. De facto, a responsabilidade da Infraestruturas de Portugal, I.P. pelas estradas desclassificadas ainda não entregues aos respectivos municípios já se mostrava prevista em legislação anterior [Decreto-Lei nº. 222/98, de 17.07], nada se alterando nesse domínio com a entrada em vigor do novo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional.
36. Pelo que, nos termos do enumerado n.º 3 do art.º 163º do CPTA, o executado não pode invocar agora tais factos.
37. Assim deriva, naturalmente, que, por umas ou outras razões, se não antolha a existência de qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique a reversão da decisão versada.
38. Por tudo isto, nega-se provimento ao recurso jurisdicional em análise e confirma-se a decisão judicial recorrida.
39. Assim se decidirá.
* *
V – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “ sub judice”, confirmando-se decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e Notifique-se.
* *

Porto, 24 de março de 2023,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia