Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01716/04-Viseu
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/15/2015
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:MÉTODOS INDICIÁRIO
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DA FAZENDA PÚBLICA
IRS
Sumário:I. Cabe à AF demonstrar que os erros ou irregularidades detectados na contabilidade do contribuinte são de tal forma relevantes que inviabilizam a comprovação directa e exacta da matéria tributável e que o recurso aquele método se tornou a única forma de a determinar, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, só então se mostrando legitimada a tributação com base nas operações que o contribuinte presumivelmente efectuou.
2. Se da fundamentação apresentada pela AF não resultam demonstrados aqueles pressupostos, a liquidação que na sua sequência foi efectuada mostra-se inquinada por vício de violação de lei e, como tal, tem de ser anulada*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.Relatório

J..., com o NIF 1…, com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra a liquidação adicional de IRS do ano de 1994 e respectivos juros compensatórios, no valor de 522.441$00 (esc) e 104 526$00 (esc), respectivamente.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. “Existe vício de fundamentação na aplicação dos métodos indiretos – Art.º 81º do CPT – atual Art.º 77º, n.º 4, da LGT.

2. A sentença não identificou as irregularidades, omissões e comportamentos que permitem o recurso a métodos indiretos, quanto ao ano de 1994, para se poder pronunciar se as mesmas estão ou não devidamente fundamentadas, o que constitui omissão – Art.º 125º do CPPT.

3. Existe vício de violação de lei na aplicação dos métodos indirectos à escrita comercial e fiscal do recorrente – Art.º 38º do CIRS, à época, atual alínea b) do Art.º 87º da LGT;

4. Existe vício de fundamentação na determinação da nova quantificação, o que constitui vício de forma ao atual Art.º 77º da LGT.

5. Existe errónea quantificação e como também dos Art.º 120º e 121º do CPT (atual art.º 100º do CPPT) determinavam a anulação do ato impugnado por, da prova produzida, resultar fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.

Nestes termos;

Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação da liquidação impugnada, para que assim se faça JUSTIÇA.”


A Recorrida Fazenda Pública não contra alegou.


Remetidos os autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, foram os mesmos com Vista à Exma Procuradora-Geral Adjunta que não emitiu Parecer.

Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes-Adjuntos, vem o processo à Conferência para julgamento.


I.1-Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:
A questão suscitada pelo Recorrente, nas alegações de recurso e delimitada pelas respectivas conclusões (nos termos dos artigos 660º, nº 2, 684º, nº s 3 e 4, actuais 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT) é de saber se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronuncia e se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao ter concluído pela improcedência da Impugnação


II. Fundamentação

II.1. De Facto

No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

A) A liquidação em causa nestes autos, liquidação nº 5320056216 de IRS de 1995, teve origem na ação de fiscalização realizada pela Divisão de Prevenção e Inspeção Tributária, D. D. de Finanças de Viseu, cfr. docs. de fls. 19 e 25 a 35 aqui dados por reproduzidos, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos;

B) para o efeito considerou-se para além do mais que no relatório e informação consta, o seguinte:
“O contribuinte declara como compras de matérias primas os valores referentes aos fornecimentos e serviços de terceiros e a compra de matérias primas declara-a em compras de mercadoria.

O contribuinte produz, outrossim, serviços de decoração e remodelação (reconstrução) completos de estabelecimentos comerciais e de profissionais livres, estando neles incorporados como elemento imprescindível e por tabela, onerosa, a mão de obra dos mais variados especialistas na área da construção civil, tais como pedreiros, eletricistas, marceneiros, aplicadores de tetos falsos, ladrilhadores, serralheiros, pintores, canalizadores, etc..
6º Ora é todo este “universo” de mão de obra que não é refletido na linha 8 do quadro 5…

O contribuinte não declara quaisquer descontos para o Centro Regional de Segurança Social.

e) Fornecimentos e Serviços externos…
Neste campo e principalmente se detectam fortes omissões, aliás como é prática corrente, já que estes agentes económicos se correm amiúde de chamada “mão de obra subterrânea”.
Com efeito e a título de exemplo no exercício de 1991, o contribuinte remodelou e decorou vinte e um estabelecimentos e possui na sua escrita uma factura (nº 147) de 20/06/91, no valor de 75 000$00 passada pelo sujeito passivo que lhe presta serviços a área da instalação elétrica!
Este montante nem para um estabelecimento era razoável como custo…

8º compras

Só de um fornecedor – C… Lda. Viseu omitiu no ano e 1992 as facturas de Abril nº 16.098 de 4.985$00, 7089.3 no valor de 168.144$00…

Como é lógico e evidente os Serviços prestados declarados transportam consigo todas as omissões anteriormente focadas sendo delas a resultante final.

… o trabalho executado no salão cabeleireiro “P…” R….e – nº 29 rondou os 2. 000.000$00, tendo sido facturado 1.000.000$00.
Também na ourivesaria de C… – Sernancelhe – decoração e montagem foram faturados 862 069$00, quando logo, e como primeira prestação, o proprietário pagou 1. 000.000$00.

Assim e dado que nenhum dos indicadores declarados, compras, despesas, serviços prestados e Resultados apresenta qualquer credibilidade, passamos a corrigir o Apuramento do rendimento, por métodos indiciários nos Anexos MI e B1 nos termos do art.º 38º do CIRS e nº 3 do art.º 82º do CIVA, tomando como coeficiente percentual sobre o Custo das Matérias Primas Consumidas já corrigidas, para cálculos dos serviços prestados 2.0 por ser o mais razoável neste tipo de atividade tendo o mesmo sido aliás apresentado pelo contribuinte em 1994.”, idem anterior;

C) Entre os anos de 1991 e 1995 a maior parte dos trabalhos realizados pelo Impugnante situaram-se na zona de Viseu, vide depoimentos das testemunhas 2ª e 3ª;

D) O granito aplicado no estabelecimento comercial denominado “Casa do …”, sito na Rua…, Viseu, foi fornecido pelo proprietário do estabelecimento, cfr. depoimento da 1ª testemunha;

E) O Impugnante realiza ele próprio alguns trabalhos de eletricidade designadamente eletrificação de tetos falsos, vide depoimento da 2ª testemunha;

F) Não se conformando com a fixação com recurso a métodos indiretos o Impugnante apresentou reclamação nos termos do art.º 84º do CPT que veio a culminar com decisão de manter os valores apurados na sequência da inspeção e informação, cfr. docs. de fls. 37 a 50;

G) A liquidação impugnada referida em A) contém como data limite de pagamento 13-07-1998 sendo que a PI que deu origem aos presentes autos foi apresentada em 22-07-1998; vide doc. de fls. 19 e carimbo aposto a fls. 2, folha 1 da PI;

H) Encontra-se paga desde o dia 24 de Julho de 2003,cfr. informação constante de fls. 85.

II II Factos não provados
Outros factos que estejam em contradição com a factualidade provada.
*
A convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais e outros indicados em cada alínea dos factos provados. “

II.1.1 Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2º, alínea e), e 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), acorda-se em aditar a alínea I) da matéria de facto, por relevarem para a decisão factos que constam do relatório da fiscalização, que serviu de base à liquidação impugnada, e que se encontra nos autos, nos termos que se seguem:

I) “ Do relatório de inspecção consta o seguinte: 1°- Do binómio Custo das Matérias Primas Consumidas - Serviços prestados, ressalta para os exercícios de 1991/92/93/94/95 um coeficiente percentual de respectivamente 1.296, 1.569, 1.896, 2.078 e 1.72, a que correspondem Custos das Matérias Primas Consumidas (C.M.P.C.) de respectivamente 8.694.725$000; 9.458.830$00; 10.457.965$00; 17.495.394$00 e 12.608.998$00.

2°- Com efeito e como já foi dito na Análise Fiscal, em 3.1, o contribuinte declara como compras de matérias-primas os valores referentes aos Fornecimentos e serviços de terceiros e a compra de matérias-primas declara-a em compra de mercadorias.

3°- Foi portanto depois de ta1 constatarmos, que chegámos a estes coeficientes percentuais.
4°- De posse destas relações C.M. - Serviços prestados, de imediato concluímos que principalmente nos exercícios de 1991 e 9992 os Serviços prestados declarados foram profundamente deturpados.

5°- Com efeito a actividade do contribuinte não é comercializar vidros, espelhos, granitos, tintas, etc. (se tal fosse, a margem de lucro apresentada em 1991 estaria razoável). O contribuinte produz, outrossim, Serviços de decoração e remodelação (reconstrução) completos de estabelecimentos comerciais e de profissionais livres, estando neles incorporados como elemento imprescindível e por tabela, oneroso, a mão de obra dos mais variados especialistas na área da construção civil, tais como pedreiros, Electricistas, marceneiros, aplicadores de tectos falsos, ladrilhadores, serralheiros, pintores, canalizadores, etc.


6”- Ora é todo este “universo” de mão de obra que não é reflectido na linha 8 do quadro 5 (Apuramento do Rendimento) dos respectivos Anexos Dl apresentados pelo contribuinte, - com maior incidência em 1991 e 1992 - com as naturais repercussões nos Serviços efectivamente prestados e que por tabela vieram a ser manietados e omitido por sub facturação, quer por omissão total.


7° Aliás as omissões aos elementos de escrita são uma constante, senão vejamos:
Despesas gerais -

a)- O contribuinte não declara quaisquer descontos para o Centro Regional de Segurança Social.
b)- Em deslocações e estadas, igualmente não são declarados quaisquer.
custos, sabendo-se que o contribuinte obrigatoriamente os suporta dado o campo de acção em que prestou serviços: residindo em Oliveira de Barreiros, executou obras em Viseu, Mangualde, Lamego, S. Pedro do Sul, Vouzela, S. C. Dão, Sernacelhe, Sátão, Penalva do Castelo, Caldas da Rainha, etc. Juntam-se folhas de trabalho com a indicação da facturação comprovativa.
c)- Igualmente os gastos das viaturas em 1991/1992/1993 e 94 foram omitidos tendo sido declarada a importância de 24.526$00 em 1995...
d)- Aliás estas situações de omissão quase foram obrigatórias, porque se já assim não se entende, de que vive o contribuinte, - Os Resultados Apurados estão influenciados pelas variações de existências - os custos realmente suportados a que se referem as alíneas a), b) e e) iriam dar origem a prejuízos constantes e sistemáticos, nada coadunáveis coma situação patrimonial do contribuinte - Boa - e originariam questões básicas como estas: a) Como sobrevivem? b) De onde vêm os Rendimentos para a educação de dois dependentes - estudantes em Colégio particular?
e)- Fornecimento e Serviços externos - (que o contribuinte indica como compra de matéria primas, subsidiárias e de consumo).

Neste campo e principalmente se detectam fortes omissões, aliás como é prática corrente, já que estes agentes económicos se socorrem amiúde da chamada mão de obra subterrânea”.


Com efeito e a título de exemplo no exercício de 1991, o contribuinte remodelou e decorou vinte e um estabelecimentos e possui na sua escrita uma factura (n° 147) de 20/06/911 no valor de 75.000$00 passada pelo sujeito passivo que lhe presta serviços na área da instalação eléctrica!


Este montante nem para um estabelecimento era razoável como custo...


Aliás e pior ainda neste campo, se nos apresenta o exercício de 1992 - Decorou e remodelou ( 8) estabelecimentos de acentuado valor (café P…, M…, etc.,) e nenhum centavo nos aparece como custo a nível de instalação eléctrica...


Bem se sabe igualmente que esta situação não é exclusiva das instalações eléctricas. Igual ou pior, se passa com os pedreiros e pintores. Por curiosidade em 1992, o contribuinte teve 400.000$00 de custos com pedreiros (base de quase todos os serviços). Talvez chegasse para uma obra... (ver folha de trabalho – fact. n°112 de A… de 12/11/92).


8°- Compras –


- Também aqui o contribuinte sonegou aos elementos de escrita as compras efectivamente realizadas.


A título de exemplo:


Só de um fornecedor – C… Ldª - Viseu omitiu no ano de 1992 as facturas de Abril n° 16.098 de 4.985$00; 7089.3 no valor de 168. 144$00: de Julho n° 8735.3 - 11.297$00; de Setembro n° 9.477.3 - 15879$00; de Novembro - n°10.220.3 - 192.322$50 e n°10.277.3 no valor de 25.819$00.


1994- fact. n° 2112.582 de 31/12/94- 52.974$50

1995- fact. n°212.851 - 31/01i; 213.395- 28/02 e 218.452 de 30/1 1, no valor respectivamente de 2.491$00; 10.670$00 e 45.042$50.

Assim e do mencionado nos indicadores anteriores - (fortes omissões) chegamos aos Serviços prestados.


Como é lógico e evidente os Serviços prestados declarados transportam consigo todas as omissões anteriormente focadas sendo delas a Resultante final.

Neste domínio concreto - dos Serviços - inquirimos o contribuinte sobre o motivo dos mesmos serem tão exíguos.
Como o mesmo nos tivesse afirmado serem os mesmos correctos, partimos para múltiplas e diversas diligências as quais nos levaram a concluir:

1°- O contribuinte pratica normalmente a subfacturação. O exemplo mais flagrante é o Serviço prestado no estabelecimento de Ad… - vulgo “Casa…” - R. … - Viseu.


Dado a remodelação efectuada em 1994 a aplicação de materiais o valor facturado - 2.500.000$00- é absolutamente irrisório (talvez este valor se queira referir ao mosaico de granito lá aplicado...).


Igualmente, o trabalho executado no salão de cabeleireiro ‘P…’ - R…. – nº 29 - rondou os 2.000.000$00, tendo sido facturado 1.000.000$00.

Também na Ourivesaria de C… - Sernancelhe - decoração e montagem - foram facturados 862.069$00, quando logo, e como primeira prestação, o proprietário pagou 1.000.000$00.

2°- Mas não é só da subfacturação que o contribuinte se serve.

Serve-se igualmente da total não facturação a saber, e a título de exemplo:
Em 1993 decorou e aplicou mobiliário num estabelecimento propriedade da firma M… Ldª (Boutique…)-; R…. Viseu ; em 1994 remodelou o salão V… - Pastelaria e Salão de Jogos Lda. sito na r…., e no mesmo ano executou trabalhos na padaria e pastelaria Praça… Lda. - Viseu. Junta-se como documento comprovativo neste último caso a Factura do serviço efectuado pelo pedreiro.

As situações ora expostas implicam omissões de largos milhares de contos.

Aliás e para terminar informa-se ainda que o contribuinte constituiu em 31/12/95 uma sociedade com a esposa e a prática é a mesma: já omitiu este ano aos elementos de escrita a decoração da Boutique M… situada na R… Viseu.

Assim e dado que nenhum dos indicadores declarados - compras, despesas, serviços prestados apresenta qualquer credibilidade, passamos a corrigir o Apuramento do Rendimento, por métodos indiciários nos Anexos MI e BI. nos termos do art. 38° do CIRS e n° 3 do art. 82° do CIVA, tornando como coeficiente percentual sobre o Custo das Matérias Primas Consumidas já corrigidas, para cálculo dos serviço prestados 2.0 por ser o mais razoável neste tipo de actividade tendo o mesmo, sido aliás apresentado pelo contribuinte em 1994(…)


“–cfr folhas 30 e ss dos autos.


II.2. De Direito


II.2.1.Da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia


O Recorrente imputa nulidade à sentença recorrida, por considerar que o Mº Juiz a quo incorreu em omissão de pronúncia. Sustentou para o efeito que “A sentença não identificou as irregularidades, omissões e comportamentos que permitem o recurso a métodos indiretos, quanto ao ano de 1994, para se poder pronunciar se as mesmas estão ou não devidamente fundamentadas. “
Apreciemos

A omissão de pronúncia é uma das nulidades que podem ser imputadas à sentença, de acordo com o disposto no artigo 125º nº 1 do CPPT.

Comando legal idêntico encontra-se no artigo 668º alínea d), actual 615º, o CPC, em obediência ao fixado nº 2 do artigo 660º, actual 608º, do CPC, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…).”

Existirá, pois, de acordo com o ínsito nos artigos 125º do CPPT, artigo 668º alínea d), actual615º, o CPC, em obediência ao fixado nº 2 do artigo 660º, actual 608º, do CPC, omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão, isto é, um problema concreto que haja sido chamado a resolver, (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada em face da solução dada ao litígio.

Consequentemente, a suscitada nulidade só ocorrerá nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer dedeterminada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” in Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363.

A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção”, in Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, anotado, Volume V, pág. 143.

E ainda neste sentido, entre muitos outros, veja-se o recente acórdão do STA de 12.02.2015 proferido no processo nº01200/12.
Sobre a questão invocada verificamos que da sentença recorrida consta a seguinte fundamentação que agorase transcreve”(…) Do que supra se aludiu a argumentação do Impugnante para a falta de fundamentação do recurso aos métodos indiretos radica em, alegadamente, ter assentado em meros palpites e suspeitas sem aderência à realidade operacional do Impugnante.

Para responder à argumentação do Impugnante entendemos que a factualidade assente é suficiente, mormente a relatório de inspeção e informação elaborados pelo Inspetor. Ali se relatam situações, fatos concretos que, no essencial, o Impugnante não conseguiu refutar. E, mesmo nos casos em que o conseguiu fica alguma perplexidade na argumentação utilizada: Estamos a pensar na questão do granito aplicado no estabelecimento comercial denominado “Casa…”; de acordo como o depoimento da 1ª testemunha ele foi fornecido pelo proprietário do estabelecimento; a argumentação do Impugnante radicou no valor do mesmo, no sentido de ele ser muito inferior ao dado a entender pela Inspeção e sugeriu até perícia sobre o mesmo; ora, tendo sido fornecido pelo proprietário do estabelecimento, é indiferente para a contabilidade do Impugnante qual o seu efetivo valor.

Os pressupostos da aplicação dos métodos presuntivos têm de ser vistos à luz da legislação então em vigor (o Código de Processo Tributário).
Como bem referem Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, no seu Código de Processo Tributário, comentado e anotado, 3ª Edição, pag. 168 “São dois os requisitos fundamentais da decisão de tributação por métodos presuntivos:
1- A especificação dos motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, ou seja a indicação do concreto facto tipificado no art.º 38º, nº 1 do CIRC.
2- Indicação do critério utilizado na determinação da matéria colectável ou seja algum dos elementos elencados no art.º 52° do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.”
O relatório dos Serviços de Fiscalização e informações conexas apresentam fatos que permitem integrar os pressupostos da utilização dos métodos presuntivos. Apresentam a descrição de irregularidades, omissões e comportamentos que violam os deveres de declaração e escrituração do contribuinte em si impedem a Administração Fiscal de quantificar a matéria tributável e lhe impuseram como única alternativa o recurso aos métodos indiretos.(…)”.

Sem cuidar da bondade da apreciação feita, ou da técnica jurídica utilizada, verifica-se, do acabado de transcrever que o Tribunal a quo, ainda que telegraficamente (nomeadamente remetendo para o teor do RIT) se pronunciou sobre todas as questões suscitadas. Consequentemente, e uma vez que a omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal não se pronuncie sobre questão de que devesse conhecer não pode proceder a arguida nulidade.

Soçobra, naturalmente, a conclusão das alegações do recurso relativa à nulidade por omissão de pronúncia.

II.2.2 Da (i)legalidade do recurso a métodos indirectos

O Recorrente imputa, ainda, à sentença vício de violação de lei no entendimento de que não se verificam os pressupostos para a determinação da matéria colectável por métodos indirectos.
Relembre-se que a sentença, sob recurso, julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRS do ano de 1994 e que resultou da determinação da matéria tributável do impugnante, ora recorrente, por aplicação de métodos indirectos ou indiciários.
ORecorrente imputa à decisão erro de julgamento das seguintes questões, (que colocara na impugnação e que vieram a ser decididas em sentido desfavorável à posição que sustentara):- ilegalidade de aplicação dos métodos indirectos;- falta de fundamentação da quantificação efectuada por esses métodos;- existência de dúvida fundada sobre a existência e quantificação do facto tributável.- cfr.conclusões de recurso (1/4/5/6).
Estas mesmas questões foram já, porém, analisadas e decididas em diversos Acórdãos deste Tribunal, proferidos no âmbito de recursos idênticos interpostos pelo aqui recorrente contra decisões proferidas noutros processos de impugnação judicial que deduziu contra liquidações de IVA e IRS efectuadas por força da mesma acção de fiscalização e em que estava, por isso, em causa a mesma factualidade(cfr. Acórdão de 20/01/05, lavrado no Recurso nº 280/04; Acórdão de 3/02/05, lavrado no Recurso nº 349/04; Acórdão de 10/03/05, lavrado no Recurso 376/04; Acórdão de 17/03/05, lavrado no Recurso nº 374/05; Acórdão de 31.03.2005, lavrado no Rec nº321/04; Acordão de 03.02.2005 no Rec 346/04 e o mui recente Acordão1717/04, de 30.09.2015),pelo que, por semelhança ao caso subjudice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC), acolhemos a argumentação jurídica aduzida e aderindo in totum ao seu discurso fundamentador, seguiremos, de mui perto, os mencionados arestos, nomeadamente o Ac. 346/04, razão pela qual nos limitaremos a reproduzi-lo, com as adaptações que se nos afigurem necessárias.
“(…)Tal como referido logo no artigo 2º da petição, a acção de fiscalização abrangeu um período de vários anos (1991 a 1995).
Ora, se é certo que o relatório refere várias irregularidades na escrita do impugnante quanto a esses anos, importa saber se, quanto ao ano em causa nos autos (1994) essas irregularidades são suficientes para o uso de métodos indirectos e se não seria possível apurar a matéria tributável relativa esse exercício por outros métodos.
O artigo 38º, nº 1 do CIRS, em vigor à data dos factos, determinava o seguinte:
“1. A determinação do lucro tributável por métodos indiciários verificar-se-á sempre que ocorra qualquer dos seguintes factos:

a) Inexistência de contabilidade ou dos livros de registo exigidos nos artigos 111º e 112º, bem como a falta, atraso ou irregularidade na sua execução, escrituração ou organização;
b) Recusa da exibição da contabilidade, dos livros de registo e demais documentos de suporte legalmente exigidos, e bem assim, a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidade ou grupos de livros com o propósito de dissimular a realidade perante a DGCI;
d) Erros ou inexactidões no registo das operações ou indícios seguros de que a contabilidade ou os livros de registo não reflectem a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido”.

O artigo 81º do CPT, por sua vez, determinava que “a decisão da tributação por métodos indiciários ou por presunções, nos casos e com os fundamentos expressamente previstos em leis tributárias, especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação”.
Examinando o relatório de fls. (...) e que acima se reproduziu, temos que, relativamente ao ano de 1994 se refere apenas o seguinte:
“1°- Do binómio Custo das Matérias Primas Consumidas - Serviços prestados, ressalta para os exercícios de 1991/92/93/94/95 um coeficiente percentual de respectivamente 1.296, 1.569, 1.896, 2.078 e 1.72, a que correspondem Custos das Matérias Primas Consumidas (C.M.P.C.) de respectivamente 8.694.725$000; 9.458.830$00; 10.457.965$00; 17.495.394$00 e 12.608.998$00”.
“6º- Ora é todo este “universo” de mão de obra que não é reflectido na linha 8 do quadro 5 (Apuramento do Rendimento) dos respectivos Anexos B1 apresentados pelo contribuinte, - com maior incidência em 1991 e 1992 - com as naturais repercussões nos Serviços efectivamente prestados e que por tabela vieram a ser manietados e omitido por sub-facturação, quer por omissão total.
7º a)- O contribuinte não declara quaisquer descontos para o Centro Regional de Segurança Social.
b)- Em deslocações e estadas, igualmente não são declarados quaisquer custos, sabendo-se que o contribuinte obrigatoriamente os suporta dado o campo de acção em que prestou serviços: residindo em Oliveira de Barreiros, executou obras em Viseu, Mangualde, Lamego, S. Pedro do Sul, Vouzela, S. C. Dão, Sernacelhe, Sátão, Penalva do Castelo, Caldas da Raínha, etc. Juntam-se folhas de trabalho com a indicação da facturação comprovativa.
c)- Igualmente os gastos das viaturas em 1991/1992/1993 e 94 foram omitidos tendo sido declarada a importância de 24.526$00 em 1995...
8°- Compras –
- Também aqui o contribuinte sonegou aos elementos de escrita as compras efectivamente realizadas.”
Reportando estes factos ao artigo 38º do CIRS acima transcrito, estes apenas poderiam ser enquadrados no fundamento da sua alínea d).
No entanto, salvo o devido respeito e no que toca ao ano de 1994, a fundamentação é tão frágil que nem sequer pode encontrar justificação naquela alínea. Com efeito, quanto à relação do custo das matéria primas consumidas - serviços prestados, a existir qualquer irregularidade susceptível de afectar a determinação da matéria tributável, parece que a mesma poderia ser corrigida sem necessidade de recurso a métodos indiciários. Aliás, segundo resulta do relatório, era possível separar essas duas realidades.
Quanto à ausência da contabilização de custos com a Segurança Social ou gastos com viaturas, só por si não justifica recurso a métodos indirectos, até porque essa omissão até beneficia o Fisco, prejudicando o contribuinte.
Deste modo, este fundamento só teria relevância se se demonstrasse que à omissão de custos correspondia também eventual omissão de proveitos. (...).
Ora, embora no relatório se refira a sonegação de compras e de proveitos, a verdade é que, relativamente ao ano de
1994, não se indicam especificamente quaisquer obras que não tivessem sido contabilizadas.
Em face de tudo o que ficou dito e relativamente ao ano de 1994 a que se refere a liquidação impugnada, verificamos então que não foram pela Administração Tributária provados factos suficientes que nos permitam enquadrar a situação numa das alíneas do citado artigo 38º ou, quando muito, que o apuramento da matéria tributável não pudesse ter lugar com recurso a métodos directos.”

Transpondo a citada jurisprudência para o caso subjudice, procede a conclusão de recurso, no que tange ao vício de violação de lei quanto ao recurso a métodos indirectos para determinação do lucro tributável, encontrando-se prejudicada a apreciação das restantes questões.

Destarte, concede-se provimento ao recurso interposto.

III – Decisão

Termos em que, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:

a) conceder provimento ao recurso;

b) revogar sentença recorrida

c) julgar-se procedente a impugnação deduzida, com a anulação da liquidação impugnada, com todas as demais consequências legais.

Sem custas em ambas as instâncias.

Porto, 15 de Outubro de 2015
Ass. Cristina Travassos Bento

Ass. Paula Moura Teixeira

Ass. Mário Rebelo