Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00066/09.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/16/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:INCENTIVOS FINANCEIROS – RESOLUÇÃO DO CONTRATO – AMPLIAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR EM SEDE DE RECURSO
Sumário:I- Detetando-se qualquer tipo de incumprimento [total ou parcial] das obrigações assumidas em Contrato de Incentivos Financeiros celebrado ao abrigo da Portaria n.º 196 - A/2001, de 10 de março, com a redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 255/2002, de 12 de março, a única consequência extraível só pode ser a da resolução do contrato.

II- A estabilização da instância determina que ela se mantenha quanto às partes, ao pedido e causa de pedir, sendo apenas admissíveis modificações objetivas e subjetivas quanto à mesma nos termos preconizados na lei processual civil vigente, não sendo admissível a modificação do objeto do processo em sede de recurso.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P
Recorrido 1:E.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso do recorrente,.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
E., devidamente identificada nos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Braga a presente Ação Administrativa Especial contra o INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P, igualmente identificado nos autos, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser anulado “(…) o despacho de 03.10.2008, do Sr. Delegado Regional, que determinou a resolução unilateral do contrato de concessão de incentivos financeiros ao impugnante (…)”.
O T.A.F. de Braga, por Acórdão datado de 29.121.2015, julgou a presente ação parcialmente procedente, tendo anulado “(…) o ato praticado em 3/10/2008, no que concerne à resolução do contrato de concessão de incentivos financeiros e à determinação do reembolso da quantia que vai além do montante correspondente a € 8.465,40. (…)”.
É deste Acórdão que o (i) Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P., e (ii) E. vêm interpor os presentes RECURSOS JURISDICIONAIS.
Alegando, o Recorrente Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P., formulou as seguintes conclusões:
“(…)
1. O presente recurso jurisdicional tem por objeto o acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 29-12-2015, que julgou parcialmente procedente a ação administrativa especial intentada por E. contra o IEFP, I.P..

2. Desde logo, o Tribunal a quo decidiu mal ao ignorar por completo o quadro legal em que se inserem este tipo de apoios públicos e ao fundamentar a sua decisão como se aqui estivéssemos na presença de relações estabelecidas na égide do direito privado.

3. Com efeito, o IEFP, I.P. age no uso de poderes vinculados quando no âmbito da concessão deste tipo de subsídios determina, com base no incumprimento injustificado, a revogação da decisão de aprovação dos mesmos; a conversão de subsídios não reembolsáveis em reembolsáveis e o respetivo reembolso dos apoios concedidos, de acordo com o instituído pela Portaria n° 196-A2001, de 10 de março, com as alterações introduzidas pela Portaria n° 255/2002, de 12 de março, e nos termos do DL n° 437/78, de 28 de dezembro.

4. Não tem natureza contratual, a relação jurídica estabelecida entre o IEFP, I.P. e os beneficiários destes apoios, as condições de concessão dos mesmos, os termos da efetivação do seu pagamento bem como as sanções pelo incumprimento dessas condições não decorrem de um acordo de vontades, encontram-se sim fixadas normativamente.

5. Resulta da Portaria n° 196-A/2001, de 10 de março, com as alterações introduzidas pela Portaria n° 255/2002, de 12 de março, no n° 3 do art° 25° que: “(...) Em caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas através do contrato de concessão de incentivos, o promotor é obrigado a reembolsar o IEFP, nos termos do Decreto-Lei n° 437/78, de 28 de dezembro.”.

6. Tal como referenciado pelo Acórdão do STA de 30.01.2002, rec. N° 048163: “A previsão de que, “no caso de incumprimento injustificado”, o beneficiário do apoio deveria devolver “a importância concedida” tinha a natureza sancionatória e conduzia a que a Administração, verificado aquele pressuposto, exigisse, em termos estritamente vinculados, o reembolso da totalidade do que prestara.”. Razão pela qual decidiu mal o Tribunal a quo. (…)”.

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Quanto ao seu recurso, concluiu a Recorrente E. nos seguintes termos: “(…)
I. Resulta da sentença recorrido que, em termos de montantes e globalmente, o investimento projetado foi cumprido pela recorrente.

II. Em face do decidido e visto o efetivo investimento documentado pelas faturas juntas aos autos, o cerne da questão reside, tão só, no que diz respeito à interpretação dos conceitos de “adaptação de instalações”, “equipamento básico”, “equipamento administrativo e social” e “equipamento informático”, pois que, foi a recondução de cada parcela de investimento a uma rubrica com os aludidos nomes, e não a outra, que levou à desconsideração.

III. S.m.o., a qualificação nominal adotada pelo IEFP e sufragada parcialmente pelo Tribunal recorrido não tem acolhimento legal.

IV. De facto, nos diplomas que regem a medida “Iniciativa Local de Emprego” no âmbito do Programa Estímulo à Oferta de Emprega, não se encontra definição alguma daqueles conceitos/rubricas, devendo, por isso, na sua interpretação e integração, acolher-se os princípios plasmados no art. 9º e 10° do C.C.

V. De acordo com o Plano Oficial de Contabilidade, a rubrica “adaptação de instalações” (adotada pelo IEFP) enquadra-se na classe “equipamento básico”, ou seja, são uma verba só.

VI. Não faz sentido desconsiderar o investimento por aplicação de nomenclatura diversa, quando, materialmente, o investimento ocorreu e o IEFP nem sequer teve trabalho algum a explicar, fundamentando, porque determinado investimento se deveria enquadrar em determinada rubrica nominal e não noutra.

VII. Estamos perante um injustificado primado da forma sobre a substância, coisa que, o CPA, ao tempo já afastava: art. 3º n° 1, 4º, 5º, 6º A, 7º, 10°.

VIII. Nessa medida, errou o IEFP na qualificação atribuída a cada uma das despesas comprovadas e errou o Tribunal também na qualificação atribuída e na interpretação que levou a cabo, impondo-se a aglomeração da rubrica “adaptação de instalações” na rubrica “equipamento básico” e, assim, teremos que o valor do investimento aprovado pelo IEFP, nesta sede, foi (18.061,25€+3.996,10€) 22.057,35€ e que a promotora cumpriu e justificou 19.510,85€.

IX. Por outro lado, temos que (porque resulta do p.a.) o IEFP considerou como “equipamento administrativo e social”, o sistema de segurança, o ar condicionado e os reclames luminosos e decoração de montra (ou seja, 421,10€ + 1.574,79€ + 480€ = 2.475,89€).

X. No entanto, também a interpretação adotada pelo Tribunal recorrido nesta parte é errada, pois que deve considerar-se equipamento básico.

XI. Tudo isto radica, no limite, na falta de fundamentação do decidido, nos termos do art. 615°, b) do CPC, porquanto o Tribunal não demonstra qual o critério que adotou para consagrar determinada interpretação dos aludidos conceitos.

XII. Pelo que, deve a sentença recorrida ser revogada em conformidade em conformidade com o supra alegada e ser julgada totalmente procedente a ação intentada pela recorrente, anulando-se totalmente o ato de resolução do contrato. (…)”.


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Notificada da interposição do recurso jurisdicional por parte do Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., a Recorrida E. produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à procedência parcial da ação.
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O Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P também contra-alegou o recurso apresentado por E., tendo advogado a improcedência do mesmo.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão dos dois recursos, fixando os seus efeitos e o modo de subida, não tendo, todavia, emitido pronúncia sobre a imputada nulidade de sentença, por falta de fundamentação de direito, o que se aceita, por não se reputar a mesma como indispensável [cfr. nº. 5 do artigo 617º do CPC].
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu o parecer no sentido da improcedência dos dois recursos interpostos nos autos.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, e concatenadas as conclusões dos recursos interpostos nos autos, as questões essenciais a dirimir são as de saber se o acórdão recorrido incorreu (i) em nulidade de sentença, por falta de fundamentação [ambos os recursos]; (ii) em erro de julgamento em matéria de direito, por errada interpretação e aplicação “(…) do quadro legal em que se insere este tipo de apoios públicos (…)” [recurso do Instituto de Emprego e Formação Profissional]; e (iii) em erro de julgamento em matéria de direito, por errada interpretação da qualificação atribuída a cada uma das despesas comprovadas [recurso de E.];
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado [e respetiva motivação] na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)

A) Em 27/4/2004, a Autora apresentou no Centro de Emprego de Felgueiras uma candidatura no âmbito do Programa Estímulo à Oferta de Emprego - Iniciativas Locais de Emprego - cf. documento de fls. 48 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

B) Por despacho de 14/07/2004, foi aprovada a candidatura, tendo sido atribuído à Autora um apoio financeiro no montante de € 16.184,26, a compreender um apoio ao investimento no montante de € 9.603,46 e um apoio à criação de um posto de trabalho no montante de € 6.580,80 - cf. documento de fls. 53 e ss. do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

C) Sendo certo que, no âmbito da candidatura, foi aprovado, para efeitos de investimento, despesas no valor de € 24.008,65, distribuído da seguinte forma: € 18.061,25 para adaptação e/ou ampliação de instalações; € 3.996,10 para equipamento básico e € 1.951,30 para equipamento informático - cf. documento de fls. 50 a 53 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

D) Em 27/10/2004, foi assinado um acordo pelo Delegado Regional Norte do IEFP e a Candidata/ora Autora epigrafado de “Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros”, do qual se extrai as seguintes Cláusulas:

“(…) Cláusula 9.° - Obrigações do Segundo Outorgante

1. Pelo presente contrato o Segundo Outorgante obriga-se a:

a) Executar integralmente o projeto de iniciativa local de emprego nos termos e prazos fixados em sede de candidatura e cumprir ao demais objetivos constantes desta;

b) (...)

c) Satisfazer as condições pós-projecto legalmente previstas;

d) (...)

1. O Segundo Outorgante deve também:

b) Comunicar ao PRIMEIRO OUTORGANTE qualquer alteração ou ocorrência que ponha em causa os pressupostos relativos à condição de acesso que permitam a aprovação da candidatura, bem como a sua realização. (...)» - cf. documento de fls. 64 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

E) Até 9/11/2004, o Réu processou à Autora a totalidade do apoio no montante de € 16.184,26 - cf. documento de fls. 75 a 83, 50 a 53 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

F) Após pronúncia da Autora em sede de audiência prévia, foi elaborada em 3/10/2008 informação sob o n.° 245/DN/DAT, da qual resulta:


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. documento de fls. 121 a 123 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

G) Por ofício n.° 7081/DN-DAT, de 3/10/2008, a Autora foi notificada de que foi proferido despacho, em 3/10/2008, sustentado na Informação n.° 245/DN/DAT, a resolver o Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros - cf. documento de fls. 124 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Mais ficou provado:

H) A Autora adquiriu um aparelho de ar condicionado que demorou, pelo menos, 2 anos a ser instalado por falta de autorização do condomínio - cf. documento de fls. 87 do processo administrativo, depoimento da Testemunha M. e relatório de acompanhamento de fls. 111 e ss. do processo administrativo.

I) A Autora adquiriu, em 04.11.04, uma UPS - unidade de alimentação sem interrupções - que era utilizada no estabelecimento comercial - cf. documento de fls. 95 do processo administrativo e depoimento da Testemunha M..

J) Na sequência de uma descarga de energia, a UPS ficou danificada tendo sido levada para reparação - cf. depoimento da Testemunha M..

K) Por ocasião da visita de acompanhamento, a UPS encontrava-se a reparar, informação que foi prestada aos Técnicos que realizaram a visita - cf. depoimento da Testemunha M. e relatório de acompanhamento de fls. 111 e ss. do processo administrativo.

L) Quando o estabelecimento começou a laborar, a loja tinha um teto falso, que foi danificado na sequência de infiltração de água - cf. documento de fls. 96 do processo administrativo e depoimento da Testemunha M..

M) O teto falso danificado foi retirado - facto considerado à luz do princípio da aquisição processual, cf. depoimento da Testemunha M..

N) A loja laborou, aproximadamente, 2 ou 3 meses sem teto falso, com as luzes penduradas - facto considerado à luz do princípio da aquisição processual; cf. depoimento da Testemunha M..

O) Tendo sido substituído por outro teto falso - facto considerado à luz do princípio da aquisição processual; cf. depoimento da Testemunha M..


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A convicção deste Tribunal quanto aos factos provados resultou maioritariamente da análise global da prova documental existente no processo administrativo, atenta a fé que tais documentos merecem, além de não terem sido impugnados.

No que respeita ao Factos Provados H) a O), a convicção do Tribunal baseou-se, para além dos documentos para os quais remete o probatório, no depoimento prestado pela Testemunha M., que foi funcionária da sapataria praticamente desde a sua abertura em 2005 até ao ano de 2009. Demonstrou ter conhecimento direto dos factos sobre os quais depôs, mostrou sinceridade , isenção e espontaneidade no discurso, contextualizou com pormenor as contingências que justificaram: (i) o retardamento da montagem do ar condicionado (falta de autorização do Condomínio para esse efeito), (ii) a necessidade de retirar (na sequência de uma inundação) e substituir o teto falso inicialmente existente, (iii) a falta da UPS nas instalações aquando da visita de acompanhamento (por se encontrar a reparar).

Com o depoimento desta Testemunha, o Tribunal ficou convicto, relativamente ao teto falso, que foi montado um teto falso na sapataria e que, em virtude de uma inundação, o mesmo veio a ser substituído. Por sua vez, já relativamente ao ar condicionado, adquirido pela Autora, só foi instalado anos mais tarde face à oposição do Condomínio. No que concerne a UPS, o Tribunal ficou convicto de que o aparelho existia e era utilizado. Porém, na sequência de uma descarga elétrica, avariou, encontrando-se, por ocasião da visita de acompanhamento, em outro local com vista à sua reparação.

Esta Testemunha estava presente na sapataria quando inclusivamente ocorreu a visita de acompanhamento. O Tribunal acreditou quando esta Testemunha afirmou que a Autora, para comprovar a sua versão, prontificou-se inclusivamente para ir levantar a UPS que se encontrava a reparar, tendo os Técnicos do IEFP respondido que: não seria necessário.

Importa destacar que o Tribunal não se apoiou no depoimento prestado pela Testemunha A. que, pese embora aparentar ter conhecimento direto dos factos e de inclusivamente ter respondido com prontidão a instâncias do ilustre Mandatário da Autora, o mesmo não sucedeu a instâncias da ilustre Mandatária da Entidade Demandada e do Tribunal. Acresce que o discurso desta Testemunha entrou em contradição com o depoimento da Testemunha M., esta sim que mereceu elevada credibilidade por parte deste Tribunal. Detetaram-se, nomeadamente, incongruências na descrição do teto falso e do UPS, acusando, em alguns momentos do seu discurso, parcialidade no depoimento, em prol dos interessas da irmã, E., ora Autora.

O depoimento da Testemunha M., Técnica Superior do Instituto de Emprego e Formação Profissional, não foi considerado na formação da convicção do Tribunal quanto à factualidade suscetível de ser provada através de prova testemunhal, na medida em que o seu conhecimento não era direto, antes resultava da informação vertida nos documentos juntos ao processo administrativo e vinda dos relatos dos Técnicos, esses sim, que realizaram a visita de acompanhamento. No entanto, o seu depoimento, claro, seguro e objectivo, permitiu ao Tribunal tomar conhecimento sobre a forma como se processam as visitas de acompanhamento e demais diligências de controlo da execução do contrato de concessão de incentivos financeiros.

A. que à data dos factos desempenhava funções de Técnico da Delegação Regional Norte foi um dos Técnicos do Instituto a realizar a visita de acompanhamento. Pessoa credível, segura e reveladora de experiencia nesta área de acompanhamento da execução deste tipo de contratos. No entanto, pouco se lembrava do caso concreto tendo em conta o período de tempo decorrido.

Com efeito, e em particular, não se lembrava, com precisão, das razões que foram, por ocasião da visita, invocadas pela Autora para justificar a não existência de teto falso e a falta da UPS nas instalações.

Ou seja, o depoimento desta Testemunha não teve a virtualidade de infirmar a convicção que o Tribunal tinha formado do depoimento da Testemunha M..

Assim, de uma análise global da prova produzida, documental e testemunhal, o Tribunal ficou convencido que, na data em que foi realizada a visita de acompanhamento, o teto falso que havia sido colocado na loja teve que ser retirado em resultado de uma inundação. Porém, a equipa de acompanhamento, ainda que informada dessa ocorrência, limitou-se a fazer constar no relatório “não verificado”, nada tendo acrescentado sobre se existiam — ou não - sinais de alguma vez ter sido colocado um teto falso e nada tendo diligenciado com vista a confirmar a informação prestada e/ou nada tendo solicitado, nomeadamente, uma declaração do Condomínio ou participação ao seguro do prédio para o apuramento das razões que explicavam o facto de a sapataria estar a laborar com um teto danificado, a necessitar de intervenção, em que as próprias luzes se encontravam penduradas.

Do mesmo passo, a equipa de acompanhamento limitou-se a considerar “não verificada” a UPS, objecto com um valor de € 74,30, sem referir, sequer, a informação/justificação transmitida pela Autora, bem como sem dar oportunidade à Autora de se deslocar e trazer a UPS da loja onde se encontrava a reparar, com vista a provar a veracidade das suas declarações

(…)”.


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Nos termos do artigo 662º do CPC, aplicável ex vi artigos 1º e 140º do CPTA, adita-se a seguinte factualidade:

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P) É o seguinte o teor integral do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros celebrado entre as partes:

“(…)


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

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III.2 - DO DIREITO

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Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas nos recursos jurisdicionais em análise.
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I- Da nulidade imputada à decisão judicial recorrida, por falta de fundamentação

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Ambos os Recorrentes começam por arguir a nulidade da sentença recorrida, por falta de fundamentação.
Estribam tal pretensão:
(i) no que concerne à Recorrente E., e se bem se interpreta a substanciação mínima aduzida nas suas conclusões de recurso, no entendimento de que “(…) o Tribunal não demonstra qual o critério que adotou para consagrar determinada interpretação dos (…) conceitos (…) [de “adaptação de instalações”, “equipamento básico” e equipamento administrativo e social”].
(ii) no que tange ao Recorrente Instituto de Emprego e Formação Profissional, com base na crença de que “(…) não foi fundamentada a matéria de direito (…)”.
Quid iuris?
As causas de nulidades de sentença encontram-se previstas no nº.1 do artigo 615º do CPC, cuja enumeração é taxativa, existindo duas causas de nulidade da sentença com base em vícios de fundamentação.
A primeira, prevista na alínea b) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C., consiste na falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A segunda, prevista na alínea c) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C, consiste na oposição entre os factos fixados e a decisão, seja por inconcludência seja por radical antagonismo, mas sempre no sentido de que a decisão tomada seria incompatível com a fundamentação de facto relevada.
Ora, constitui convicção deste Tribunal que a sentença, objeto do presente recurso jurisdicional, não padece de nenhuma destas causas típicas de nulidade.
Com efeito, no que tange à nulidade prevista na alínea b) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C, verifica-se que, na verdade, a decisão não vem censurada por falta de especificação dos factos e/ou por oposição entre os factos fixados e a decisão, mas antes, tal como conformado pelo Recorrente, por falta de fundamentação.
Ora, como se decidiu no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 16.02.2018, tirado no processo nº. 00483/09.3BEPRT, consultável em www.dgsi.pt:” (…) É entendimento pacífico o de que apenas padece de nulidade por falta de fundamentação a decisão judicial que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afeta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (artigos 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil de 1995; artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. b), do Código de Processo Civil de 2013; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07). Neste sentido se pronunciou também o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.01.2017, no processo 00371/16.7 AVR (…)”.
Pois bem, no caso concreto, discorreu-se na sentença recorrida no domínio versado o seguinte: “(…)
A Entidade Demandada invocou como fundamento de resolução do contrato o facto de existir discrepâncias — nas rubricas (i) adaptação de instalações, (ii) equipamento básico, (iii) equipamento administrativo e social (iv) equipamento informático -, entre os investimentos aprovados e os investimentos justificados.
Com efeito, nada há a apontar à atuação da Administração quando considerou que a Promotora não executou integralmente o projeto de iniciativa local de emprego nos termos em que a candidatura foi aprovada, vejamos:
- para a adaptação de instalações foi aprovado um investimento de € 18.061,25, quando ulteriormente apenas foi justificado um investimento no valor de € 9.595,85;
- para equipamento básico foi aprovado um investimento de € 3.996,10, todavia, a Promotora tentou justificar o valor correspondente a € 9.915,00;
- não foi aprovado qualquer montante no que respeita a equipamento administrativo e social, contudo, a promotora tentou nesta rubrica de investimento justificar € 2.475,89;
- para o equipamento informático foi aprovado um investimento de € 1.951,30, porém, a Promotora tentou justificar um valor superior, no montante de € 2.022,30.
Ou seja, a Promotora no que respeita ao investimento e em termos globais gastou (€ 24.009,04), sensivelmente o montante aprovado, porém, desrespeitou os valores aprovados para cada uma das três rubricas de investimento. Nessa medida, forçoso será concluir que o projeto não foi executado tal qual foi aprovado, porquanto, da factualidade assente resulta que os valores justificados e com aprovação prévia totalizavam o valor de €: 15.543,25. E, relembrando o que já foi acima referido, este montante resulta do somatório dos seguintes valores: € 9.595,85 + € 3.996,10 + € 1.951,30, correspondentes a investimentos que tanto foram aprovados pelo Centro de Emprego, como foram justificados pela Promotora. Assim, tendo em consideração o valor do investimento globalmente aprovado, confirma-se que efectivamente falta justificar o montante correspondente a € 8.465,40.
Importa ainda destacar que não basta à Autora alegar, em termos genéricos, que cumpriu “todos os investimentos a que se propôs”. Recaía sobre a Autora alegar e provar que não só respeitou o valor global aprovado para o investimento como também que não se desviou dos valores aprovados para cada uma das rubricas. Ora, no caso em apreço, a Autora não logrou êxito nesta alegação/prova.
Não logrou êxito na alegação/prova, na medida em que não indicou - com referência aos documentos constantes do processo administrativo — as facturas/recibos que não foram considerados - e deveriam ter sido com referência a cada uma das rubricas de investimento.
Pelo contrário, a Administração logrou provar que os valores constantes da Tabela resultavam da soma das facturas/recibos que instruíram a tomada de decisão.
Aliás, basta atentar no total do investimento aprovado pelo Centro de Emprego, no valor de € 24.008,65, e do investimento justificado pelo Promotor, no valor de € 24.009,04, para se concluir que a Administração analisou todos os documentos que foram apresentados pela Promotora tendo em vista sustentar o investimento.
Ponto é que a Promotora não efetuou as despesas de harmonia com a estrutura de custos oportunamente aprovada. E essa estrutura de custos tinha que ser observada porquanto integrava o projeto apresentado e aprovado.
Assim, e no que respeita a este ponto, forçoso será concluir que a Promotora violou a Cláusula 9.°, n.° 1, alínea a), do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros.
Sucede que esta conduta da Promotora não atinge uma gravidade equiparável ao incumprimento/cumprimento manifestamente defeituoso e/ou atraso indesculpável no cumprimento da obrigação, que legitime a reação mais grave por parte do contraente público — a resolução do contrato.
Porquanto, não resulta da fundamentação que essa conduta da Promotora tenha colocado em risco o fim do contrato em causa.
Importa não esquecer que a resolução do contrato “consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um ato posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, pág. 238).
Não se extrai da fundamentação razões justificativas para a resolução do contrato, mas unicamente para solicitar o reembolso do montante de € 8.465,40, entregue pelo IEFP, correspondente ao somatório dos valores que nunca foram aprovados
A Autora também alegou erro sobre os pressupostos de facto no que concerne à “inexistência de teto falso”, “de ar condicionado” e “falta de UPS”.
Se compulsarmos o ato administrativo concluímos que apenas foram deduzidas as verbas relativas ao teto falso e à UPS. Quer isto dizer que não foi deduzido o valor do “ar condicionado” ao valor do equipamento aprovado e justificado. Por essa razão, o Tribunal debruçar-se-á exclusivamente sobre o erro nos pressupostos de facto quanto à “não verificação” do teto falso e da UPS.
Ambos os valores relativos a esse investimento foram aprovados e ulteriormente justificados, em termos formais/documentais.
A questão central coloca-se na execução do contrato, ou seja, se o contrato foi pontualmente cumprido, de harmonia com o projeto de iniciativa local de emprego. Por outras palavras, se para além de aprovado e justificado o projeto foi efectivamente concretizado.
Ora, resultou da factualidade assente que a Autora adquiriu a UPS e que só não foi verificada no estabelecimento comercial (aquando da visita de acompanhamento) por se encontrar a reparar.
Mais, os Técnicos que acompanharam a visita, pese embora terem sido informados do sucedido, não procederam às diligências complementares para confirmar a versão da Promotora.
O mesmo sucede quanto ao teto falso.
Na audiência final ficou provado que o estabelecimento tinha teto falso e que, na sequência de uma inundação imputável a terceiros, ficou danificado, tendo sido retirado. Meses após a inundação, o teto foi substituído.
Uma vez mais, a equipa de acompanhamento foi informada do sucedido e não procedeu a qualquer diligência complementar ou solicitou qualquer declaração, por exemplo, do Condomínio e/ou cópia da participação ao seguro, tendo em vista a confirmação da informação transmitida pela Promotora.
A primeira conclusão a retirar - da factualidade considerada assente - é que o investimento relativo ao teto falso e à UPS foi aprovado, justificado e executado.
Acresce que as regras da experiência comum, enquanto critério de julgamento, dizem que nenhum estabelecimento comercial abre ao público sem ter um teto aceitável. O estado do teto num estabelecimento não é algo secundário, prescindível, abdicável.
Também resulta da normalidade da vida que, enquanto se discute a culpa de terceiros no sucedido e se envia as comunicações ao Condomínio do prédio ou se aciona os respetivos seguros — cuja contratação é legalmente obrigatória —, passam-se meses até que um teto novo volte a ser colocado.
Não se provou que a falta de teto falso tenha impedido a concretização dos objetivos do financiamento , antes resulta da factualidade assente que a sapataria laborou e manteve a sua atividade. Temos, assim, que não poderia a Administração dar - sem mais - como “não verificado” (ou seja, não executado) o investimento de € 8.140,00 e de € 74,30, aprovado e justificado nas rubricas “adaptação de instalações” e “equipamento informático”, respetivamente.
Tão pouco a danificação do teto e a necessidade de reparação da UPS atingem uma importância tal que colocasse em causa os pressupostos que estiveram na base da aprovação da candidatura. Seria, aliás, desproporcionado/desrazoável extrair da cláusula 9.°, alíneas a) e c), a obrigação de comunicar o envio de uma UPS para reparação ou, até, a ocorrência de uma inundação - imputável a terceiros, se tal circunstância for temporária e não obstativa da atividade.
Do exposto resulta que a Administração não deveria ter deduzido estes valores, aprovados e justificados, nem esta situação constitui fundamento para resolver o contrato de concessão de incentivos financeiros. (…)”.
Em face do quadro jurídico delineado na sentença recorrida, e que se vem ora de transcrever, não podemos de modo algum concluir que a sentença seja totalmente omissa quanto aos pressupostos em que assenta as conclusões de (i) (…) a Promotora não efetuou as despesas de harmonia com a estrutura de custos oportunamente aprovada. E essa estrutura de custos tinha que ser observada porquanto integrava o projeto apresentado e aprovado (…)”, bem como de que (ii) a “(…) conduta da Promotora não atinge uma gravidade equiparável ao incumprimento/cumprimento manifestamente defeituoso e/ou atraso indesculpável no cumprimento da obrigação que legitime a reação mais grave por parte do contraente público - a resolução do contrato. (…)”.
Poderemos questionar-nos se a fundamentação é suficiente, correta e adequada em face das questões de facto e de direito envolvidas.
Mas saber se a fundamentação da sentença reúne estes requisitos não é matéria que se insira no vício de nulidade sentença, por falta de fundamentação, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento.
É certo que, com reporte para a alegação da Recorrente E., o Tribunal a quo não cuidou de interpretar se a rubrica (i) “adaptação de instalações” e os equipamentos de (ii) “sistema de segurança”, de (iii) “ar condicionado”, (iv) “reclamos luminosos” e (v) “decoração de montra” são [ou não] relativos antes à rubrica de (vi) “equipamento básico” em respeito às notas explicativas da Comissão de Normalização Contabilística ao POC.
Porém, essa questão, tal como especificamente conformada nas conclusões de recurso no sentido supra sintetizado, não vem sequer suscitada no libelo inicial, surgindo apenas a sua formulação em sede de recurso jurisdicional, pelo que não impedia sobre o Tribunal a quo qualquer dever de pronúncia sobre a mesma.
Assim, ainda que se entendesse que a arguição da nulidade em análise insere-se, não no domínio da falta de fundamentação, mas antes no capítulo da omissão de pronúncia, sempre se atingiria a conclusão que a mesma não seria de vingar.
Não se reconhece, portanto, a existência de qualquer nulidade de sentença, por falta de fundamentação [ou omissão de pronúncia], desde modo, improcedendo, portanto, a conclusão de recurso vertida no ponto XI).
*
Do imputado erro de julgamento de direito, por errada aplicação e interpretação legal [recurso do Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P.]

*
A questão decidenda que ora importa dissolver traduz-se em determinar se Tribunal a quo, ao perfilhar o entendimento de que a detetada conduta da Promotora em contravenção da Cláusula 9.°, n.° 1, alínea a), do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros não legitima a resolução do contrato, mas apenas o reembolso do montante de € 8.465,40, entregue pelo IEFP, correspondente ao somatório dos valores que nunca foram aprovados, incorreu em errada aplicação e interpretação do direito.
Vejamos, convocando, desde já, a fundamentação de direito que, neste particular conspecto, ficou vertida na decisão judicial recorrida:
“(…)

Assim, e no que respeita a este ponto, forçoso será concluir que a Promotora violou a Cláusula 9.°, n.° 1, alínea a), do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros.

Sucede que esta conduta da Promotora não atinge uma gravidade equiparável ao incumprimento/cumprimento manifestamente defeituoso e/ou atraso indesculpável no cumprimento da obrigação, que legitime a reação mais grave por parte do contraente público — a resolução do contrato.

Porquanto, não resulta da fundamentação que essa conduta da Promotora tenha colocado em risco o fim do contrato em causa.

Importa não esquecer que a resolução do contrato “consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um ato posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol, II, pág. 238).

Não se extrai da fundamentação razões justificativas para a resolução do contrato, mas unicamente para solicitar o reembolso do montante de € 8.465,40, entregue pelo IEFP, correspondente ao somatório dos valores que nunca foram aprovados.

(…)”.

Espraiada a fundamentação vertida na decisão judicial recorrida, adiante-se, desde já, que o assim considerado e decidido não é de manter.
Na verdade, percorrendo o probatório coligido nos autos, verifica-se que a Autora apresentou uma no Centro de Emprego de Felgueiras uma candidatura no âmbito do Programa Estímulo à Oferta de Emprego, instituído pela Portaria 196-A/2001, de 10 de março, com a redação que lhe foi dada pela Portaria n.° 255/2002, de 12 de março
Mais se verifica que, na sequência da sua aprovação, foi firmado um acordo pelo Delegado Regional Norte do IEFP e a Candidata/ora Autora epigrafado de “Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros”, tendo sido atribuído à Autora um apoio financeiro no montante de € 16.184,26, a compreender um apoio ao investimento no montante de € 9.603,46 e um apoio à criação de um posto de trabalho no montante de € 6.580,80.
Constata-se ainda que resulta da Cláusula 9º do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros celebrado pelas partes que a Recorrente E. assumiu as expressas obrigações de “(…) a) Executar integralmente o projeto de iniciativa local de emprego nos termos e prazos fixados em sede de candidatura e cumprir ao demais objetivos constantes desta; b) (...) c) Satisfazer as condições pós-projecto legalmente previstas; d) (...) [e] (…) Comunicar ao PRIMEIRO OUTORGANTE qualquer alteração ou ocorrência que ponha em causa os pressupostos relativos à condição de acesso que permitam a aprovação da candidatura, bem como a sua realização. (...)”.
Como é sabido, numa obrigação contratual, o devedor [in casu, a promotora] está, antes do mais, adstrito a realizar a prestação a que se obrigou.
Quando não cumpra a prestação a que se obrigou, entende-se que foi violado o contrato e a norma que manda respeitar o contratado.
Assim, ao abrigo da cláusula 13º, epigrafada “Resolução do Contrato”, e com base no incumprimento das obrigações contratuais do promotor [nº.1,alinea a)], podia o Réu determinar a resolução do contrato de concessão de incentivos financeiros firmado com a Recorrente.
Refira-se que o preceito do contrato de incentivos financeiros aplicável [artigo 13º] não prevê um incumprimento parcial, porque simplesmente se cumpriu ou não se cumpriu o contrato.
A este propósito, extrai-se do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Proc. n.º 02399/0, 2º Juízo, de 08-07-2008, sobre matéria semelhante:
“Ora, a cláusula 9 do "Termo de Responsabilidade", estipula que «No caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas, constantes desse Termo de Responsabilidade e dos normativos que regem a concessão de apoio às ILE's será declarado o vencimento imediato da dívida e exigida a devolução das importâncias concedidas ou obtida a cobrança coerciva nos termos do Decreto - Lei n.º 437/78, de 28 de dezembro, se aquela não for efetuada voluntariamente no prazo que lhe for fixado» (…) o "Termo de Responsabilidade" não distingue qualquer forma de incumprimento. Deste modo, qualquer incumprimento contratual injustificado cai na alçada daquela cláusula 9º.“ [destaque nosso].

Pelo que, detetando-se qualquer tipo de incumprimento [total ou parcial] das obrigações assumidas no contrato firmado pelas partes, a única consequência extraível só pode ser a da resolução do contrato.
Este entendimento colhe suporte tanto no n.º 2 do n.º 25.º da Portaria n.º 196 – A/2001, de 10 de março de 2001 que dispõe: “3. Em caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas através do contrato de concessão de incentivos, o promotor é obrigado a reembolsar o IEFP, nos termos do Decreto – Lei n.º 437/78, de 28 de dezembro de 1978”, como no n.º 3 da Cláusula 13.ª do contrato de concessão de incentivos: “No caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas, constantes do presente contrato de concessão, da Portaria n.º 196 – A/2001, de 10 de março, com a redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 255/2002, de 12 de março, da regulamentação específica do FSE e demais disposições aplicáveis, será este contrato, cessados os pagamentos ainda por efectuar, declarando o vencimento imediato da dívida, convertendo-se o subsídio não reembolsável em reembolsável e, consequentemente, exigida a devolução das importâncias concedidas, acrescidas dos juros legais, ou obtida a cobrança coerciva nos termos do Decreto – Lei n.º 437/78, de 28 de dezembro de 1978, se aquela não for efetuada voluntariamente no prazo de 60 dias úteis a contar da respetiva notificação”.
Bem como no Aresto do S.T.A. de 05.07.2018 [processo n.º 017/18], consultável em www.dgsi.pt:
“(…)

Resulta, inclusive, do Preâmbulo da Portaria nº 196-A/2001 que o legislador pretendeu “…a criação de novas entidades, independentemente da respetiva forma jurídica e que originem a criação líquida de postos de trabalho, contribuindo para a dinamização das economias locais, mediante a realização de investimentos de pequena dimensão” - cfr. ainda o disposto no artº 9º.

Ora, o ato impugnado de devolução das verbas em causa, assenta no incumprimento em que ocorreram as promotoras (AA) no âmbito do projeto financiado.

Alegam as mesmas que tal incumprimento não lhes pode ser imputado, dado que se deveu a uma impossibilidade física e legal que teve a sua génese na insolvência em que incorreram e que foi declarada pelo Tribunal.

Ora, para além do disposto no artº 25º, nº 3 da Portaria nº 196-A/2001 que supra se deixou transcrito, bem como, o ponto 3 da Cláusula 13º do Contrato de Concessão de Incentivos, que igualmente se transcreveu, temos, ainda, como relevante as linhas de orientação previstas no Manual de Procedimentos do Programa de Estímulo à Oferta de Emprego – Regulamento Específico - disponível na internet, referindo no seu ponto 29, respeitante a “Incumprimento” o seguinte:

«29.1 Incumprimento injustificado e incumprimento justificado

Considera-se incumprimento injustificado das obrigações assumidas através do contrato de concessão de incentivos, aquele que pode ser imputado ao promotor, por ação ou ação dolosa ou negligente. Considera-se incumprimento justificado aquele que é determinado por facto alheio à vontade do promotor.

29.2 Reembolso das verbas concedidas – Incumprimento injustificado

O incumprimento injustificado implica o reembolso imediato da totalidade das verbas concedidas, no prazo de 60 dias úteis a contar da respetiva notificação, acrescido de juros legais, findo o qual é desencadeado o processo de cobrança coerciva da dívida, sem prejuízo de eventual procedimento civil ou criminal a que haja lugar.

29.3 Incumprimento justificado – Cálculo a efectuar para a reposição dos apoios

Em caso de incumprimento justificado, deve o IEFP atender à regra da proporcionalidade, no cálculo da reposição dos apoios, isto é, tomar em linha de conta quer o número de postos de trabalho não preenchido, quer a duração efetiva dos mesmos, relativamente ao projeto inicialmente aprovado».

Face a tudo quanto se deixou exposto, cremos que o ato impugnado não padece do erro nos pressupostos de direito que lhe é assacado pelas AA/recorrentes, pois, uma vez verificado pelo réu o incumprimento das prerrogativas constantes da legislação supra mencionada e das regras do contrato de incentivos, outra solução não lhe restaria que não fosse a resolução do contrato, não se lhe exigindo que optasse nem pela renegociação, nem pela suspensão do contrato como previsto nas cláusulas 11ª e 12ª e pretendido pelas AA, sem que a opção tomada viole quaisquer dos princípios legais e constitucionais pelas mesmas alegados [boa fé, proporcionalidade e justiça] – cfr. Ac. deste STA de 03.02.2011 in proc. nº 0474/10 [destaque nosso] (…)”.

Daí que não seja legal e contratualmente equacionável a solução propugnada pelo Tribunal a quo no sentido apenas do reembolso as despesas não comprovadas, mas, como vimos já, apenas a da resolução do contrato.
E o que se vem de asseverar em nada colide com a possibilidade de renegociação do contrato, bem como de suspensão do mesmo, previstas nas Cláusulas 11º e 12º do Contrato de Incentivos Financeiros celebrado pelas partes.
Na verdade, “(…) a suspensão ou a resolução do contrato são direitos opcionais da Administração em caso de incumprimento do contrato, inexistindo qualquer indicação literal ou racional no sentido de que a suspensão deva preceder necessariamente a resolução (…)” [cfr. aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 07.07.2017, tirado no processo nº. 00563/08.2BEPRT].
É certo que a Recorrente também pode solicitar a renegociação do contrato.
Contudo, tal faculdade está reservada para a ocorrência de consequências gravosas para uma das partes do contrato decorrente da verificação circunstâncias anormais e imprevisíveis e que delas resulte uma perturbação iníqua e inesperada para o equilíbrio do contrato [vd. neste sentido Ac. deste STA de 03.02.2011 in proc. nº 0474/10], o que nem sequer resulta alegado e demonstrado nos autos, circunstância que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à eventual verificação das mesmas.
Donde se conclui por tudo o quanto se vem de expor de que a sentença recorrida, no trecho em análise, enferma do erro de julgamento de direito em análise.
Concludentemente, procede o recurso interposto pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, ao que se provirá no dispositivo.

*
Do imputado erro de julgamento em matéria de direito, por errada interpretação da qualificação atribuída a cada uma das despesas comprovadas [recurso de E.];

*
Esta questão está veiculada nas conclusões da Recorrente E. supra transcritas, substanciando-se na alegação de que o Tribunal a quo errou ao não interpretar a rubrica (i) “adaptação de instalações” e os equipamentos de (ii) “sistema de segurança”, de (iii) “ar condicionado”, (iv) “reclamos luminosos” e (v) “decoração de montra” como sendo relativos antes à rubrica de (vi) “equipamento básico” em respeito às notas explicativas da Comissão de Normalização Contabilística ao POC.
Adiante-se, desde já, que esta alegação não é aceitável no âmbito do presente recurso.
Expliquemos pormenorizadamente esta nossa convicção.
A Autora, por intermédio da presente ação, visa, em substância, a anulação do despacho, de 3/10/2008, que determinou a resolução unilateral do contrato de concessão de incentivos financeiros, convertendo o subsídio não reembolsável - no valor de € 16.184,26 - em reembolsável.
Fundamenta tal pretensão jurisdicional no entendimento de que o ato impugnado enferma de (i) vício de forma, por falta de fundamentação, e, bem assim, de (ii) vício de violação de lei, por (ii.2) incompetência do Delegado Regional do Norte do IEFP para a prática do ato em crise e por (ii.2) erro nos pressupostos de facto.
Escrutinada a contestação argumentativa espraiada no libelo inicial, é para nós absolutamente cristalino, para o que ora nos interessa, que a arguição do erro nos pressupostos de facto do ato impugnado escorou-se no entendimento de que a Autora i) labora nas instalações identificadas; (ii) tem atividade permanente; que mantém o nível de emprego atualizado; (iii) não tinha o aparelho de ar condicionado instalado aquando da visita da recorrida porque aguardava autorização do condomínio; (iv) o teto falso existe e sempre existiu; (v) comunicou à recorrida a alteração das instalações e dos montantes de investimento, porque os anteriores eram desadequados, o que a recorrida aceitou; (vi) tem faturação contínua até ao presente; (vii) sempre procedeu aos descontos juntos da segurança social; (viii) sempre entregou a documentação solicitada; (ix) tem seguro multirriscos desde o início de atividade; (x) e que paga IVA e IRS.
Tudo em função do que se concluiu que a Autora (…) sempre cumpriu com as obrigações decorrentes do contrato de concessão de incentivos financeiros que assinou o recorrido (…)” ou “(…) que o contrato vem sendo integralmente cumprido (…)”.
Ocorre, porém, que o Tribunal a quo assim não o entendeu.
O que fez, sobretudo, por considerar que “(…) o projeto não foi executado tal qual foi aprovado, porquanto, da factualidade assente resulta que os valores justificados e com aprovação prévia totalizavam o valor de €: 15.543,25. E, relembrando o que já foi acima referido, este montante resulta do somatório dos seguintes valores: € 9.595,85 + € 3.996,10 + € 1.951,30, correspondentes a investimentos que tanto foram aprovados pelo Centro de Emprego, como foram justificados pela Promotora. Assim, tendo em consideração o valor do investimento globalmente aprovado, confirma-se que efectivamente falta justificar o montante correspondente a € 8.465,40.
Importa ainda destacar que não basta à Autora alegar, em termos genéricos, que cumpriu “todos os investimentos a que se propôs”. Recaía sobre a Autora alegar e provar que não só respeitou o valor global aprovado para o investimento como também que não se desviou dos valores aprovados para cada uma das rubricas. Ora, no caso em apreço, a Autora não logrou êxito nesta alegação/prova.
Não logrou êxito na alegação/prova, na medida em que não indicou - com referência aos documentos constantes do processo administrativo — as facturas/recibos que não foram considerados - e deveriam ter sido com referência a cada uma das rubricas de investimento.
Pelo contrário, a Administração logrou provar que os valores constantes da Tabela resultavam da soma das facturas/recibos que instruíram a tomada de decisão.
Aliás, basta atentar no total do investimento aprovado pelo Centro de Emprego, no valor de € 24.008,65, e do investimento justificado pelo Promotor, no valor de € 24.009,04, para se concluir que a Administração analisou todos os documentos que foram apresentados pela Promotora tendo em vista sustentar o investimento.
Ponto é que a Promotora não efetuou as despesas de harmonia com a estrutura de custos oportunamente aprovada. E essa estrutura de custos tinha que ser observada porquanto integrava o projeto apresentado e aprovado.
Assim, e no que respeita a este ponto, forçoso será concluir que a Promotora violou a Cláusula 9.°, n.° 1, alínea a), do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros.
(…)”

Procurando evidenciar o erro de julgamento em matéria de direito do segmento decisório que se vem de transcrever, vem agora a Recorrente E. cuidar de alegar que o Réu [e, por maioria de razão, o Tribunal a quo ao validar tal qualificação] englobou erroneamente as rubricas (i) “adaptação de instalações” e os equipamentos de (ii) “sistema de segurança”, de (iii) “ar condicionado”, (iv) “reclamos luminosos” e (v) “decoração de montra”, pois que estas devem ser consideradas em sede da rubrica de “equipamento básico”, e não em sede das parcelas, como o Réu entendeu, com os respetivos nomes.
Ora, perante a substanciação do erro nos pressupostos de facto aduzida no libelo inicial, e que se vem de supra de sintetizar, não pode deixar de se entender que a alegação recursiva em análise integra uma inovação a bel prazer dos fundamentos que esteiam a invocação da dita causa de invalidade.
De facto, a alegação recursiva vem “confortar em termos de acréscimo” a substanciação já alegada no domínio do erro nos pressupostos de facto associado ao ato impugnado em sede de petição inicial.
Ocorre, porém, que esta “substanciação melhorada” não resulta processualmente admissível em sede de recurso.
Na verdade, a estabilização da instância determina que ela se mantenha quanto às partes, ao pedido e causa de pedir, sendo apenas admissíveis modificações objetivas e subjetivas quanto à mesma nos termos preconizados na lei processual civil vigente, não sendo admissível a modificação do objeto do processo em sede de recurso.
De facto, à mingua de expressa previsão legal, proceder a uma nova análise da causa de invalidade invocada nos autos, desta feita, com base em motivação aduzida apenas em sede de recurso, configuraria uma violação expressa da lei processual aplicável em matéria de estabilização da instância.
Que o Tribunal Superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho de um Tribunal de 1ª instância é perfeitamente compreensível; já decidir em 1º instância sem expressa previsão legal é que é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.
Assim, incumbe apenas a este Tribunal Recursivo indagar a existência de eventuais nulidades e erro de julgamento na decisão judicial recorrida, e sempre nos termos balizados nas conclusões do recurso, e não [re]sindicar a atuação da Administração quanto a eventuais causas de invalidade, quer originárias, quer melhoradas, que lhe possam ser imputadas.
Ora, escrutinados os autos, logo se constata que o Tribunal a quo não foi confrontado com esta inovação da causa de pedir, assim não emitindo pronúncia quanto à mesma.
Desta feita, entende este Tribunal Superior que não são aceitáveis as conclusões formuladas pela Recorrente, por se tratarem de matéria não dirimida na sentença recorrida, e, qua tale, excluída da “objeto confesso” do presente recurso jurisdicional.
Efetivamente, constituindo a matéria que se vem de referir, inquestionavelmente, uma inovação da causa de pedir não abordada pela decisão judicial recorrida, nos termos acima caracterizados, não pode assim ser apreciada.
Concludentemente, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão judicial recorrida.
Assim se decidirá.
* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em:
(i) CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional interposto pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., revogar o acórdão recorrido, e julgar a presente ação improcedente.
(ii) NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional interposto por E..
Custas a cargo da Recorrente por E., sem prejuízo do eventual beneficio de apoio judiciário que possa litigar nos autos [cfr. fls. 145 e seguintes dos autos físicos].
* *
Porto, 16 de outubro de 2020


Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro