Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03773/11.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:DEVER DE COMPROVAÇÃO DO ACTO IMPUGNADO.
Sumário:1. O TAF decidiu erradamente absolver o Réu por extinção da instância, “por falta de junção do acto impugnado (documento essencial para prossecução da causa)”.
2. Os actos administrativos podem ser revelados por diversas formas, designadamente como se dispõe no artigo 59º/3 do CPTA para efeito de cômputo do início do prazo impugnatório, por “notificação”, “publicação” ou “conhecimento do acto ou da sua execução”.
3. É a essa luz cambiante, por vezes brilhante por vezes obscura, que deve ser lido o dever (mais propriamente, o ónus) de identificação do acto e junção do respectivo documento comprovativo. Em suma, a extensão do ónus do Autor afere-se pela extensão da informação acessível emanada pela Administração.
4. Compulsados os autos, verifica-se que a Autora cumpriu aquele ónus ao juntar aos autos a informação possível sobre um acto administrativo impugnado cuja autoria e conteúdo, por falta de notificação, inferiu a partir dos documentos disponíveis.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:ECAL
Recorrido 1:Ministério da Educação e Ciência
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
ECAL veio interpor recurso da decisão pela qual o TAF do PORTO absolveu o Réu da instância e julgou extinta a presente Acção Administrativa Especial intentada contra MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, tendo em vista a impugnação do acto praticado pela Escola Secundária AH que procedeu ao apuramento e selecção de candidatos à contratação de escola para o ano lectivo de 2011/2012 de pessoal docente para um horário de E.C.D.M.
Em alegações a Recorrente formulou as seguintes CONCLUSÕES:

1. A AUTORA FOI NOTIFICADA EM 22/04/2013, PARA JUNTAR DOCUMENTO COMPROVATIVO DA PRÁTICA DO ACTO JURÍDICO IMPUGNADO,

2. DESIGNADAMENTE DA DECISÃO DA DIRECÇÃO EXECUTIVA DA RÉ, E DO PARECER VINCULATIVO DO SEU CONSELHO PEDAGÓGICO.

3. MAS, O DOCUMENTO COMPROVATIVO DA PRÁTICA DO ACTO JÁ HAVIA JUNTO NA SUA DOUTA PETIÇÃO INICIAL - O DOCUMENTO N° 6 DA PETIÇÃO INICIAL- QUE SE TRATA DA PUBLICAÇÃO NO SÍTIO DA INTERNET DO CANDIDATO SELECCIONADO NO CONCURSO EM CAUSA.

4. ALÉM DISSO, A AUTORA NUNCA FOI NOTIFICADA DO ACTO IMPUGNADO PROPRIAMENTE DITO E POR ISSO NÃO O JUNTOU À DOUTA PETIÇÃO INICIAL, APENAS O IDENTIFICANDO, COMO ALIÁS ERA SEU DEVER!

5. PORQUANTO ALEGOU NA SUA DOUTA PETIÇÃO INICIAL QUE APENAS TEVE CONHECIMENTO QUE TINHA SIDO EXCLUÍDA DO CONCURSO, QUANDO A RÉ PUBLICOU A DECISÃO DO PROCESSO DE SELEÇCÃO, NO SÍTIO DA INTERNET, PUBLICANDO APENAS O CANDIDATO SELECCIONADO, SEM QUALQUER COMUNICAÇÃO AOS INTERESSADOS, NOMEADAMENTE, AOS RESTANTES CANDIDATOS, E SEM QUALQUER FUNDAMENTAÇÃO ESCRITA DA REFERIDA DECISÃO;

6. ALEGOU A AUTORA AINDA NA SUA DOUTA PETIÇÃO INICIAL QUE NÃO FOI NOTIFICADA DA ORDENAÇÃO DE TODOS OS CANDIDATOS AO CONCURSO;

7. E QUE, ESSA FALTA DE COMUNICAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO É UMA DAS CAUSAS ALEGADAS PELA AUTORA DE ANULABILIDADE DE TAL ACTO!!!

8. JUNTOU AINDA À SUA DOUTA PETIÇÃO INICIAL, O PARECER DA DIRECÇÃO DA ESCOLA QUE FOI NOTIFICADA - O DOCUMENTO N° 5.

9. NÃO ESTEVE BEM O DIGNISSÍMO TRIBUNAL AO DECIDIR PELA ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA PELA FALTA DE JUNÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO PELA AUTORA,

10. PORQUANTO, DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ART° 78 N° 2 AL. D) DO C.P.T.A. O AUTOR DEVE NA PETIÇÃO IDENTIFICAR O ACTO JURÍDICO IMPUGNADO, E NÃO JUNTAR O MESMO COMO PRETENDEU O TRIBUNAL NA SUA DOUTA DECISÃO ORA RECORRIDA.

11. MAIS, DIZ O ART° 79 N° 2 DO MESMO DIPLOMA LEGAL QUE QUANDO SEJA DEDUZIDA PRETENSÃO IMPUGNATÓRIA, DEVE O AUTOR JUNTAR DOCUMENTO COMPROVATIVO DA PRÁTICA DO ACTO IMPUGNADO, E JÁ NÃO O ACTO PROPRIAMENTE DITO!!

12. ALÉM DISSO, A FALTA DE JUNÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO NÃO É NENHUM DOS FUNDAMENTOS PREVISTOS NAS ALÍNEAS DO ART° 89 DO C.P.T.A., QUE OBSTAM AO PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO E RESULTAM NA ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA.

13. FALANDO O N° 3 DO MESMO ARTIGO EM "IDENTIFICAÇÃO DO ACTO IMPUGNÁVEL" E JÁ NÃO EM "JUNÇÃO DO ACTO IMPUGNÁVEL"!

14. E. DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ART° 90 DO C.P.T.A. NO CASO DE NÃO PODER CONHECER DO MÉRITO DA CAUSA NO DESPACHO SANEADOR O JUIZ ORDENA AS DILIGÊNCIAS DE PROVA QUE CONSIDERE NECESSÁRIAS PARA O APURAMENTO DA VERDADE!!

15. A AUTORA IDENTIFICOU NA SUA DOUTA PETIÇÃO INCIAL O ACTO IMPUGNADO¬- O ACTO PROFERIDO PELA DIRECÇÃO EXECUTIVA DA ESCOLA SECUNDÁRIA AH, PORTO, E RESPECTIVO PARECER OBRIGATÓRIO DO SEU CONSELHO PEDAGÓGICO, QUE PROCEDEU AO APURAMENTO E SELECÇÃO DO CANDIDATO IDENTIFICADO COM O N° 1958108219 À CONTRATAÇÃO DE ESCOLAS 2011/2012, NO CONCURSO PARA SELECÇÃO E RECRUTAMENTO DO PESSOAL DOCENTE DA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR E ENSINOS BÁSICO E SECUNDÁRIO, - PARA UM HORÁRIO DE E.C.D.M., AO ABRIGO DO D.L. 35/2007 DE 15/02, EM 22/09/2011;

16. JUNTOU COMPROVATIVO DA SUA PRÁTICA - A PUBLICAÇÃO NO SÍTIO DA INTERNET PELA DIRECÇÃO DA ESCOLA AH;

17. E, ALEGOU VÍCIOS DO ACTO IMPUGNADO.

18. POSTO ISTO, O DIGNÍSSIMO TRIBUNAL AO EXIGIR À AUTORA RECORRENTE A JUNÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO (QUE NÃO FOI NOTIFICADA) AO INVÉS DA IDENTIFICAÇÃO DO MESMO, FEZ UMA ERRADA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 78° N° 2 AL. D) DO C.P.T.A.

19. PORQUANTO O AUTOR DEVE APENAS IDENTIFICAR O ACTO ADMINISTRATIVO QUE IMPUGNA!

20. DEVERIA ASSIM O TRIBUNAL TER NOTIFICADO A RÉ PARA VIR AOS AUTOS JUNTAR O ACTO EM CAUSA, REALIZAR AS DILIGÊNCIAS DE PROVA QUE CONSIDERASSE NECESSÁRIAS AO ABRIGO DO ART° 89 DO C.P.T.A., E CONHECER DO MÉRITO DA CAUSA!

21. A SENTENÇA PROFERIDA ORA RECORRIDA É ASSIM NULA POR VIOLAÇÃO DOS ART° 78/2 AL. O), 79, 89 E 90 DO C.P.T.A.

22. E POR ISSO DEVE SER REFORMADA, DECIDINDO-SE PELA AUSÊNCIA DE QUALQUER FUNDAMENTO QUE OBSTE AO PROSSEGUIMENTO DOS PRESENTES AUTOS!

*
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu o douto parecer de fls.157 e seguintes concluindo:

«… deverá ser concedido provimento ao recurso e, consequentemente, ser revogada a douta sentença recorrida, ordenando-se a subsequente baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de que os presentes autos sigam os seus ulteriores trâmites processais, se nada mais, entretanto, vier a obstar.»

*
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

Na decisão recorrida não está discriminada a matéria de facto, mas não há sobre isso qualquer discussão, o que é compreensível porque a matéria de facto não está impugnada nem levanta quaisquer problemas específicos. Assim, sem prejuízo para a análise do thema decidendum, mantém-se a configuração de facto e de direito híbrida que vem de 1ª instância.

Pelo despacho de 12-04-2013, notificado à Autora em 22-04-2013, com invocação do disposto nos artigos 78º/2/d) e 79º/2 do CPTA, foi determinado pelo TAF que «…deve a Autora juntar os documentos correspondentes aos actos que pretende impugnar, uma vez que se trata de documento essencial para conhecimento da causa artigo 88º, nºs 2 e 4 do CPTA).»

Perante a inércia da Autora, em 23-05-2013 o TAF proferiu a sentença recorrida, a fls. 118, cuja reprodução integral se justifica, atenta a sua concisão. Assim:

«ECAL, residente no Porto, intenta Acção Administrativa Especial contra MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, tendo em vista a impugnação do acto praticado pela Escola Secundária AH que procedeu ao apuramento e selecção de candidatos à contratação de escola para o ano lectivo de 2011/2012 de pessoal docente para um horário de E.C.D.M..

A Autora foi notificada para juntar o acto que pretende impugnar, por ser documento essencial para o conhecimento da causa, nos termos do artigo 88.º, n.ºs 2 e 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, conforme referido o Despacho que lhe ordena aquela junção. A Autora não juntou o acto impugnado.

Ora, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 78.º, n.º 2 – d) e 79.º, n.º 2 do CPTA, o Autor é obrigado a juntar o acto que pretende impugnar. Caso não o tenha junto, o Juiz convida a parte a apresentar o acto em causa, por se tratar de documento essencial de que a lei faz depender o prosseguimento da causa, conforme estabelece o artigo 88.º, n.º 2 do CPTA (aliás, no mesmo sentido rege o artigo 508.º, n.º 2 do CPC). Por sua vez, o n.º 4 do mesmo artigo 88.º do CPTA, determina que a falta de suprimento ou correcção solicitada pelo Tribunal, nos termos do n.º 2 (do artigo 88.º do CPTA), determina a absolvição da instância, sem possibilidade de substituição da petição. Neste mesmo sentido defendem o Prof. Mário Aroso de Almeida e o Conselheiro Carlos Cadilha, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, em anotação ao artigo 79.º.

Termos em que, por falta de junção do acto impugnado (documento essencial para prossecução da causa), absolve-se o Réu da instância e, consequentemente, julga-se a mesma extinta.»

*
Invocando justo impedimento veio de seguida a Autora justificar a falta de resposta atempada ao despacho que lhe foi notificado em 22-04-2013, alegando em suma a impossibilidade de juntar um documento que não tinha em sua posse.

Sobre este requerimento incidiu o despacho de 28-05-2013, em que o TAF refere nada mais haver a decidir, mantendo a sentença e acrescentando que o facto de o acto impugnado não ter sido notificado à Autora não a exonerava do ónus de o documentar nos autos, «…porquanto então a Autora terá de lançar mão da Intimação para passagem de certidão prevista nos artigos 104º a 108º do CPTA…»

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Cumpre decidir.

Nas suas conclusões 9-13 e 18-19 a Recorrente critica a decisão do TAF que lhe impôs a junção do acto impugnado, alegando que do artigo 78º/2/d) do CPTA só resulta a imposição de identificar o acto impugnado e do artigo 79º/2 a junção de documento comprovativo e nunca a junção do próprio acto.

Trata-se de argumentação que extrapola com exagero o sentido literal de uma metonímia em que a palavra “acto” é utilizada para, de forma substitutiva e simplificada, designar o documento comprovativo do acto.

Mas não havia razão para incorrer e persistir nessa interpretação à letra, pois na parte mais vincadamente decisória da sentença explicita-se que através do “acto” se referencia um “documento”. Aí se lê, relembre-se, «…por falta de junção do acto impugnado (documento essencial para prossecução da causa), absolve-se o Réu da instância.»

Posto isto há que reconhecer que os actos administrativos podem ser revelados por diversas formas, designadamente como se dispõe no artigo 59º/3 do CPTA para efeito de cômputo do início do prazo impugnatório, por “notificação”, “publicação” ou “conhecimento do acto ou da sua execução”.

É a essa luz cambiante, por vezes brilhante por vezes obscura, que deve ser lido o dever de identificação do acto e junção do respectivo documento comprovativo, não podendo manifestamente impor-se ao interessado o ónus de iluminar (esclarecer) a externação do acto administrativo que à Administração compete.

Em casos limite a obscuridade envolvente da actuação administrativa pode mesmo suscitar dúvidas sérias sobre a existência, autoria, forma e conteúdo do acto, ficando nessa hipótese permitida ao interessado impugnante alguma especulação “criativa” a partir dos efeitos desencadeados e das peças fragmentais visíveis.

Em suma, a extensão do ónus do Autor afere-se pela extensão da informação acessível emanada pela Administração.

É certo que o interessado poderia lançar mão do meio processual “intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões” previsto nos artigos 104º a 108º do CPTA, mas trata-se de uma faculdade ao seu alcance, um meio facultativo que “pode requerer”, na elucidativa redacção do n.º1 do artigo 104º, e não um ónus cujo incumprimento condicione a possibilidade de avançar com a acção administrativa especial para anulação do acto administrativo e condenação à prática do acto devido.

Compulsados os autos, verifica-se que a Autora juntou aos autos a informação possível sobre um acto administrativo impugnado cuja autoria e conteúdo, por falta de notificação, inferiu a partir dos documentos acessíveis.

Nesse sentido se pronunciou o MP, de cujo parecer se extrai este esclarecedor excerto:

«Acresce que o R. Ministério da Educação e Ciência foi regularmente citado para os termos da presente acção administrativa especial e não deduziu contestação, tendo-se limitado a juntar o PA instrutor, o qual se mostra apensado a estes autos (cfr. fls. 69 a 73 do p. f.).

Ora, analisado o PA, constata-se que, para o que ora releva, dele constam tão-somente a acta de reunião do júri de selecção do concurso, a acta de reunião do Conselho Pedagógico e, por fim, a ordenação final dos candidatos (v. fls. 37 a 42 do PA).

Assim, o exame do PA permitiu-nos concluir que, ao que tudo indica, inexistiu efectivamente um verdadeiro acto administrativo, porque despojado das menções obrigatórias exigidas pelos artigos 123.º e 125.º, do Código do Procedimento Administrativo, e, bem assim, que foi omitida qualquer notificação aos dois candidatos excluídos.»

Enfim, os verdadeiros e completos contornos do acto só com o andamento do processo poderão ser totalmente desvendados, eventualmente sob estímulo oficioso do próprio TAF, como alvitra ainda o MP, “sob a égide dos princípios pro actione, da cooperação e da boa-fé processual, consagrados nos artigos 7.º e 8.º, do C.P.T.A., de modo a obstar a que o conhecimento do mérito da causa ou a justa composição do litígio sejam preteridos em função de razões de índole meramente formal, relacionados com a não junção de documento que necessariamente deveria instruir a acção e que a A., sem culpa sua, se vê impossibilitada de juntar.”

Deste modo, a crítica da Recorrente é no essencial justificada e a decisão recorrida não pode manter-se.

*
DECISÃO
Pelo exposto acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos à 1ª instância, para que aí prossigam os seus ulteriores trâmites processuais se nada mais obstar.
Sem custas.
Porto, 15 de Julho de 2016
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Helder Vieira
Ass.: Alexandra Alendouro