Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01372/21.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/27/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:SUSPENSÃO EFICÁCIA, PERICULUM IN MORA – CAUSA PREJUDICIAL
Sumário:1 . Mostra-se correcta a decisão de improcedência de uma providência cautelar, não apenas por não se demonstrarem os prejuízos de difícil reparação, mas por se ter entendido que parte dos prejuízos invocados, não resultam do acto impugnado, mas de outras circunstâncias fácticas antecedentes à prática do ato administrativo.

2 . Quer a situação económica/financeira da recorrente, quer a eventual perda de clientela, ou mesmo o perigo de insolvência invocado, são prejuízos que não decorrem do acto administrativo suspendendo, mas são-lhe antecedentes, nomeadamente do facto do prédio onde a requerida exercia a sua actividade industrial, se encontrar encravado por via terrestre.

3 . Resultando da alegação da própria requerente/recorrente, que, nesta data, não exerce qualquer actividade, quer por falta de acesso terrestre às instalações, pelo facto de, por decisão judicial transitada em julgado, esse acesso, por propriedade privada murada, ter sido fechado, quer pelo facto dos eventuais danos, cessação da actividade derivar, não directamente do acto suspendendo, mas antes da cessação da concessão, discutida em processo diverso, não se verifica o requisito cumulativo do periculum in mora.

4 . A natureza urgente das providências cautelares não se compagina com a suspensão dos autos com vista a obter uma decisão em processo não urgente, nomeadamente quando está em causa uma acção cujo objecto (interpretação e execução de contrato administrativo) além, do mais, é diverso do ato administrativo impugnado, sob pena de subverter a natureza dos processos cautelares
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . “II---, L.da, com sede no Edifício (…), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, datada de 9 de Maio de 2022, que julgou improcedente a providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo, interposta contra “AA---, SA”, com sede (…), onde requeria:
- (i) que fosse concedida a presente providência cautelar, por provado o preenchimento de todos os requisitos legais, suspendendo-se a eficácia da Deliberação do Conselho de Administração da AA---, datada de 29/04/2021, notificada à Requerente em 3/05/2021, para todos os efeitos e com todas as legais consequências;
(ii) a não se entender assim, sem conceder e subsidiariamente, ao abrigo do art. 122.º n.º 2 do CPTA, requeria que fosse concedida a presente providência cautelar sujeita à condição suspensiva de a Entidade Requerida facultar à Requerente um acesso por terra à parcela concessionada, idóneo ou em condições que permita a retirada dos bens existentes na parcela, e sujeita ainda a termo resolutivo, suspendendo-se a eficácia da sobredita Deliberação pelo prazo de 150 dias (prazo razoável necessário para a desocupação da parcela pela Requerente), a contar desde a verificação da condição suspensiva, para todos os efeitos e com todas as legais consequências.
*
Nas suas alegações, a recorrente “II---, L. da” formulou as seguintes conclusões:
"1) Liminarmente: sem prejuízo de, nas providências cautelares, ser devida uma summario cognitio da matéria que é trazida ao conhecimento do Tribunal, não pode a mesma confundir-se com uma apreciação absolutamente ligeira dos fundamentos que entretecem a pretensão, o que, salvo o devido e merecido respeito, perpassa das decisões recorridas, mormente da sentença recorrida, que chega a revelar-se contraditória e destituída da mínima fundamentação exigível.
2) Impressiona sobremaneira, também, que o digno Tribunal a quo irreleve total e absolutamente uma circunstância que entretece de forma fundamental a relação contratual em causa nos autos, aliás, trata-se mesmo de facto provado nestes autos, e que contribui para a verificação dos pressupostos de que depende a atribuição da tutela cautelar: a parcela concessionada não tem acesso público por terra (além do mais) – cfr. ponto 8 da fundamentação de facto da sentença recorrida. Ou seja, a Entidade Requerida concessionou uma parcela do domínio público, sendo a mesma inacessível por terra (além do mais) e sem garantir esse acesso, vindo agora exigir a desocupação da mesma, por onde não se sabe.
3) Relativamente ao requisito do periculum in mora negado pelo Tribunal a quo, quanto aos danos na imagem e reputação da Requerente e perda de clientela, temos que, em primeiro lugar e ostensivamente ao contrário do que propugna o Tribunal a quo, uma empresa não tem esse tipo de danos apenas quando é sujeita a um ato administrativo de caráter sancionatório ou a um ato sujeito a publicação, pois o que a este passo releva são os efeitos do ato, as repercussões do mesmo na esfera jurídica do destinatário que se revelam publicamente e podem ser vistas e conhecidas por todos, mormente pelos clientes, não a respetiva natureza dogmática ou o teor do ato que surge em publicação.
4) Quanto à desocupação coerciva, se é certo que a mesma agrava os danos quanto aos interesses de que cuidamos, a verdade é que os mesmos existem, também, sem ela (e é isso que consta do ri.) – não obstante, a mesma coloca-se praticamente como uma inevitabilidade no caso, pois alegou-se e provou-se (facto relevantíssimo que o Tribunal a quo parece ignorar) que o acesso terrestre à parcela concessionada, de molde a permitir a retirada dos bens, implica a passagem por propriedade privada (ponto 8 da fundamentação de facto da sentença), não podendo a A. contar com a tolerância da atual proprietária para esse efeito.
5) Em segundo lugar, a Requerente não tem que quantificar ou atribuir um valor à clientela para que esta mereça proteção jurídica nos termos aqui equacionados; aliás, o motivo pelo qual a perda de clientela é, pacificamente, reconhecida como prejuízo de difícil reparação é, precisamente, porque a mesma é incontabilizável.
6) Ademais, nos termos em que foi alegado pela Requerente, trata-se de dano conatural à execução do ato suspendendo, estando-se perante factos e circunstâncias que não podem ser pura e simplesmente desconsiderados pelo Tribunal a quo – veja-se mormente o alegado nos arts. 92.º e 93.º do ri. e diga-se ainda que tal matéria podia e devia ter sido objeto de prova testemunhal, que o Tribunal impediu, sendo que parte das testemunhas arroladas são mesmo clientes da Requerente que poderiam atestar os factos e circunstâncias invocados.
7) Bem assim e em terceiro lugar, quanto à situação financeira da Recorrente, desde logo, não corresponde à realidade que apenas se tenha alegado a inexistência atual de faturação: vejam-se os arts. 105.º e 106.º do ri. – referiu-se a ausência de faturação atual e referiu-se a necessidade de venda de equipamentos e instrumentos de que a Recorrente é proprietária e que servem para o desenvolvimento da atividade (recheio das instalações, perfeitamente alegado no ri., e moldes de fibra para construir barcos, tudo alegado no art. 27.º, ponto 1) e ponto 2), al. vii) do ri. e provado no ponto 7 da fundamentação de facto da sentença), para fazer face às despesas que a mesma tem tido que satisfazer, despesas com os litígios judiciais e dívida à segurança social, o que é factologia bastante para alicerçar as conclusões que se retiram (cfr. arts. 107.º e 108.º do ri.).
8) Além disso, não se percebe, o Tribunal a quo não o diz, por que razão a prova testemunhal não seria idónea a comprovar os factos e circunstâncias aí alegados pela Recorrente, adiantando-se desde já que uma das testemunhas arroladas no ri. é a pessoa responsável pela contabilidade da empresa (Francisco Fonte), não podendo recusar-se ao Recorrente a possibilidade de provar os factos que alega e cujo ónus da prova lhe compete, com vista à demonstração do periculum in mora.
9) Por outras palavras, não vemos que existisse ou exista qualquer exigência legal de determinado meio de prova, mormente documental, para prova dos factos alegados a este propósito, sendo assim que era aqui essencial a produção da prova testemunhal requerida.
10) Em quarto lugar, os danos que se alegam são atuais e iminentes e decorrem diretamente do ato suspendendo, ou seja, da ordem de desocupação da parcela, e é isso que está diretamente em causa, a execução desse ato administrativo e a suspensão dos respetivos efeitos, independentemente de o mesmo ter por fundamento a cessação do contrato de concessão, questão que não releva para a ponderação do periculum in mora, mas antes do fumus boni iuris!
11) Por fim e em quinto lugar, não corresponde à realidade que da posse administrativa resulte apenas que a Entidade Requerida toma posse dos terrenos objeto do contrato de concessão do domínio público, ocupados pelas obras, materiais, edificações, estaleiros, ferramentas, máquinas que se encontram no local e que ficarão à sua guarda, pois não é isso que o ato suspendendo diz, expressamente, nos seus pontos 2, 3, 4 e 5 (cfr. ponto 13 da fundamentação de facto da sentença), bem como não é isso que resulta do teor dos n.ºs 5 a 7 da Cláusula Vigésima Primeira do contrato de concessão, para os quais o ponto 5 do ato remete (cfr. ponto 3 da fundamentação de facto da sentença).
12) Ainda quanto ao periculum in mora, agora no que diz respeito à retirada das embarcações de terceiros, temos que, em primeiro lugar, não está em causa saber se o risco é normal ou anormal, nem se corre pelos transportadores; o que está em causa é evitar esse risco, impedindo que o mesmo se concretize por força da execução da ilegal deliberação suspendenda, isto porque, como é óbvio e é o que aqui releva para os interesses da Recorrente, perante os seus clientes, é sempre esta que responde.
13) Em segundo lugar, não é verdade que os custos da operação de remoção não venham aflorados nos autos, adiantando-se no art. 117.º do ri. valores entre os 60.000 e os 70.000 euros.
14) Quanto ao mais que vem dito em relação à prova da situação financeira e da venda do património, vale tudo o que dissemos supra a propósito da prova testemunhal e do direito à prova da Recorrente, dando-se aqui por reproduzidas, para todos os legais efeitos e por uma questão de economia processual, as conclusões 7), 8) e 9) supra, a este propósito.
15) Em suma, decorre de tudo quanto vimos de expor que a sentença recorrida, ao concluir, por todos os erróneos motivos expostos, que inexiste periculum in mora, incorre em erro de julgamento por violação do n.º 1 do art. 120.º do CPTA;
16) Incorrendo ainda, quer a sentença, quer o precedente despacho referente à prova, também recorrido, em erro de julgamento por violação do art. 118.º, n.º 5 do CPTA e do direito à prova que assiste à Recorrente, tudo a impor a revogação de ambas as decisões recorridas.
17) Relativamente ao fumus boni iuris, salvo o devido e merecido respeito, não pode entender-se que o digno Tribunal a quo, tendo julgado inverificado o periculum in mora nos autos (numa análise já de si absolutamente... parca) venha conhecer, verdadeiramente em duas penadas, o fumus boni iuris!
18) Em relação às questões da vigência do contrato e da impossibilidade do objeto ou conteúdo do ato, a sentença é claramente nula por não conter um pingo de fundamentação, limitando-se a referir, quanto à primeira, que os vícios imputados não permitem concluir pela probabilidade de êxito da ação principal, e, quanto à segunda, que “é inequívoco que o ato suspendendo não padece de impossibilidade física ou jurídica dos efeitos, bens ou medidas que encerra”. Uma coisa é a summaria cognitio, coisa diferente é formular meras proposições conclusivas, o que aqui sucede, sendo assim a sentença nula por falta de fundamentos de facto e de direito que a justifiquem, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA.
19) Quanto ao mais, em primeiro lugar em relação ao prazo concedido e à reversão das obras e instalações fixas (vem tudo mesclado pelo Tribunal num único parágrafo) e violação da principiologia assacada a esses dois propósitos: não é normal nem lícito que a exigência de cumprimento contratual valha unilateralmente e, assim, só para a Recorrente, e que a Entidade Concessionária Pública não tenha sequer que assegurar a possibilidade da normal execução do contrato, mormente através da existência de acesso à parcela ou de condições normais de acesso à parcela, que inexistem, conforme alegado à saciedade nos autos e, quanto ao acesso por terra, mesmo provado nos autos (ponto 8 da fundamentação de facto da sentença).
20) Tais circunstâncias não podem, pois, ser olvidadas na execução do contrato, ou, por outras palavras, a interpretação das cláusulas contratuais tem que ser conforme à realidade, que não é aquela que norteou a sua redação, e tem que ser conforme aos princípios constitucionais e legais que vinculam a execução contratual e a atividade administrativa, mormente os princípios da boa-fé, da proporcionalidade (em sentido estrito) e da razoabilidade (cfr. arts. 7.º, 8.º e 10.º do CPA, art. 1.º-A, n.º 1 do CCP e 266.º, n.º 2 da CRP) – neste sentido, cfr. o art. 279.º do CCP; a título de exemplo, na jurisprudência, cfr. Ac. deste digníssimo TCA-Norte de 27/06/2014, proc. 1180/06.7BEBRG.
21) Deste modo, ao deter-se na mera literalidade das cláusulas contratuais, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento por violação dos princípios que vimos de enunciar e nos termos alegados nos arts. 46.º a 58.º do ri., e, bem assim, viola o art. 120.º, n.º 1 do CPTA, não podendo manter-se na ordem jurídica.
22) O mesmo sucede em relação à reversão, determinada pela deliberação suspendenda, para a AA---, a título gratuito, das obras e instalações fixas implantadas na área da concessão: sem prejuízo do que se alegou quanto ao facto de as construções levadas a cabo na parcela concessionada (terrapleno) serem estruturas em aço, desmontáveis e removíveis (cfr. art. 74.º do ri.), as mesmas nunca poderiam reverter a título gratuito para a AA---, aplicando-se cegamente as cláusulas contratuais sempre e só em desfavor da Recorrente e olvidando completamente as circunstâncias que entreteceram a execução da relação contratual – cfr., a propósito, Ac. do Pleno do STA de 27/05/1975, proc. 1443.
23) Dissemos no ri. e repetimos, que o custo de tais estruturas ascende a € 445.000,00, sendo que o contrato de concessão foi gizado para, em normalidade, permitir à concessionária a amortização do investimento feito na parcela concessionada, tendo sido nesse pressuposto que se definiu a duração do contrato – cfr., determinantemente, o considerando E do contrato, ponto 3 da fundamentação de facto da sentença recorrida.
24) Aliás, em rigor, o contrato, nos termos em que foi gizado, formalizado e querido pela Partes, pressupunha mesmo a amortização, no prazo do contrato, de todos os investimentos feitos pela Requerente na parcela concessionada, não apenas com as sobreditas estruturas, mas também com os demais equipamentos nelas instalados – cfr. cláusula décima do contrato, cujos trâmites aí previstos nunca chegaram a ser efetivados atentas as vicissitudes contratuais explanadas à saciedade no ri..
25) Isto, como é óbvio, num cenário de normalidade de execução contratual, e não face ao que veio a suceder após a formalização do contrato (e ainda antes, já no decurso das negociações tendentes ao mesmo), em que a Recorrente se viu impedida de exercer o grosso, a parte mais lucrativa e essencial da sua atividade, por não poder utilizar as carreiras de construção (além do mais já referido à saciedade), tudo nas circunstâncias expostas no ri. e imputáveis à AA--- a título de incumprimento contratual.
26) Portanto, se o contrato não foi cumprido e não o foi por motivos imputáveis à Entidade Requerida, não pode esta querer retirar dele efeitos que ficam prejudicados pelo incumprimento contratual, sendo absolutamente natural e compreensível que a Recorrente não tenha conseguido amortizar, como não conseguiu, o investimento feito e que era suposto poder amortizar no decurso do prazo contratual, não podendo reverter para a AA---, sem mais e a título gratuito, quaisquer construções que sejam (que se entendam fixas, que na realidade nenhuma o é, todas são removíveis).
27) Desde modo, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento por violação do próprio contrato (considerando E do mesmo e pressupostos subjacentes à vontade das Partes e ao clausulado), dos princípios da boa-fé na execução dos contratos e na atuação administrativa em geral, da correspetividade e equilíbrio contratual, da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade (cfr. arts. 1.º-A, n.º 1, e 286.º do CCP, 7.º, 8.º e 9.º do CPA e 266.º, n.º 2 da CRP), e, bem assim, do art. 120.º, n.º 1 do CPTA, não podendo manter-se na ordem jurídica.
28) Em relação ao julgado quanto à causa prejudicial, não se percebe o raciocínio do Tribunal a quo, pois, parece-nos evidente, saber se uma relação contratual está ou não em vigor (se ocorreu ou não caducidade do contrato) assume-se como questão preliminar ou prévia relativamente à decisão final do procedimento encetado pela Entidade Requerida que culminou com a prática do ato suspendendo de desocupação da parcela. Deste modo, não antevemos qual a interpretação do normativo que seria a “adequada” para o Tribunal a quo, incorrendo a sentença, a este passo, em erro de julgamento por violação do art. 38.º, n.º 1 do CPA e do art. 120.º, n.º 1 do CPTA, sempre a impor-se a respetiva revogação.
29) Por fim, no que diz respeito à regularização da conta corrente, é óbvio que o ato suspendendo incorpora todo o conteúdo decisório do ato constante do ofício n.º 643784, de 26/09/2019, pois o que motivou o ato suspendendo foi a omissão de notificação do ato de 26/09/2019, e, assim, aquele ato veio expressamente reeditar todo o conteúdo decisório do anterior, incorporando-o – isto mesmo é plenamente assumido pela Entidade Requerida nos autos, não havendo margem para teorias a este propósito, pelo que incorre a sentença recorrida, uma vez mais, em erro de julgamento por violação do art. 120.º, n.º 1 do CPTA, quanto ao requisito do fumus boni iuris, impondo-se sempre a respetiva revogação por este digníssimo Tribunal ad quem.”
*
Notificadas as alegações, apresentadas pela recorrente, supra transcritas nas respectivas conclusões, veio a Requerida/Recorrida “AA---, SA apresentar contra alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:

"A. Ao contrário do afirmado nas alegações de recurso, não existem nos autos quaisquer factos demonstrativos dos supostos prejuízos alegados – só suposições; não veio sequer a Recorrente trazer qualquer elemento que permitisse (melhor) sustentar a posição que já havia defendido no seu Requerimento Inicial – o que era expectável –, antes procurando criar uma narrativa tentativamente abaladora daquilo que foi a certeira apreciação do Tribunal a quo a respeito dos prejuízos alegados, embora não provados, pela Iatemoto.
B. Na tentativa vã de preencher o requisito do periculum in mora, contrariando as acertadas conclusões tiradas na Sentença recorrida, a Recorrente socorre-se novamente de pretensos efeitos, traçando cenários vagos, erráticos e/ou absolutamente conclusivos, sem nunca concretizar, como se lhe impunha, quaisquer prejuízos concretos e efetivos que pudessem resultar da improcedência dos pedidos deduzidos no processo cautelar; cabendo o ónus da prova sobre o receio da constituição de facto consumado ou da produção de uma situação de difícil reparação à Recorrente, o pedido cautelar foi, pois, irrepreensivelmente dado como totalmente improcedente.
C. É manifesto que a Sentença recorrida decidiu corretamente ao ter dado por inverificado o requisito do periculum in mora, porquanto:
(i) A execução do ato suspendendo não é suscetível de provocar um dano na imagem da Recorrente e consequente perda de clientela, na medida em que a desocupação da parcela em causa tem origem na caducidade do contrato de concessão e, como tal, não corresponde a um ato sancionatório ou sequer sujeito a publicidade, ao que acresce o facto de a Recorrente nada ter alegado a respeito da sua atual clientela, para que se pudesse entender em que consistiria a suposta perda;
(ii) Para além de referir que não obtém faturação da sua atividade, a Iatemoto não aduziu qualquer alegação no que toca à sua situação financeira atual e muito menos o logrou provar;
(iii) Ainda neste âmbito, a Recorrente não trouxe aos autos quaisquer informações financeiras atualizadas, bem como não quantificou as supostas perdas financeiras decorrentes da execução do ato suspendendo, como ainda nenhuma prova se produziu no que toca às alegadas transações decorrentes da venda de património para fazer face aos custos correntes da empresa;
(iv) A retirada das embarcações de terceiros comporta o risco normal da atividade e corre por contra de quem efetua esse transporte, não sendo a via cautelar passível de acautelar que nenhum dano ocorra às embarcações, não olvidando a que, também aqui, a Recorrente nada logrou provar quanto aos valores a que aludiu para os custos de transporte.
D. Primo, a argumentação da Recorrente a respeito do suposto dano na imagem e consequente perda de clientela assenta numa pura conjetura e não num evento determinado, circunstância que, por si só, afastaria toda e qualquer plausibilidade ao argumento; em todo o caso, não se consegue compreender – e a Iatemoto obviamente não explica – de que modo a mera decorrência jurídica da caducidade de um contrato de concessão, absolutamente típica, adequada e provável, é de molde a provocar danos na esfera do contraente privado.
E. De resto, não é minimamente verosímil a alegação de que a simples notícia da existência de uma desocupação – coerciva ou não – de uma parcela cuja concessão terminou possa ter os efeitos alarmistas invocados pela Recorrente; as implicações desse raciocínio seriam inaceitáveis: por essa ordem de ideias, qualquer ato, vamos supor, de tomada de posse administrativa (de resto, contratualmente prevista), teria um efeito desses, o que contraria ostensivamente as regras de experiência comum.
F. Secundo, deve ter-se bem presente que a decisão de concessão (ou não) da providência cautelar depende, entre outros requisitos, de saber se está em causa evitar a “produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal” – artigo 120.º, n.º 1, do CPTA –, o que é obviamente bem diferente de apurar se a situação financeira da Recorrente é boa ou má.
G. Em todo o caso, (i) a alegada inexistência de faturação atual da atividade da Recorrente não é comprovada por elemento algum, (ii) nenhuma prova se produziu quanto às alegadas transações de património destinadas a fazer face aos custos correntes da empresa e, por fim, (iii) a Iatemoto não trouxe aos autos qualquer informação financeira atualizada ou sequer logrou quantificar as perdas supostamente decorrentes da execução do ato suspendendo.
H. Adicionalmente, nunca da execução do ato suspendendo poderia resultar qualquer situação de facto consumado, ou prejuízo de difícil reparação, no que à atividade da Recorrente diz respeito, já que é esta a assegurar que a mesma já não existe.
I. Tertio, é gritante e notório o défice de precisão quanto a valores e factos concretos no que toca à retirada de embarcações de terceiros, antes insistindo a Recorrente em meras conclusões ou suposições totalmente inócuas ao preenchimento do periculum in mora; não basta ao preenchimento de exigente requisito legal bramirem-se ordens de grandeza e cenários aterradores sem se indicar um único prejuízo concreto, sequer sob a forma vestigiária.
J. Ademais, não é seguramente através da via cautelar que a Recorrente deve procurar que nenhum dano seja provocado às embarcações de terceiros à sua guarda, se e quando o respetivo transporte venha a ocorrer, quer em sede de desocupação por iniciativa desta, quer em sede de posse administrativa.
K. Derradeiramente, os custos – não sabemos quais – de remoção de bens da parcela anteriormente concessionada constituem uma mera decorrência, não do ato suspendendo, mas antes do disposto na cláusula 21.ª do extinto contrato de concessão, pelo que sempre corresponderiam aos gastos normais que a Recorrente deveria ter previsto na respetiva execução.
L. Acompanha-se, pois, a Sentença recorrida quando esta conclui “que os interesses que a Recorrente visa defender na ação principal não se encontram precludidos, prejudicados ou impedidos de poderem ainda ser assegurados, sem o decretamento da presente providência cautelar”.
M. Sem prejuízo do exposto – que, só por si, dispensaria a análise dos restantes requisitos, como bem conclui o Tribunal a quo –, a verdade é que no caso sub iudicio, o êxito da pretensão invalidatória da Recorrente formulada em sede de processo principal será tudo salvo evidente ou provável, para dizer o menos; é dizer, falta também fumus boni iuris.
N. Primeiro, porque a Recorrente permanece sem explicar a suposta impossibilidade do objeto ou conteúdo do ato suspendendo, antes pretendendo capitalizar uma situação que decorre da sua inércia contratualmente inadmissível; é facilmente entendível a existência de uma diferença significativa entre a circunstância de o ato (não) ser física e juridicamente possível e o facto de a Recorrente, segundo alega, se achar incapaz de o executar, isto em clara violação das obrigações que para ela decorriam do contrato de concessão;
O. Depois, porque não há forma nenhuma de se poder considerar que o contrato de concessão ainda se encontra em vigor com base numa suposta suspensão decorrente da invocação da exceptio non adimpleti contractus; já que, durante toda a execução daquele, a Recorrida agiu em conformidade com as circunstâncias e no limite do quadro dos poderes que lhe estão legalmente atribuídos.
P. Em seguida, também porque, quanto ao prazo concedido pela AA--- para a desocupação da parcela, não ficou minimamente demonstrado nos autos o que se deve entender por “condições normais de acesso à parcela” e de que forma tal não se verificaria no caso vertente, muito menos para justificar que a Recorrente pudesse dispor de um prazo quatro vezes maior do que o contratualmente previsto.
Q. Mas também, quanto à suposta irreversibilidade das obras e instalações fixas, porque se a Recorrente não amortizou os investimentos alegadamente realizados na parcela concessionada – que apenas se pode equacionar, já que, uma vez mais, a Iatemoto nada prova, limitando-se a enunciar um genérico e não circunstanciado valor de € 445.000,00 de custos, não o fundamentando e nada dizendo, igualmente, a respeito das receitas obtidas – não pode, evidentemente, a Recorrida ser responsabilizada por isso, menos ainda quando ficou já demonstrado que as perturbações que a Recorrente diz terem existido ao normal desenvolvimento da sua atividade resultaram, em grande medida, do incumprimento – a ela exclusivamente imputável – de obrigações contratuais a que estava adstrita.
R. E, por fim, porque a existência de uma causa prejudicial à emissão do ato suspendendo corresponde a uma pura ficção da Recorrente: de outra forma nunca os contratos administrativos de concessão poderiam cessar a respetiva vigência com os efeitos neles previstos – como é o caso da reversão do estabelecimento –, pelo menos enquanto não fossem dirimidos os litígios deles emergentes, diríamos, inclusive, até trânsito em julgado das respetivas sentenças.
S. Neste sentido, é de acompanhar, também aqui, a Sentença recorrida ao concluir que “a Requerente imputa vícios ao ato suspendendo que não permitem concluir pela probabilidade do êxito da ação principal, tendo o Tribunal a quo decidido como impunha o direito aplicável.
T. A finalizar, vale concluir que igualmente bem andou o Tribunal a quo, no Despacho de 9.3.2022, ao indeferir a produção da prova testemunhal requerida pela Recorrente, por considerar que não consta dos articulados a alegação de factos com relevância para a decisão da causa que careçam da produção de prova testemunhal, não se [destinando esta] a colmatar o défice alegatório.
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A Digna Procuradora Geral Adjunta, neste TCA, notificada nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, emitiu douto, completo e fundamentado Parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso, que, notificado, não obteve quaisquer pronúncia das partes.
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Sem vistos, mas com envio do projecto aos Ex.os Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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2 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO

A sentença do TAF do Porto considerou provada a seguinte factualidade:

1) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica à compra, venda, aluguer, reparações, projeto e construção de automóveis, barcos, motas de água piscinas, banheiras de hidromassagem, sauna, casas amovíveis, caravanas, autocaravanas, gruas e máquinas industriais e de lazer, arquitetura, engenharia e construção naval. (cfr. certidão comercial permanente como código de acesso 0844-7181-4057).
2) A Requerente utiliza desde 19/04/2004, para os fins e exercício da atividade de construção e reparação naval, a parcela de terrapleno e leito do rio do domínio público afeta à AA--- e integrada na sua área de jurisdição, sita na ponta do (…). [cfr. ponto B dos considerandos do contrato de concessão n.º 03-NC/GD-2013, constante do processo administrativo (PA)].
3) Em 26/04/2013, as partes celebraram o contrato de concessão de uso privativo de parcela do domínio público n.º 03-NC/GD-2013, com duração prevista de 15 anos, e produção de efeitos a partir de 19/04/2004, com vista a regularizar o uso que vinha sendo feito pela Requerente desde 2004, tendo por objeto a utilização privativa, pela mesma, da parcela do domínio público sita na ponta do (...), confrontando a norte e a nascente com o rio, a sul com terrenos privados pertencentes à Quinta (...) e a poente com o rio. (cfr. contrato de concessão constante do PA – “2-Contrato e alterações contatuais” com os respetivos anexos relativos à planta, estudo económico e financeiro, garantias bancárias e contrato social da concessionária, doc. 445476_000_00_1).
4) A parcela concessionada, possuí área de 3.119 m2 de terrapleno, onde se situam designadamente os escritórios e o estaleiro, e de 1.580m2 de leito do rio, respeitante às carreiras de construção, onde as embarcações são construídas e estacionam para serem reparadas. (cfr. contrato de concessão constante do PA (pen) – “2-Contrato e alterações contatuais” com os respetivos anexos relativos à planta, estudo económico e financeiro, garantias bancárias e contrato social da concessionária, doc. 445476_000_00_1.
5) Em Abril de 2013, a Requerente prestou duas garantias bancárias, no valor de € 19.900,00 e € 10.000,00, para o caso de incumprimento no pagamento relativo a taxas relacionadas com a parcela, taxas de utilização pela prestação de serviços e fornecimentos, rendas, sanções pecuniárias, indemnizações ou compensações. (cfr, fls. 1793/1801 do PA).
6) Na parcela concessionada, na parte térrea ou terrapleno, existem três construções onde a Requerente exerce a sua atividade, estando identificadas pelos números 4, 5 e 6:
- Parte da construção designada de n.º 4, de cerca de 200 m2, com pé direito de 11 m (apenas parte porque a outra parte fica já no terreno da Quinta (...) , Lda.;
- A construção designada de n.º 5, destinada a escritórios, com 300 m2, constituída por 3 pisos de 100 m2 cada;
- A construção designada de n.º 6, que é um armazém com 550 m2 e 14 m de pé direito; (cfr. reportagem fotográfica junta com auto de inspeção não judicial qualificada de 22/12/2021 a fls. 580 do Sitaf).
7) Encontram-se atualmente depositados na parcela concessionada, dentro e fora das construções a alude o ponto 6), os seguintes bens:
- 2 motores diesel Caterpiller, no interior de armazém sito em propriedade privada;
- Na construção n.º 4, um molde de embarcação.
- Na construção n.º 5, destinada a escritórios, composta por 3 pisos:
1.º piso: 3 quadros, um deles a óleo, diversos suportes metálicos para quadros, duas impressoras, um teclado de computador (sem torre e monitor), móveis e estantes de aquivo, 9 secretárias, uma cadeira de escritório, 3 equipamentos de ar condicionado;
2.º piso (3 salas): um ploter da marca HP – Design jet 500PS, 6 quadros (nenhum a óleo), 4 secretarias, diversas estantes/móveis de arquivo, uma mesa de reunião, uma torre PC (sem teclado ou monitor), 3 equipamentos de ar condicionado.
3.º piso: 3 sofás, vários quadros (nenhum a óleo), secretária e cadeira de secretária, estantes/móveis de arquivo, 2 equipamentos de ar condicionado.
- No exterior entre as construções n.º 4 e 6: 16 moldes de embarcações de diversas tipologias e tamanhos em fibra de vida, embarcação em aço.
- Na construção n.º 6: um veleiro de cor azul, uma embarcação de madeira, um veleiro Dufur, 2 motores diesel Mercedes, um compressor, 2 motores elétricos, cisterna de ar comprimido, máquina limpa chão, 5 moldes em madeira - (cfr. relatório de inspeção não judicial qualificada, de 22/12/2021 a fls. 580 do Sitaf).
8) O acesso terrestre à parcela concessionada implica a passagem por propriedade privada murada. (cfr. relatório de inspeção não judicial qualificada de 22/12/2021 a fls. 580 do Sitaf).
9) Em 28/03/2019 a Entidade Requerida acionou a caução no valor de E 19.900,00. (cfr. fls. 1812/1824 do PA).
10) Em 20/04/2021, a Requerente recebeu da AA---, via e-mail, oficio com o seguinte texto: “No seguimento do nosso anterior oficio com a ref 643784, de 26 de setembro de 2019, informamos V. Exas. que o Conselho de Administração da AA---, em sessão de 25.03.2021, deliberou proceder à tomada de posse administrativa da parcela em título, a realizar no próximo dia 29 de abril, pelas 10 horas, devendo encontrar-se a mesma liberta de pessoas, equipamentos e demais bens móveis ou removíveis, revertendo para a AA---, a título gratuito, as obras e instalações fixas implantadas na área da concessão, de acordo com o previsto na lei e no contrato celebrado. (...)”. (cfr. doe. 8 junto com a petição inicial; fls. 1746/1757 do PA).
11) Em 21/04/2021, a Requerente dirigiu à AA---, um requerimento onde indicou desconhecer o oficio datado de 26/09/2019, referenciado no oficio transcrito no ponto 10), solicitando a suspensão da tomada de posse administrativa da parcela concessionada marcada para o dia 29/04/2021 referindo ademais que:
“A II--- não tem, atualmente, acesso à parcela do domínio público concessionada, pois o acesso que usava foi judicialmente determinado ser da propriedade da Quinta (...), S.A., que vedou, assim, tal acesso à requerente. Deste modo, neste momento, a requerente não tem acesso nem à parcela, nem aos bens, equipamentos e máquinas que ai estão e lhe pertencem, sendo que só poderá aceder à mesma mediante autorização da AA--- para o fazer através de domínio público que permite alcançar a parcela, o qual, tanto quanto se crê, encontra-se ocupado por terceiros, sem título para o efeito.”. (cfr. doc. 9 junto com a petição inicial; fls. 1758/1769 do PA).
12) Em 26/04/2021, a Entidade Requerida respondeu dando “sem efeito o agendamento para o dia 29 de abril de 2021, pelas 10 horas, da tomada de posse administrativa da parcela do domínio público localizada no (...). (cfr. doc. 10 junto com a petição inicial).
13) Em 03/05/2021, a Requerente recebeu o oficio com assunto “Tomada de posse administrativa”, informando da Deliberação do Conselho de Administração da AA---, de 29/04/2021, com o seguinte teor:
“(...) em sessão de 29 de abril de 2021, o Conselho de Administração da AA---, S.A. deliberou notificar a II---, Lda. do seguinte:
Do teor do oficio rei 643784, de 26.09.2019, do qual V. Exas. alegam não ter tido conhecimento e cuja cópia se anexa à presente notificação;
2. De que deverão V. Exas., num novo prazo de 30 dias de calendário contados a partir da data da presente notificação, proceder à desocupação da parcela, a qual deverá encontrar-se liberta de pessoas, equipamentos e demais bens móveis ou removíveis, revertendo para a AA---, a título gratuito, as obras e instalações fixas implantadas na área da concessão, nos termos da lei e do contrato anteriormente celebrado;
3. Da nova data designada para a tomada de posse administrativa da parcela, a qual será realizada no 31.º dia útil subsequente ao termo do prazo referido no ponto 4. anterior, pelas 11 horas, ficando V Exas., desde já, notificados para comparecer a esse ato;
5. Se na data da tomada de posse administrativa a parcela não se encontrar desocupada nos termos referidos em 2. será aplicável o procedimento previsto nos n.ºs 5 a 7 da Cláusula Vigésima Primeira do contrato de concessão de que eram titulares.”
- (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial; fis. 1779/1786 do PA).
14) Do oficio da Entidade Requerida, datado de 26/09/2019, enviado à Requerente em anexo notificação referida no ponto 13), com assunto “Contrato de Conceção n.º 03NC/GD-2013 (DPLC2752)// Fim da vigência do título!! Devolução da parcela”, extrai-se o seguinte:
“Na sequência do acionamento da caução bem como do fim da vigência do Contrato de Concessão n.º 03- NC/GD-2013 notificamos V. Exas. para o cumprimento do seguinte:
1.Desocupação da parcela, sita na ponta do (...), no prazo máximo de 30 (trinta) dias úteis contados a partir da presente notificação.
2. Entrega voluntária da parcela, livre e desimpedida de pessoas e bens, até ao 31.º dia útil contado a partir da presente notificação.
3. Regularização da conta corrente que, à data de 18 de setembro de 2019, apresenta um saldo de 118.614,026,, do qual se encontra vencido o montante de 1 1 6.587,95f, composto por faturas de taxas de utilização privativa, conforme extrato em anexo.”. (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial).
15) Do oficio mencionado no ponto 14), consta em anexo mapa relativo a conta corrente das taxas de utilização privativa no âmbito do contrato de concessão celebrado entre as partes, até à data de 18/09/2019:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. doc n.º 1 junto com a petição inicial).
16) Em 23/04/2019 a Requerente intentou ação administrativa no TAC de Lisboa, que originou o processo n.º 722/19.2BELSB, relativo a interpretação, validade ou execução de contratos, no qual peticiona a condenação da aqui Entidade Demandada ao cumprimento pontual das obrigações decorrentes do contrato concretamente quanto à proteção da área de domínio público hídrico concessionada e cumulativamente que seja declarada a manutenção do contrato de concessão além da data indicada como final, pelo prazo de 15 anos, com o fundamento de não ter sido cumprido desde o início. (cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial).


2 . MATÉRIA de DIREITO

Tendo em consideração, por um lado, as conclusões das alegações da recorrente, e por outro, a sentença do TAF do Porto que, de modo fundamentado, fáctica e juridicamente julgou improcedente a providência cautelar de suspensão de eficácia onde a recorrente “II---, L.da” pretendia a suspensão de eficácia da Deliberação do Conselho de Administração da AA---, datada de 29/04/2021, notificada à Requerente em 3/05/2021, para todos os efeitos e com todas as legais consequências; e, subsidiariamente, ao abrigo do art. 122.º n.º 2 do CPTA, requeria que fosse concedida a presente providência cautelar sujeita à condição suspensiva de a Entidade Requerida facultar à Requerente um acesso por terra à parcela concessionada, idóneo ou em condições que permita a retirada dos bens existentes na parcela, e sujeita ainda a termo resolutivo, suspendendo-se a eficácia da sobredita Deliberação pelo prazo de 150 dias (prazo razoável necessário para a desocupação da parcela pela Requerente), a contar desde a verificação da condição suspensiva, para todos os efeitos e com todas as legais consequências, as questões a decidir, nesta sede recursiva, são as seguintes:
---- nulidade da sentença por alegada falta de fundamentação - cfr. conclusão 18.ª;
--- indevida dispensa de prova testemunhal;
--- verificação dos requisitos do periculum in mora e fumus boni iuris, previstos no art.º 120 do CPTA.
*
Vejamos!
Quanto à suscitada nulidade da sentença, por falta de fundamentos de facto e de direito - conclusão 18.ª das alegações - carece de razão a recorrente.
Ainda que seja muito parca a fundamentação aduzida quanto à (in)verificação do fumus boni iuris, sendo que apenas se exige um sumaria cognitio, o certo é que a apreciação efectivada quanto a esse requisito pelo TAF do Porto foi efectivada apenas por precaução, depois de ter concluído pela inverificação do periculum in mora, o que importava, sem mais, atenta a cumulatividade dos requisitos, o que não deixou de consignar na sentença.
Nesta perspectiva, quer porque a fundamentação existe, ainda que efectivamente muito liminar, quer porque era desnecessário conhecer do requisito do fumus boni iuris, inexiste a suscitada nulidade da sentença.
*
Quanto à indevida dispensa de prova testemunhal.
A razão desta alegação tem a ver com o facto de se ter dado como não provado que:
A) A Requerente tem recorrido à venda de equipamentos e instrumentos de trabalho, para fazer face às despesas da empresa; e que,
B) Actualmente a Requerente não tem facturação decorrente da sua actividade.
Mas - como refere o M.º P.º, no seu douto e preciso Parecer emitido nos autos - com vista a aquilatar da necessidade de produção de prova testemunhal, foi proferido despacho (pág.611 do SITAF), notificando as partes para virem indicar quais os factos que pretendiam provar, através da prova testemunhal.
Dando assentimento a essa notificação, a recorrente respondeu apenas quanto ao facto referido na al. A. dizendo que pretendia fazer prova desse facto pela inquirição de testemunhas.
Porém, como se decidiu e assertivamente, a requerida prova testemunhal, só por si, sem qualquer suporte documental, não é idónea para fazer prova da situação económica/financeira da referida empresa.
Actualmente a actividade empresarial de qualquer empresa, tem necessariamente de se alicerçar em documentos, na medida em que a prova da situação económico financeira de uma empresa apenas pode ser feita, através da contabilidade da empresa, respectivas declarações fiscais, eventual com a declaração junto das entidades competentes da suspensão da actividade comercial, bem como facturas, guias de transportes, contratos de compra e venda, entre outros.
Só perante tal prova documental, poderia intuir-se ser útil a inquirição das testemunhas, para esclarecer determinadas questões que resultassem da prova documental.
Cfr. a este propósito o Ac. deste TCA-Norte, de 19/6/2020, no Proc.2816/19.5BEPRT, em cujo sumário se escreveu:
"1. Só será necessário, em providência cautelar, produzir prova testemunhal que, pela sua natureza, torna mais demorado o processo, se for de todo indispensável para um juízo meramente perfunctório sobre factos essências à decisão cautelar.
2. A perda parcial de actividade comercial só se pode provar por documento dada a obrigatoriedade da escrituração comercial, imposta pelos artigos 29º e 62º do Código Comercial.
3. Não tendo sido feito prova, documental, de uma paralisação relevante da actividade produtiva da requerente com a imediata execução do acto suspendendo, a provável diminuição de rendimentos mercê de uma redução parcial da sua produção, é um dano reversível pelo cálculo, feito a partir da sua produção média, comprovada pela respetiva escrituração comercial, verificada antes de depois da prática do acto.
4. Sendo neste caso a reposição da situação económica que existiria se o acto não tivesse sido praticado uma indemnização in natura. E ainda que se entendesse ser uma indemnização por equivalente pecuniário não se poderia dizer que se verificava uma situação de facto consumado ou de difícil reparação, por ser fácil, por mero cálculo, a reconstituição que existiria se o acto, a ser anulado, não tivesse sido praticado.
5. Os requisitos para o decretamento da providência cautelar, previstos no artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, são cumulativos, como é pacificamente aceite (neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 26.10.2012, no processo 01087/12.9-A BRG e toda a jurisprudência aí citada), basta não se verificar este requisito, do “periculum in mora”, para a providência ser indeferida não se mostrando necessário analisar os demais requisitos".
Acresce - como refere o M.º P.º - que a difícil situação financeira da empresa, cuja prova testemunhal foi requerida pelo recorrente, não era decorrente da prática do ato administrativo impugnado, mas resultante de eventuais circunstancialismos fácticos e jurídicos, nomeadamente da invocada impossibilidade de acesso ao terreno, onde se situa a referida unidade industrial. Acontece, porém que o objecto da presente providencia, não se prende com o cumprimento/incumprimento do contrato de concessão, que se encontra a ser discutido em processo autónomo, mas com o acto que ordenou a desocupação do terreno do domínio publico, por decurso da caducidade do referido contrato.
Deste modo - concluindo -, não se vislumbrando em que medida a produção de prova testemunhal, per se, pudesse alterar a sorte da decisão proferida na presente providencia cautelar, carece de razão a recorrente.
*
Quanto à verificação dos requisitos do periculum in mora e fumus boni iuris, previstos no art.º 120 do CPTA.
Vejamos, ainda que de forma sintética, a abordagem da sentença recorrida, onde se fez constar:
"Relativamente ao requisito do periculum in mora:
A Requerente alega que a não concessão da providência requerida, causar-lhe-á, com grande probabilidade, danos irreversíveis, ou no mínimo de difícil reparação.
Desta forma, atesta a ocorrência de danos reputacionais, pois apesar das vicissitudes contratuais que invoca, sempre conseguiu angariar clientes e exercer de alguma forma a sua atividade, logo, a desocupação coerciva da parcela concessionada irá refletir-se na sua imagem e reputação, que ficará irremediavelmente abalada, dado que, há décadas que exerce com sucesso, no local, a sua atividade, sendo conhecida e reputada no mercado e no meio.
Por conseguinte, a não suspensão da deliberação em relevo, levará a que a sua atividade seja definitivamente afetada, impossibilitando as condições para que retome a sua atividade, quer no local da concessão, quer noutro local, o que resultará no seu encerramento irreversível.
Em contrapartida, salienta que, na parcela concessionada, tem armazenados ou depositados à sua guarda, bens de terceiros seus clientes, de elevadíssimo valor, que não podem ser deslocados sem risco de dano, o que a coloca numa situação de prováveis prejuízos para com estes.
Mais, caso seja a Entidade Requerida a fazer a remoção dos bens mencionados, esta ver-se-á obrigada a despender milhares de euros nesta operação, que a Requerente por sua vez, terá de ressarcir, acrescendo aos custos que terá de incorrer para reaver esses mesmos bens e deslocá-los novamente para outro local onde os possa depositar à sua guarda.
A situação descrita, importa custos que apenas mediante a venda do seu património, que consubstancia o recheio das instalações, pode fazer face, e, acrescenta, que é o que já tem vindo a fazer para o pagamento de despesas correntes, dívidas à Segurança Social e outras despesas judiciais, ficando também, desta forma, desprovida dos meios que detém para retomar a sua atividade.
Em conclusão, equipara a sua situação atual à de Solvência da empresa, o que entende preencher o requisito do periculum in mora.

DE DIREITO
O presente processo cautelar de suspensão de eficácia destina-se a paralisar os efeitos do da deliberação do Conselho de Administração da AA---, de 29/04/2021. Por via da suspensão dos efeitos daquele ato, pretende a Requerente manter-se a ocupar a parcela de domínio público que foi objeto do contrato de concessão de uso privativo de parcela do domínio público n.º 03-NC/GD-2013, celebrado entre as partes, em 26/04/2013, com duração de 15 anos, produzindo efeitos a partir de 19/04/2004.
Assim, cumpre apreciar se, no caso sub judice, se verificam os critérios gerais de que depende o decretamento da providência requerida.
Vejamos.
A suspensão da eficácia de um ato administrativo é uma providência conservatória porquanto, ao “congelar” os efeitos do ato, paralisa a inovação que ele visava introduzir na ordem jurídica, fazendo com que, durante a pendência do processo principal, tudo se mantenha como estava antes de o ato ter sido praticado (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª edição, Almedina, pág. 652).
Note-se que a tutela cautelar é instrumental e provisória, dependendo da ação administrativa que esteja pendente ou venha a ser proposta, bem como, do sentido da decisão que vier a ser tomada nesta, enquanto manifestação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no n.º 1 do artigo 2.º do CPTA, corolário dos preceitos constitucionalmente consagrados nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, ambos da CRP, na medida em que a tutela cautelar visa, prima fade, assegurar a utilidade da decisão que vier a ser proferida no âmbito de um processo principal.
A estas características acresce a sua sumaridade, “que se manifesta numa cognição sumária da situação de facto e de direito, própria de um processo provisório e urgente”. (cfr. Vieira de Andrade in A Justiça Administrativa. Coimbra, 17ª edição, Almedina, pág. 315)
Em conformidade, a tutela cautelar, prevista no art. 120º n.º 1 do CPTA, na versão aprovada pelo Dl. nº 214-G/2015, de 02 de outubro, tem como pressupostos cumulativos de decisão, independentemente da natureza antecipatória ou conservatória da providência requerida:
- o periculum in mora, enquanto fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de dificil reparação para os interesses que o Requerente visa acautelar no processo principal, cabendo-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos pertinentes que permitam a formulação de juízo sobre esse fundado receio;
- e o fumus bani iuris, na sua formulação positiva, isto é, a probabilidade de que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, o que pressupõe uma avaliação, em termos perfunctórios, da existência do direito alegado pelo Requerente ou das ilegalidades que o mesmo invoca.
A falta de preenchimento de qualquer um destes pressupostos, leva a que a providência cautelar não possa ser adotada.
Ao invés, confirmando-se os pressupostos referidos, importa serem também devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, de forma a aferir se os danos que resultariam da sua concessão se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências, nos termos do n.º 2 do referido art. 120.º, do CPTA, estabelecido como critério de salvaguarda da decisão, obrigando a um juízo de valor relativo e de proporcionalidade. (cfr. artigos 112º, n.º 1, 113º, n.º 1, 114º, n.º 3, alínea i), 120º, 121.º e 123.º, todos do CPTA).
Neste quadro, é necessário averiguar se, em concreto, a Requerente foi bem-sucedida demonstrar os requisitos positivos constantes do artigo 120.º, nº 1 do CPTA, começando pelo periculum in mora, (atendendo à ordem do seu conhecimento mencionada no CPTA), sem o qual a sua pretensão não será atendida, (cfr. arts. 112.º e 120.º do CPTA).
Do Periculum in mora
O “periculum in mora”, a que alude a 1.ª parte do nº 1 do art. 120.º do CPTA, traduz-se assim, no fundado receio de que, quando sobre o processo principal venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tomou a decisão totalmente inútil; seja, pelo menos, porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, op. cit, pág. 970).
Os conceitos sob cotejo a relevar, isto é, a situação de facto consumado e a produção de prejuízos de difícil reparação, são distintos na medida em que o primeiro implica a impossibilidade de se proceder à restauração natural da situação em conformidade com a legalidade, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente. Por sua vez, o prejuízo de difícil reparação pode ocorrer, no caso de a providência ser recusada, se se verificarem danos que se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou porque a reintegração se perspetiva difícil.
Sobre a apreciação da verificação dos critérios de concessão da providência, Vieira de Andrade (em “A Justiça Administrativa” 4º ed. p. 298), refere que, “O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração especifica da sua esfera jurídica. Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em principio a cargo do requerente de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar “compreensível” ou justificada a cautela que é solicitada”.
Posto isto, impõe-se sempre um juízo sobre o risco da ocorrência, fundado na apreciação das circunstâncias específicas do caso concreto, e na factualidade trazida pelo Requerente, que permitam aferir se a situação de risco é efetiva e não uma mera conjuntura de verificação eventual, recaindo sobre este o ónus de fazer prova sumária dos requisitos do periculum in mora, bastando-se o legislador com uma prova sumária dos fundamentos do pedido (ver artigos 342º nº1 do CC, 114.º nº3 alínea g) do CPTA, 384.º nº1 do CPC; AC TCAN de 11.05.2006, Proc. n.º 910/05.0BEPRT).
O art. 114º, n.º 3 alínea g) do CPTA, estabelece: “No requerimento, deve o requerente: (...) g) Especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência.”.
Cumpre apreciar.
In casu, a Requerente defende, em síntese, que a execução do ato suspendendo “consumará na esfera jurídica da Requerente, com toda a probabilidade, danos irreversíveis ou, no mínimo, de muito dificil reparação.”.
Nesta senda, vaticina que a sua imagem e reputação sairão irremediavelmente abaladas, pois todos os que se movem no seu meio comercial terão conhecimento da desocupação coerciva e desmantelamento das estruturas, o que conduzirá à perda de clientela, apresentando-se como prejuízo incontabilizável, dado que se encontra instalada há décadas no local da concessão, tendo desde essa data exercido com sucesso a sua atividade, o que conduziu a que se tomasse uma empresa conhecida e reputada no mercado e no meio em questão.
Estas circunstâncias resultarão na impossibilidade de retomar a sua atividade, e consequentemente ao seu encerramento definitivo e irreversível.
Sustenta que tem armazenados ou depositados, à sua guarda e sob sua responsabilidade, na parcela concessionada, bens de terceiros de elevadíssimo valor, que não podem ser transportados quer por si quer pela AA---, sem risco de dano, colocando-a na situação de ter de assumir esses prejuízos prováveis e incomportáveis, perante os seus clientes.
Consigna, que a remoção desses bens, importa o gasto de milhares de euros da sua parte, sendo ainda mais onerosa para si, caso seja a Entidade Requerida a fazê-lo, pois será obrigada a ressarcir todos os custos em que esta última incorra, e bem assim, os demais custos para reaver os bens retirados e deslocar os mesmos, novamente, para outro local onde os possa depositar à sua guarda.
Logo, encontrando-se a sua atividade parada, não tendo por esse motivo, faturação da proveniente da mesma, assegura que será obrigada a vender o seu património para fazer face a todos os custos, isto é, a vender os seus equipamentos e instrumentos de trabalho, os quais necessita para esse mesmo efeito, expediente ao qual alega já tem vindo a recorrer para pagar despesas da empresa, satisfazer dívidas à Segurança Social, custos com as atuações judiciais.
Todas estas circunstâncias a pressionar para o seu encerramento, ou insolvência, uma vez que ficará desprovida de retomar a sua atividade, por não conseguir custear todos os possíveis custos e prejuízos decorrentes da execução do ato suspendendo, perante a AA---, perante terceiros proprietários de bens à guarda da Requerente, perante a Segurança Social.
Ante o exposto, tendo em conta a matéria de facto indiciada nos autos em confronto com as alegações da Requerente, há que fazer o juízo de prognose, e de previsão de a execução do ato cuja suspensão de eficácia se pretende, poder originar os prejuízos invocados, considerando o nexo de causa e efeito, bem como, aquilatar se esse prejuízo é de difícil reparação ou suscetível de indemnização.
A deliberação suspendenda determinou:
i) a notificação de deliberação datada de 26/09/2019, proferida na sequência do acionamento da caução e fim da vigência do contrato de concessão, que por sua vez determinou a desocupação da parcela livre de pessoas e bens no prazo de 30 dias, bem como a regularização da conta corrente relativa ao pagamento de taxas de utilização privativa,
ii) a desocupação da parcela livre de pessoas e bens no prazo de 30 dias, liberta de pessoas e bens,
iii) nova data para ocorrer a tomada de posse administrativa da parcela, no 31º útil subsequente ao prazo de 30 dias concedido para a desocupação,
iv) caso a parcela não se encontre livre de pessoas e bens na data da tomada de posse administrativa será aplicável o procedimento previsto nos n.ºs 5 a 7 da 21a cláusula do contrato de concessão.
No que concerne o dano à imagem da Requerente e consequente perda de clientela, reconhece-se que a afetação da reputação e imagem de uma sociedade comercial se apresenta como um dano patrimonial indireto refletido na diminuição da potencialidade de lucro, e bem assim, tem vindo a ser reconhecido pela jurisprudência administrativa que os danos relativos à perda de clientela, por inibição de exercício de atividade comercial, consubstancia um prejuízo de difícil reparação.
No entanto, no caso em concreto, a deliberação suspendenda, que impõe a desocupação da parcela em causa, tem origem na suscitada caducidade do contrato de concessão do uso privativo de parcela de domínio público que se encontra na jurisdição da Entidade Requerida, e, como tal, não se afere estar em causa um ato sancionatório, ou ato sujeito a publicação, do qual possa advir publicidade negativa sobre a atividade da Requerente, sendo também certo, que a tomada de posse administrativa, enquanto ato coercivo, apenas ocorrerá caso não seja levada adiante a desocupação pela Requerente.
Por outro lado, também não resulta patente do articulado da Requerente, em que medida este ato pode objetivamente afetar a sua imagem e reputação, e originar uma perda de clientela, uma vez que essa eventual perda de clientela não vale mais do que valer a clientela atual e sobre esta e o seu valor nada se sabe, porque nada foi alegado. Aliás, a própria Requerente admite, de forma um pouco contraditória, que desde 2013 a relação entre si e a Entidade Requerida foi pautada por vicissitudes, sendo que até ai exerceu normalmente e com sucesso a sua atividade, mas, após esta data apenas foi efetuando as poucas atividades que lhe era possível, tendo clientes que “aguardam que a situação quanto ao seu exercício da sua atividade se normalize”, o que o conduz à conclusão, que não será pela desocupação da parcela, que a sua clientela a abandonará e impeça a Requerente de retomar a sua atividade.
Note-se também, que a Requerente para além de referir, de passagem, que não obtém faturação da sua atividade, não oferece outra alegação ou prova quanto à sua situação financeira atual, prova esta que apenas poderia ser complementada através de prova testemunhal, pelo que, por esse motivo, não é exequível aferir da sua real situação de tesouraria.
Face ao expendido, acrescenta-se que as alegações da Requerente sobre os prejuízos que reputa vir a sofrer, se apresentam ligados causalmente não tanto à posse administrativa, mas sim ao fim do contrato de concessão com a Entidade Requerida, atentando ao seu articulado inicial, pois, do fim de tal concessão é que resulta não poder a Requerente prosseguir com a sua atividade naquele local em concreto, com todas as possíveis e eventuais consequências económico-financeiras que aponta, sendo todavia, “necessária a demonstração de que a proteção da situação ou posição jurídica do Requerente da providência cautelar, pode vira ser afetada, ou já estar a ser, pela execução e eficácia imediata do ato suspendendo e não de qualquer outro.”. (cfr. Acórdão do TCAS, Proc. n.º 914/20.IBELRA, de 04/03/2021).
Ademais, da ocorrência da posse administrativa, resulta apenas que a Entidade Requerida toma posse dos terrenos objeto do contrato de concessão do domínio público, ocupados pelas obras, materiais, edificações, estaleiros, ferramentas, máquinas que ainda se encontram no local, que ficarão à sua guarda, apresentando-se como prejuízos determináveis e consequentemente indemnizáveis.
Posto isto, no caso em concreto, atendendo ao circunstancialismo prévio à prática do ato, segundo o decurso normal das coisas e os ditames da experiência comum, o dano na imagem e a perda de clientela não são consequências adequadas, típicas e prováveis da execução do ato suspendendo.
Em relação às embarcações de terceiros (pois a Requerente os refere concretamente), armazenados ou depositados à sua guarda e sob sua responsabilidade na parcela concessionada, cuja remoção/transporte assevera não poder ocorrer sem risco de dano às mesmas, a despeito desse dano não vir concretizado, há que salientar que o risco descrito sempre será normal e correrá por quem quer que efetue esse transporte, isto é, pelas empresas contratadas para o efeito, como a própria Requerente alega. Não se pode perder de vista que o risco invocado provem da variedade das situações da vida, neste caso, no âmbito comercial, por motivo da prestação de serviços de transporte, não sendo a via cautelar passível de acautelar que nenhum dano ocorra às embarcações de terceiros à guarda da Requerente, quando e se ocorrer o seu transporte, quer em sede de desocupação por iniciativa desta, quer em sede de posse administrativa.
Ainda no que respeita o transporte dos bens de terceiros, a Requerente aduz que a ser levado a cabo pela Requerida, será ainda mais onerosa para si, pelos motivos supra expendidos.
Acontece que, sem embargo de a possibilidade de intervenção da Requerida na desocupação da parcela, vir expressamente prevista no contrato de concessão, nomeadamente na cláusula 21', o que, em bom rigor, se apresenta como um gasto previsível e eventual a considerar pela Requerente, e, considerando que a posse administrativa só ocorrerá no caso de a Requerente não levar a cabo a desocupação da parcela da concessão, faz-se necessário reconhecer que esta operação importe grandes gastos, porém, esses custos não vêm aflorados, não decorrendo dos autos um valor aproximado dos mesmos, porventura de orçamentos solicitados às empresas especializadas nesse transporte, a que a Requerente alude.
É oportuno consignar, que a Requerente tem, alegadamente, a sua atividade estagnada, não tendo faturação proveniente da mesma, contudo, uma vez que não traz aos autos qualquer informação financeira atualizada, ou quantifica as perdas financeiras (se é que as mesmas poderão ocorrer) decorrentes da execução do ato suspendendo, não é viável, ainda que de forma abstrata, apurar o impacto dos gastos com os transportes a que aludiu, terão na sua situação financeira e, dessa forma, não é aceitável afirmar que esta se encontra em dificuldades financeiras e que o desembolsar desses valores a coloquem em situação de insolvência ou perigo de incumprimento dos compromissos assumidos, que também se desconhecem.
O que nos leva à alegada venda do seu património (equipamentos e instrumentos de trabalho) para fazer face aos custos correntes da empresa, expediente ao qual refere que já tem vindo a recorrer, mas que, quanto a transações nenhuma prova foi produzida, estando em falta, nomeadamente, faturas, guias de transporte, contratos de compra e venda, entre outros.
Assim, oferece-nos dizer que não resulta evidente do alegado, que da execução do ato suspendendo resulte facto consumado ou sequer prejuízos de difícil reparação, pois, a deliberação em causa, apesar de em abstrato a poder inibir de executar e desenvolver a sua atividade económica, com as demais consequências, a Requerente assegura que já não a está a exercer na presente data.
Exigia-se, portanto, que a Requerente, alegasse factos concretos e circunstanciados, na medida em que sobre ela impendia o ónus de alegar e de provar factos concretos para a verificação do periculum in mora.

Ante o expendido, salienta-se que os interesses que a Requerente visa defender na ação principal não se encontram precludidos, prejudicados ou impedidos de poderem ainda ser assegurados, sem o decretamento da presente providência cautelar. E, caso tenham vencimento na ação principal, ver-se-á reembolsada dos montantes que tenha agora de suportar.
Tendo sido julgado não verificado o requisito periculum in mora, claudica necessariamente a providência requerida, pelo que se toma inútil a instrução da causa para aferir dos pressupostos do requisito fumus boni iuris. (cfr. Acórdão TCAS, Proc. n.º 1706/20.3BESLB, 06/05/2021)".
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VEJAMOS!
Avançamos, desde já, que concordamos com a tese sustentada na sentença recorrida acabada de transcrever nas partes essenciais.
Na verdade, importa apenas aditar que, relevantemente, a providência cautelar foi indeferida, não apenas por não se demonstrarem os prejuízos de difícil reparação, mas por se ter entendido que parte dos prejuízos invocados, não resultam do ato impugnado, mas de outras circunstâncias fácticas antecedentes à prática do ato administrativo,
Efectivamente, quer a situação económica/financeira da recorrente, quer a eventual perda de clientela, ou mesmo o perigo de insolvência invocado, são prejuízos que não decorrem do acto administrativo suspendendo, mas são-lhe antecedentes, nomeadamente do facto do prédio onde a requerida exercia a sua actividade industrial, se encontrar encravado por via terrestre.
Como alega a própria requerente/recorrente, nesta data, não exerce qualquer actividade --- facto essencial para a sorte da providência --- quer por falta de acesso terrestre às instalações, pelo facto de, por decisão judicial transitada em julgado, esse acesso, por propriedade privada murada, ter sido fechado - sem que impute sequer qualquer culpa, nessa parte, à entidade demandada - quer pelo facto dos eventuais danos, cessação da actividade derivar, não directamente, do acto suspendendo, mas antes da cessação da concessão, discutida em processo diverso.
Bem discorre a sentença a este propósito, referindo que "... as alegações da Requerente sobre os prejuízos que reputa vir a sofrer, se apresentam ligados causalmente não tanto à posse administrativa, mas sim ao fim do contrato de concessão com a Entidade Requerida, atentando ao seu articulado inicial, pois, do fim de tal concessão é que resulta não poder a Requerente prosseguir com a sua atividade naquele local em concreto, com todas as possíveis e eventuais consequências económico-financeiras que aponta..."
No mesmo sentido, refere o M.º P.º, no seu douto Parecer "Aliás, se não existe qualquer acesso terrestre ao terreno, não se compreende porque motivo pretende a requerente evitar a tradição da área concessionada, se a mesma refere que deixou de ter atividade por estar privado de acesso por via terrestre, ao seu estabelecimento industrial".
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Deste modo, não se mostrando provado o requisito cumulativo - periculum in mora -, terá de ser indeferido o pedido de suspensão do acto administrativo suspendendo, tornando-se, assim, desnecessário apurar a verificação dos restantes pressupostos de decretamento da providencia cautelar de suspensão, nomeadamente o fumus boni iuris - aparência do bom direito - e a ponderação de interesses.
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Refira-se ainda que, quanto à causa prejudicial, a natureza urgente das providências cautelares, não se compagina com a suspensão dos autos, com vista a obter uma decisão em processo não urgente, nomeadamente quando está em causa uma acção cujo objecto (interpretação e execução de contrato administrativo) além, do mais, é diverso do ato administrativo impugnado, sob pena de subverter a natureza dos processos cautelares.
Neste sentido, cfr. o Ac. do STJ, in Proc. 1898/17.9T8SNT.L1.S2, proferido em 24/9/2020, onde se sumariou que "A suspensão da instância por alegada pendência de causa prejudicial, prevista no art.º 272º do CPC, é incompatível com a natureza dum procedimento cautelar e como tal inaplicável a estes procedimentos”.

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Quanto ao pedido subsidiário, porque inverificado, em apreciação do pedido principal, um dos requisitos cumulativos da concessão da providência cautelar - periculum in mora - naturalmente que carece de fundamento o pedido subsidiário, discordando-se, assim, nesta parte, da posição vertida pelo M.º P.º, neste aspecto, mas, secundando-se, porém, o que a este propósito se exarou na sentença recorrida "... não estando reunidos os pressupostos para o decretamento da providência constante do pedido principal, não se justifica o decretamento de uma providência que apenas difere desta quanto aos efeitos em termos de condições e prazos resolutivos a impor à Entidade Requerida".




III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e assim manter a sentença recorrida.
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Custas pela recorrente.
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Notifique-se.
DN.

Porto, 27 de Maio de 2022

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho