Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00435/18.2BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/27/2022
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:ACIDENTE VIAÇÃO, IMPUGNAÇÃO MATÉRIA FACTO, ÓNUS PROVA CONCESSIONÁRIAS - PRESUNÇÃO CULPA:
– ART.º 12.º LEI 24/2007, DE 18/7
Sumário:1 . A presunção de culpa, o ónus probandi das concessionárias, vertido no n.º 1 do art.º 12.º da Lei 24/2007, de 18/7, está dependente, como resulta do n.º 2 desse normativo --- “Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança"---, da confirmação do acidente obrigatoriamente no local pela autoridade policial competente.

2 . Se resultar dos autos que o A. deslocou a viatura do local do acidente para uma área de serviço, local onde aí a viatura foi observada por elemento da GNR, chamada ao local e tendo a descrição do acidente sido apenas registado com base nas declarações do A. sem qualquer outra testemunha presencial do acidente, não impende sobre a concessionária o ónus da prova previsto no n.º1 do art.º 12.º da Lei 24/2007, de 18/7.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . MM..., residente na Rua (…), inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Mirandela, de 27 de Dezembro de 2021, que, julgando improcedente a acção administrativa, absolveu do pedido a "AUTO - ESTRADAS (...), SA" e "OP---, SA", ambas com sede no Lugar (…), pedido esse que consistia no seguinte:
"a) Seja declarado que as Entidades Demandadas, com a sua conduta, constituíram-se solidariamente na obrigação de indemnizar o Autor pelos danos sofridos com o acidente na petição inicial, nos termos dos artigos 483º, 487º, 562º e 566º do Código Civil (CC), em sede patrimonial – artigo 494º do CC e artigo 12º, nº 1, al. b) da Lei nº 27/2007, de 18.07;
b) Caso assim se não entenda, seja declarado que as Entidades Demandadas são solidariamente responsáveis pela indemnização dos danos causados ao Autor ao abrigo da responsabilidade pelo risco decorrente do disposto no artigo 500º do CC;
c) Por qualquer uma das vias supra invocadas em a) e b), serem as Entidades Demandadas condenadas solidariamente a pagar ao Autor:
i) A quantia de 4.866,68€, a título de peças, material e mão de obra já despendidos com a reparação do veículo sinistrado, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento;
ii) A quantia de 1.090,49€, a título de despesas com peças, material e mão de obra, que o Autor irá ainda despender, com a reparação do mesmo veículo, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento;
iii) A quantia de 1.040,00€, a título de privação de uso do referido veículo, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento;
iv) A quantia de 68,00€, a título de despesas com a cobrança deste seu crédito sobre as Entidades Demandadas, desde logo com o pedido do auto de participação de acidente nos serviços da GNR, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento; e
v) A quantia de 500,00€, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento".
*
2 . No final das suas alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
"1.ª O recorrente não se conforma com a decisão proferida, porquanto se considera que ocorreu incorreto julgamento da matéria de facto, assim como fez o Tribunal recorrido uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
O tribunal recorrido errou notoriamente quanto ao julgamento da matéria de facto, pois, de facto, atentos os circunstancialismos do caso, e a prova testemunhal, por declarações, e documental que foi feita, é de concluir que foi reproduzida prova suficiente, congruente e com razão de ciência no sentido de:
i) Dar como provado o ponto de facto referenciado na matéria de facto dada como não provada na Sentença recorrida a letra A.;
ii) Dar como provado o ponto de facto referenciado na matéria de facto dada como não provada na Sentença recorrida a letra B., e com a formulação que se sugere “Os contactos do A. junto da oficina para as reparações do veículo iniciaram-se a 29 de Agosto de 2018, sendo certo que todas as reparações do veículo foram faturadas a 2018-10-29”.
Os meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida são precisamente: i) a prova por declarações; ii) a prova por testemunhas; iii) a prova documental; e que infra se especifica.
4.ª Assim, os meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida são precisamente:
- As declarações de parte do A. MM..., referenciadas para dar como provados os factos das alíneas a) e b), da matéria de facto provada, referenciados na Sentença como não provados, declarações prestadas em 05/07/2021, registadas na gravação da audiência, anexa ao SITAF, minutos [00:03:30 a 00:35:00];
- O depoimento de CR... para efeitos de prova do facto da alínea a), da matéria de facto provada, referenciados na Sentença como não provados, depoimento prestado em 05/07/2021, e cujas declarações desta testemunha encontram-se registadas na gravação da audiência, anexa ao SITAF, minutos [00:48:05 a 00:53:25];
- O depoimento de EM..., para efeitos de prova dos factos das alíneas a) e b), da matéria de facto provada, referenciados na Sentença como não provados, declarações prestadas em 14/07/2021, registadas na gravação da audiência, anexa ao SITAF, minutos [00:00:00 a 00:15:25];
5.ª Para justificar a alteração da matéria de facto nos termos requeridos, o recorrente invoca ainda o meio de prova documental, e por referência aos seguintes documentos: Documento N.º 4, junto com a Contestação das RR., de fls. , dos autos, Documento N.º 6 junto com a Contestação das RR., de fls. , dos autos e documentos Números 5, 6, 7, e 8, junto à p.i..
Considerando toda a prova aqui exposta, não podemos concordar com a fundamentação constante da página II da sentença recorrida, e na qual se apresentam as justificações para a falta de prova relativamente aos pontos a) e b). De facto, é inegável que o ramo de madeira se espetou por baixo do veículo do A., e é inegável que o A., após o acidente, ficou com a caixa de velocidades a não meter bem as velocidades, sobretudo a partir da terceira velocidade. Se nunca antes havia o A. sentido qualquer dificuldade com a caixa de velocidades, é razoável que este dano em concreto tenha sido provocado pelo acidente. Não há outra explicação razoável.
7.ª Mais a mais, um dano daquele tipo não se configura como um dano normal para um veículo daquele género, sendo certo que se o A. ia a ultrapassar um veículo em plena auto-estrada, certamente que o fazia em 5º ou 6º velocidade, o que significa que a caixa de velocidades funcionava normalmente. Acresce que ninguém vai querer liquidar uma conta como a que o A. liquidou se efetivamente os danos não tivessem existido, e nem as reparações em causa dizem respeito a reparações programadas e conforme o livro de reparações.
8.ª Todos os depoimentos prestados estão em consonância com a documentação junta aos autos. É verdade que pode existir algum pequeno desfasamento quanto às datas da reparação, data de entrega do veículo junto da oficina, tempo de privação, tempo de reparação... Contudo, a verdade é uma, quem se vai recordar, em concreto, de datas de há 4 anos atrás? É preciso ter em consideração que o julgamento realizou-se 4 anos depois, já a memória da parte e das testemunhas para datas se dissipou um pouco.
9.ª Se a parte e as testemunhas se recordassem em concreto das datas é que seria de estranhar... Ora, não é uma pequena incongruência de depoimentos quanto a datas, e veja-se que mesmo que ela exista é muito pouco relevante, que pode servir para afastar a credibilidade dos demais depoimentos e elementos documentais já referenciados.
10.ª O tribunal a quo não podia deixar de atender aqueles danos na caixa de velocidades, pois que são danos previsíveis, e consentâneos com toda a documentação junta aos autos. Todos os factos dados como provados constituem causa daquele dano, e no plano naturalístico, sem aqueles factos o dano não se teria verificado. Sendo certo que, se dúvidas existissem, então sempre poderia o tribunal julgar dentro dos limites que tivesse por provado, fixando a indemnização por equidade.
Sem prescindir,
11.ª Com base no disposto no art.º 12, nºs 1, 2 e 3 da Lei nº 24/2007 de 18/07, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, competia efetivamente às RR. ilidir a presunção de culpa que impendia sob as mesmas quanto ao incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação de proporcionar aos utentes da via em causa as condições de segurança indispensáveis ao processamento na mesma do trânsito rodoviário.
12.ª Desde logo porque foi no local verificada a causa do acidente pela autoridade policial, não sendo suficiente para afastar a presunção da lei o facto do A. ter deslocado um pouco o automóvel sinistrado para ir ter com a sua esposa que trabalhava na área de serviço logo ali junto ao local do sinistro...
13.ª E mesmo que se considere não ter havido no local a verificação pela autoridade policial, o que se rejeita, a verdade é que a matéria de facto é toda consentânea para inferência de que houve um acidente quando o A. embateu contra um ramo de madeira que se encontrava na via.
14.ª Mais: quanto à obrigatória confirmação das causas do acidente pela autoridade policial mostra-se comprovado que esta foi chamada ao local e tomou conta da “ocorrência” (cfr. o provado em 8). De facto, a GNR foi ao local, e até informou a 2.a demandada da “ocorrência”! – Cfr. Ponto de facto n.º 8, referenciado como provado. A GNR mais confirmou o local, a hora, o sentido de marcha, as condições da via, a intervenção do veículo, a sinalização vertical, a causa do sinistro... – Cfr. pontos de facto números 1, 2, 8, 9, 10, 11 e 12 da Sentença, e dados como provados. E se a GNR não tivesse ido ao local, e realizado o levantamento da ocorrência, certamente que o A. não teria pago 68,00 € pelo auto de participação do acidente, auto que foi confirmado em tribunal pelo GNR que o levantou. – Cfr. ponto de facto n.º 38, da Sentença, e dado como provado.
Posto isto:
15.ª Levantar um auto de notícia, “tomar conta da ocorrência” e até informar a 2.º R. da “ocorrência”, não significa outra coisa que não o certificar o que ocorreu nos termos então possíveis.
16.ª Termos estes que são os que decorrem do auto elaborado pela GNR no mesmo dia e local, conforme o teor de fls. 18, 19 e 20 dos autos. Neste sentido, foi respeitado o nº 2 do art.º 12 da Lei citada.
17ª Sem prescindir, mais se diga que a obrigatoriedade de confirmação de causas pela entidade policial não é um encargo probatório a cargo do lesado, como a Sentença a quo considera. É antes um procedimento imperativo para a autoridade, que fundamentalmente se destina a auxiliar a entidade concessionária na prova de um evento anómalo e estranho ao cumprimento das suas obrigações. Como também pode servir para apenas fazer luz sobre a causa imediata do acidente. E assim aconteceu no caso em apreço, porquanto naquele auto até é incluída uma referência ao facto de não haver vestígios no local “porque segundo o condutor, um funcionário da concessionária da autoestrada retirou o ramo de madeira antes da chegada do participante ao local do acidente”, e mais referência se faz no auto a “danos materiais”, “colisão com objeto na via” e “embate em ramo de madeira”
18.ª O que está plasmado nesse nº 2 é unicamente uma prescrição de imperativa atuação da autoridade policial principalmente destinada ao rápido apuramento da origem do obstáculo, apuramento sem o qual a concessionária pode não alcançar a prova do cumprimento a que se refere o nº 1. Fundamentalmente, como resulta da expressão introdutória do preceito “Para efeitos do número anterior”, a promoção da confirmação policial do evento responde ao interesse da concessionária, uma vez que não só servirá para lhe facilitar a ingrata tarefa de ilidir a presunção de culpa como sobretudo adjuvá-la-á decisivamente no precaver-se contra invocações fraudulentas de acidente, assentes em prova testemunhal forjada. – Cfr. sobre esta matéria a apelação nº 131/08.9TBFAG.C1 da Relação de Coimbra, em que foi relator o Des. António Magalhães e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo 2533/11.4TBVIS, com data de 17-07-2014.
Sem prescindir,
19.ª Tendo o acidente ocorrido em autoestrada concessionada pelas RR., recai sobre a concessionária uma presunção legal de culpa nos termos do artigo 12º, no 1, da Lei nº 24/2007, de 18.7.
20.ª No caso concreto, entende o recorrente que, não obstante o que ficou provado na Sentença recorrida, as RR. não ilidiram a presunção de cumprimento que sobre ela impendia, desde logo porque para que se possa afastar a presunção legal de culpa contida nas alíneas a), b) e c), do n.º 1, do art.º 12.º, da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, não é suficiente que a concessionária alegue e demonstre que cumpriu genericamente as suas obrigações de vigilância ou que procedeu à implementação de medidas destinadas a evitar a presença de objetos, de pneus, de troncos ou ramos de madeira, animais ou de líquidos nas faixas de rodagem, incluindo durante o intervalo temporal em que os mesmos permaneceram na via e no local onde o sinistro teve lugar, antes se exigindo que aquela demonstre que, na situação concreta, a presença do objecto, do animal ou do líquido na via não se deve a incumprimento seu da obrigação de impedir essa presença.
21.ª Da factualidade assente não conseguimos extrair como é que o objeto em causa alcançou a faixa de rodagem e veio nela a permanecer, nem durante quanto tempo, nem a razão pela qual ali permaneceu o tempo suficiente para ocasionar a colisão, apenas se sabendo que não pertencerá à infra-estrutura da auto-estrada... e sim, ou de algum veículo, ou então de algumas das árvores próximas.
22.ª Não se apurou qualquer facto apto a demonstrar ser imputável ao condutor do veículo a produção do sinistro. Pois nenhum facto foi dado como provado nesse sentido.
23.ª Aliás, o que consta da sentença recorrida é apenas que o Autor terá concorrido decisivamente para a ocorrência do acidente ou, ao menos, para as suas consequências danosas, tese com a qual o recorrente não concorda, como demonstra no corpo das alegações de recurso, pois o tribunal dá como provados os factos 3. e 5. referenciados como provados na Sentença recorrida, ou seja que o A. estava a efetuar uma ultrapassagem de um outro veículo, quando foi surpreendido por um ramo de madeira na via, e não conseguiu evitar o acidente, e quando transcreve para a sentença as declarações do A., valorando-as expressamente, na parte em que este afirma que “não pôde travar porque tinha um carro mesmo atrás de si”, e que “não quis travar a findo por se assustou como que podia acontecer se o fizesse”.
24.ª Não nos parece que o choque com um ramo de madeira na via, o qual inelutavelmente produzirá apenas danos materiais, seja comparável com um choque entre veículos...
25.ª O tribunal a quo não poderia conjeturar sobre a dinâmica do acidente em si, por lhe faltar prova científica para concluir o que concluiu. Os elementos de facto disponíveis são manifestamente insuficientes para se poder concluir, com a segurança necessária, que o condutor recorrente poderia travar a fundo, evitando o choque com o ramo, e evitando o choque com o veículo que seguia mesmo atrás de si...
26.ª A interpretação normativa que o tribunal a quo fez do artigo 24º do CE – e o juízo de imputação subjetiva que dele resultou – não se mostram razoáveis e adequados, perante a concreta especificidade do acidente dos autos. O aparecimento de um tronco ou ramo de madeira no meio da via é um evento anormal e imprevisível, e desde logo para o efeito da aplicação daquele normativo.
27.ª Aquele surgimento do objeto na via, que o condutor não está a contar, e tudo durante uma manobra de ultrapassagem, em que logo atrás de si segue um outro automóvel, são até factos idóneos para causar, no condutor médio, um justificado estado de perturbação que lhe possa dificultar a imediata avaliação do comportamento rodoviário (travagem a fundo, desvio ou manobra de salvamento...) concretamente mais adequado para evitar ou minimizar os danos.
28.ª A ilação que o tribunal a quo retira da dinâmica do acidente até será processualmente inadmissível, por colidir com a matéria de facto fixada –não podendo extrair-se por presunções naturais ilações que conduzam a ter por demonstrada factualidade diversa e desconforme com a fixada.
29.ª Mais: para fracionar uma qualquer presunção judicial, ao abrigo do artigo 24º do CE, era indispensável que estivesse claramente provado, no plano objetivo da ilicitude, o cometimento de uma infração ao CE, presumindo-se a culpa do contraventor, e se não fossem por ele demonstradas circunstâncias excecionais excludentes do juízo de imputação subjetiva. O que não sucedeu. Não se provou. O que se provou foi que surgiu na via um pau de madeira, o que não pode deixar de se qualificar como um evento anormal e imprevisível.
Sem prescindir
30.ª Em todo o caso, pelos factos provados, o que resultou demonstrado foi o cumprimento genérico das obrigações que sobre as RR. impendem de vigilância e de conservação da A4, impostas pelo contrato de concessão.
31.ª As RR. não conseguiram, no entanto, fazer prova do cumprimento do concreto dever de assegurar permanentemente, em boas condições de segurança, a circulação viária no lanço concreto, uma vez que aquele pau, aquele ramo de madeira, não obstante os factos provados, encontrava-se efetivamente na faixa de rodagem e nenhuma das RR. fez prova de que tal facto não lhe é imputável. Às RR. incumbia, para ilidir a presunção de culpa que sobre si incide, provar que, neste concreto caso, o objeto permanecia na faixa de rodagem da A4 de forma incontrolável para si ou que lá foi colocado por determinado terceiro, propositada ou negligentemente, o que não alegou e, logo, não demonstrou.
32.ª Só nos casos de força maior enunciados nas alegações poderá a Concessionária exonerar-se da sua responsabilidade pelo não cumprimento.
33.ª Caberá à entidade responsável, em cumprimento do ónus de prova que sobre si impende nos termos do nº 1 do art. 12 da Lei nº 24/2007, demonstrar que encetou todos os procedimentos adequados e se rodeou de todas as cautelas necessárias ao seu alcance tendentes a evitar o concreto perigo a que ali se alude para os utentes da via.
34.ª De acordo com as circunstâncias alegadas no presente recurso, e desconhecendo-se qualquer explicação para a existência do referido objeto na via, cremos que será a favor do lesado/utente, e não da concessionária, que a dúvida terá de resolver-se, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 12 da referida Lei nº 24/2007 e no art. 350 do C.C..
35.ª Perante a fragilidade da matéria provada quanto à conduta das RR. não é possível concluir que a mesma esgotou todas as possibilidades ao seu alcance para obstar à existência do objeto na via e/ou promover a sua rápida deteção e remoção, com imediata e devida sinalização do perigo.
36.ª Não lograram, em suma, as RR. fazer prova do efetivo e adequado cumprimento das obrigações de segurança que sobre si impendiam e lhe são exigíveis, pelo que não cumpriu o ónus a que alude o art. 12, nº 1, da mencionada Lei nº 24/2007.
37.ª Dos elementos disponíveis, resulta que ficaram provados os pressupostos da responsabilidade civil que ao A. lhe competia provar, designadamente, o facto e os danos, bem como o respetivo nexo de causalidade entre ambos (artº 483º do CC).
38.º Assim sendo, ao contrário do decidido na Sentença recorrida, são as RR. responsáveis pelos prejuízos decorrentes do sinistro perante a A., tal como já se consignou em várias outras decisões anteriores, invocando-se aqui a seguinte jurisprudência:
- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo 371/13.9BEPRT:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 2533/11.4TBVIS.C1, com data de 17-07-2014;
- Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, no âmbito do processo 514/17.3BECBR, com data de 20-12-2021;
- Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 596/2009; Cfr. também acórdão do mesmo Tribunal com o n.º 629/2009.
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 339/16.3T8SXL.L1-7, com data de 05-06-2018;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.3.2013;
- Acórdão da Relação do Porto de 17.11.2009;
39.ª Pelo que o Tribunal a quo violou as seguintes normas legais: os números 1 e 2 do art.º 12, da Lei nº24/2007, e ainda o artigo 342º, n.º 1, do Código Civil e o artigo 10º, n.º 3, do RRCEEP, artigo 24º do Código da Estrada, Capítulo XII, do Decreto-Lei nº380/2007, de 13 de novembro, Base 76 do DL 380/2007, nº 1 da Base XXXVII, Base XXXVI, e o nº 1 da Base XLIX, anexas ao DL nº 294/97, de 24.10, Base XXX, n.º1, anexa ao DL 215-B/2004 e Base XXII, nº 9, anexa ao DL nº 294/97, artigos 350º,n.º 2, 483º, 487º, 493º, 494º, 496º, 562º, 563º, e 566º, todos do C.C.
40.ª Recaindo sobre as RR. a obrigação de indemnizar, restará pois a este Venerando tribunal que fixe o montante a receber a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, o que se requer em conformidade
41.ª Recorrendo-se a juízos de equidade na fixação da indemnização caso não seja possível determinar o montante exacto dos prejuízos. – n.º 3, do artigo 566º, do C.C.
42.ª Sendo possível liquidar posteriormente o respetivo valor, em incidente próprio, deve ser este o meio utilizado para se obter a indemnização devida, sem prejuízo de aí se concluir pela necessidade de fixar a indemnização por recurso a critérios de equidade – artigos 378º, n.º 2, e 661º, n.º 2, do CPC”.
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3 . As Rés/Recorridas "AUTO - ESTRADAS (...), SA" e "OP---, SA" apresentaram contra alegações, concluindo do seguinte modo:
I. O Recorrente veio interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância que julgou totalmente improcedente o pedido deduzido pelo Autor /Recorrente.
II. Para tanto, considerou o Recorrente que o Tribunal a quo julgou erradamente a matéria de facto dada por não provada constante das letras a) e b) dos factos não provados.
III. Todavia, considerando a prova produzida em audiência de julgamento não assiste qualquer razão ao Recorrente.
IV. Quanto ao facto considerado como não provado na al. a) do factos não provados onde se refere que: “Em consequência direta e necessária do acidente, o veículo do Ator sofreu danos significativos na caixa de velocidades” verificamos, que analisados os meios de prova que o Autor invoca os mesmos assentam única e exclusivamente nas declarações do Recorrente e das testemunhas EM... e de CR....
V. Do depoimento da testemunha CR... resulta que a mesma pouco sabia sobre os factos em apreço nos autos.
VI. Por outro lado, o depoimento da testemunha EM... revelou-se totalmente incongruente com as declarações de parte do Réu.
VII. Relativamente aos danos na caixa de velocidades resulta do depoimento da referida EM... (ouvida na sessão de dia 14.07.2022) a caixa de velocidades começou a dar problemas já depois do Recorrente ter ido à oficina por diversas vezes, o que evidencia que o Recorrente continuou a utilizar o automóvel,
VIII. Por outro lado esta testemunha referiu que viu o marido, aqui Recorrente, já depois de ter saído no local do acidente, a retirar os ramos do automóvel antes da chegada ao local do funcionário da Ré ou da a GNR.
IX. Sobre esta matéria, o Recorrente, em declarações de parte, referiu que que quem retirou os ramos do carro terá sido um funcionário da Ré o Sr. P....
X. A confirmar a inexistência de qualquer ramo no local veio a testemunha SC... Guarda que tomou conta da ocorrência.
XI. Acresce que quanto à caixa de velocidades se atentarmos aos orçamentos e fatura juntos aos autos, os primeiros datam de 24.09.2018 (mais de um mês após o alegado acidente) e a segunda data de 29.10.2018.
XII. O que contraria a versão do Recorrente e também da testemunha EM... que afirmaram que o carro foi para a oficina para ser reparado em 29.08.2021 tendo a reparação terminado em 14 .09.2021.
XIII. A ser assim, o orçamento teria que estar datado de Agosto de 2021 e não de 29 de Setembro de 2021, assim como a fatura de reparação deveria estar datada em Setembro e não em Outubro de 2021.
XIV. Nesta matéria bem observou o Tribunal ao afirmar não é crível que a oficina reparadora – que é uma oficina autorizada pela BMW – emita faturas muito depois da reparação.
XV. Acresce ainda que, de acordo com o depoimento do Recorrente (em audiência de 05.07.2021), o mesmo referiu que entre a paragem na berma direita da via, após o alegado embate, e o arranque para de deslocar para a área de Serviço do lado oposto ao que se encontrava, verificou que a partir da 3.º velocidade não conseguia utilizar nenhuma das outras velocidades.
XVI. O que revela alguma estranheza já que segundo o mesmo, após parar na berma, ainda percorreu cerca de 700 m para se deslocar para a estação de serviço em sentido oposto, e depois cerca de 5 a 6 Km até sua casa, sem cuidar de chamar um reboque para o efeito.
XVII. Tendo ainda referido ter-se deslocado no referido veículo várias vezes à oficina.
XVIII. O que demonstra que continuou a circular com o veículo tendo a reparação, como resulta dos documentos, sido efetuada apenas em Outubro de 2018, atenta a discrepância com a data e o valor dos orçamentos de 24.09.2018.
XIX. Pelo que todas estas evidências justificaram que o Tribunal a quo tivesse considerado não provada que, em decorrência do acidente, a caixa de velocidades do carro do recorrente tivesse sofrido danos.
XX. No que respeita à matéria de facto dada como não provada na alínea b), refira-se igualmente as incongruências dos depoimentos supra referidos, com os documentos juntos aos autos, orçamento e fatura (documentos 5, 6, 7 e 8 junto à p.i).
XXI. Tais documentos têm um lapso temporal de 1 e 2 meses após a data do acidente, que contradizem as declarações de parte do Recorrente a da testemunha EM... ao afirmarem que o carro foi para a oficina logo no dia 29 de Agosto e que demorou cerca de 15 dias a ser reparado.
XXII. Pelo que não foi feita prova cabal da matéria referida naquela al. b) dos factos não provados.
XXIII. Quanto à inversão do ónus da prova considerado pelo Tribunal a quo, o Recorrente confunde a interpretação correta efetuada pelo Tribunal do artigo 12.º n.2 da Lei 24/2007.
XXIV. Na verdade, não foi verificada no local a confirmação das causas do acidente pela autoridade policial.
XXV. Conforme resulta das declarações do Recorrente, supra transcritas, o mesmo após o alegado embate nos ramos, encostou o carro na berma do lado direito, e depois prosseguiu até à próxima saída, invertendo a marcha, após o que se dirigiu-se à estação de serviço situada em sentido contrário.
XXVI. Chegado a esse local, reitere-se, de acordo com o depoimento supra transcrito da sua esposa, a testemunha EM..., o mesmo retirou os ramos e aguardou pela chegada da GNR e do funcionário da concessionária.
XXVII. Pelo que, o auto que a GNR realizou, e que foi junto aos autos, não tem o alcance ínsito na referida norma do artigo 12.º n.2 da Lei 24/2007, uma vez que do mesmo constam factos apenas relatados pelo Recorrente em local diferente onde ocorreu o acidente com os supostos ramos que já não se encontravam no carro por terem sido por ele retirados.
XXVIII. De onde resulta que a GNR não pôde verificar o local do acidente e as condições em que se encontrava o veículo, resultando do depoimento (ouvido na sessão de 05.07.2021) da testemunha SC..., Guarda da GNR, que quando chegou à área de serviço ode se encontrava o veículo, não viu quaisquer ramos, tendo-se limitado a colocar no auto de noticia, o que foi relatado pelo Recorrente.
XXIX. Decorre assim do depoimento desta testemunha que não foi verificado nos termos previsto no referido n.º 2 do artigo 12 do referido diploma a confirmação das causas do acidente no local, mas antes a simples descrição em auto daquilo que o Recorrente reportou.
XXX. Não tendo sequer sido possível ao àquele testemunha verificar a existência de ramos no local indicado pelo Recorrente,
XXXI. Pelo que, bem decidiu o Tribunal a quo ao considerar não se verificarem os requisitos de que depende o funcionamento da presunção de incumprimento prevista no artigo 12.º n.º1 do DL 24/2007.
XXXII. Acresce ainda que, a questão de ter existido acidente como resulta dos factos dados como provados, a verdade é que as Rés demonstraram terem cumprido as suas obrigações, nomeadamente de vigilância e conservação da via.
XXXIII. Ora analisado o registo de patrulhamento, junto à contestação, cerca de 45 minutos antes da hora indicada para o acidente, foi feito um patrulhamento no local do acidente não tendo verificado a existência de ramos ou detritos de ramos provenientes das limpezas efetuadas à via.
XXXIV. Ficou assim evidenciado nos autos que as Rés cumpriram as obrigações que sobre elas recaem na vigilância e conservação da via.
XXXV. De facto ficou provado a Ré concessionária realizou patrulhas regulares sendo que a última efetuada no local assinalado para o acidente ocorreu pelas 14H40, não tendo sido detetados ramos da via.
XXXVI. Na verdade, os deveres de manutenção e fiscalização não podem ser encarados como uma omnipresença constante, antes sim devem ser entendidos em termos de dever médio.
XXXVII. Acresce ainda que, no presente caso, não se verifica o menor nexo de causalidade adequada entre os factos imputados às Rés e os alegados danos, e daí a inexistência de qualquer dever de indemnizar a cargo das Rés.
XXXVIII. Em todo o caso, sempre se dirá que o acidente resultou da falta de cuidado do condutor na condução da viatura e não de qualquer ato ou omissão imputável às Rés.
XXXIX. Quanto a este facto, decidiu bem o Tribunal a quo ao referir que o Autor relatou que embateu no ramo ao ultrapassar um outro veículo, não podendo travar a fundo, pelo facto de atrás do seu seguir um outro veículo,
XL. Mas a verdade, como refere o Tribunal a quo, é que mesmo assim após o embate o Autor encostou o carro a berma direita, após uma ultrapassagem e um embate, sem que tivesse dado conta, que outros veículos tivessem embatido no seu veículo ou até nos outros ramos que o Recorrente referiu, nomeadamente o carro que seguia atrás do seu na referida ultrapassagem.
XLI. Sendo certo que tratando-se o veículo do Recorrente de um BMW X5, relativamente mais alto que o comum dos veículos ligeiros, bastava ao Recorrente ter diminuído a velocidade ligeiramente de forma que o embate no ramo fosse feita a velocidade menor.
XLII. Ao invés, o Recorrente afirmou que nem sequer travou por atrás dele seguir um outro veículo.
XLIII. Nesta conformidade, não podia ser imputada às Rés a violação de regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado a que estão adstritas não se verificando um funcionamento anormal do serviços por estas prestadas, não lhe podendo ser exigível atuação diferente daquela que ficou evidenciada em audiência de julgamento.
XLIV. Nesta matéria veja-se o Ac, TRC de 05.05.2015 proferido no processo 27/13.2TBALD.C1, in dgsi.
“Procurando fixar o padrão de diligência exigível a uma concessionária pela especificidade das situações elencadas no nº 1 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, observaremos que, nos casos, que acabam por ser os mais comuns na prática dos tribunais, de acidentes em auto-estrada decorrentes da entrada nas vias de animais, acrescem ao dever de vigilância da concessionária sobre a via (à monitorização técnica e humana da própria via), deveres prévios especificamente ligados à estruturação protectiva da via em termos aptos a impedir o acesso de animais a esta e a travessia das faixas por estes.
V – Diversamente, concretamente dentro da facti species da alínea a) do mesmo artigo 12º, nº 1 (acidente causalmente ligado a objectos existentes nas faixas de rodagem que aí possam ter caído), a questão do desempenho probatório pela concessionária (ou seja: o que para esta significa provar um nível de desempenho suficiente das suas obrigações de segurança activa da via) adquire dimensões mais específicas – menos abrangentes que no exemplo dos animais – às quais não é indiferente a ponderação de factores como sejam o momento do conhecimento da existência do obstáculo na via e o lapso de tempo de reacção em função desse conhecimento.
VI – Referimo-nos aqui ao tempo que a concessionária demora a ter conhecimento e a reagir, sendo que para ter conhecimento exige-se que tenha implementado e que execute um sistema de patrulhamento da via ao longo do dia que, a espaços de tempo aceitáveis, lhe permita verificar as condições de circulação ao longo de todo o troço concessionado. Mais do que isto, só se pode exigir que sejam colocados ao longo da via pontos de contacto com a concessionária (SOS) que possibilitem aos utentes adverti-la das situações ocorridas.
VII – É com este sentido que a nossa jurisprudência, sem abandonar um quadro de exigência qualificado à concessionária, mas aferindo-o no domínio do que razoavelmente é possível, entende que “[i]lide a presunção de culpa que sobre si impende no cumprimento das obrigações de segurança a concessionária que procede à fiscalização da via com regularidade, passando pelo mesmo local de duas em duas horas, assim cumprindo o dever de vigilância e actuando com a diligência que lhe era exigida no contrato de concessão”. – Sublinhado nosso.
XLV. Ora, como ficou evidenciado as Rés lograram provar que efetuaram a fiscalização da via em determinados períodos e com a regularidade razoável, nomeadamente no ponto quilométrico onde ocorreu o alegado acidente relatado pelo Recorrente.
XLVI. Acresce que, considerando ainda os requisitos da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e das Pessoas Coletivas de Direito Público aplicado às aqui Rés, verificamos que não estão preenchidos, cumulativamente, os requisitos integradores de responsabilidade civil, nomeadamente o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
XLVII. Nesta conformidade, perante a prova produzida em audiência e concluído como fez o Tribunal a quo, não se verificarem os requisitos de que depende a presunção ínsita no art.º 12 do DL 24/2007 de 18 de julho, nenhuma responsabilidade pode ser assacada às Rés, porque em audiência de julgamento não foi feita qualquer prova nesse sentido.
XLVIII. Pelo que deverá manter-se a decisão preferida pelo Tribunal a quo, que não violou qualquer das normas jurídicas invocadas pelo Recorrente nas suas alegações de recurso".
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4 . O Digno Magistrado do M.º P.º neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, nada disse.
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5 . Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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6 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA, bem como, a título subsidiário, da ampliação do âmbito do recurso, peticionada pela recorrida Infraestruturas de Portugal, SA., deduzida nas contra alegações.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na decisão recorrida:

1. No dia 25 de agosto de 2018, pelas 15:15 horas, na autoestrada A4, ao Km 101,400, União de Freguesias de Mouçós e Lamares, no Concelho de Vila Real, no sentido Vila Real - Bragança, ocorreu um acidente de viação (cfr. fls. 19-20 do suporte físico do processo, bem como declarações de parte do Autor e depoimento da testemunha SC...).
2. Nele foi interveniente o veiculo ligeiro de passageiros da marca BMW, modelo X3, cor cinzento/prata, com a matricula (...), propriedade do Autor e por ele conduzido (cfr. fls. 19-20 do suporte físico do processo, bem como declarações de parte do Autor e depoimento da testemunha SC...).
3. Ao Km 101,400, em frente ao posto de Combustível BP, em Lamares, já na zona do acidente, quando o Autor, ao volante do seu veículo, se encontrava na faixa de rodagem mais à esquerda, a efetuar a ultrapassagem de um outro veiculo, foi surpreendido por um ramo de madeira que se encontrava na via (cfr. declarações de parte do Autor).
4. O ramo de madeira encontrava-se sobre a via da esquerda, por onde seguia o veículo do Autor (cfr. declarações de parte do Autor).
5. O Autor não conseguiu evitar o acidente (cfr. declarações de parte do Autor).
6. Após o embate, o condutor parou o veículo na berma do lado direito, atento o seu sentido de marcha (cfr. declarações de parte do Autor).
7. Em seguida, o Autor deu a volta na saída mais próxima e parou na área de serviço da BP, no sentido Bragança-Vila Real (cfr. declarações de parte do Autor, bem como depoimentos das testemunhas SC..., CR... e EM...).
8. Posto isso, o Autor contactou a Guarda Nacional Republicana (GNR), a qual informou a 2ª Demandada da ocorrência (cfr. depoimento da testemunha EM...).
9. Enquanto aguardava pela chegada da GNR e da 2ª Demandada, o Autor retirou os ramos que tinham ficado presos no seu veículo (cfr. depoimento da testemunha EM...).
10. A via onde ocorreu o sinistro é uma autoestrada, constituída por duas vias de trânsito no mesmo sentido, com separador central, New Jersey, em sentido crescente, na via da esquerda (cfr. fls. 19-20 do suporte físico do processo e depoimento da testemunha SC...).
11. O local onde ocorreu o acidente é uma reta, de perfil em patamar, fora de intersecção e berma pavimentada (cfr. fls. 19-20 do suporte físico do processo e depoimento da testemunha SC...).
12. A faixa de rodagem onde se deu o sinistro é de sentido único (cfr. fls. 19-20 do suporte físico do processo e depoimento da testemunha SC...).
13. O limite de velocidade local permitida no lanço é de 100 km/h e o limite de velocidade geral é de 120km/h (cfr. fls. 19-20 do suporte físico do processo e depoimento da testemunha SC...).
14. O piso é constituído por material betuminoso (cfr. fls. 19-20 do suporte físico do processo e depoimento da testemunha SC...).
15. A via estava em estado regular de conservação e o pavimento estava seco e limpo (cfr. fls. 19-20 do suporte físico do processo e depoimento da testemunha SC...).
16. Inexistiam quaisquer obras no local (cfr. fls. 19-20 do suporte físico do processo e depoimento da testemunha SC...).
17. O pavimento apresenta marcas separadoras de sentido e de vias de trânsito (cfr. fls. 19-20 do suporte físico do processo e depoimento da testemunha SC...).
18. A via é constituída por guardas laterais metálicas e tem 3 metros de largura (cfr. fls. 19-20 do suporte físico do processo e depoimento da testemunha SC...).
19. A 1ª Demandada é a sociedade a quem foi adjudicada pela Infraestruturas de Portugal, S.A.. a subconcessão para a “conceção, projeto, construção, aumento do número de vias, financiamento, exploração e conservação, do lanço de autoestradas e conjuntos viários associados, designada por Subconcessão Autoestrada Transmontana” (cfr. fls. 41 a 83 do suporte físico do processo, que aqui se dão por reproduzidas).
20. A 1ª Demandada contratou a 2ª Demandada para, ao abrigo de um Contrato de Operação e Manutenção, prestar “serviços de Conservação e Exploração, nos termos definidos no Contrato e no Contrato de Subconcessão, em particular os enunciados nos números 48 a 64 do Contrato de Subconcessão” (cfr. fls. 152 verso a 179 verso do suporte físico do processo, que aqui se dão por reproduzidas).
21. O acidente ocorreu num troço que integra a denominada subconcessão da Autoestrada Transmontana (cfr. fls. 22 a 40 e 41 a 83 do suporte físico do processo).
22. A Autoestrada Transmontana é sujeita a um conjunto de requisitos, mormente, vedações, arame farpado e vigilância constante da via, que visam proteger a permanência e entrada de objetos na via (cfr. fls. 41 a 83 do suporte físico do processo).
23. A 2ª Demandada procede a inspeções correntes e periódicas das vedações e das vias de circulação, verificando se estão reunidas todas as condições de segurança, nomeadamente por meio de patrulhamentos pelas equipas de vigilantes motoristas que percorrem a via, de modo a detetar um eventual perigo no troço (cfr. depoimentos das testemunhas MA... e JF...).
24. No dia em questão, foram realizados dois serviços de patrulhamento por funcionários da 2ª Demandada, em cada um dos sentidos, um no período da manhã e outro de tarde (cfr. depoimentos das testemunhas MA... e JF...).
25. No âmbito do referido patrulhamento, um funcionário da 2ª Demandada passou às 14.19h no Km 100 e às 14.20h no Km 102 da A4, não tendo detetado a existência de qualquer ramo ou qualquer outro elemento a obstruir a via (cfr. fls. 182-183 e 201 do suporte físico do processo e depoimento da testemunha MA...).
26. Logo após ter tomado conhecimento do incidente, um vigilante motorista ao serviço da 2ª Demandada deslocou-se, de imediato, ao local onde se encontrava o veículo do Autor, onde elaborou um relatório sobre o mesmo (cfr. fls. 182 verso e 183 do suporte físico do processo).
27. O veículo do Autor sofreu danos materiais no para-choques traseiro e no sensor de estacionamento (cfr. fls. 19-20 do suporte físico do processo e declarações de parte do Autor).
28. Apesar dos danos existentes, o A. conseguia circular com o seu veículo, pelo que não foi necessário deixá-lo de imediato na oficina (cfr. declarações de parte do Autor).
29. Nas utilizações que fez do seu veículo, a seguir ao acidente, o Autor apercebeu-se de que a caixa de velocidades também estava com problemas (cfr. declarações de parte do Autor e depoimento da testemunha EM...).
30. Passados alguns dias, o Autor levou o veículo às instalações da TT---, Lda., sita na Zona Industrial (…), que presta serviços de manutenção e reparação de automóveis (cfr. fls. 86 a 88 do suporte físico do processo, declarações de parte do Autor e depoimento da testemunha EM...).
31. Já na oficina, o veículo do Autor foi observado pelo engenheiro mecânico responsável, tendo sido emitidos, em 24/09/2018, orçamentos para a reparação das avarias existentes, nos valores parciais de 473,48€ (caixa de velocidades), 201,41€ (sensor) e 335,68€ (guarnição da cava da roda traseira direita) - (cfr. fls. 86 a 88 do suporte físico do processo).
32. Como a avaria mais grave era a da caixa de velocidades, foi essa a reparação efetuada pela oficina por indicação do Autor, alguns dias depois (cfr. fls. 89 do suporte físico do processo).
33. Para a reparação da caixa de velocidades foram usados vários materiais e executados vários procedimentos, que importaram no total de 4.866,68€ (IVA incluído) e que o Autor pagou em 29/10/2018, data da respetiva fatura (cfr. fls. 89 e 90 do suporte físico do processo).
34. Os danos relativos ao sensor e à guarnição da cava da roda traseira direita não foram ainda reparados (cfr. fls. 89 do suporte físico do processo e declarações de parte do Autor).
35. A reparação do veículo demorou cerca de 15 dias (cfr. declarações de parte do Autor).
36. Durante esse período, o Autor viu-se privado do uso do seu veículo, que era utilizado no seu dia-a-dia, no exercício de diversas atividades de índole pessoal e profissional, em deslocações na sua área de residência, noutras viagens, bem como para acorrer a solicitações várias do seu agregado familiar (cfr. declarações de parte do Autor e depoimento da testemunha EM...).
37. Nesse mesmo período, o Autor teve direito a um veículo de substituição durante três dias e, no resto do tempo, utilizou o veículo da sua companheira (cfr. depoimento da testemunha EM...).
38. Para instrução do presente processo, o Autor necessitou ainda de obter junto da GNR -Destacamento de Trânsito de Vila Real, o auto de participação do acidente, o que teve um custo de 68,00€ (cfr. fls. 18 do suporte físico do processo).
39. Aquando do acidente, o Autor ficou assustado e nervoso (cfr. declarações de parte do Autor e depoimento da testemunha EM...).
40. O Autor participou o sinistro às Demandadas e interpelou as mesmas para a reparação e indemnização dos danos por si indicados, tendo as mesmas declinado a sua responsabilidade (cfr. fls. 225 verso e 226 do suporte físico do processo).
*
Por terem interesse para a decisão dos presentes autos, maxime, acerca da matéria de facto, foram considerados não provados os seguintes factos:
a) Em consequência direta e necessária do acidente, o veículo do Autor sofreu danos significativos na caixa de velocidades.
b) As reparações do veículo do Autor iniciaram-se a 29 de agosto de 2018 e terminaram a 14 de setembro de 2018.
c) Nos instantes que precederam o acidente, o Autor “viu a morte à sua frente”.
d) O Autor passou por momentos de elevada tensão, horror e angústia, com a colisão nos ramos de madeira.
e) O Autor passou a ter comportamentos de ansiedade relativamente à condução relacionados com o acidente.
f) O Autor está sempre ansioso, aquando do ato de conduzir um veículo em autoestrada.

2 . MATÉRIA de DIREITO

No caso dos autos, tendo em consideração, a sentença recorrida e as alegações apresentadas pelo recorrente, maxime, as suas conclusões, supra transcritas, importa saber se aquela, além de ter efectivado uma correcta aplicação das normas legais aplicáveis atenta a factualidade provada, também decidiu correctamente a factualidade dada como não provada, concretamente, as alíneas a) e b) que o recorrente pretende ver inscritas na factualidade provada.
*
Antes, porém, de entrarmos na análise específica e crítica das provas levadas em consideração para se obterem os factos provados e não provados, - estes os questionados em sede recursiva - importa que clarifiquemos alguns conceitos inerentes a esta matéria, de molde a balizarmos, tanto quanto possível, a sindicância possível e adequada, no que concerne à modificação da matéria de facto, dada como provada, pela 1.ª instância, ainda que com base na jurisprudência dos Tribunais Superiores da jurisdição administrativa, quer do STA, quer deste TCA, os quais já lapidaram, com rigor, esta matéria e com os quais concordamos e já temos incluído noutras decisões por nós relatadas.
*
Assim, refere, a este propósito o Ac. do STA, de 19/10/2005, in Rec. 0394/05 “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto”.
*
No mesmo sentido, vai o Ac. do mesmo Tribunal, de 14/3/2006, in Rec. 01015/06, que refere que “A garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto (art. 712º C.P.Civil) deve harmonizar-se com o princípio da livre apreciação da prova (art. 655º/1 do C.P.Civil).
Assim, tendo em conta que o tribunal superior é chamado a pronunciar-se privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1ª instância e que a gravação/transcrição da prova, por sua natureza, não pode transmitir todo o conjunto de factores de persuasão que foram directamente percepcionados por quem primeiro julgou, deve aquele tribunal, sob pena de aniquilar a capacidade de livre apreciação do tribunal a quo, ser particularmente cuidadoso no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto e reservar a modificação para os casos em que a mesma se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que for seguro, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência comum que a decisão não é razoável.
Tudo a aconselhar um especial cuidado por parte do tribunal superior no uso dos seus poderes de reapreciação dos pontos controvertidos da matéria de facto (cfr., neste sentido, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 2003.06.18 – rec- nº 1188/02 e de 2004.06.22 – rec. nº 1624/03).
Sob pena de pôr em causa os princípios da oralidade e da livre convicção que informam a nossa lei processual civil, o tribunal de recurso deve reservar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e /ou da experiência que não é razoável a solução da 1ª instância”.
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Salientamos, ainda, (face às normas do CPTA) acerca desta matéria, o que se escreveu no Ac. deste TCA Norte, de 8/3/2007, in Proc. 00110/06, a saber :
Decorre do regime legal vertido nos arts. 140.º e 149.º do CPTA que este Tribunal conhece de facto e de direito sendo que na apreciação do objecto de recurso jurisdicional que se prende com a impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal “a quo” se aplica ou deve reger-se, na ausência de regime legal especial, pelo regime que se mostra fixado em sede da legislação processual civil nesta sede.

Assim, pese embora tal regime e situações diversas temos, todavia, que referir que os poderes conferidos no art. 149.º, n.º 2 do CPTA não afastam os poderes de modificação da decisão de facto por parte deste Tribunal ao abrigo do art. 712.º do CPC por força da remissão operada pelos arts. 01.º e 140.º do CPTA porquanto o TCA mantém os poderes que assistem ao tribunal de apelação no âmbito da fixação da matéria de facto quando esta constitui objecto ou fundamento de recurso jurisdicional.

É que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que, na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa, não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa simples gravação áudio. Tal como já era apontado pelo Juiz Cons. Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, o juiz, perante o qual foram prestados os depoimentos, sempre estará numa posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos do Prof. Enrico Altavilla "(…) o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3ª ed., pág. 12).
Como já defendia o Prof. J. Alberto dos Reis “… É já hoje lugar-comum a nota de que tanto ou mais do que o que o depoente diz vale o modo por que o diz, é que se as declarações contam, contam também as reticências, as hesitações, as reservas, enfim a atitude e a conduta do declarante no acto do depoimento ...” (in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. IV, pág. 137).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto da discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este, pese embora, livre, no seu exercício de formação da sua convicção, não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do CPC).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos do Prof. M. Teixeira de Sousa ”(…) o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente (…)” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, pág. 348).
…Mercê do que vimos expondo ao tribunal de recurso apenas e só é dado alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão”.
*
Feitas estas considerações dogmáticas acerca da matéria, revertamos ao caso concreto dos autos, transcrevendo a fundamentação da factualidade provada e não provada, para assim melhor apreendermos, quer a razão do recorrente - conforme se fez constar das alegações de recurso - quer da sentença, como segue e quanto aos factos dados como provados:
"Os factos provados assentam nos meios probatórios acima especificados de forma discriminada.
No que respeita às declarações de parte e aos depoimentos das testemunhas, impõe-se tecer as seguintes considerações:
Em síntese, o Autor explicou que ia a ultrapassar um carro na A4 quando viu que tinha vários paus na via, mas que não pôde travar porque tinha um carro mesmo atrás de si; a este respeito, esclareceu ainda que não quis travar a fundo porque se assustou com o que podia acontecer se o fizesse; após o embate, o carro ficou em ponto morto e encostou à direita; depois deu a volta para ir para a área de serviço (de Lamares) do outro lado, onde estava a sua esposa a trabalhar. Disse que chamou a GNR e que o Sr. P..., funcionário da GNR, recolheu o pau que ficou espetado por baixo do carro. Depois, foi até casa com o carro assim e só aí é que percebeu que tinha problemas na caixa de velocidades, porque não entravam para cima da terceira; quanto aos danos materiais do veículo, referiu que os mesmos ocorreram ao nível do sensor, para-choques traseiro e caixa de velocidades. Referiu que levou o carro à BMW e que lhe fizeram um orçamento à volta de 6.000,00€; passado um dia ou dois voltou lá para reparar o carro, demorou uma semana a quinze dias, tendo alugado um carro durante esse tempo; Confirmou o teor dos orçamentos, da fatura e do talão de pagamento juntos aos autos a fls. 86 a 88 do suporte físico do processo. Relatou que teve um susto enorme com o acidente e que nunca tinha tido nenhum. E, finalmente, informou que era vendedor imobiliário, pelo que precisava do carro diariamente e que ia todas as semanas a Braga visitar os seus pais.
Contudo, sem prejuízo do seu valor probatório autossuficiente, as declarações de parte do Autor mostraram-se inconsistentes em alguns pontos, quer em face dos documentos constantes dos autos, nomeadamente com respeito às datas constantes dos orçamentos e da fatura, quer por comparação com o depoimento da sua companheira, a testemunha EM....
Com efeito, esta testemunha referiu, em síntese, que trabalhava na área de serviço de Lamares, na A4, e que um dia à tarde, há muito tempo, quando fazia tempo quente, chegou lá o seu marido a dizer que tinha uns ramos e paus na via e a pedir-me o número de telefone da GNR. Ligaram para a GNR e esta contactou a subconcessionária. Enquanto esperava, o Autor esteve a tirar um pau e ramos do carro, sendo que o pau mediria cerca de 80 cm. O funcionário das autoestradas esteve lá a tirar fotos e disse que no local do acidente não estava lá nada. Depois, relatou que o Autor foi na segunda-feira (dia 27/08/2018) à BMW e que tem ideia de ele se queixar de problemas na caixa de velocidades. Durante o período da reparação do veículo, reconheceu que tiveram um veículo de substituição durante três dias e que depois o Autor andou com o carro dela. Disse que o Autor estava um bocado nervoso e assustado, mas que tinha sido só naquela hora. Referiu que, depois do acidente, o carro foi a circular para casa. E, por último, confirmou que o Autor tinha uma agência imobiliária e esclareceu que já viviam juntos há dez anos.
Quanto à testemunha SC..., militar da GNR, começou por confirmar a autoria e a assinatura do auto de participação de acidente de fls. 19-21 do suporte físico do processo e adiantou ainda que foram chamados, num dia de fim de semana à tarde, tendo sido informado pelo Autor que o acidente foi no sentido Vila Real-Bragança, mas que o veículo sinistrado já estava no lado contrário, tendo elaborado o auto de participação com base nas declarações do condutor, o qual lhe disse que tinha batido num pau. Esclareceu que não tiveram outras queixas de ramos na via. Verificou que o veículo tinha danos na parte traseira, estava riscado e tinha o sensor danificado, mas que não tinha visto grandes danos. Confirmou ainda que o Autor tinha a esposa a trabalhar na área de serviço.
Por sua vez, a testemunha CR... pouco trouxe de relevante para a descoberta da verdade, tendo apenas referido que estava a trabalhar na área de serviço quando o Autor chegou lá a dizer que tinha tido um acidente com um arbusto. Confirmou que a EM... era a namorada do Autor e trabalhava lá com ela. Sabe que chamaram a GNR e referiu ainda ter visto uns arbustos dentro da área de serviço.
Por seu turno, a testemunha MA..., ao tempo dos factos diretora de operações da 2ª Demandada, explicou que a empresa fazia a vigilância da A4, das 6h às 14h e das 14h às 22h, tendo um serviço de prevenção permanente a partir dessa hora. Esclareceu que, no dia em questão, o vigilante passou no local do acidente às 14.20h, como se depreende do relatório de vigilância de fls. 186 e ss. do suporte físico do processo, que foi elaborado com base no GPS das carrinhas que regista as passagens das mesmas. Referiu que o funcionário que se deslocou ao local depois da comunicação do acidente, verificou que não havia ramos no local, uma vez que não fez limpeza, caso em que a teria registado, como resulta do seu relatório de fls. 184 verso e 185 do suporte físico do processo. Esclareceu que no local do acidente não há câmaras, somente no nó de Lamares, assim como em todos os nós, e que não tendo câmaras nem estando a passar no local não têm forma de saber e de atuar, a menos que sejam avisados.
Por último, a testemunha JF..., encarregado ao serviço da 2ª Demandada, começou por esclarecer que não teve intervenção nesta ocorrência, embora tenha sabido do acidente e do local do mesmo. Esclareceu que naquela zona não há árvores na autoestrada, só na área de serviço, não lhes competindo fazer a poda dessas árvores, mas sim à BP. Alvitrou que o mais provável é que o ramo em que o veículo do Autor embateu tenha caído de um camião de transportes de madeira, já que passam lá muitos. Confirmou que têm duas viaturas a fazer o patrulhamento, uma em cada sentido, e que não havia nada na via aquando das passagens, pelo que resulta dos respetivos relatórios. Finalmente, referiu que o funcionário que se deslocou ao local após o acidente já se reformou, mas que era muito minucioso a fazer os relatórios"
Quanto aos factos dados como não provados, a fundamentação é a seguinte:
"No que respeita aos factos não provados, os quatro últimos não tiveram qualquer suporte probatório, já que se provou apenas que o Autor se assustou no momento do acidente, com base quer nas suas declarações quer, sobretudo, no depoimento da testemunha EM..., nada apontando no sentido do mesmo ter ficado com sequelas psicológicas do acidente.
Em relação ao primeiro facto, não foi possível estabelecer um nexo de causalidade adequado entre a avaria na caixa de velocidades e o acidente ocorrido, desde logo porque a mesma só foi notada “a posteriori” e porque as circunstâncias de modo do sinistro não evidenciam esse nexo, sendo certo, além disso, que o Autor continuou a circular com o veículo e que a sua reparação só terá sido efetuada no mês de outubro, excedendo o valor inicialmente orçamentado. Deste modo, no mínimo, sempre seria de considerar que o Autor contribuiu para o agravamento do dano, mas a verdade é que a prova produzida foi insuficiente para se poder concluir com segurança que os problemas na caixa de velocidades tenha sido uma decorrência direta e necessária do acidente ocorrido.
Quanto ao segundo facto, os documentos apresentados pelo Autor desmentem a versão apresentada por este, já que os orçamentos têm data de 24/09/2018 e a fatura da reparação está datada de 29/10/2018, sendo certo que as faturas devem ser emitidas no momento da prestação dos serviços e que não é crível que a oficina reparadora, sendo, aliás, uma oficina autorizada pela BMW, não proceda desse modo, tanto mais que não foi apresentada qualquer outra prova credível, procedente da mesma, que pudesse infirmar os documentos acima aludidos. Na verdade, o Autor e a sua companheira também não coincidiram quanto ao momento em que o veículo terá ido pela primeira vez à oficina e ninguém confirmou a versão do primeiro de que entre a orçamentação e o início da reparação mediaram apenas dois ou três dias, mesmo considerando que a reparação demorou cerca de 15 dias".
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Ora, quanto à matéria de facto, o recorrente critica a decisão do TAF de Mirandela por não ter dado como provados os seguintes factos, constantes - como vimos - das als. a) e b) supra transcritas:
a) Em consequência direta e necessária do acidente, o veículo do Autor sofreu danos significativos na caixa de velocidades; e
b) As reparações do veículo do Autor iniciaram-se a 29 de agosto de 2018 e terminaram a 14 de setembro de 2018.
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Analisada concreta e pormenorizadamente a prova produzida, seja a testemunhal, a maior parte dela feita constar do corpo das alegações e contra alegações - aliás, sintonizadamente - bem como a documental constante dos autos, verificamos que não assiste qualquer razão ao A./Recorrente na sua argumentação.
Na verdade - quanto à alínea a) - em concordância com a justificação exarada na sentença e ainda nas contra alegações apresentadas, importa ainda referir que as dúvidas subjacentes ao acidente e as consequências, no que se refere aos danos na caixa de velocidades, são ainda evidenciadas pelo facto de, na altura do acidente, quer na conversa do A. com o Sr. Cabo da GNR que se deslocou à Estação de serviço onde o veículo sinistrado se encontrava estacionado --- que não ao local da Auto estrada (AE) onde terá ocorrido o acidente, donde resulta não ter sequer elaborado qualquer croquis - como consta da Participação do Acidente de Viação - fls. 21 do processo físico --- quer com o funcionária da concessionária, nunca ter efectivado qualquer referência à caixa de velocidades - dificuldade de entradas das mudanças superiores além da 3.ª - apesar de, no depoimento prestado em audiência, ter referido que logo, na deslocação do local concreto do acidente à Estação de Serviço, ter notado essa deficiência, o que a existir, um condutor minimamente experiente não deixaria de, desde logo, os relatar, até porque os demais danos eram mínimos e verificados na parte de trás do veículo, estes, aliás, explicados ao funcionário da concessionária que se deslocou ao local e exara no seu Relatório - cfr. fls. 184 v.º e 185 do processo físico.
Igualmente, não se percebe esta decorrência do acidente em relação à caixa de velocidades quando o A., mesmo assim, ainda circula com o veículo para casa e, pelo menos duas vezes, para a oficina, sem ter solicitado reboque pela sua seguradora, sendo certo que lhe foi cedida viatura de substituição pelo período de 3 dias (ponto 37 dos factos provados).
Ora, estas dúvidas, cumuladas com as datas do acidente da facturação e os depoimentos prestados por si e pela sua companheira/mulher (EM...), como é evidenciado na fundamentação do TAF supra alinhada, são mais que suficientes para que se possa concluir pelo inexistência de nexo de causalidade entre o acidente e os danos verificados na caixa de velocidades.
Se o veículo acidentado, "... devido aos danos existentes, estava impossibilitado de circular" - como alega o A. no art.º 102.º da pi - como foi deslocado do local do acidente, na AE (Km. 101,4) para a Área de Serviço da BP, depois, daí para sua casa e deslocação posterior para a oficina, sem que tivesse sido rebocado???!!!
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Quanto à alínea b) dos factos não provados - como se diz na sentença - existe manifesta contradição com as datas da facturação, não sendo crível que uma oficina oficial da BMW, onde foi reparado o X3 Não X5, como é referido nas contra alegações (conclusãoXLI), atenta a Participação do Acidente pela GNR (fls. 19 v.º do processo físico) e ponto 2 dos factos provados. do A sinistrado, tenha emitido uma factura em data muito posterior à data efectiva da reparação.
Antes, as datas constantes da al. b) mais parecem justificar um pretenso período de paralisação do X3 - 16 dias - que consubstanciariam o pedido de indemnização de 1040,00€ (16 diasX 65,00€) - cfr. arts. 122.º a 128.º da pi.
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Tudo visto e ponderado, nenhuma alteração se impõe, perante a reanálise das provas produzidas, sejam as documentais, sejam as testemunhais, incluindo o depoimento do A - declarações de parte.
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Quanto à vertente jurídica questionada.
A argumentação do A./Recorrente reincide no facto de, na sua óptica, se verificar uma situação de ónus da prova por parte das concessionárias , melius, existir uma presunção de culpa sobre as demandadas, por virtude do art.º 12.º, ns. 1 e 2 da Lei 24/2007, de 18 de Julho.
Mas sem razão alguma, como veremos e concluiu a decisão judicial do TAF de Mirandela, ora em reapreciação recursiva, nos seguintes termos que se reproduzem, pela sua clarividência e completude que assim apenas importarão pormenores aditamentos.
Extrai-se da sentença recorrida:
"A pretensão indemnizatória do Autor inscreve-se no âmbito da responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público por danos resultantes do exercício da função administrativa, extensível à responsabilidade civil de pessoas coletivas de direito privado por ações ou omissões adotadas no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo [cfr. artigo 1º, nº 5 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEEP), aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro].
Com efeito, a 1ª Demandada é a subconcessionária da chamada Autoestrada Transmontana, em que se insere o troço da A4 onde ocorreu o acidente em questão, sendo responsável, nos mesmos termos que a concessionária, isto é, nos termos da lei geral, pelos danos causados a terceiros no exercício das atividades que constituem o objeto da subconcessão, pela culpa ou pelo risco, nos termos do respetivo contrato de subconcessão, como resulta da factualidade provada.
E, por sua vez, a 2ª Demandada presta serviços à 1ª Demandada no âmbito da operação e manutenção da mesma autoestrada, respondendo, nos mesmo termos que esta, por quaisquer prejuízos causados a terceiros em consequência do exercício das atividades que constituem o objeto do respetivo contrato, como também resulta da factualidade provada.
Assim, a solução jurídica da causa tem de ser procurada, antes do mais, no citado RRCEEP, designadamente no disposto nos seus artigos 3º e 7º a 10º, no que respeita aos pressupostos da responsabilidade civil das Demandadas.
Em qualquer caso, os requisitos da responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público não diferem daqueles que derivam do disposto no artigo 483º do Código Civil: o facto (ativo ou omissivo), a ilicitude, a culpa, os danos e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e estes últimos, sendo os mesmos de verificação cumulativa, pelo que a falta de algum deles é motivo de improcedência da ação (cfr. Ac. STA, de 23/09/2010, Proc. nº 0465/10, disponível em www.dgsi.pt).
Note-se que a culpa funciona como um nexo de imputação do facto ilícito ao agente e que a mesma pode resultar de conduta individual ou de funcionamento anormal do serviço (cfr. artigo 7º, n.os 3 e 4 do RRCEEP).
De facto, como se evidencia pelo cotejo das normas do artigo 7º, nº 4, 9º, n.os 1 e 2 e 10º, nº 1 do RRCEEP, o juízo de ilicitude por violação coletiva de deveres objetivos de cuidado, que equivale, na prática, ao funcionamento anormal do serviço, implica necessariamente uma censura ético-jurídica sobre o mesmo, ou seja, a assunção do carácter culposo da conduta.
No mesmo sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA [in RUI MEDEIROS (org), Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas. Lisboa, Universidade Católica Editora, 2013, pág. 248], refere que “(...) não vemos como, uma vez demonstrada a inobservância dos deveres objetivos de cuidado que, in casu, se impunham ao agente lesivo, ainda possa haver espaço para decidir que essa inobservância não foi culposa”. É, de resto, o que se retira da jurisprudência que emana do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 21/09/2010, proferido no Proc. nº 859/09, citado pelo mesmo autor.
Por outro lado, no que concerne em particular aos acidentes ocorridos em autoestradas, a Lei nº 24/2007, de 18 de julho, contém um conjunto de disposições especiais com pertinência para o caso em apreço.
Assim, o artigo 12º, nº 1 deste diploma legal dispõe o seguinte:
“1 - Nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a:
a) Objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”.
Porém, o nº 2 do mesmo preceito legal estipula que, para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança”.
...
A presunção de incumprimento inverte o ónus da prova quanto à ilicitude e à culpa, pelo que, nesses casos, “compete à concessionária da via provar que o acidente não terá resultado de culpa sua, atenta a circunstância de ter todas as condições de segurança que estavam a seu cargo, mormente elidindo a presunção da falta de cumprimento das obrigações de segurança (presunção de ilicitude e de culpa) no que respeita ao acidente” (cfr. Ac. TCAN, 04/12/2015, Proc. nº 00371/13.9BEPRT, www.dgsi.pt).
Contudo, neste caso, não se verificam os requisitos de que depende o funcionamento da referida presunção de incumprimento, uma vez que a autoridade policial competente não pôde confirmar no local a causa do acidente, quer porque o Autor deslocou o seu veículo após o embate ocorrido quer porque retirou o pau e ramos de arbusto que ficaram por baixo do seu carro, antes da GNR chegar junto de si.
Deste modo, em atenção ao disposto no artigo 342º, nº 1 do Código Civil, cabe ao Autor provar todos os factos constitutivos do direito por si invocado, sem prejuízo do disposto no artigo 10º, nº 3 do RRCEEP.
Começando pela ilicitude, importa ter em conta que, nos termos do artigo 9º, nº 1 do RRCEEP, “consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado, e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Mas “também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no nº 3 do artigo 7º” (cfr. nº 2 do preceito legal citado no parágrafo anterior).
“É, assim, possível identificar duas modalidades de ilicitude, distinguindo as situações danosas causadas pela prática de atos jurídicos ilegais, daquelas que resultam de operações materiais ilícitas: ilicitudes por ilegalidade e ilicitudes por inobservância de deveres objetivos de cuidado. A estas duas modalidades, o nº 2 vem acrescentar uma terceira, que corresponde às situações de funcionamento anormal do serviço, tal como previstas nos n.os 3 e 4 do artigo 7º” [cfr. RUI MEDEIROS (org), obra citada, pág. 243/244].
Assim, não releva, para o que aqui nos ocupa, não ter sido determinada a autoria pessoal da ação ou omissão aqui em causa, já que, nestes casos, deve a mesma ser atribuída a funcionamento anormal do serviço, mantendo, assim, a sua eventual ilicitude, como flui do acima exposto.
De facto, “a responsabilidade por danos resultantes de um funcionamento anormal do serviço prescinde do apuramento da imputabilidade do facto lesivo a um determinado titular de órgão ou agente, como pressuposto da responsabilidade das entidades públicas. Mesmo quando os danos não tenham resultado de um comportamento concreto de determinada pessoa, ou, em todo o caso, não seja possível comprovar a autoria pessoal de uma ação ou omissão efetivamente ocorrida, existe responsabilidade da entidade pública desde que a produção dos danos possa ser imputada a um funcionamento anormal do serviço – ou seja, desde que, atendendo às circunstâncias e por referência a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço a adoção de uma conduta suscetível de não ter causado ou ter evitado os danos produzidos” (cfr. autor e obra citados, pág. 249).
Neste caso, por força do contrato de subconcessão, a 1ª Demandada “obrigou-se a manter, (...), a expensas suas, a Via e os demais bens que constituem o objeto da subconcessão em bom estado de funcionamento, utilização, conservação e segurança, nos termos e condições estabelecidos nas disposições normativas e/ou na legislação em vigor e nas disposições aplicáveis do presente contrato, realizando, nas devidas oportunidades, as reparações, renovações e adaptações que, de acordo com as mesmas disposições, para o efeito se tornem necessárias e bem assim todos os trabalhos e alterações necessários para que o Empreendimento Concessionado satisfaça cabal e permanentemente o fim a que se destina” e, além disso, “é obrigada a assegurar assistência aos utentes da Via, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação, nomeadamente no que respeita à sua fiscalização e à prevenção de acidentes” (cfr. cláusulas 48.1 e 57.1 do referido contrato).
Por sua vez, a 2ª Demandada, por efeito do contrato de operação e manutenção celebrado com a 1ª Demandada, recebeu incumbências similares a esta no domínio das obrigações de manutenção da via e de vigilância das condições de circulação, como resulta das cláusulas 12ª, nº 1 e 20ª, nº 1 do referido contrato.
E, portanto, trata-se de aferir, no caso em apreço, se as Demandadas incumpriram com as obrigações de manutenção e de vigilância acima aludidas e, em caso afirmativo, se essas omissões foram causais do acidente sofrido pelo Autor.
Na verdade, estão em causa obrigações de meios e não obrigações de resultado, sendo certo que, no caso das primeiras, o devedor fica apenas vinculado, por força da lei ou contrato, a desenvolver uma atividade independentemente da verificação do resultado a que ela se destina, enquanto na obrigação de resultado o devedor fica vinculado a obter um determinado resultado com a sua atividade (cfr. A. Varela, “Das obrigações em geral”, 5ª edição, página 733 e Ac. RP 13/12/2007 em www.dgsi.pt).). E a obrigação de meios deve considerar-se cumprida, mesmo que não se venha a verificar o resultado pretendido, só havendo incumprimento se, nos termos do artigo 798º do CC, se concluir que a prestação não só não foi efetuada com a diligência devida, mas que também foram cometidos erros causais da não verificação do resultado (cfr. Ac. TRC, de 26/01/2010, Proc. nº 130175/08.8YIPRT.C1, disponível em www.dgsi.pt).
Na presente situação, provou-se que, no dia em questão, a 2ª Demandada realizou o patrulhamento da via, tendo efetuado uma passagem pelo local do acidente cerca de 55 minutos antes da ocorrência deste, sem que tenha encontrado qualquer objeto na faixa de rodagem, pelo que este terá ali surgido nesse intervalo de tempo.
Além disso, muito embora o Autor se tenha deparado com um ramo na via, não logrou o mesmo demonstrar que a presença deste tenha resultado de operações de limpeza das bermas e separador central da A4, no troço em questão, efetuadas pela 2ª Demandada.
E, portanto, por exclusão de partes, o ramo em causa só terá podido aparecer naquele local por ter sido projetado pelo vento, arremessado por alguém ou caído de algum veículo, nomeadamente de transporte de madeira, excluindo, desde logo, a responsabilidade da 2ª Demandada por facto ativo.
Por outro lado, admitindo que o Manual de Operação e Manutenção e o Plano de Controlo de Qualidade, a que aludem as cláusulas 48ª do contrato de subconcessão e 16ª do contrato de operação e manutenção, não exijam mais do que dois patrulhamentos diários da via, como a 2ª Demandada executa, não se pode deixar de convir que esses são serviços mínimos, contratualmente previstos, mas que esta é obrigada a tomar as medidas adequadas para procurar garantir a segurança das condições de circulação e prevenir acidentes, muito embora não lhe possa ser exigível que seja omnipresente.
Nesse sentido, tendo a 2ª Demandada efetuado uma passagem pelo local do acidente menos de uma hora antes da ocorrência deste, sem que tivesse detetado qualquer objeto na via, não se pode dizer que a mesma tenha incumprido as obrigações de vigilância que lhe competiam, atendendo a critérios de razoabilidade.
Donde, não houve da parte das Demandadas um comportamento omissivo violador de regras de ordem técnica ou de deveres objetivos de cuidado nem, por isso, um funcionamento anormal do serviço, uma vez que, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, não lhe era exigível outra atuação, suscetível de evitar os danos produzidos.
Acresce, por outro lado, que, atendendo à dinâmica do acidente e às características do local, o Autor contribuiu decisivamente para a sua ocorrência ou, ao menos, para as suas consequências danosas, como se passa a demonstrar.
Na verdade, o Autor teve todas as condições para se aperceber da presença do obstáculo na via, tanto mais que se tratava de um objeto tendencialmente imóvel e que o local do acidente era uma reta, em patamar, com boa visibilidade, uma vez que era de dia e estava bom tempo.
Contudo, o Autor nem sequer travou para tentar evitar o obstáculo, pelo que passou por cima do referido ramo a velocidade elevada, potenciando os efeitos danosos do embate.
É certo que o Autor referiu que ia a ultrapassar e que tinha um carro mesmo atrás de si, pelo que teve medo de travar a fundo e de ser embatido por trás, mas a verdade é que também relatou que, após o embate, encostou o seu carro à berma direita, sem que tivesse dado notícia de que os outros veículos tivessem colidido com o seu ou, pelo menos, de que tivesse causado perigo ou embaraço para o trânsito.
Ora, nos termos do artigo 24º, nº 1 do Código da Estrada, “o condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente”.
E por outro lado, nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o sigam, salvo em caso de perigo iminente.
Neste caso, o Autor tinha justificação para diminuir subitamente a velocidade, face à presença de um obstáculo na via, pelo que a sua conduta não seria ilícita nem culposa, em caso de eventual embate do veículo que o seguia, mais a mais atendendo ao disposto no artigo 18º, nº 1 do Código da Estrada.
Donde, é possível concluir que o acidente ocorreu, sobretudo, por imperícia ou desatenção do Autor (cfr. artigo 4º do RRCEEP).
Aliás, admitindo que o tempo de reação do Autor fosse insuficiente para evitar o embate, mesmo travando a fundo, ainda assim pode-se facilmente conceber, com base nas regras da experiência comum, que o embate com o referido ramo a velocidade reduzida não teria consequências danosas relevantes.
Pelo exposto, tudo concorre para excluir a culpa das Demandadas pela produção do acidente e dos danos em apreço, uma vez que os mesmos não lhes são imputáveis, na medida em que não decorrem da sua falta de diligência ou aptidão (cfr. artigo 10º, nº 1 do RRCEEP).
Assim sendo, faltando desde logo os pressupostos da culpa e ilicitude da conduta das Demandadas, não é possível responsabilizar as mesmas pelos danos sofridos pelo Autor, pelo que fica prejudicada a apreciação dos demais requisitos da obrigação de indemnização, nomeadamente quanto ao nexo de causalidade entre o facto alegadamente ilícito e os danos, bem como ainda em relação à existência e extensão destes últimos" - sublinhados e negritos nossos.
Ora a presunção de culpa, o ónus probandi das concessionárias, vertido no n.º 1 do art.º 12.º da Lei 24/2007, está dependente, como se mostra clarividente do n.º 2 desse normativo --- Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança"---, da confirmação do acidente obrigatoriamente no local pela autoridade policial competente.
Ora esta norma é claríssima em dizer que a verificação do acidente tem de ser obrigatoriamente efectuada no local do mesmo, sendo que, mesmo assim, se têm de restabelecer rapidamente as condições de circulação em segurança.
Ora, no caso dos autos, o A. deslocou a viatura do local do acidente para uma Área de serviço, local onde a viatura foi observada pela GNR, chamada ao local pelo A. ou mulher/companheira que trabalhava nessa Área de Serviço, tendo a descrição do acidente sido apenas registado com base nas declarações do A. sem qualquer outra testemunha presencial do acidente.
Nem sequer o elemento da GNR assistiu à retirada do ramo do carro que alegadamente terá danificado a caixa de velocidades, retirado apenas nesse local e não na AE, onde o A. alega ter parado depois do acidente e antes de se deslocar para a Área de serviço.
Deste modo, é manifesto que, inverificada objectivamente a condição sine qua non constante do n.º 2 do referido art.º 12.º não se verifica a presunção de culpa por parte das concessionárias, antes, o ónus, neste caso concreto, passou para o A.... sibi imputet!!
Inexistindo, na nossa óptica, salvo meliore, quaisquer dúvidas acerca desta interpretação das normas legais, tendo-se demonstrado - como é evidenciado na sentença - que as concessionárias exerceram o seu dever exigível de vigilância no caso concreto, não cumpriu o A. o ónus que sobre si impendia de provar que a culpa pertencia às Rés/Recorridas, enquanto concessionárias da AE e veladoras das condições de segurança para os utentes.
Antes, podemos referir, secundando a decisão do TAF de Mirandela, que a culpa do acidente, ou pelo menos, a não redução dos danos lhe é imputável, na medida em que, circulando numa recta, ao vislumbrar um obstáculo --- ramos na estradas, cuja origem não se demonstrou em sede de julgamento Ainda que, o A., aparentemente, tenha dito na oficina que a AE estava em obras - cfr. art.º 111.º da pi., apesar do A. ter alegado serem originados por trabalhos, limpezas nas bermas - cfr. arts. 39.º a 341.º da pi --- não conseguiu parar ou, pelo menos, reduzir drasticamente a velocidade a que circulava de modo a evitar o embate nos arbustos/pau existente na via.
A argumentação do A. de que circulava atrás de si e muito próximo outro veículo, também em manobra de ultrapassagem que o "impediu" de travar para evitar "males maiores", além de não ter sido aceite pelo Sr. Juiz do TAF de Mirandela que presidiu ao julgamento e elaborou a sentença, carecerá de verosimilhança.
Anote-se que esta factualidade, muito relevante - convenhamos - apenas foi assumida em sede de declarações de parte pelo A. - única pessoa identificada que tenha assistido ao acidente - sem que conste, minimamente que seja, na p.i. ou mesmo em sede de réplica.
Bem se compreende que a sentença recorrida não tenha, também nesta parte, valorado as declarações do A. em sede de julgamento, como este pretende em sede recursiva - v.g., conclusão 23.ª.
***
Improcedendo, deste modo, toda a argumentação do A./Recorrente, a única solução adequada à situação concreta dos autos é a negação de provimento ao recurso e consequente manutenção da sentença, sem necessidade de outros considerando, por manifestamente desnecessários e despiciendos.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida.
*
Custas pelo recorrente.
*
Notifique-se.
DN.

Porto, 27 de Maio de 2022

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho