Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00201/06.8BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/15/2013
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IVA; SIMULAÇÃO; ÓNUS DE PROVA
Sumário:1. Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
2. Estando em causa o imposto sobre o valor acrescentado deduzido com base em faturas que, alegadamente, não têm subjacente nenhuma transação, cabe à administração tributária demonstrar a adequação entre os factos-índice recolhidos no procedimento e o juízo sobre a inexistência do facto que confere o direito à dedução e ao sujeito passivo demonstrar a existência do facto tributário.
3. A administração tributária não cumpre o ónus que sobre si recai se os factos-índice invocados não estão suportados em dados objetivos ou não são adequados a suportar a sua conclusão.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou procedente a presente impugnação judicial da liquidação de imposto sobre o valor acrescentado e juros compensatórios relativa ao período de 2001, no montante de € 12.535,30.

Recurso esse que foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, que rematou com as seguintes conclusões:

A) A interposição do presente recurso tem por base a não aceitação da douta decisão proferida, no que concerne à existência do vício de forma, consubstanciado na não demonstração da falta de correspondência entre a escrita da impugnante e a realidade, não ilidindo assim a presunção de verdade da declaração da impugnante, a que estava obrigada nos termos da art. 75º, nºs 1 e 2 da LGT.

B) Em discussão nos presentes autos está a desconsideração das facturas emitidas pela empresa “D..., Lda.”, que estiveram na origem da liquidação adicional de IVA, objecto da presente impugnação, com fundamento em que há IVA indevidamente liquidado e deduzido, o que não pode ser aceite porque as facturas que lhe estão subjacentes não titulam serviços realmente efectuados, motivo porque tal IVA não pode ser relevado, uma vez que as facturas em causa, discriminadas a fls. 190 dos autos, não titulam operações realmente efectuadas.

C) Como se refere na douta sentença, é efectivamente verdade que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, nos termos do disposto no art. 74º, n.º1 da LGT.

D) Todavia não podemos esquecer que na situação sub judice a liquidação resulta, não da afirmação pela administração tributária da existência de factos tributários não declarados, nem sequer de uma quantificação desses factos diferente da declarada, mas antes da não aceitação pela administração tributária de factos constitutivos do direito do contribuinte e que tem a ver com os custos relevados negativamente no seu rendimento colectável, e com o IVA indevidamente deduzido.

E) O que, por si, leva a que se deva ter em linha de conta, para a construção do quadro de normalidade que há-se servir de paradigma normativo para a distribuição das responsabilidades probatórias, a sujeição da Administração aos princípios da legalidade e da juridicidade e, pelo menos, no que respeita aos actos desfavoráveis, o dever de fundamentação.

F) Isto é, há-se caber efectivamente à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável).

G) Em contrapartida, caberá ao Impugnante apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, não bastando dizer, genericamente, que se fizeram as obras. Era necessário alegar e provar, relativamente a cada factura, nomeadamente, qual o pessoal contratado, qual o serviço prestado, o local da prestação do serviço, o tempo desse serviço, etc., de modo a que a AT pudesse verificar a veracidade do conteúdo das facturas.

H) No caso dos autos – de liquidação adicional de IVA com fundamento em que não pode ser confrontado o direito à dedução porque resulta de operações simuladas, que não tiveram existência real, sendo que as facturas que as facturas que as suportam não titulam operações realmente efectuadas, não é a AT que está a afirmar a existência do facto tributário mas o contribuinte. A AT limita-se a não reconhecer o direito a que o contribuinte se arroga de liquidar e deduzir o IVA, com fundamento na inexistência dos serviços prestados que o suportariam (as operações que o contribuinte diz tituladas pelas facturas em causa).

I) Logo, cabe à Impugnante apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos, solução que corresponde à regra geral consagrada no art. 342º do Código Civil (CC), de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos desses direito.

J) É indiscutível que da motivação fundamentadora constante do relatório inspectivo e, ao contrariamente ao decidido, o transposto para o relatório de inspecção, em termos de descrição da informação concreta recolhida que subjaz à decisão, já sobejamente referido e que, por esse motivo, nos escusamos de aqui reescrever, considerando-o reproduzido para os devidos efeitos, foi de modo a satisfazer o dever que sobre a administração tributária impendia em sede de procedimento administrativo e a autorizar a conclusão aí extraída, pois que não se limitou a pôr em causa a realização daquele custo facturado e tratado contabilisticamente;

K) Antes, como já vimos, reflecte motivação que, de forma coerente e credível, conduz à conclusão de que deve ser desconsiderado o valor constante das facturas supra identificadas, emitidas pela “D…, Lda.”, e utilizadas pela aqui Impugnante M..., Lda.

L) De acordo com a experiência comum, facturar serviços de mão-de-obra e transmissões de bens quando não se possui trabalhadores suficientes para a quantidade de serviços prestados, estando-se indiciado como emitente de facturação falsa e, genericamente incumpridores quer das obrigações contabilísticas como das obrigações fiscais, não pode deixar de considerar-se como suspeita séria de que as facturas não traduzem factos verídicos.

M) Perante estas suspeitas de falsidade, cabia então à impugnante o ónus da prova da veracidade das transacções tituladas pelas facturas – prestações de serviços e transmissões de bens com indicação da sua especificação, indicação da sua localização, quantidades, tempo de duração, pessoas que os realizaram, entre outros.

N) O que não fez, pois a prova produzida não é de molde a contrariar a inexistência das operações supostamente subjacentes àquelas contestadas facturas.

O) Não foi possível estabelecer qualquer conexão entre a facturação dos serviços prestados e os autos de medição, os orçamentos e os locais dos serviços prescrito, apenas descritos globalmente.

P) Logo, para afastar a incerteza dos valores em presença, não lhe bastava criar a dúvida, antes lhe competia demonstrar inequivocamente, e com grande rigor, a materialidade das operações mencionadas nas facturas, o que não logrou fazer (embora, a não serem fictícias, facilmente seria conseguido).

Q) Assim, e porque o IVA daquela forma indevidamente liquidado e deduzido, e contabilizado, não se enquadra nos n.ºs 2 e 3 do art. 19º do CIVA, pelo que não será de aceitar como custo fiscal, atento os indícios seguros de que as referidas facturas não titulam quaisquer serviços prestados nem transacções comerciais, e que a administração tributária coligiu no relatório de procedimento inspectivo.

R) Não se verificando a ilegalidade sentenciada, a douta sentença padece de erro se julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito, por violação ao disposto no n.º 2 do art. 19º do CIVA, devendo considerar-se válido o acto tributário de liquidação e, como tal, manter-se na ordem jurídica.

Nestes termos,

Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.»

1.2. Não houve contra-alegações.

Neste Tribunal, a Ex.mª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao presente recurso e mantida na ordem jurídica a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Do Objeto do Recurso

É sabido que são as conclusões do recurso que delimitam o seu objeto. «Relativamente ao recurso, as conclusões acabam por exercer uma função semelhante à do pedido na petição inicial ou à das excepções na contestação. Salvo quando se trate de matérias do conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que, além disso, não se encontrem cobertas pelo caso julgado, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal, sob cominação de nulidade» (ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in «Recursos em Processo Civil - Novo Regime», segunda edição, rev. e act., pág. 91).

O que vem ao caso porque, no artigo 4.º das doutas alegações, a Recorrente imputa à sentença o «erro de julgamento quer no tocante à matéria de facto (insuficiência desta, sem delimitação adequada dos factos relevantes para a solução) quer em matéria de direito, uma vez que não efectuou correctamente a interpretação dos art.s 75º, 81º, 87º e 88º da Lei Geral Tributária e art. 19º do CIVA».

Sem que, todavia, tivesse inserido nas conclusões qualquer referência ao erro de julgamento na matéria de facto ou ali indicado qualquer facto que, tendo sido alegado nos articulados ou sendo do conhecimento oficioso, não tivesse sido considerado no julgamento efetuado e o devesse ter sido.

De qualquer modo, ainda que o artigo 4.º das doutas alegações estivesse reproduzido nas conclusões, nem por isso o recurso poderia ser admitido, nesta parte. É que sobre a Recorrente recairia, então, o ónus de especificar os concretos pontos de facto que não foram considerados e o deveriam ter sido, bem como os concretos meios probatórios que sustentariam o julgamento de facto respetivo (artigo 690.º-A do Código de Processo Civil, na redação então em vigor). E nada disso consta das alegações do recurso nem das suas conclusões.

Outrossim, decorre das conclusões do recurso que a Recorrente não se conforma com o decidido em primeira instância porque, na aplicação do direito aos factos provados, esta fez errada interpretação e aplicação das regas do ónus probatório. Porque, na perspetiva daquela, não era à administração tributária que cabia demonstrar a inexistência do facto tributário arrogado pelo sujeito passivo, mas a este demonstrar a sua ocorrência.

3. Do Julgamento de Facto

3.1. Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância:

«A- Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa:

Os factos provados basearam-se nos documentos juntos aos autos, nomeadamente no Relatório de Inspecção (integrado no PA apenso aos autos) e no depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante:

1º) A acção inspectiva efectuada à firma M..., Ldª, teve origem na Ordem de Serviço Interna n.º OI200503936, de 05/08/2005.

2º) A acção inspectiva foi efectuada internamente, tendo por base a recolha de elementos de outros procedimentos inspectivos, alguns dos quais executados pela Direcção de Finanças de Aveiro – cfr. fls. 4 do Relatório de Inspecção apenso aos autos.

3º) Nos elementos remetidos pela Direcção de Finanças de Aveiro, o sujeito passivo em causa consta como utilizador de “facturas” emitidas pela “D...- Sociedade de Construções, Unipessoal, num total de 74.488,77 euros (IVA incluído), que de acordo com os elementos recolhidos se comprovou não respeitarem a serviços efectivamente prestados - cfr. fls. 4 do Relatório de Inspecção apenso aos autos.

4º) A Ordem de Serviço foi de âmbito parcial para IVA e IRC e dirigida ao exercício de 2001 - cfr. fls.4 do Relatório de Inspecção Tributária.

5º) A ora impugnante iniciou cm 25.09.1995, a actividade de fornecimento de “mão-de-obra para a construção civil”, na modalidade de subempreitada (CAE 45211 - Construções de edifícios).

6º) A sociedade impugnante encontra-se enquadrada em IVA no regime normal de periodicidade mensal e tributada em TRC através do regime da contabilidade organizada pelo Serviço de Finanças do Marco de Canaveses.

7º) Através de consulta aos Anexos J, da Declaração Anual, verifica-se quc no ano de 2001, a empresa declarou o pagamento de Rendimentos da Categoria A (trabalho dependente) a cerca de 45 trabalhadores - cfr. fls. 5 do Relatório de Inspecção Tributária.

8º) Constam do imobilizado da firma nos exercícios de 2000 e 2001, três viaturas ligeiras de mercadorias, duas viaturas de marca “mitsubishi” de nove lugares, urna retroescavadora, urna grua, material de cofragem, diversas ferramentas, nomeadamente martelos, corta azulejos, berbequim, rebarbadora a ainda algum equipamento administrativo.

9º) Os custos com pessoal representam 12,45% e 21,67% do valor dos serviços prestados em 2000 e 2001, respectivamente.

10º) Os proveitos da impugnante dizem respeito à facturação emitida e relativa a trabalhos de subempreitada, alguns dos trabalhos incluem materiais, realizados em diversas obras de empreitada, nomeadamente Edifício…(etc…), entre outras, que foram realizadas ao longo do período inspeccionado - cfr.fls.4 do Relatório de Inspecção.

11º) A ora impugnante no ano de 2001, procedeu à entrega da declaração de Rendimentos de IRC, das Declarações Periódicas de IVA e Declaração Anual, não se verificando situações de falta declarativa - cfr. fls. 6 do Relatório de Inspecção Tributária.

12º) Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável (de acordo com o Relatório de Inspecção):

“Face aos elementos recolhidos pela Direcção de Finanças de Aveiro, remetemos Oficio n.°308153, de 11/03/2005, no âmbito dos deveres de colaboração com a Administração Fiscal, expressa no artigo 77° do Código do IVA, bem como o n.°4 do artigo 59° da Lei Geral Tributária, solicitando elementos acerca das aquisições efectuadas à empresa “D...”, tais como:

• Extractos de conta corrente;

• Fotocópias de facturas e/ou documentos equivalentes, recibos e meios de pagamento;

• Autos de medição;

• Contratos.

Em 18/03/2005, foram recebidos nestes serviços, elementos relativos às transacções entre as duas empresas, nomeadamente:

Fotocópias das facturas n.°s 160, 161, 173, 174, 184, 201, 231, 232 e 233 emitida pela “D...”, para o sujeito passivo, bem como dos respectivos recibos e meios de pagamento.
Extracto da Conta-Corrente da “D...”

Posteriormente, após nossa solicitação, foram-nos remetidas, via fax, cópias dos extractos da Conta 62.1 - Subcontratos e da Conta: 2432321 - IVA dedutível OBS - Mercado Nacional, referenciando a contabilização efectuada da referida operação.”- cfr. fls.6 e 7 do Relatório de inspecção apenso aos autos.

13º) Face aos elementos disponíveis, verificamos que integram a contabilidade do sujeito passivo relativamente ao exercício de 2001, as facturas da empresa: “D...”, n.°s 160, 161, 173, 174, 184, 201, 231, 232 e 233- cfr. quadro de fls.7 do Relatório de Inspecção Tributária cujo teor aqui se dá por reproduzido.

14º) As referidas facturas foram contabilizadas como custo do exercício de 2001, influenciando, por isso, o resultado apurado para efeitos de IRC e os respectivos valores de IVA foram deduzidos nas Declarações Periódicas referentes aos meses de Setembro/2001, Outubro/2001, Novembro/2001 e Dezembro/2001, enviadas para os serviços do IVA, diminuindo deste modo o imposto a entregar nos cofres do Estado em cada um destes meses - cfr. fls.8 do Relatório de Inspecção Tributária.

15º) As facturas em causa constam como tendo sido impressas na tipografia “E… - Artes Gráficas”, localizada em Ermesinde, tendo-se efectuado fiscalização cruzada, conclui-se que foram requisitados 5 Livros de facturas e recibos, com a numeração de 001 a 250 em Agosto de 2001- cfr. fls.8 do Relatório de Inspecção Tributária.

16º) Na gráfica não consta qualquer requisição dos livros de facturas - cfr. fls.8 do Relatório de Inspecção.

17º) “Através das respostas obtidas da circularização efectuada às empresas utilizadoras das facturas destes livros, verifica-se que em variadas situações não é respeitada a ordem numérica das facturas com a sequência das datas, assim corno, a dispersão dos locais onde as obras eram efectuadas, só ao alcance de uma estrutura empresarial de grande dimensão, quer ao nível de pessoal, quer de equipamentos, o que não era manifestamente o caso presente”- cfr. fls.8 do Relatório de Inspecção.

18º) Da acção de fiscalização em curso à firma “D...- Sociedade de Construções, Unipessoal, Ld.”, foram apurados factos que constituem indícios seguros de que as facturas emitidas pela “D...”, não correspondem a transacções reais, tratando-se de um mero negócio de venda de facturas, de grande dimensão, dos quais se destacam:

- Embora não tenha sido ouvido F…, sócio-gerente da sociedade, que não deu cumprimento à notificação para comparecer nesta Direcção de Finanças, no dia 9 de Fevereiro p.p., apesar das declarações do mesmo não serem indispensáveis com vista a aferir da veracidade das transacções, dada a falta de idoneidade, comprovada na informação remetida pela Direcção de Finanças de Aveiro;

- Inexistência jurídica da sociedade, constituída em 24/07/2001, por um único sócio, F...- NIF:1…, não tendo sido efectuado o seu registo na Conservatória do Registo Comercial, embora tenha declarado o inicio de actividade à data de 25/07/2001;

- O comportamento fraudulento do sócio gerente, consubstanciado nas situações que se descrevem:

• Esteve colectado pela actividade de “acabamento não especificado”, cessado oficiosamente e indiciado em diversos processos pela emissão de facturação falsa;

• As declarações prestadas no âmbito do processo da D.F. Aveiro, a um dos utilizadores de facturação da “D...”, numa primeira fase declarou que as facturas emitidas eram verdadeiras, e numa segunda fase admitiu serem falsas e que os pagamentos, embora documentados com cheque, não foi mais que urna simulação de movimentos financeiros entre a firma utilizadora e a “D...”, com vista a dar credibilidade às operações;

• O facto de ter constituído uma nova sociedade em 2004 (Construções F…, Ld.ª), em tudo semelhante à D..., que já se encontra em situação de incumprimento e cessada oficiosamente por não se encontrar a exercer qualquer actividade;

• No decurso de acção inspectiva a um dos utilizadores das facturas emitidas pela “D...” foi exibida cópia de Alvará de Construção em nome de “D...”, confirmando-se junto do IMOPPI (entidade responsável pela atribuição e emissão de alvarás da construção civil) tratar-se de uma falsificação do Alvará emitido para outra empresa, que não para a “D...”;

• A sociedade nunca teve qualquer pessoal produtivo, tendo as folhas de remunerações sido enviadas para a Segurança Social apenas para dar credibilidade às facturas emitidas pela sociedade, conclusão a que se chegou dos elementos fornecidos pela Segurança Social, pois dos 10 trabalhadores por conta de outrem mencionados nas folhas de Segurança Social, desde o seu início de actividade, constata-se o seguinte:

• 7 deles, foram mencionados uma única vez, e constam como número total de dias de trabalho, entre 5 a 15 dias. Isto é só foram mencionados num mês esporádico, e com um número de dias reduzido, sendo a generalidade beneficiários do Rendimento Mínimo Garantido, e residentes na mesma área geográfica do sócio gerente da sociedade;

• Para os restantes 3, com cerca de 120 dias declarados, tratam-se de indivíduos que constam/constaram como funcionários da principal firma utilizadora de facturas da “D...”.

- Inexistência de capacidade material e humana para a realização dos trabalhos, que foram facturados para diversas empresas distribuídas por 7 Distritos, com obras dispersas em quase todo o País, praticamente de todas as artes de construção civil, de valores elevadíssimos, que através dos seus anexos “P” da Declaração Anual, do ano de 2001, atingem um valor superior a dois milhões de euros;

- O facto da “D...” ter documentado aquisições com facturas de outras empresas, também indiciadas corno emitentes de facturação fictícia, com vista a justificar a facturação emitida e os valores de IVA dedutível mencionado nas D.P.s enviadas para o 3° e 4° trimestres de 2001, de forma a anular ou a pagar valores reduzidos de IVA, sendo que as declarações periódicas foram enviadas com intenção de dar credibilidade ao negócio;

- Emissão de facturas sem qualquer ordem sequencial, com datas anteriores à sua impressão por parte das tipografias, desfasamento temporal que chega a atingir 1 ano e mais, e ainda, facturas que para além da data anterior à sua impressão foram datadas com data anterior ao contrato da sociedade emitente e à data que foi declarada de início de actividade, o que revela um descontrolo total ou até falta de conhecimento por parte do emitente de todas as facturas emitidas;

- Da facturação obtida através da circularização aos utilizadores conhecidos apurou-se que se encontram preenchidas, bem como os recibos, com diversas caligrafias, consoante os utilizadores, e quando consta a assinatura ou rubrica nos referidos documentos, também estas são diferentes, inclusive a utilização de carimbos diferenciados;

- As carências económicas demonstradas pelo sócio-gerente da “D...” que não se coadunam com os valores facturados pela sociedade, nomeadamente:

• A recente afectação de uma habitação social;

• A atribuição a um membro do agregado familiar do Rendimento Mínimo Garantido - cfr. fls.9 a 11 do Relatório de Inspecção Tributária.

19º) “Nos factos descritos nos pontos precedentes, quer na óptica dos emitentes quer na perspectiva da empresa utilizadora das facturas, produziu-se todo um conjunto de fundamentos que claramente apontam para que as facturas contabilizadas, em que consta como emitente a “D...”, titulam operações que não consubstanciam serviços efectivamente prestados pelas entidades emitentes, tratando-se por conseguinte de documentos falsos.

Nessa medida, e porque se tratam de facturas ficticias, será de promover as competentes correcções dos valores declarados, pelo sujeito passivo:

Em sede de IRC - não se aceitando o custo declarado inerente á contabilização da(s) factura(s) emitida(s) pela “D...”.

Em sede de IVA - considerando o imposto dessa mesma (s) factura(s) como indevidamente deduzido - cfr. tls.1 1 do Relatório de Inspecção Tributária.

20º) Por se tratar de facturas que de acordo com a A.F. não correspondem a transacções efectivamente realizadas pelos emitentes mas sim mero suporte de operações simuladas, de acordo com os factos já descritos, o IVA mencionado na mesma não confere o direito à dedução, nos termos do n.°3, do artigo 19° do Código do IVA, pelo que, foi proposta pelos Serviços de Inspecção Tributária a liquidação adicional do IVA indevidamente deduzido, nos termos do artigo 82° do mesmo Código.

O valor do IVA em causa, no montante de 10.823,14 euros, foi registado a débito das contas: 2432321 - IVA DED. OBS - MERCADO NACIONAL, e indevidamente nos meses de:

• Setembro/2001 1.616,91 euros

• Outubro/2001 2.264,03 euros

• Novembro/2001 4.387,70 euros

• Dezembro/2001 2.554,50 euros

Total 10.823,14 euros - cfr. fls. 13 do Relatório de Inspecção Tributária.

21º) O contribuinte não exerceu o seu direito de audição, nos termos previstos no art.60° da Lei Geral Tributária e no art.60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, não obstante ter sido notificado para o efeito através do Oficio n.°34304/0505 de 16 de Agosto de 2005, remetido para a sede do sujeito passivo - cfr. fls. 15 dos autos.

22º) Em função das medições, eram elaborados os autos de acordo com os valores acordados - cfr. depoimento de J… (trabalhador da M... no período em causa e, responsável pelas medições da obra).

23º) O auto era efectuado mensalmente e apresentava correspondência com a factura - cfr. depoimento de J....

24º) O subempreiteiro conferia as medições feitas - cfr. depoimento de J....

25º) Nunca eram alterados os resultados das medições - cfr. depoimento de J....

26º) As facturas eram elaboradas em função das medições - cfr. depoimento de J....

27º) Os valores declarados apresentam total correspondência com o resultado das medições - cfr. depoimento de J....

28º) Desconhecia em absoluto qualquer comportamento marginal por parte dos subempreiteiros contratados pela ora impugnante - cfr. depoimento de J....

29º) A M... trabalhou para mim numa obra respeitante a uma escola em Rio de Moinhos - cfr. depoimento de J… (Director de obra que, afirmou conhecer a impugnante há mais de 15 anos, por encomendar trabalhos à M...).

30º) A M... tinha o seu pessoal e trabalhava com subempreiteiros que contratava - cfr. depoimento de J....

31º) Os trabalhadores de J… andaram na obra da escola e, efectuaram trabalhos na área de trolha, rebocos, arcados- cfr. depoimento de J....

32º) Tratava-se de umaa obra muito grande para a qual a ora impugnante não tinha pessoal suficiente - cfr. depoimento de J....

33º) Andaram lá cerca de dois meses - cfr. depoimento de J....

34º) O J...tinha uma carrinha Mitsubishi de 9 lugares onde transportava os homens para as obras da ora impugnante - cfr. depoimento de J....

35º) A “M...” arranjou outra pessoa para efectuar os trabalhos que este deixou a meio de rebocos e arcados - cfr. depoimento de J....

36º) Os orçamentos eram elaborados em função dos projectos que chegavam à empresa - cfr. depoimento de F...(que trabalha para a M... desde o ano de 2000 até à presente data aí, desempenhando as funções de Técnico de obra).

37º) No ano de 2000 tinha a seu cargo a elaboração das medições, e tem conhecimento que a ora impugnante recorria a pessoal no sistema de subempreitada sempre que o seu pessoal se mostrasse insuficiente para efectuar a obra - cfr. depoimento de F....

38º) Se a impugnante tivesse que realizar uma obra, muitas vezes, havia necessidade de recorrer a subempreiteiros, como sucedeu durante o ano de 2000, na obra de Águas Santas, na execução da sua estrutura de betão e alvenaria - efr. depoimento de F....

39º) Os subempreiteiros muitas vezes eram indispensáveis para que as obras fossem entregues nos prazos acordados - cfr. depoimento de F....

40º) A obra foi efectuada com o nosso pessoal e o de subempreiteiros como A..., que fez os trabalhos de alvenaria, respeitante ao esqueleto da obra cfr. depoimento de F....

41º) O A... tinha uma retroescavadora e algumas máquinas - cfr. depoimento de F....

42º) Chegou a estar com ele, algumas vezes, em algumas obras, quando esse se encontrava a orientar os seus trabalhadores - cfr. depoimento de F....

43º) No ano de 2000 passou cheques a A…, à Sociedade de Construções e Terraplanagem…, Ldª e a J...- crf. depoimento de F… (empregado de escritório da impugnante desde 1998, que tinha a seu cargo a preparação dos documentos para os enviar à contabilidade por forma a serem efectuados os pagamentos aos fornecedores).

44º) Os referidos subempreiteiros exerceram a actividade de construção civil nas obras que a impugnante tinha em curso no ano de 2000 - cfr. depoimento de F....

45º) Uma vez elaborados os autos de medição correspondentes aos trabalhos executados, as empresas dirigiam-se ao escritório da impugnante com as facturas para receber - cfr. depoimento de F....

46º) As facturas eram elaboradas em conformidade com os autos de medição e não a pedido - cfr. depoimento de F....

47º) A facturação correspondia aos trabalhos efectuados – cfr. depoimento de F....

48º) Tudo indicava que os referidos subempreiteiros eram sérios - cfi. depoimento de F....

49º) Pareciam-lhe pessoas sérias e cumpridoras das suas obrigações - cfr. depoimento de F....

50º) Enquanto os trabalhos não estivessem concluídos não eram efectuados os pagamentos - cfr. depoimento de F....

51º) A contabilidade da impugnante era efectuada pelo gabinete de contabilidade “Acerto de Contas”- cfr. depoimento de F....

52º) Todos os trabalhos eram registados no computador da empresa.

53º) O pessoal efectivo da “M…” estava sempre ocupado, só recorrendo esta a subempreiteiros em períodos de oscilações, flutuações - cfr. depoimento de F....

54º) Recebia as facturas e emitia os respectivos cheques - cfr. depoimento de F....

55º) O A… durante o ano de 2000 efectuou para a “M..., Ld.ª”, trabalhos de cofragem, ferro em lage, trolha, rebocos e areados - cfr. depoimento de F....

56º) Só fornecia mão de obra - cfr. depoimento de F....

57º) Confrontado com os cheques juntos aos autos pela impugnante afirmou terem os mesmos sido emitidos pelo colega J… e pelo gerente - cfr. depoimento de F....

58º) Na elaboração da contabilidade da impugnante tem em conta os documentos que lhe são fornecidos e as normas contabilísticas - cfr. depoimento de J… (Técnico Oficial de Contas, responsável pela elaboração da contabilidade da impugnante desde o ano de 2000).

59º) No decurso da acção inspectiva levada a efeito à impugnante esta, colaborou com o Fisco em tudo o que lhe foi solicitado - cfi. depoimento de J....

60º) A impugnante cumpriu todas as obrigações a que está obrigada, nomeadamente o pagamento de impostos - cfr. depoimento de J....

61º) No decurso da acção inspectiva foram vistas as facturas, os autos de medição e os respectivos cheques - cfr. depoimento de J....

62º) A contabilidade da impugnante está correctamente organizada, não apresenta emendas ou rasuras, está conservada e em bom estado - cfr, depoimento de J....

63º) A impugnante pagou os impostos correspondentes ao ano de 2001
- cfr. depoimento de J....

64º) Não era possível a impugnante ter obtido os proveitos declarados sem os referidos custos respeitantes á subcontratação desconsiderados na sequência da acção de fiscalização - cfr. depoimento de J....

65º) A ora impugnante subcontrata mais quando tem mais obras em curso - cfr. depoimento de J....

66º) Só tomou conhecimento da situação irregular dos três subempreiteiros que prestaram serviços para a sua cliente aquando do acção de fiscalização efectuada à impugnante - cfr. depoimento de J….

67º) A “M…, trabalhou para a nossa empresa durante no ano de 99/2000 - cfr. depoimento de M… (técnico de obra).

68º) Cumpriu os prazos estipulados, com a colaboração do seu pessoal efectivo e com a colaboração de vários subempreiteiros - cfr. depoimento de M....

69º) Os trabalhadores do A… e J… andaram nas suas obras - crf. depoimento de M....

70º) Tratava-se de uma obra por blocos, onde estiveram outros subempreiteiros para além destes - cfr. depoimento de M....

71º) A “M..., Ld.ª”, é uma empresa de “bem”, que não conhecia e me foi recomendada por ser séria - cfr. depoimento de M....

72º) Trabalharam numa obra que estava a cargo da impugnante em Gondomar na construção de um prédio de 96 apartamentos, duas caves e uma loja - cfr. depoimento de M....

73º) Porque vai às obras e fala com os subempreiteiros acaba por fixar os seus nomes - cfr. depoimento de M….

74º) Quem tinha mais homens em obra era o seu A… - cfr. depoimento de M....

75º) Efectuaram nessa obra trabalhos de reboco e tijolos, a chamada arte de trolha - cfr. depoimento de M....

76º) O A… trazia na obra cerca de 20 trabalhadores - cfr. depoimento de M....

B- Factos não provados com relevância para a decisão da causa:

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.».

3.2. Os pontos 22.º a 76.º dos factos provados foram ali inseridos apenas com base no teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas e não têm qualquer correspondência com a factualidade alegada nos articulados.

Ora, nos termos do disposto no disposto no artigo 264.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o juiz só pode fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes. Esta regra vale também no direito processual tributário, como decorre dos artigos 99.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 13.º, n.º 1, parte final, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Por outro lado, a referência – no mesmo artigo 264.º, n.º 2 – à consideração oficiosa de factos instrumentais não deve ser interpretada como permitindo o seu aditamento à matéria de facto. O que o legislador pretendeu ressalvar foi que esses factos devem ser considerados na prova dos factos essenciais. Porque é essa a sua finalidade: servir de instrumento de prova dos factos que irão constituir fundamento da decisão, e não servir de fundamento de facto da decisão.

Sendo este o nosso entendimento, resposta à matéria de facto respetiva excedeu largamente os poderes de cognição do tribunal recorrido e – adiante-se também – não tem sequer sustento na fundamentação do acórdão de fls. 275 a fls. 277v. dos autos, que nada determinou neste particular.

Tem-se entendido que a resposta à matéria de facto, na parte em que incida sobre matéria de facto não alegada diretamente ou por remissão para documentos, designadamente os que componham o processo administrativo, deve ser «considerada não escrita, o que pode ser oficiosamente declarado pela Relação, sem necessidade de anulação e repetição do julgamento» (ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in «Recursos em Processo Civil - Novo Regime», segunda edição, rev. e act., pág. 292). Trata-se de um entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm extraído da solução legal adotada no artigo 646.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, para situações semelhantes.

Termos em que se decide considerar não escrita a resposta à matéria de facto que integra os pontos 22.º a 76.º dos factos provados.

4. Fundamentação de Direito

4.1. Vem o presente recurso interposto pela Fazenda Pública de sentença proferida nos autos de impugnação judicial, que, julgando procedente a presente impugnação judicial, anulou a liquidação impugnada.

Constitui fundamento do recurso o erro de julgamento da aplicação do direito aos factos uma vez que a prova produzida não é de molde a contrariar os indicadores da inexistência das operações tituladas nas faturas que suportaram o exercício do direito
à dedução do imposto sobre o valor acrescentado nelas indicado.

Que tem subjacente uma outra questão – esta meramente de direito – que é a de saber se, quando esteja em causa a existência das operações tituladas nas faturas, compete à administração tributária demonstrar que elas não existiram ou ao utilizador demonstrar que elas existiram.

Tem precedência lógica o conhecimento desta última questão, porque é da resposta que lhe for dada e da repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo que derivará a resposta à primeira.

Sobre esta matéria, dispõe com interesse o artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Assim, e tomando como modelo o procedimento de liquidação da iniciativa da administração tributária, esta terá o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos-pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário). E o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.

Todavia, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2003-05-07 (Processo n.º 01026/02, disponível a redação integral in www.dgsi.pt, seguindo o entendimento do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2002-04-17, processo n.º 026635, também ali disponível), firmou jurisprudência no sentido de que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado.

A razão de ser deste entendimento é a seguinte: ao contrário do que sucede em regra, em que a administração tributária afirma a ocorrência do facto de que deriva o direito à tributação, neste caso é o sujeito passivo que afirma o facto tributário de que deriva o direito à dedução e a administração tributária que põe em causa a sua ocorrência.

Deve salientar-se, porém, que esta regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu. Ou seja (para utilizar as palavras do mesmo aresto), depois da administração tributária ter emitido «um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei».

O que, de resto, resultava já do artigo 82.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (na redação então em vigor) segundo o qual a ratificação das declarações do sujeito passivo ocorreria quando a administração tributária fundadamente considerasse que nelas figurara um imposto superior ou uma dedução superior aos devidos.

E que nem poderia ser de outra forma, porque o exercício do direito à dedução tem por base a declaração a que então aludia o artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código. Declaração essa que, nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, se presume verdadeira quando seja apresentada nos termos previstos na lei e os dados dela constantes se encontram inscritos na sua contabilidade ou escrita, por sua vez organizadas de acordo com a legislação comercial ou fiscal. E quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz – artigo n.º 350.º, n.º 1, do Código Civil.

Pelo que, quando o direito à dedução tenha por base declaração do sujeito passivo apresentada nos termos da lei, a administração tributária que pretenda infirmar a ocorrência do facto em que se suporta essa dedução, titulado por documento emitido nos termos da lei, não tem que demonstrar que a operação subjacente não existiu, mas tem que reunir indícios fundados de que o sujeito passivo não tem direito à dedução (e que poderão consistir em indicadores objetivos da inexistência da operação) e que sejam suficientemente sólidos para fazer cessar a presunção de que o contribuinte beneficiava.

É então que, o sujeito passivo, por já não poder invocar a presunção a seu favor, terá que demonstrar a ocorrência do facto tributário, a efetiva existência das operações tituladas nas faturas que suportaram o direito à dedução.

Sendo esta, a nosso ver, a interpretação correta quer da jurisprudência citada quer da lei aplicável, passemos à análise do caso concreto.

4.2. Não é controvertido [até porque resulta dos pontos II-C.5) e III-B do relatório de inspeção tributária para que remetem os factos provados supra] que a Recorrida contabilizou as faturas emitidas pela sua fornecedora e emitiu as respetivas declarações periódicas. O que terá feito nos termos previstos na lei, visto que não foi apontada nenhuma irregularidade nem a essas declarações nem a elementos contabilísticos que as suportassem.

Nenhuma dúvida, por isso, de que a Recorrida beneficiava da presunção da verdade a que alude o artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, quanto aos elementos inseridos nessas declarações.

Daí que coubesse à administração tributária, no âmbito da sua atividade fiscalizadora averiguar da sua conformidade com a verdade fiscal do sujeito passivo e, sendo caso disso, reunir os indicadores que, apensar do cumprimento formal dos seus deveres declarativos e de escrituração, e da aparência de colaboração com a administração fiscal que dele decorre, não teria o direito à dedução arrogado nesses documentos.

O que a administração tributária pretendeu fazer precisamente através da ação de fiscalização externa determinada pela ordem de serviço n.º OI200503936, de 2005-08-05.

Todavia, dessa ação de fiscalização, e na parte em que incidiu sobre a escrita da Recorrida também não foram extraídos elementos que infirmassem as declarações.

De salientar, desde logo, a profusa documentação anexada ao relatório, da qual resulta que a fiscalização tributária teve acesso às faturas que titulam as operações, mas também aos contratos de empreitada celebrados entre as duas empresas (a Recorrida e a emitente das faturas) e à proposta contratual que lhes serviu de base, aos autos de medição relacionados com a execução dos trabalhos contratados, aos cheques emitidos como meio de pagamento e até (pelo menos em alguns casos) aos extratos da conta que evidenciam a sua movimentação. Sendo que nada foi apontado, quanto a estes documentos, como indicador de que os serviços correspondentes não foram efetuados.

Também não foi referenciada nenhuma ocorrência de que pudesse decorrer violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo no decurso da inspeção, não havendo notícia de que lhe tenham sido solicitados elementos adicionais (por exemplo, o verso microfilmado dos cheques) que não tivesse apresentado, ou que lhe tivessem sido solicitados esclarecimentos sobre a natureza dessas operações.

A ter sido efetuada outra análise à escrita da Recorrida, a ter sido averiguado o seu processo produtivo, a necessidade do recurso à subcontratação, a relação entre os serviços subcontratados a montante e as vendas a jusante, também nada foi extraído com relevo para as conclusões do relatório. E, tanto quanto é possível apreender através dos elementos disponíveis, as obras foram mesmo erigidas, não faltando sequer fotografias que o ilustram.

É, por isso, inequívoco que as únicas razões que levaram a administração tributária a concluir que as faturas em causa não respeitaram a serviços prestados dizem respeito à emitente dessas faturas e aos indicadores de que essa sociedade não teria meios para as executar.

Importa, porém, salientar desde já que esses indicadores não foram recolhidos pela Direção de Finanças do Porto, em primeira mão. Foram recolhidos a partir de elementos que lhe foram enviados pela Direção de Finanças de Aveiro e de que os serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças do Porto não se apropriaram nos seus exatos termos (visto que não anexaram esse relatório ao processo administrativo nem transcreveram o seu teor), tendo-se limitado a resumir os indicadores que extraíram desse outro relatório e que aqui aparecem já glosados e em segunda mão (não sendo de excluir, por isso, que se tenham perdido alguns dados relevantes e que aqui já não se possam aproveitar).

Foi, assim, de uma informação interna a que o tribunal não teve acesso que os serviços de inspeção tributária extraíram os seguintes indicadores de que as faturas em causa não respeitam a serviços efetivamente prestados:

a) Confirmou-se junto do “IMOPPI” que o alvará de construção da emitente é falsificado;

b) A emitente nunca teve qualquer pessoal produtivo;

c) O volume de negócios declarado e a dispersão geográfica das obras são incompatíveis com a capacidade material e humana da emitente das faturas;

d) As fornecedoras da emitente das faturas também estão indiciadas como emitentes de “faturas falsas”;

e) As faturas não têm ordem sequencial e algumas são mesmo anteriores à constituição da sociedade emitente;

f) Estão preenchidas com diversas caligrafias e contém assinaturas e carimbos diferentes;

g) O sócio-gerente mostra carências económicas que não se coadunam com os valores faturados.

Ora, estes indicadores – tal como se encontram apresentados (relembramos que o tribunal não teve acesso à informação original e nem esta pode aproveitar ao ato) – são insuficientes para concluir que as faturas em causa não titulam serviços prestados. Vejamos porquê.

O recurso a uma falsificação de alvará de outra empresa indica que a sociedade emitente das faturas não recuaria perante a ilegalidade para prosseguir a atividade, mas não que não tivesse atividade. Por outro lado, a cópia exibida terá sido exibida por outro utilizador das faturas emitidas por essa empresa, desconhecendo-se em que período. E não se sabendo, por isso, se a “D...” usou do mesmo estratagema junto da Recorrida ou sequer se tinha ou não alvará de construção à data da execução das obras tituladas nas faturas que lhe foram emitidas.

A afirmação de que a “D...” nunca teve pessoal produtivo seria o mais forte indicador de que nunca exerceu atividade e, por isso, não podia ter executado os trabalhos titulados nas faturas. No entanto, a documentação inserta de fls. 49 a fls. 52 do processo administrativo em apenso indica que, pelo contrário, a emitente entregou na secretaria da Segurança Social as folhas de remunerações de empregados ao seu serviço relativa ao mês de Novembro de 2001 e pagou contribuições relativas a esse mês, para além de que tinha, nessa data, seguro de acidentes de trabalho validamente contratado com a companhia de seguros “A...”. Parece, de resto que o problema nunca esteve no facto de existirem trabalhadores declarados no período em causa, mas de constarem também como funcionários da principal firma utilizadora das faturas. Só que este tribunal não sabe que firma era essa (ou se era a Recorrida) e se esse facto punha em causa a declaração da emitente ou da utilizadora. E também não sabe se constavam como funcionários da empresa utilizadora no período a que se reportam as faturas em causa.

A inexistência de capacidade material e humana para a realização dos trabalhos declarados pela emitente sugere que havia “sobrefaturação”, mas não necessariamente que aquelas faturas em particular não fossem verdadeiras. Tal só sucederia se a incapacidade da emitente subsistisse considerando apenas as obras que lhe foram adjudicadas pela Recorrida, o que não resulta minimamente do relatório.

O facto de a “D...” ter documentado aquisições com faturas de outras empresas também indiciadas de faturas falsas, nada nos diz sobre a credibilidade dessas operações, porque os indicadores respetivos também não foram referidos, impedindo o tribunal de fazer algum juízo próprio sobre eles. Parece, de resto, que a fiscalização pretendeu apenas pôr em causa a credibilidade dos sujeitos (por estarem envolvidos em tais processos) mas, como referia o Prof. Saldanha Sanches (in «A Quantificação da Obrigação Tributária», pág. 361) a ausência de credibilidade subjetiva dos sujeitos não constitui fundamento da avaliação administrativa. Até, porque, se o perfil fiscal do sujeito passivo pudesse, em si mesmo, fundamentar as correções, isso implicaria que a presunção do artigo 75.º da Lei Geral Tributária só valeria para os sujeitos passivos que nunca tivessem tido algum litígio com a administração tributária, o que não tem respaldo no texto da lei.

A referência a faturas que não têm ordem sequencial e que foram emitidas em datas anteriores à sua impressão e à própria constituição da sociedade emitente, não releva para o caso. Não apenas as faturas que aqui foram postas em causa foram emitidas pela sua ordem sequencial e depois da constituição da sociedade “D...” (2001-07-24), como também depois da data da sua impressão (agosto 2001).

O mesmo se diga das caligrafias, assinaturas e carimbos. Não apenas não se imputa as diferenças anunciadas às relações comerciais entre a Recorrida e a “D...”, como também a análise dos documentos juntos em anexo não as evidenciam. E, de qualquer modo, não há qualquer indicação de que esses documentos em particular não tenham sido assinados pelos respetivos representantes legais.

Finalmente, as carências económicas do sócio-gerente da “D...” parecem estar relacionadas com a sua situação financeira na altura da inspeção (e não da emissão das faturas), como decorre da expressão utilizada «recente afectação de uma habitação social», sendo que o que interessaria realmente era conhecer os indicadores económicos à data dos factos.

De todo o exposto decorre que a administração tributária não conseguiu reunir indicadores suscetíveis de constituir (para utilizar a expressão do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2002.04.17, já citado) «a prova, em tribunal, do bem fundado da formação das suas presunções de inexistência dos factos tributários» a que se reportam as faturas em causa. E, por conseguinte, da legalidade do ato impugnado.

E assim sendo, com a sobredita fundamentação, a decisão recorrida deve ser confirmada.

5. Conclusões

5.1. Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.

5.2. Estando em causa o imposto sobre o valor acrescentado deduzido com base em faturas que, alegadamente, não têm subjacente nenhuma transação, cabe à administração tributária demonstrar a adequação entre os factos-índice recolhidos no procedimento e o juízo sobre a inexistência do facto que confere o direito à dedução e ao sujeito passivo demonstrar a existência do facto tributário.

5.3. A administração tributária não cumpre o ónus que sobre si recai se os factos-índice invocados não estão suportados em dados objetivos ou não são adequados a suportar a sua conclusão.

6. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 15 de Novembro de 2013

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves

Ass. Pedro Marques