Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02410/13.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/25/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Paula Soares Leite Martins Portela
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
EFEITO DO RECURSO;
FUMUS BONI IURE DO ART. 120º Nº1 AL. B) DO CPTA.
Sumário:1_ A regra do nº2 do artigo 143º do CPTA impede a aplicação das alterações previstas no nº4 e no nº5 desse mesmo artigo às providências cautelares por não se encontrar legalmente consagrada a possibilidade de ser atribuído efeito suspensivo, podendo o tribunal, quanto muito e ao abrigo do disposto no n.º4 do art. 143º do CPTA, determinar a adopção de providências adequadas a minorar os danos que possam advir da execução da sentença.
2_Ocorre o requisito do fumus boni iure para efeitos da alínea b) do art. 120º do CPTA quando não é líquido se o prazo a aplicar para efeitos de interposição a ação principal é de 3 meses nos termos do art. 58º nº2 do CPTA ou de um ano a que alude o art. 274º do RCTFP dado que está em causa um despedimento de uma funcionária de uma entidade pública empresarial.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:FMMS...
Recorrido 1:Centro HSJ, EPE
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:FMMS, com os sinais nos autos, inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF do porto, em 29.04.2014, que julgou improcedente a providência cautelar por si interposta contra o Centro Hospitalar de S. João, EPE, em que peticionava a suspensão da eficácia do despacho do Senhor Presidente do Conselho de Administração do Hospital de S. João, de 11.07.2013 que lhe aplicou a pena de disciplinar de demissão.
Para tanto alega em conclusão:
1 - A Lei n.° 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e a Lei n.° 59/2008, de 11 de Setembro vieram alterar o regime jurídico de emprego público que até aí vigo­rava.
2 - A entrada em vigor destes diplomas legais não alte­rou a competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais para decidir sobre impugnações de actos de despedimento, nem afastou a aplicabilidade genérica do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
3 - Contudo, veio o artigo 274º, nº 2 do RCTFP estipular um novo prazo para a impugnação judicial do ato administrativo de despedimento ou demissão do trabalhador, fixando-o no prazo de um ano.
4 – Não dando provimento à requerida providência cautelar, julgando a caducidade da ação principal, o Tribunal “a quo” fez uma errónea interpretação da lei aplicável ao caso sub judice, porquanto violou o disposto no artigo 58º, nº 2 (primeira parte) e artigo 274º, nº 2 do RCTFP, o qual prevê o prazo de um ano para intentar a ação de impugnação do ato administrativo de despedimento (demissão) do trabalhador.
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O RECORRIDO, Centro HSJ, EPE, apresentou contra-alegações, em defesa da improcedência do recurso, embora sem formular conclusões.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito, não emitiu parecer.
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FACTOS FIXADOS EM 1ª INSTÂNCIA (e com relevância para os autos):
i) Em 11 de Julho de 2013, o Senhor Presidente do Conselho de Administração do Hospital de São João, proferiu despacho a aplicar a pena disciplinar de demissão à requerente, conforme emerge da análise de fls. 23 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [acto suspendendo].
ii) A presente providência cautelar tem por objecto confesso a suspensão de eficácia do despacho referido em i), conforme emerge do requerimento inicial que faz fls. 1 a 17 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
iv) A presente providência cautelar deu entrada em juízo no dia 14 de Outubro de 2013, conforme emerge do carimbo aposto no rosto do requerimento inicial.
v) Por despacho datado de 15 de Janeiro de 2014, foi determinada a notificação da requerente para vir aos autos informar se já tinha proposto a acção principal de que depende a presente providência cautelar, ao que a mesma respondeu que estaria a “(…) ultimar a acção principal de que depende a presente providência cautelar, dando a mesma entrada nos próximos dias e de tal facto informando os autos (…)”, conforme emerge da análise de fls. 206 e 211 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
vi) Por despacho datado de 10 de Fevereiro de 2014, foi reiterada a determinação referido em v), ao que a requerente, devida e regularmente notificada, nada disse, conforme emerge da análise de fls. 224 e seguintes dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
vii) A requerente ainda não interpôs a acção principal de que depende a presente providência cautelar, conforme emerge da pesquisa ao sistema informático SITAF.
viii) Dá-se por reproduzido o teor de todos os documentos que integram os autos .
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QUESTÕES QUE IMPORTA CONHECER
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, tendo presente que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 5, 608.º, 635.º, n.ºs 3 e 4 e 638º, n.º 3 todos do Novo Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140º do CPTA.
Mas, sem esquecer o disposto no artº 149º do CPTA nos termos do qual ainda que o tribunal de recurso declare nula a sentença decide do objecto da causa de facto e de direito.
As questões que aqui importa conhecer são as seguintes:
_Fixação de efeito do recurso;
_Violação do art. 120º nº1 al. b) do CPTAS artigos 58º do CPTA e 242º do RCTFP.
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O DIREITO
EFEITO SUSPENSIVO DO RECURSO
Vem o aqui recorrente reclamar do efeito fixado meramente devolutivo fixado ao recurso.
Para tanto alega que, não obstante o art. 143º nº2 do CPTA pode ser atribuído efeito suspensivo, nos termos do nº 5 do artigo 143º, quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição.
E que a atribuição de efeito meramente devolutivo ao presente recurso implicará para a aqui Recorrente a perda de um vencimento mensal com o qual faz face às necessidades da sua vida familiar sendo que a atribuição de efeito meramente devolutivo ao presente recurso importará a desvinculação da mesma do seu posto de trabalho com todas as consequências nefastas de tal decisão, nomeadamente, a sua própria reintegração no posto de trabalho.
Pelo que, os danos da fixação de efeito meramente devolutivo ao presente recurso serão muito superiores àqueles que resultariam se lhe for atribuído efeito suspensivo.
Quid juris?
A decisão quanto ao efeito do recurso tem carácter provisório, não obstante o juiz que o proferiu esteja impossibilitado de alterá-la, mas como não constitui caso julgado formal as partes podem impugná-lo em sede de alegações e não pela via dum recurso autónomo.
Dispõe o art. 143.º, sob a epígrafe “Efeitos dos recursos” que:
1- Salvo o disposto em lei especial, os recursos têm efeito suspensivo da decisão recorrida.
2- Os recursos interpostos de intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias e de decisões respeitantes à adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo.
3- Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, pode ser requerido ao tribunal para o qual se recorre que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.
4- Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.
5- A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos.” (sublinhados nossos).
A este propósito diz-se no Ac. 1411/08.9 BEBRG A de 18/6/09 que: “...No artigo 143º do CPTA, o legislador, à semelhança do que faz a respeito das providências cautelares, e visando assegurar o equilíbrio dos interesses em presença, fixa uma regulação complexa dos efeitos dos recursos: estabelece aí duas regras, a primeira, que salvo o disposto em lei especial, os recursos têm efeito suspensivo da decisão recorrida [nº1], e a segunda, que os recursos interpostos de intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias e de decisões sobre a adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo [nº2]; admite que, quando a suspensão dos efeitos da sentença provoque uma situação de periculum in mora, possa ser requerido ao tribunal para o qual se recorre que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso [nº3]; admite que o tribunal proceda à ponderação dos interesses das partes, quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, visando impor providências destinadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos [nº4], sendo que a atribuição de efeito meramente devolutivo deverá ser recusada quando tal cause prejuízos superiores aos que resultam da suspensão, e aqueles não possam ser prevenidos ou minorados com providências adequadas [nº5].
Convém ter presente que o nº1 do artigo 143º do CPTA mantém a regra geral que já provinha do artigo 105º nº1 da LPTA, segundo a qual os recursos que subam imediatamente têm efeito suspensivo da decisão. E o seu nº2 actualiza o nº2 desse mesmo artigo 105º, segundo o qual os recursos de decisões que suspendam a eficácia de actos contenciosamente impugnados têm efeito meramente devolutivo.
Vem entendendo a doutrina que no texto do artigo 143º nº2 do CPTA cabem decisões que julguem procedente a intimação à adopção de conduta, positiva ou negativa, que se revele indispensável para assegurar o exercício [em tempo útil] de um direito, liberdade ou garantia [proferidas no âmbito de processo de intimação urgente a que se referem os artigos 109º a 111º do CPTA], e cabem todos os tipos de decisões que podem ser adoptadas em processos cautelares, quer concedem ou denegam as providências, quer as declarem caducas, as alterem ou revoguem [ver, a respeito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2007; José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 7ª edição].
Ora bem. Tendo presente o teor literal da regulação fixada no artigo 143º do CPTA, sobre os efeitos dos recursos jurisdicionais, e a referida natureza, regime e finalidade das providências cautelares, pensamos que tanto a conjugação literal e sintáctica do respectivo texto, como a teleologia e sistemática que lhe subjazem, militam no sentido de uma interpretação que condiz com a adoptada na decisão judicial recorrida [ver artigo 9º do CC].
Na verdade, e quanto ao teor literal, facilmente se constata que no nº1 e no nº2 do artigo 143º é o próprio legislador a fixar o efeito regra, utilizando o verbo ter, com sentido impositivo, enquanto nos demais números é o tribunal que poderá atribuir um efeito diferente ao recurso. É fácil verificar que o nº3 só poderá dizer respeito à regra geral do nº1, e não à do nº2, em que não está em causa a suspensão dos efeitos da sentença, sendo certo que é o nº3 que vem permitir que o tribunal atribua ao recurso efeito meramente devolutivo. Assim, os números restantes [4 e 5], ao referirem-se, expressamente, à hipótese de atribuição de efeito meramente devolutivo, só poderão ter ligação sintáctica com o nº3 e não com os dois primeiros números do artigo. É o nº3 que serve de charneira entre os números 4 e 5 e o nº1, desta ligação sintáctica ficando afastada a regra do nº2. Pensamos ser este o sentido correcto que brota do texto do artigo 143º, lido no seu conjunto, e tendo presente que o legislador soube exprimir-se em termos adequados, e de forma correcta e lógica [artigo 9º nº3 do CC].
Cremos, portanto, que a letra do artigo 143º do CPTA aponta no sentido de que as alterações previstas nos seus três últimos números apenas se aplicam à regra geral do nº1, e não há regra do seu nº2.
Este mesmo sentido nos parece ser imposto por considerações de ordem sistemática e teleológica [artigo 9º nº1 do CC].
Há que ter em consideração, desde logo, que o nº3 [do artigo 143º] não se aplica, pura e simplesmente, às decisões respeitantes à adopção de providências cautelares, já que tem como seu pressuposto apenas a regra do efeito suspensivo consagrada no nº1. A letra da lei, aqui, não permite qualquer outra leitura [artigo 9º nº2 do CC].
Relativamente aos números 4 e 5 do artigo 143º do CPTA, importa ter presente, primo, que o julgador cautelar, para deferir ou indeferir a providência, já terá procedido à ponderação de interesses e danos que subjaz à adopção quer das medidas lenitivas [nº4] quer da recusa do efeito meramente devolutivo [nº5], e nada justifica a sua repetição. E no caso de o julgador cautelar não ter chegado a equacionar essa ponderação de interesses e danos, isso apenas significará que foi a própria lógica jurídica cautelar, consagrada pelo legislador, a arredar, naquele caso concreto, quer por inexistência do indispensável fumus bonus, quer por inverificação de periculum in mora, a necessidade de a ela proceder.
Se o julgador cautelar considerou ser de proteger a posição do requerente contra a morosidade do processo principal, concedendo a providência pretendida, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso jurisdicional dessa decisão judicial acabaria por inutilizar o objectivo da tutela cautelar, prolongando no tempo uma situação desvantajosa para o requerente.
Utilizando a expressiva síntese de Teresa Violante verificando-se periculum in mora, deve a providência ser deferida, pelo que a atribuição de efeito suspensivo ao recurso desta decisão poderia culminar na sua inutilidade; caso aquele perigo não se verifique então o recurso de decisões de indeferimento revestido de efeito suspensivo carece de justificação processual [Teresa Violante, Os recursos jurisdicionais no novo contencioso administrativo, O Direito, Ano 139º, 2007, IV, páginas 841 a 877; consultamos ainda, a respeito deste tema, Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2007; Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, 2006, página 595; José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 7ª edição, 432 e 433].
Saliente-se ainda, secundo, que o artigo 128º do CPTA, já por nós referido, determina que quando seja requerida suspensão de eficácia de acto administrativo, a autoridade administrativa, logo que receba o duplicado desse requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução do acto, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público. Basta, pois, a emissão de um novo acto administrativo, que justifique a ocorrência de um grave prejuízo para o interesse público resultante da suspensão provisória, para que a administração possa, desde logo, prosseguir na execução do acto [nº1].
Estipula o mesmo artigo, no seu nº2, que se considera indevida a execução quando falte a resolução fundamentada prevista no nº1, ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta, podendo ser deduzido pelo requerente incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida [nº4 a nº6].
Temos, assim, que deferindo a lei à autoridade administrativa, num primeiro momento, a ponderação dos interesses em presença, para efeito de evitar a suspensão automática do acto administrativo, fará todo o sentido que os motivos avançados pela administração apenas possam ser postos em causa, pelo incidente de declaração de ineficácia, quando transite em julgado a decisão judicial que declare improcedentes os mesmos, e não por um eventual efeito suspensivo do recurso.
Além disso, tertio, no caso de recusa da providência cautelar, o efeito suspensivo do recurso dessa decisão viria possibilitar, cremos que indevidamente, o prolongamento abusivo da proibição fixada no nº1 do artigo 128º do CPTA. No caso contrário, o efeito suspensivo do recurso da decisão de deferimento viria permitir, indevidamente, que a administração pudesse passar a executar o que lhe estava proibido por força daquela mesma norma, e tinha sido reforçado pela decisão cautelar. Tal efeito, permitiria ou prolongaria uma execução indevida.”
Como resulta do entendimento supra referido que sufragamos devemos concluir que a regra do nº2 do artigo 143º do CPTA impede a aplicação das alterações previstas no nº4 e no nº5 desse mesmo artigo.
Este tem sido o sentido da nossa jurisprudência noutros acórdãos nomeadamente o Acórdão do STA 1361/13 de 23/10/2013 de onde resulta que por força do disposto no n.º2 do art. 143º do CPTA, os recursos interpostos de decisões respeitantes à adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo, não se encontrando legalmente consagrada a possibilidade de ser atribuído efeito suspensivo, podendo o tribunal, quanto muito e ao abrigo do disposto no n.º4 do art. 143º do CPTA, determinar a adopção de providências adequadas a minorar os danos que possam advir da execução da sentença, assim como o Acórdão deste TCAN por nós relatado 00941/09.0BEPRT de 4/2/010.
É, pois, de manter o efeito fixado ao recurso.

VIOLAÇÃO DO ART. 120º Nº1 AL. B) DO CPTA
Alega a recorrente que a decisão recorrida viola o art. 120º nº1 al b) do CPTA ao entender que não ocorre fumus boni iure, por ocorrer caducidade do direito de ação por, a seu ver, não se encontrar vinculada ao prazo de três meses para impugnar o ato administrativo (pena disciplinar de demissão), nos termos do disposto no artigo 58º, nº 2, al. b) do CPTA.
Para tanto refere a recorrente que a presente providência cautelar visa a suspensão da eficácia do ato administrativo praticado pelo Presidente do Conselho de Administração do Hospital de São João que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, como preliminar da ação principal de impugnação desse mesmo ato administrativo.
E que, para aferir do prazo de que dispõe para impugnar o ato administrativo há que ter presente o contrato celebrado entre si e a recorrida, Hospital de São João, E.P.E ao abrigo do regime jurídico aprovado pela Lei nº 99/2003 de 27 de Agosto de acordo com cuja cláusula 12ª: “O presente contrato fica submetido à legislação privada do trabalho, do direito do trabalho privado comum, designadamente o Código do Trabalho, aprovado pela lei nº 99/2003 de 27/08, constante da Lei nº 35/2004, de 29/07, aplicando-se ainda, para conformação das obrigações do/a Segundo/a Contraente, todas as obrigações a que se acham adstritos os funcionários e agentes da administração pública, nomeadamente as obrigações constantes do Dec-Lei nº 24/84 de 16/01 (Atualmente Lei nº 58/2008)” .
Ora, tendo o procedimento disciplinar que culminou com a pena de demissão sido elaborado nos termos do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas (Lei nº 58/2008) nos termos do art. 274º n.º 2 do RCTFP o prazo de interposição de recurso de pena de demissão é de 1 ano.
Conclui a recorrente que o entendimento veiculado na decisão recorrida viola os artigos 120º nº1 al.b) e art. 58º n.º2 do CPTA e art. 274º n.º2 do RCTFP ao se ter entendido que o prazo de caducidade para interpor a ação principal para impugnação do ato administrativo aqui em causa são os 3 meses previstos no art. 58º do CPTA (quando o vício é a anulabilidade) e não o prazo de 1 ano, nos termos do art. 274º n.º 2 do RCTFP.
A seu ver, este preceito ao dispor que “ 1-O ato de despedimento pode ser objeto de apreciação jurisdicional nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, acrescentando o seu nº 2: “A ação tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento.” é aplicável à situação de ato administrativo de despedimento visto que o Estatuto Disciplinar, ao remeter-se ao silêncio, não afasta a aplicabilidade do prazo geral e face ao novo paradigma da reforma operada pelos diplomas 12-A/2008 de 27/2 e Lei 59/2008 de 11/9 cuja natureza mista consagrou e fez importar conceitos de direito privado em relações jurídicas de direito público.
E que ao ato administrativo aqui em causa é aplicável o referido prazo de um ano para a situações de despedimento.
Quid juris?
Extrai-se da decisão recorrida:
“...Assim sendo, cumpre averiguar se ocorrem os requisitos enunciados na al. b), n.º 1 do aludido artigo 120.º do C.P.T.A.
O requisito do fumus boni iuris [pressuposto do deferimento da medida cautelar, e assente, por definição (e por natureza do próprio processo cautelar), num juízo preliminar ou perfunctório sobre a eventual procedência da acção principal, sobre a aparência de bom direito (do direito que se vai aí discutir)], tal como está configurado na alínea b) do nº1 do artigo 120º do C.P.T.A., compreende duas formulações possíveis.

Em primeira formulação, o preceito legal supra citado exige que não seja manifesta a existência de circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da pretensão formulada ou a formular.

Neste domínio, cabe notar que a requerente deduziu a presente providência cautelar peticionando a suspensão de eficácia do despacho do Senhor Presidente do Conselho de Administração do Hospital de São João, de 11.07.2013, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.
Estriba a sua pretensão, em termos de causas de invalidade, assacando ao acto suspendendo os vícios de “(…) violação de defesa da arguida no processo disciplinar [e de] (…) errónea interpretação dos factos e circunstâncias envolventes ao processo (…)”.
Ora, em face do bloco legal aplicável ao acto posto em crise, a sanção jurídica correspondente é a anulabilidad (1).
Ora, sendo o acto impugnado susceptível de mera anulabilidade, em face da arguição dos vícios invocados, a sua impugnação somente seria possível dentro do respectivo prazo.
Deste modo, a impugnação do acto suspendendo nos autos estava à data sujeita à disciplinar jurídica constante do artigo 58º do C.P.T.A., segunda a qual a acção principal de que depende a presente providência cautelar teria que ser proposta no prazo de 3 meses contados da respectiva notificação do mesmo.
Ora, sabe-se que a requerente tem conhecimento do acto suspendendo, pelo menos desde a propositura da presente providência cautelar [14 de Outubro de 2013], pelo que, em face dos contornos da crítica dirigidos ao acto suspendendo, anteriormente explicitados, a mesma deveria ter interposto a acção principal de que depende a presente providência cautelar no prazo de três meses contados daquela data, ou seja, e já descontado o período relativo às férias judiciais de Natal, até ao passado dia 30 de Janeiro de 2014, o que, todavia, não se veio a verificar [cfr. pontos v) a vii) do probatório].
Destarte, não tendo sido intentada, até à presente data, a competente acção de que os presentes autos são preliminares, esgotado que está o respectivo prazo de três meses, forçoso será de concluir pela existência de uma situação que obsta ao seu conhecimento de mérito – a caducidade do direito de acção [principal]”.
E se assim é, então não se pode considerar verificado, in casu, o requisito do fumus boni iuris [1ª formulação] constante da alínea b) do nº. 1 do artigo 120º do C.P.T.A., o que importa o não decretamento da providência requerida.”
Então vejamos.
O requisito do fumus boni iuris a que alude a al. b) do art. 120º do CPTA tem a ver com a aparência do direito do aqui recorrente.
Assim, para que o tribunal possa dar como verificado este requisito necessário se torna, desde logo, que inexistam circunstâncias que impeçam o conhecimento de mérito do pedido formulado ou a formular no processo principal, nomeadamente a caducidade da ação do processo principal.
Vejamos então se existe aparência de tempestividade da ação principal.
Para tal é necessário questionar o prazo de caducidade do direito de ação dos trabalhadores que exercem funções públicas para impugnar o ato administrativo que culminou com a pena de demissão.
Pretende a recorrida que nos termos do art. 3º da Lei n.º 59/2008, de 11/9 (que aprova o RCTFP), “o âmbito de aplicação objectivo da presente lei é o que encontra definido no art. 3º da Lei n.º12-A/2008, de 27 de Fevereiro, com as especialidades constantes dos números seguintes.”.
E que o art. 3º da Lei n.º12-A/2008, de 27/2 estabelece no nº5 o seguinte: “Sem prejuízo do disposto no n.º2 do artigo anterior, a presente lei não é aplicável às entidades públicas empresariais…”.
E esse art. 2º n.º2 da Lei n.º12-A/2008, de 27/2 dispõe que “A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo.”
E daqui conclui que o RCTFP invocado pela Recorrente é aplicável, nas entidades públicas empresariais, apenas em relação aos trabalhadores que detinham já a qualidade de funcionários públicos ou de agentes administrativos à data da entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27/2.
E que não será por lhe ter sido aplicado o Estatuto Disciplinar que a recorrente “adquiriu” um estatuto de trabalhadora em funções públicas, não lhe sendo por isso aplicável o RCTFP.
Contudo esta questão não é, por si, evidente a nosso ver já que impõe uma análise mais profunda das normas e qualificação do contrato aqui em causa, pelo que não nos parece prematuro, desde já dizer que não ocorre a aparência do direito.
Basta analisar a argumentação de ambas as partes para ser perceptível que a questão não é líquida e que impõe um estudo que não é compatível com a análise perfunctória que um cautelar exige.
Diferente seria, a nosso ver, se estivéssemos perante um caso de providência antecipatória em que o critério do “fumus boni iuris” intervém na sua formulação positiva exigindo-se a probabilidade da procedência da pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (...)” art. 120º n.º1 al. c) do CPTA).
Em suma, não nos parece que esta questão seja líquida no sentido de que o prazo a aplicar é de 3 meses nos termos do art. 58º nº2 do CPTA e não o prazo de um ano a que alude o art. 274º do RCTFP.

Pelo que, verificando-se a nosso ver, o pressuposto do fumus boni iure vejamos se estão preenchidos os restantes pressupostos para o deferimento da providência cautelar.
Como refere o legislador o “periculum in mora” traduz-se no “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar [ou ver reconhecidos] no processo principal”.
Como refere o Prof. Mário Aroso de Almeida “(...) se não falharem os demais pressupostos de que, nos termos do artigo 120º, depende a concessão da providência, ela deve ser concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido a atribuir à expressão “facto consumado.”
Nestas situações, em que a providência é necessária para evitar o risco de infrutuosidade da sentença a proferir no processo principal, o critério deixa, pois, de ser o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, para passar a ser o da viabilidade do restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar.
Do ponto de vista do periculum in mora, a providência também deve ser, entretanto, concedida quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente. Ainda neste último caso, justifica-se a adopção da providência para evitar o risco do retardamento da tutela que deverá ser assegurada pela sentença a proferir no processo principal. Note-se que a redacção, quer da alínea b), quer da alínea c), do n.º 1 do artigo 120º é diferente daquela que, para a atribuição de providências cautelares não especificadas em processo civil, consta do artigo 381º, n.º 1 do CPC, que é mais exigente, ao falar de uma “lesão grave e dificilmente reparável” (...). Assume-se, pois, aí, que nem todos os prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação justificam a adopção de providências cautelares, mas só aqueles que, pela sua gravidade, a jurisprudência venha a seleccionar, para o efeito de considerar dignos de tutela preventiva. Não é assim em contencioso administrativo.” (in: “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição revista e atualizada, págs. 293 e segs., em especial, págs., págs. 299 e 300).
Agora, na aferição da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação” o critério a atender deixou de ser aquele que jurisprudencialmente era aceite em matéria de análise do requisito positivo da al. a), do n.º 1 do art. 76º da LPTA, ou seja, o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, para passar a ser o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, já que o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstractos (cfr., Prof. J. C. Vieira de Andrade in: ob. cit., pág. 299; Prof. Mário Aroso de Almeida in: ob. cit., pág. 297).
Importa, ainda, ter presente que devem ser atendidos todos os prejuízos relevantes para os interesses do requerente, quer o perigo respeite a interesses públicos, comunitários ou colectivos, quer estejam em causa apenas interesses individuais.
Na aferição deste requisito e tal como é defendido pelo Prof. J. C. Vieira de Andrade o juiz deve “(...) fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para se concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica.
Neste juízo de fundado receio há-se corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar «compreensível» ou justificada a cautela que é solicitada.” (Prof. João Caupers in: “Introdução ao Direito Administrativo”, 7ª edição, pág. 298).
Deve entender-se que se constitui uma situação de facto consumado quando seja impossível a reintegração específica da esfera jurídica do lesado, tendo por referência a situação jurídica e de facto existente para este no momento da respectiva lesão.
Neste sentido ver, entre outros, os Acs do TCAN 231/08.5 BECBR-A de 23/4/09 e 222/086 BEVIS de 12/3/09.
Como vimos com o “periculum in mora” visa assegurar-se a utilidade de uma sentença de eventual provimento da ação principal, para que a mesma não se venha a transformar numa decisão inútil.
A recorrente invoca como fundamento para o periculum in mora prejuízos decorrentes da falta de vencimento durante o período até à decisão final do processo principal já que é do seu trabalho como assistente operacional que retira os proventos para o seu sustento implicando também o desfavor dos colegas, enfermeiros e médicos do serviço.
E indica três testemunhas para o efeito que não foram ouvidas.
Também, e a priori, não vemos que esta diligência se torne irrelevante pela intervenção do requisito da ponderação de interesses a que alude o art. 120º nº2 do CPTA.
Pelo que, devem os autos baixar à 1ª instância para prosseguimento dos mesmos nomeadamente com a referida inquirição de testemunhas sobre o periculum in mora.
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Em face de todo o exposto e pelos fundamentos supra referidos é de conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos à 1ª instância para prosseguimento dos mesmos.
Custas pela entidade recorrida.
R. e N.
Porto, 25/09/014
Ass.: Ana Paula Portela
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Frederico Macedo Branco
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(1) Cfr. artºs 133º a 135º do CPA.