Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00563/15.6BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/31/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Isabel Costa
Descritores:PATRIMÓNIO CULTURAL; IMÓVEL CLASSIFICADO; ZONA DE PROTEÇÃO GERAL
Sumário:I - As zonas gerais e especiais de proteção dos imóveis classificados são caracterizadas pelo legislador como servidões administrativas (cfr. n.º 4 do artigo 43º da Lei nº 107/2001 e n.º 1 do artigo 51º do DL nº 309/2009), que consubstanciam encargos sobre determinados prédios (os existentes nessas zonas de proteção) em proveito da utilidade pública do bem cultural imóvel, encargos que podem ser mais ou menos abrangentes, consoante os casos.

II - A zona de proteção geral de 50 metros contados a partir dos limites exteriores do imóvel não constitui uma proteção absoluta do bem cultural imóvel, ou seja, não se traduz numa proibição non aedificandi.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.C.A.C.S.M.
Recorrido 1:Município da (...) e outra.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório

M.C.A.C.S.M., vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF de Coimbra que julgou improcedente a ação que intentara contra o Município da (...) (indicando como contrainteressada a Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia da (...)) na qual pedia a declaração de nulidade do licenciamento concedido no processo de obras com o n.º 76/2013 e a cassação do alvará de licença de construção. E, ainda, a condenação do Município Réu a ordenar à contrainteressada a destruição de tudo quanto esteja construído no “território delimitado por uma linha traçada a 50,00 metros de distância do bem imóvel classificado, contados a partir do seu perímetro exterior”.

Na alegação apresentada, formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem ipsis verbis:
A) Na presente ação administrativa impugna-se o acto de licenciamento de uma obra particular com fundamento em violação das normas imperativas de um Regulamento do Plano Director Municipal da (...), publicado no Diário da República, 2a. Série, de 9 de Julho de 2013, pelo Aviso n.º 8729/2013, foi de novo reafirmada a classificação no quadro 6 do art. 111º.
B) Segundo o artº. 112º. do Regulamento do Plano Director Municipal, os imóveis classificados ficam sujeitos ao regime nele referido, de que se destaca o determinado nos pontos 1 e 2, que se transcrevem:
1 — Os bens imóveis classificados referidos no artigo anterior beneficiam de uma área de proteção, que corresponde:
a) À zona especial de proteção de património classificado, quando exista;
b) Ao território delimitado por uma linha traçada a 50,00 metros de distância do bem imóvel classificado, contados a partir do seu perímetro exterior.
2 — Os bens imóveis em vias de classificação beneficiam automaticamente de uma zona geral de proteção de 50 metros contados a partir dos seus perímetros exteriores.
C) Goza o referido imóvel de uma Zona Geral de Protecção num “território delimitado por uma linha traçada a 50,00 metros de distância do bem imóvel classificado, contados a partir do seu perímetro exterior”, pelo que, nesse território não pode ser construído nada.
D) “As zonas de protecção dos imóveis classificados nos termos do artigo anterior são servidões administrativas, nas quais não podem ser autorizadas pelas câmaras municipais ou por outras entidades alienações ou quaisquer obras de demolição, instalação, construção, reconstrução, criação ou transformação de zonas verdes, bem como qualquer movimento de terras ou dragagens, nem alteração ou diferente utilização contrária à traça originária, sem prévia autorização do Ministro da Cultura”.
E) “Aos proprietários de imóveis abrangidos pelas zonas non aedificandi é assegurado o direito de requerer ao Estado a sua expropriação, nos termos das leis e regulamentos em vigor sobre a expropriação por utilidade pública”.
F) Em Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, votado em 17/2/2005 e homologado em 7/3/2005 sobre património cultural de interesse público, foram formuladas as seguintes conclusões:
1ª -Nos termos do artigo 43º da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro, tal como nos termos da anterior legislação sobre defesa e protecção do património cultural, a classificação de um imóvel como de interesse público determina a criação automática de uma zona geral de protecção de 50 metros a contar dos limites externos do imóvel classificado, caracterizada como servidão administrativa;
2ª -Os planos municipais de ordenamento territorial devem acolher normativamente e representar graficamente as condicionantes, assinalando as servidões administrativas e as restrições de utilidade pública que resultam do acto de classificação e da lei, as quais se sobrepõem à liberdade conformadora desses instrumentos de gestão territorial;
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4ª -Correspondendo a representação gráfica da Estação Arqueológica do Alto do Coto da Pena na planta de condicionantes do Plano Director Municipal de Caminha aos limites do imóvel, tal como consta no processo que culminou com a sua classificação, é a partir desses limites que se estabelece a zona geral de protecção;
5ª -O licenciamento de uma operação urbanística na zona de protecção do imóvel classificado, sem parecer prévio favorável do IPPAR, é nulo, nos termos do artigo 68º, alínea c), do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro;
6ª -Nos termos do artigo 47º, nº 2, da Lei nº 107/2001, e dos artigos 4º, nº 2, e 11º, c) e d), do Decreto-Lei nº 120/97, de 16 de Maio, e mediante autorização ministerial, o IPPAR dispõe de competência para proceder ao embargo administrativo e à demolição das obras e trabalhos já efectuados;
7ª -Não estando expressamente assinalada naquela planta de condicionantes a zona geral de protecção do imóvel classificado deverá essa deficiência gráfica ser suprida através do procedimento simplificado de alteração, previsto no artigo 97º do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro.
G) A existência dessa servidão administrativa sai reforçada no caso dos presentes autos, com a norma do artº. 112º., nº. 2, do Regulamento do Plano Director Municipal da (...), que de modo a não deixar quaisquer dúvidas, determina expressamente que:
1 — Os bens imóveis classificados referidos no artigo anterior beneficiam de uma área de proteção, que corresponde:
a) À zona especial de proteção de património classificado, quando exista;
b) Ao território delimitado por uma linha traçada a 50,00 metros de distância do
bem imóvel classificado, contados a partir do seu perímetro exterior.

H) Como resulta provado do facto 6, “a implantação projectada e licenciada incidia sobre área situada a menos de 50 m do limite exterior do muro de vedação do prédio da Autora”, pelo que está comprovada a violação das citadas normas regulamentares de instrumento de gestão territorial, tendo o referido acto de licenciamento desrespeitada de forma grosseira o Regulamento do Plano Director Municipal da (...) em vigor ao tempo desse licenciamento.

I) Nos termos do artº. 68º. do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, são nulas as licenças, que violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território, sendo que, nos termos do artº. 9º., nº. 2, al. a) da Lei nº. 8/98, de 11 de Agosto, que estabelece as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo, o plano director municipal é definido como instrumento de planeamento territorial.
J) Consequentemente, deve ser declarada a nulidade do licenciamento referido no artº. 18º. da petição inicial, por violação do Regulamento do Plano Director Municipal da (...), publicado no Diário da República, 2a. Série, de 9 de Julho de 2013, pelo Aviso n.º 8729/2013, em especial do seu art. 111º.
K) Quanto ao restante pedido, a anulação do acto administrativo de licenciamento, determina ipso jure a cassação do respectivo alvará de licença de construção e condenado o Município Réu a ordenar ao contra interessado a destruição de tudo quanto esteja construído no “território delimitado por uma linha traçada a 50,00 metros de distância do bem imóvel classificado, contados a partir do seu perímetro exterior”.
L) Não pode, como norma de interesse e ordem pública que é, ser afastado o normativo do Regulamento do PDM por um parecer ainda que favorável do referido IGESPAR, sendo certo que o referido instituto apenas tem competência para intervir em processos em que esteja em causa o património de interesse público nacional.
M) Por isso, não há qualquer razão legal válida que impeça que em consequência do decretamento da nulidade do licenciamento concedido à contra-interessada, se não decrete imediatamente a cassação do alvará de licença de construção que é acto consequente do acto de licenciamento, nos termos da al. i) do artº. 161º. do actual Cod. de Procedimento Administrativo, pelo que tem de proceder-se à cassação do respectivo alvará de licenciamento.
N) Por fim, tem de ordenar-se a demolição do construído com fundamento no acto declarado nulo, pois, com essa declaração de nulidade, toda a construção realizada com base nesse acto é construção ilegal, por carecer de licença, mesmo que a construção ilegal, possa vir a ser legalizada.
O) A sentença recorrida reduziu a questão objecto dos presentes autos, a uma questão de autorização prévia a conceder para efeitos de se poder construir sem observância da zona de protecção, quando se trata pura e simplesmente de uma violação de uma norma imperativa de um instrumento de gestão territorial. Ou seja, o Regulamento do Plano Director Municipal da (...), o qual não contempla a possibilidade de a norma que estabelece a zona de protecção bens imóveis classificados de interesse municipal poder ser afastada, nem essa possibilidade resulta de qualquer outra norma legal.
P) Só com a alteração/revisão do PDM pode ser afastada a obrigatoriedade de ser respeitada a zona de protecção nele definida para os imóveis classificados como de interesse municipal.
Q) Violou assim a sentença recorrida, por manifesto erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos nos artº.s 111º. de 112º. do Regulamento do Plano Director Municipal da (...), publicado no Diário da República, 2a. Série, de 9 de Julho de 2013, pelo Aviso n.º 8729/2013, pelo que tem de ser revogada e substituída por outra decisão que julgue a presente acção procedente e provada, como é de lei e de JUSTIÇA!

O Recorrido contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto deste TCA emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II – Objeto do recurso


A questão suscitada pelo Recorrente, nos limites das conclusões das alegações apresentadas a partir da respectiva motivação, (cfr. artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, todos do CPC de 2013, ex vi artigo 140º do CPTA) consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação das normas dos artigos 111º (quadro 6) e 112º (alínea b) do seu nº 1 do artigo) do Regulamento do Plano Director Municipal da (...), que, no seu entender, consagra uma zona geral de proteção de imóvel classificado como de interesse municipal (de 50 metros contados a partir do seu perímetro exterior), na qual nada pode ser construído.


III – Fundamentação de Facto

Na sentença foram dados como assentes os seguintes factos:

1. A Autora é dona do Prédio urbano sito na Rua de (...), freguesia e concelho da (...), com a superfície coberta de 456 m2 e descoberta de 80 m2, a confrontar do norte, sul e nascente com A.A.B. e do poente com Rua (...), inscrito na matriz urbana da freguesia da (...), sob o artigo 1980, e descrito na Conservatória do Registo Predial da (...), sob a ficha n. 06841120290 - Cf.
Docs. 1 a 4 da PI do processo cautelar.

2. O prédio em causa é designado por "Casa do Comendador Montenegro" e foi classificado como Imóvel de Interesse Municipal por deliberação da Câmara Municipal da (...) tomada na sua reunião ordinária de 02 de Dezembro de 2003 e publicitada pelo Edital nº 04/2005, datado de 28 de Abril de 2005. - Cf. doc. 5 da PI do processo cautelar.

3.Com a entrada em vigor do novo Regulamento do Plano Director Municipal da (...), publicado no Diário da República, 2ª. Série, de 9 de Julho de 2013, pelo Aviso nº 8729/2013, foi reafirmada aquela classificação - Cf. doc. 6 da mesma PI.

4 Em 19/12/2013 foi apresentado pela CI nos serviços do Réu o projecto de arquitectura de uma obra definida como a “construção, demolição e ampliação de um edifício existente destinado a centro pastoral”, projecto cujas memória descritiva e peças desenhadas integram o PA apenso e aqui se dá como reproduzidas.

5. Ao processo de licenciamento de obras coube o n°. 76/2013,

6. A Implantação projectada e licenciada incidia sobre área situada a menos de 50 m do limite exterior do muro de vedação do prédio da Autora (Acordo das partes e peças do P.A).

7. Em 23/01/2014, foi elaborada a informação técnica constante de fls. 53 a 58 do P.A., que considerava que o pedido deveria ser indeferido, nos termos e pelas razões aí explicitados, o que mereceu parecer favorável da Chefe de Divisão;

9.Nessa informação técnica dizia-se, além do mais, o seguinte:
"Não podemos também esquecer a existência de dois edifícios localizados neste local, actualmente classificados como imóveis de interesse municipal, que são a "Casa do Comendador Montenegro ", um solar oitocentista, situado na Rua da Paz, no terreno adjacente ao que se pretende intervir, ou seja na parte lateral esquerda e posterior ao novo edifício agora proposto, (...). Ambos estes edifícios não possuem de momento zonas de protecção. No entanto, perante a existência destes dois imóveis, qualquer intervenção arquitectónica junto aos mesmos, deverá ter como premissas o respeito pela sua expressão arquitectónica e a busca da integração e conciliação da intervenção contemporânea com a linguagem característica da época setecentista e oitocentista; (...)

10.Por despacho concordante de 24/01/2014, exarado a fls. 58 do P.A., foi manifestada a intenção de indeferir e concedida a audiência prévia à ali requerente;

11. Sequencialmente, a requerente apresentou alterações ao projecto, que vieram a ser objecto da apreciação técnica de 23/04/2014, constante de fls. 118/117 do P.A.;

12. Por despacho de 24/04/2014, exarado a fls. 118 do P.A., foi deferido o projecto de arquitectura;

13. A 14/08/2014, foram apresentados projectos das especialidades - v. fls. 385 do P.A.;

14. Em 22/1 0/20 14, foi elaborada a informação técnica constante de fls. 415/416, que foi objecto de despacho concordante da Chefe de Divisão;

15. Por despacho 23/10/2014, foi aprovado o licenciamento da obra, na sequência do que foi emitido o correspondente Alvará, a saber, o 4/2015. Cf. P.A.

16.Das peças escritas e desenhadas do projecto da obra licenciada não constava nem resultava a necessidade da demolição de qualquer muro pré-existente, integrante do prédio da Autora. Cf. PA.

17. Os prédios da Autora e da CI, para onde foi licenciada a obra, confinam um com o outro a tardoz do primeiro, respectivamente, pelos seus lados poente e nascente e há de facto, na sua linha de extrema, um muro que as separa, orientado, no sentido norte-sul.

IV – Fundamentação de Direito

A Autora, ora Recorrente, instaurou a presente ação com vista a obter a declaração de nulidade do licenciamento concedido no processo de obras n.º 76/2013 e a cassação do alvará de licença de construção. E, ainda, a condenação do Município Réu a ordenar à contrainteressada a destruição de tudo quanto esteja construído no “território delimitado por uma linha traçada a 50,00 metros de distância do bem imóvel classificado, contados a partir do seu perímetro exterior”.

Alegou, em síntese, em primeira instância, que é proprietária da “Casa do Comendador Montenegro” imóvel classificado de interesse municipal e, como tal, assinalada no Regulamento do PDM da (...), integrado por casa, jardim e muro de vedação. Afirma que a obra que foi objecto de licenciamento, por se encontrar no perímetro de protecção de 50m contados a partir do muro de vedação, definido no artigo 112º daquele Regulamento, desrespeita, só por si, tal proteção. Isto por entender que tal proteção tem o significado de determinar que, em tal perímetro, nada pode ser construído. Conclui que o licenciamento é nulo, por desrespeitar norma imperativa do PDM – o seu artigo 112º que institui a referida protecção de 50 metros - conforme artigo 68º alª a) do RJUE.

O Ministério Público veio, na 1ª instância, emitir parecer no sentido da procedência da ação quanto ao pedido de declaração de nulidade, não por ter sido violada qualquer servidão non aedificandi, mas sim por se ter preterido a colheita prévia de parecer favorável do IGESPAR, IP, que entende ser obrigatório in casu, por força da conjugação dos artigos 111º, 112º do PDM da (...), 62º do DL n.º 309/2009, de 23/10 e 43º, nº 4, e 51º, n.º 1, da Lei n. 107/2001, de 8/9, o que disse integrar causa de nulidade prevista no artigo 68º al. c) do RJUE:

O Tribunal a quo julgou a ação improcedente com base na seguinte fundamentação:
- Nenhuma norma legal cria, só por si, uma proteção absoluta non aedificandi, quer para prédios classificados como de interesse municipal, quer para os demais imóveis classificados, seja para o caso de haver sido instituída zona de proteção especial, seja para o caso de apenas haver zona de protecção geral diretamente decorrente da lei ou do regulamento do PDM.
- Também não existe, no caso, uma proteção relativa, que dite a necessidade de existir parecer prévio favorável do IGESPAR, IP, ou do órgão da Administração Central que entretanto lhe sucedeu – a Direção Geral do Património Cultural (DGPC) - nos termos previstos no nº 4 do artigo 43º da Lei de Bases do Património Cultural ou no n.º 1 do artigo 51º do Decreto-Lei n. 309/2009,
- No caso, existe apenas a proteção resultante da sujeição, na área de 50 metros de distância do imóvel classificado (contados a partir do seu perímetro exterior) às condicionantes construtivas mencionadas nas alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 112º do PDM da (...), desde logo: “qualquer intervenção ou obras deve ter como primeiro objetivo a salvaguarda e valorização dos bens imóveis classificados”.

A Recorrente imputa à sentença recorrida erro de julgamento por errada interpretação e aplicação das normas dos artigos 111º (quadro 6) e 112º (alínea b) do seu nº 1), ambas do Regulamento do Plano Director Municipal da (...), que, no seu entender, consagram uma zona geral de proteção absoluta de imóvel classificado como de interesse municipal (de 50 metros contados a partir do seu perímetro exterior), na qual nada pode ser construído.
Adianta-se já que sem razão.
Senão vejamos.
A legislação em vigor, no que concerne, aos imóveis de interesse cultural, classificados ou em vias de classificação é, fundamentalmente, a seguinte:
- Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro – Lei de Bases da Política e do Regime de Proteção e Valorização do Património Cultural;
- Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 265/2012, de 28 de dezembro, que estabelece o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime jurídico das zonas de proteção e do plano de pormenor de salvaguarda.
Atentemos nas disposições destes diplomas legais com especial pertinência para o caso em apreciação.
Estabelece o n.º2 do artigo 1º da Lei de Bases do Património Cultural, aprovada pela Lei nº 107/2001, que: “A política do património cultural integra as ações promovidas pelo Estado, pelas Regiões Autónomas, pelas autarquias locais e pela restante Administração Pública, visando assegurar, no território português, a efectivação do direito à cultura e à fruição cultural e a realização dos demais valores e das tarefas e vinculações impostas, neste domínio, pela Constituição e pelo direito internacional.”
E os n.ºs 2 e 6 do seu artigo 15, sob a epígrafe “categoria de bens”:
“2 – Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.
6 – Consideram-se de interesse municipal os bens cuja proteção e valorização, no todo ou em parte, representem um valor cultural de significado predominante para um determinado município.”
E os n.ºs 1 a 4 do artigo 43º sob a epígrafe “Zonas de proteção”:
“1 – Os bens imóveis classificados nos termos do artigo 15º da presente lei, ou em vias de classificação, como tal, beneficiarão automaticamente de uma zona geral de proteção de 50m, contados a partir dos seus limites externos, cujo regime é fixado por lei.
2 – Os bens imóveis classificados nos termos do artigo 15º da presente lei, ou em vias de classificação como tal, devem dispor ainda de uma zona especial de proteção, a fixar por portaria do órgão competente da administração central ou da Região Autónoma, quando o bem aí se situar.
3 – Nas zonas especiais de proteção podem incluir-se zonas non aedificandi.
4 – As zonas de proteção são servidões administrativas, nas quais não podem ser concedidas pelo município, nem por outra entidade, licenças para obras de construção e para quaisquer trabalhos que alterem a topografia, os alinhamentos e as cérceas e, em geral, a distribuição de volumes e coberturas ou o revestimento exterior dos edifícios sem prévio parecer favorável da administração do património cultural competente”.

E dispõem as seguintes normas do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro:
Capítulo III
Artigo 37º, n.º 1, sob a epígrafe ”Zona geral de protecção”
A zona geral de proteção tem 50m contados dos limites externos do bem imóvel e vigora a partir da data de decisão de abertura do procedimento de classificação.”
Artigo 40º sob a epígrafe “ Duração dos efeitos da zona geral de proteção ou da zona especial de proteção provisória”
1 – Os efeitos da zona geral de proteção ou da zona especial de proteção provisória de um bem classificado, de interesse nacional ou de interesse público, mantêm-se até à publicação da respetiva zona especial de proteção.
2 – O despacho que estabelece uma zona especial de proteção provisória pode ser revogado quando se considerar que os fundamentos da sua criação, nos termos do n.º 2 do artigo 38º, deixaram de se verificar.
3 – No caso previsto no número anterior, o bem imóvel em causa continua a beneficiar de uma zona geral de proteção.”
Artigo 51º, nº 1, sob a epígrafe. “Licenças e autorizações em zona de proteção”
1 – Nas zonas de proteção de bens imóveis em vias de classificação ou de bens imóveis classificados de interesse nacional ou de interesse público não podem ser concedidas pela câmara municipal ou por qualquer outra entidade licença para as operações urbanísticas admissão de comunicação prévia ou autorização de utilização previstas no regime jurídico da urbanização e da edificação, aprovado pelo decreto-Lei nº 555/99, de 16 de dezembro, sem parecer prévio favorável do IGESPAR I.P.”
(…)
CAPÍTULO V
Imóveis de interesse municipal
Artigo 57.º
Classificação
1 - Compete à câmara municipal, nos termos da alínea m) do n.º 2 do artigo 64.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, a classificação de bem imóvel como de interesse municipal de acordo com o previsto no n.º 6 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro.
2 - O procedimento de classificação de bem imóvel como de interesse municipal obedece, com as necessárias adaptações, ao disposto no capítulo II.
Artigo 58.º
Zonas de protecção
1 - Os bens imóveis classificados, ou em vias de classificação, como de interesse municipal podem dispor de uma zona especial de protecção provisória ou de uma zona especial de protecção, quando os instrumentos de gestão territorial não assegurem o enquadramento necessário à protecção e valorização do bem imóvel, mediante deliberação do órgão autárquico competente.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo III.
(…)
Artigo 62.º
Aplicação do regime da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro
As disposições dos artigos 40.º a 54.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, são aplicáveis, com as necessárias adaptações e em conformidade com o previsto no presente decreto-lei, aos bens imóveis classificados como de interesse municipal, à excepção do disposto no artigo 42.º

Do regulamento do “Plano Director Municipal da (...)”, publicado na 2ª série do DR n.º 130 de 9/7/2013:

TITULO VIII
Valores patrimoniais
CAPÍTULO I
Património edificado
SECÇÃO I
Bens imóveis classificados e em vias de classificação
Artigo 111.º
Identificação
1 - O património edificado a que se refere a presente subsecção, identificado na Planta de Ordenamento e no Quadro 6, integra os bens imóveis classificados, no Município da (...), que, pelas suas características, se assumem como valores de reconhecido interesse histórico, arquitectónico, arqueológico, científico, técnico ou social.

QUADRO 6
Património edificado classificado no concelho



2 - A protecção e a valorização dos bens imóveis classificados concretizam-se, nomeadamente, através:
a) Da preservação do carácter e dos elementos determinantes que constituem a sua imagem e identidade, sem prejuízo da sua adaptação, quando possível, às necessidades contemporâneas;
b) Do condicionamento à transformação do seu espaço envolvente.

Artigo 112.º
Regime
1 - Os bens imóveis classificados referidos no artigo anterior beneficiam de uma área de protecção, que corresponde:
a) À zona especial de protecção de património classificado, quando exista;
b) Ao território delimitado por uma linha traçada a 50,00 metros de distância do bem imóvel classificado, contados a partir do seu perímetro exterior.
2 - Os bens imóveis em vias de classificação beneficiam automaticamente de uma zona geral de protecção de 50 metros contados a partir dos seus perímetros exteriores.
3 - Nas intervenções ou obras em bens imóveis classificados e em vias de classificação e respectivas áreas de protecção deve ser observada a legislação em vigor aplicável.
4 - Sem prejuízo do disposto na legislação em vigor aplicável, nos bens imóveis classificados ou em vias de classificação e respectivas áreas de protecção devem ser aplicadas as seguintes disposições:
a) Qualquer intervenção ou obras deve ter como primeiro objectivo a salvaguarda e valorização dos mesmos, só sendo permitidas obras de alteração ou ampliação, desde que devidamente justificadas e que não desvirtuem as características arquitectónicas e volumétricas do existente;
b) A demolição total ou parcial só é permitida nas seguintes condições:
i) Por razões excepcionais de evidente interesse público;
ii) Por risco de ruína evidente

Destas disposições legais podemos reter o seguinte:
O ato de classificação de um bem cultural imóvel tem como efeito automático a criação de uma zona de proteção com uma extensão de 50 metros, contados a partir dos limites exteriores do imóvel (cfr. n.º1 do artigo 43º da Lei nº 107/2001 - Lei de Bases do Património Cultural, e n.º1 do artigo 37º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro).
Chama-se a zona geral de proteção.
Esta zona geral de proteção subsiste apenas enquanto não for criada uma zona especial de proteção (cfr. n.º 1 do artigo 40º do DL n. 309/2009), ou se esta nunca chegar a ser criada.
As zonas gerais e especiais de proteção dos imóveis classificados são caracterizadas pelo legislador como servidões administrativas (cfr. n.º 4 do artigo 43º da Lei nº 107/2001 e n.º 1 do artigo 51º do DL nº 309/2009), consubstanciando estas encargos sobre determinados prédios (os existentes nessas zonas de proteção) em proveito da utilidade pública do bem cultural imóvel, encargos estes que podem ser mais ou menos abrangentes, consoante os casos.
A zona de proteção geral de 50 metros contados a partir dos limites exteriores do imóvel não constitui uma proteção absoluta do bem cultural imóvel, ou seja, não se traduz numa proibição non aedificandi.
As zonas non aedificandi são aquelas em que não é possível construir.
A lei apenas prevê a possibilidade de criação de zonas non aedificandi nas zonas especiais de proteção (cfr. n.º 3 do artigo 43º da Lei 107/2001).
A referida zona de proteção geral apenas cria uma proteção relativa do bem cultural imóvel (cujo grau também varia consoante os casos).
Essa proteção traduz-se, designadamente, na necessidade de obter parecer prévio favorável da administração do património cultural competente, para se poder conceder licenças urbanísticas na zona protegida, nos termos do n.º 4 do artigo 43º da Lei de Bases do Património Cultural (Lei nº 107/2001) e do n.º 1 do artigo 51º do DL nº 309/2009.
No caso dos imóveis de interesse nacional ou de interesse público esse parecer cabe ao órgão da Administração Central competente para administrar o património cultural (cfr n.º 1 do artigo 51º do DL nº 309/2009).

Como bem aponta a sentença recorrida (e como a Recorrente admite na alínea L) das conclusões de recurso), relativamente aos imóveis de interesse municipal não se aplica a exigência desse parecer prévio da Administração Central.

Nem há lugar à emissão do parecer prévio previsto no n.º 4 do artigo 43º da Lei de Bases nos casos, como o dos autos, em que não se demonstrou existir um órgão na Administração Municipal (que não o Presidente da Câmara ou seus delegados) com competência para administrar os interesses do património cultural, municipal, em termos correspondentes às atribuições da Direção Geral do Património Cultural (DGPC) na Administração Central.

Cumpre a este propósito transcrever, por pertinente, os seguintes excertos da sentença recorrida:
“Dada a abrangência do objecto da lei de bases, não seria necessária a remissão do artigo 62º do DL 309/2009 para se concluir pela aplicabilidade aos imóveis de interesse municipal (com as necessárias adaptações) dos artigos 40º a 54º daquele primeiro diploma, embora tal artigo 62º contribua relevantemente para o regime destes imóveis classificados, seja pelo afastamento do artigo 42º da Lei de bases, seja pelo emprego do conceito indeterminado das necessárias adaptações.
(…)
O DL 309/2009 estrutura-se essencialmente em função dos bens de interesse nacional e de interesse público, arrumando num regime de baixa densidade, especial e remissivo o desenvolvimento da lei de bases quanto aos imóveis de interesse municipal (….)
Entre o poder autárquico e o poder da Administração Central há uma diferença de natureza, que exclui qualquer relação de hierarquia entre um e outro. É certo que há uma relação de tutela entre o poder executivo da República e as autarquias. Porém, esse poder consiste tão só (artigo 242º da Constituição) na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos, donde resulta que, em regra, não é atribuição da Administração central intervir prévia e vinculativamente na formação das decisões dos órgãos autárquicos em matérias da sua competência (…) Para efeito da norma do nº 4 do artigo 43º da Lei de bases, a expressão “administração do património cultural competente” não pode significar o órgão ou o instituto público competente a nível da Administração Central, mas sim o órgão, se o houver, que, ao nível do município, for competente para administrar ou zelar pelo património cultural municipal. De maneira que se não houver, a nível municipal, especificamente, órgão quejando, tal necessidade de parecer prévio vinculativo fica prejudicada, sem prejuízo de a decisão de licenciamento estar sujeita às condicionantes da zona de protecção especial (se tiver sido criada) ou às condicionantes que normativamente estiverem previstas para a zona de protecção geral do imóvel classificado (se a zona especial não tiver sido criada, como é o caso).”
Fim da transcrição.

Os imóveis de interesse municipal são aqueles cuja proteção e valorização representa um valor cultural de significado predominante para um determinado município (cfr. n. 6 do artigo 15º da Lei de Bases). A sua classificação é feita pela câmara municipal (cfr n.º 1 do artigo 57º do DL n. 309/2009). Beneficiam automaticamente de uma zona de geral de proteção de 50 metros, contados a partir dos seus limites externos (cfr. n. 1 do artigo 43º da Lei de Bases), e podem possuir uma zona especial de proteção, que se constitui por deliberação do órgão autárquico competente quando os instrumentos de gestão territorial não assegurem o enquadramento necessário à proteção e valorização do bem imóvel (cfr. n.º 1 do artigo 58º do DL nº. 309/2009).

Voltando ao caso concreto, vemos que o PDM da zona municipal da (...), no seu artigo 111º contempla a Casa do Comendador Montenegro como imóvel de interesse municipal (classificado como tal pela deliberação camarária nº 21/272005) e estabelece que:
2 - A protecção e a valorização dos bens imóveis classificados concretizam-se, nomeadamente, através:
a) Da preservação do carácter e dos elementos determinantes que constituem a sua imagem e identidade, sem prejuízo da sua adaptação, quando possível, às necessidades contemporâneas;
b) Do condicionamento à transformação do seu espaço envolvente. “

Por seu turno, o artigo 112º do PDM, nos seus n.ºs 1 a 3, limita-se a replicar o regime legal aplicável aos imóveis de interesse municipal.

Assim, estabelece a al. a) do seu n.º 1 que os bens imóveis classificados beneficiam de um área de proteção que corresponde à zona especial de proteção de património classificado. Esta zona especial (a criar por deliberação do órgão autárquico competente) não existe, no caso, nem a Recorrente invoca a sua existência.

E a sua alínea b) alude à zona de proteção automática com uma extensão de 50 metros, contados a partir dos limites exteriores do imóvel, replicando o que já decorre do n.º 1 do artigo 43º da Lei de Bases e do n.º 1 do artigo 37º do Decreto-Lei n.º 309/2009.

Proteção que, como já vimos, não implica qualquer servidão non aedificandi.

No entender da Recorrente, a alínea b) do nº 1 do artigo 112º do Regulamento do Plano Director Municipal da (...), consagra uma zona geral de proteção do imóvel classificado como de interesse municipal (de 50 metros contados a partir do seu perímetro exterior), na qual nada pode ser construído.

Para além de este seu entendimento não se encontrar minimamente sustentado (ancorando-se fundamentalmente num parecer da Procuradoria Geral da República cujos pressupostos de facto e de direito não têm qualquer paralelo com a situação em apreço), decorre do já exposto neste aresto que tal interpretação não tem qualquer arrimo nem na letra, nem no espírito, das normas dos artigos 111º e 112º do Regulamento do Plano Director Municipal da (...).

Das normas dos artigos 111º e 112º deste Regulamento não resulta nenhuma servidão non aedificandi, mas apenas a sujeição às condicionantes construtivas aí mencionadas.

Improcedem, portanto, as conclusões do recurso.

V – Decisão
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso.
Custas pela Recorrente.
Registe e D.N.
Porto, 31 de janeiro de 2020


Isabel Costa
João Beato
Helena Ribeiro