Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02839/06.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:MATÉRIA DE FACTO; PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO; TEMPUS REGIT ACTUM;
ALTERAÇÃO DE TRAÇADO DE VIA
Sumário:1 – Cabe ao autor o ónus da alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir, ou seja, em que fundamenta o seu pedido e cabe ao demandado alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito arrogado pelo autor bem como a matéria de impugnação – artigo 342º, n.º2, do Código Civil, e artigos 5º, n.º1, 414º e 571º, estes do Código de Processo Civil de 2013 (artigos 264º, 487º e 516º, do Código de Processo Civil 1995).
Pretendendo-se que o tribunal ad quem proceda à alteração da decisão do tribunal de 1 ª instância sobre a matéria de facto, sempre terá de ser indicado, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os concretos meios de prova que impunham decisão divergente da adotada.
2 – Se o objeto de reclamação urbanística apresentada foi atendido pelo Município, a falta da necessária resposta escrita ao reclamante, à luz do artigo 77.º, n.º 7 do RJIGT, constituirá uma mera irregularidade, insuscetível de inquinar o procedimento quanto à sua validade substancial, não constituindo um requisito de validade.
3 - Segundo o princípio tempus regit actum, a legalidade dos atos administrativos afere-se pela realidade fáctica e pelo quadro normativo vigentes à data da prolação do ato, estando este princípio plenamente consagrado no art. 67º do RJUE - “A validade das licenças ou autorizações das operações urbanísticas depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática”.
4 - Viabilizando o Plano de Urbanização, no seu Regulamento, a possibilidade de pequenos ajustes nos traçados das vias ainda não existentes, mas previstas nas plantas de zonamento, não se pode concluir, sem mais, que o traçado da via em questão, aprovado pelo Município nos licenciamentos dos loteamentos objeto de impugnação, ainda que distinto do traçado previsto nas plantas do Plano de Urbanização, tenha necessariamente violado o referido Plano de Urbanização.*
* sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:ESL e MOOF
Recorrido 1:Município da Póvoa de Varzim
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever “ser negado provimento ao recurso”.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
ESL e MOOF, devidamente identificados nos autos, no âmbito da ação administrativa especial, intentada contra o Município da Póvoa de Varzim, tendente à declaração de nulidade dos atos que aprovaram os loteamentos identificados e a condenação da entidade demandada a alterar a implantação dos mesmos, inconformados com o Acórdão proferido em 9 de Outubro de 2015, no TAF do Porto, no qual a ação foi julgada “totalmente improcedente”, vieram então apresentar Reclamação para a Conferência.

Em 4 de Novembro de 2015 o juiz titular do processo no tribunal a quo profere despacho no qual não se admitiu a Reclamação para a Conferência (Cf. fls. 830 a 832 Procº físico).

Em 16 de Novembro de 2015 vieram os Autores apresentar Recurso para este TCAN, no qual concluíram (Cfr. fls. 915v a 921 Procº físico):
“Primeira: A sentença que julgou improcedente a ação foi “proferida por juiz singular, nos termos da nova versão do artigo 40.º, n.º 1, do ETAF, atento o disposto no artigo 15.º, n.º 4, do DL n.º 214-G/2015, de 02/10” - diploma que alterou o Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), entre outros.

Segunda: Compulsado o DL n.º 214-G/2015, de 2/10, com as alterações e republicação do ETAF, verifica-se que a matéria da organização e funcionamento dos tribunais administrativos está regulada no capítulo II, do título I do ETAF (arts. 8.º a 10.º), precisamente sob a epígrafe “Organização e funcionamento dos tribunais administrativos e fiscais” e a norma do artigo 40º está inserida noutro capítulo, o capitulo V, sob a epígrafe “Tribunais administrativos de círculo”.

Terceira: Nos termos do citado artigo 15.º, n.º 4, do DL n.º 214-G/2015, só as alterações à parte do novo ETAF correspondente à matéria de organização e funcionamento dos tribunais administrativos é que entram em vigor no dia seguinte à sua publicação (02/10/2015), todas as demais matérias entram em vigor 60 dias após a sua publicação, conforme nº1 da mesma norma.

Quarta: Assim, a nova versão do artigo 40º, nº1, não era ainda aplicável na data (09/10/2015) em que foi proferida a sentença.

Quinta: Nos termos do disposto no art. 5.º, n.º 1 do ETAF, no momento da propositura da presente ação, fixou-se a competência do tribunal coletivo, por força do disposto 40.º, n.º 3, do ETAF, na versão então em vigor, sendo irrelevantes, nos termos do disposto no referido art. 5.º, n.º 1, as alterações efetuadas pelo DL n.º 214-G/2015, de 2/10, por serem posteriores.

Sexta: Vem sendo entendimento jurisprudencial que da decisão do juiz singular, proferida em processos da competência do tribunal coletivo, com ou sem invocação dos poderes e sem referência às circunstâncias previstos no art. 27.º, n.º 1, al. i) do CPTA, cabe reclamação e não recurso - cf. o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido pelo Pleno da Secção Administrativa do Supremo Tribunal, de 05.06.2012, rec. 0420/12, Acórdão do TCA Norte, de 19/12/2014, proc. 00182/14.4BEMDL e acórdão do STA, de 5/12/2013, proc. 01360/13.

Sétima: Na reclamação para a conferência, foi pedida a alteração do acórdão do tribunal coletivo sobre a matéria de facto, que os recorrentes reputam, em parte, conter matéria contraditória, suscitando ambiguidade e obscuridade, que a tornam ininteligível, pelo que só este tribunal pode proceder a essa apreciação, sob pena de violação do princípio do juiz natural.

Oitava: Aliás, tratando-se de uma nulidade, deve a mesma ser apreciada pelo tribunal coletivo antes da subida do recurso da sentença para o tribunal superior, nos termos do art. 617.º, n.º 1 do NCPC, sem prejuízo de essas questões poderem vir a ser conhecidas pelo tribunal superior (art. 149.º, n.º 1 do CPTA).

Nona: A decisão constante do despacho recorrido, que julgou inadmissível a reclamação apresentada pelos ora Recorrentes em 26/10/2015, viola o disposto no art. 27.º, n.º 2 do CPTA, e deve ser revogada e substituída por outra que admita a referida reclamação. SEM PREJUÍZO,

Décima: Caso se entenda que da decisão constante da sentença proferida em 9/10/2015 cabe recurso e não reclamação, pretendem os Autores recorrer para o TCA Norte da referida sentença.

II - MATÉRIA DE FACTO:
Décima primeira: Foram incorretamente julgados, e por isso expressamente se impugnam, os pontos 16, 35 e 37 da Matéria de Facto, que correspondem, respetivamente, à matéria quesitada no ponto 1 da base instrutória do processo nº 2839/06.4BEPRT, e nos pontos 1 e 3 da base instrutória do processo nº 1414/05.3BEPRT.

Décima segunda: Nos presentes autos e atenta a matéria em causa, com questões essencialmente técnicas, foi realizada uma perícia colegial que se pronunciou, de forma unânime, sobre a matéria de facto controvertida nos processos nºs 2839/06.4BEPRT e 1414/05.3BEPRT, e respondeu a cada um dos quesitos elaborados pelo tribunal e constantes dos dois despachos saneadores.

Décima terceira: O tribunal coletivo restringiu as respostas aos referidos quesitos, não por razões de discordância com o relatório pericial, mas por entender que responder aos quesitos com os valores dados pelos senhores peritos e com as correspondentes explicações dadas pelos mesmos “seria desvirtuar em demasia a literalidade das questões”, razão pela qual ficaram os quesitos respondidos com a limitação que lhe deram.

Décima quarta: Porém, com tal argumento o tribunal coletivo acabou por dar respostas vagas, imprecisas, não esclarecedoras, e até contraditórias aos referidos quesitos, quando a prova produzida nos autos impunha clareza e objetividade sem desvirtuar a literalidade das questões.

Décima quinta: Sendo o fundamento da presente ação a desconformidade do traçado da Rua AC em relação ao previsto no Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim (em que apenas é referida a faixa de rodagem, como consta do relatório pericial e a seguir melhor se explicará), o entendimento vertido no acórdão sobre a matéria de facto de que “uma via rodoviária não pode ser tida apenas pela faixa de rodagem, pois acrescem-lhe outros componentes, como sejam os estacionamentos e os passeios” envolve matéria que não foi submetida a apreciação judicial.

Décima sexta: A sentença, que contém a decisão sobre a matéria de facto enferma, assim, de ambiguidade e obscuridade que a tornam ininteligível e, por isso, é nula, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c) do NCPC.

Décima sétima: Decorre da resposta 1 a fls. 2 e da resposta 3 a fls. 4 do primeiro relatório pericial que, depois da reclamação do autor, o requerente M...-Distribuição de Materiais de Construção, S.A. passou a implantar o arruamento no terreno do autor, ocupando uma área de 1.666 m2 (esquemas 3 e 4) diminuindo a sua cedência ao domínio público de 641 m2 para 158 m2, tendo em vista salvaguardar o seu parque de estacionamento (área privativa do seu lote, como consta dos respetivos esclarecimentos).

Décima oitava: No segundo relatório pericial relativo aos esclarecimentos, os senhores Peritos referiram que, antes da reclamação do autor, nos elementos (administrativos) disponíveis apenas se indicava a faixa de rodagem, a qual não se implantava completamente no terreno do autor, na parte que lhe é confinante, conforme esquema 2 do primeiro relatório pericial e que, depois da alteração, a faixa de rodagem passou a implantar-se completamente no terreno do autor na parte que lhe é confinante e a ela se adicionou, ocupando ainda o terreno do autor, a baía de estacionamento e o passeio do lado nascente, conforme peças desenhadas do alvará 7/2008.

Décima nona: Os dois relatórios periciais, em especial a resposta 1 a fls. 2 e a resposta 3 a fls. 4 do primeiro relatório pericial, em conjugação com os esquemas 3 e 4, juntos com o primeiro relatório pericial, impunham que o quesito 1º do processo nº 2839/06.4BEPRT, que corresponde à matéria constante do ponto 16 da matéria de facto da sentença, fosse respondido da seguinte forma:

“Provado que depois da reclamação do autor, o município da Póvoa de Varzim aprovou um traçado para a Rua AC que o implanta totalmente no prédio do autor, considerando apenas a faixa de rodagem, e quase completamente se consideradas as componentes da faixa de rodagem, baia de estacionamento e passeios, correspondendo 747 m2 à faixa de rodagem, 369 m2 à baia de estacionamento e 550 m2 ao passeio, num total de 1666 m2.”

Vigésima: No que respeita ao quesito n.º 1 do processo nº 1414/05.3BEPRT, que corresponde à matéria constante do ponto 35 da matéria de facto da sentença, e que é praticamente igual ao quesito n.º 1 do processo nº 2839/06.4BEPRT (a única diferença está na parte final da pergunta “na parte que com ele confronta” mas que para o caso é irrelevante) a resposta devia ser do mesmo teor, de harmonia, aliás, com o ponto n.º 36 da matéria de facto provada, pela qual, em resultado do loteamento titulado pelo alvará n.º 7/2006 (que é o que foi apreciado no Proc. n.º 2839/06.4BEPRT) se verificou “uma alteração do traçado dessa Rua prevista no Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim”.

Vigésima primeira: Os dois relatórios periciais, em especial a resposta 1 a fls. 2 e a resposta 3 a fls. 4 do primeiro relatório pericial, em conjugação com os esquemas 3 e 4, juntos com o primeiro relatório pericial, também impunham que o quesito n.º 3 do processo nº 1414/05.3BEPRT, que corresponde à matéria constante do ponto 37 da matéria de facto da sentença, fosse respondido da seguinte forma:

“Com essa alteração, a Rua AC vai ocupar a área estimada de 1.666 m2 do prédio dos autores.”

Vigésima segunda: Na decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal coletivo não se pronunciou sobre a matéria constante da resposta dos senhores Peritos aos esclarecimentos do art. 1.º do pedido formulado pelo Réu Município, considerados pertinentes, e por isso deferidos pelo Tribunal.

Vigésima terceira: A resposta dos senhores peritos ao referido pedido de esclarecimentos impõe que seja aditado à matéria de facto, o seguinte facto provado:

“Antes da reclamação do Autor e considerando apenas o canal representado com perfil transversal de 7m, a área de implantação do arruamento, desde o seu arranque junto à Rua AC, até ao limite norte do terreno objeto de operação de loteamento, seria de 1.152 m2, parte da qual - 615 m2 - seria implantada no terreno propriedade do Autor.”

III - VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DA PARTICIPAÇÃO

a) FALTA DE PONDERAÇÃO
Vigésima quarta: Nos termos do n.º 2 do artigo 77.º do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro (RJIGT), aplicável por remissão do artigo 22º do Decreto-Lei 555/99, de 16 de Dezembro, os pedidos de operações de loteamento estão sujeitos a discussão publica, nos quais a Câmara Municipal ponderará as reclamações, observações, sugestões e pedidos de esclarecimento apresentados pelos particulares, ficando obrigada a resposta fundamentada, perante aqueles que invoquem, designadamente, os pressupostos constantes das alíneas a) a d) do referido preceito, devendo a resposta (nº8 do mesmo preceito), ser comunicada por escrito aos interessados, sem prejuízo do disposto no artigo 10º, nº4, da lei nº 83/95 de 31 de Agosto, e, findo o período de discussão pública (nº10 do mesmo preceito) a Câmara Municipal divulga e pondera os respetivos resultados e elabora a versão final da proposta para aprovação.

Vigésima quinta: A simples notificação do promotor do loteamento para resolver as referidas contradições não consubstancia qualquer ponderação pela entidade demandada, uma vez que o dever de ponderação implica a formulação de um juízo sobre a reclamação apresentada, tendo em vista a satisfação do interesse público, e não os meros interesses particulares dos promotores das operações de loteamento dos autos.

Vigésima sexta: Não é pelo simples facto de delegar no promotor do loteamento a tarefa da resolução das contradições do traçado da Rua AC entre os dois loteamentos dos autos que a entidade demandada dá cumprimento ao disposto na lei sobre a obrigatoriedade de ponderar a reclamação.

Vigésima sétima: Quando a lei impõe à câmara municipal o dever de proceder a uma ponderação exige que a mesma proceda a uma apreciação, a uma reflexão, mormente sobre os argumentos apresentados pelo Autor para poder tomar uma decisão justa e equitativa, que vá de encontro ao interesse publico (satisfação do Plano de Urbanização), o que, no caso presente, é evidente que não se verificou, quando delegou essa tarefa nos particulares, sem qualquer apreciação crítica da mesma.

Vigésima oitava: A entidade demandada não só não ponderou a reclamação do Autor como era seu dever, nessa medida violando o disposto no n.º 7 do art.º 77º do referido D.L. n.º 380/99, como até concordou com o novo traçado proposto, cujo “desvio” em relação ao traçado do arruamento previsto no Plano de Urbanização não tem, nem foi apresentada qualquer justificação, pela requerente do loteamento (M... - Distribuição de Materiais de Construção, S.A.), que o implantou no prédio do autor, como decorre da matéria de facto provada, e ocupou uma área estimada de 1.666 m2 do terreno dos Autores, como consta do relatório pericial.

Vigésima nona: Ao considerar “demonstrada a análise e ponderação da reclamação” por parte da entidade demandada, a sentença enferma de erro de julgamento e violou o disposto no n.º 7 do art.º 77º do referido D.L. n.º 380/99.

b) FALTA DE RESPOSTA FUNDAMENTADA

Trigésima: Quanto à falta de resposta fundamentada à reclamação dos Autores, o que está em causa não é o incumprimento de uma formalidade de resposta por escrito, mas sim a inexistência dessa mesma resposta, ou seja, o conteúdo de uma resposta que não chegou a existir.

Trigésima primeira: Porque entendeu que a apreciação dos pedidos de loteamento decorreu sempre à luz do PDM e não do PUPVZ (Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim) – pontos 9, 10, 11, 12, 13, 26, 28, 30 e 31 do probatório –, a entidade demandada assumiu, voluntariamente, que não devia dar qualquer resposta à reclamação (ou melhor, reclamações) dos Autores.

Trigésima segunda: A resposta fundamentada, ou seja, uma resposta com a devida fundamentação de facto e de direito, é uma formalidade essencial, para que o reclamante possa saber o seu conteúdo concreto, a fim de tornar o procedimento adequado à defesa dos seus interesses.

Trigésima terceira: A resposta fundamentada prevista do n.º 7 do artigo 77.º do DL n.º 380/99 é coisa distinta da comunicação dessa resposta por escrito, nos termos do n.º 8 do mesmo artigo e a sentença recorrida confunde estes dois conceitos, pois refere que a comunicação, por escrito, não é uma formalidade essencial mas esquece-se que, pura e simplesmente, não existiu uma resposta fundamentada e que essa falta foi expressamente assumida pela entidade demandada.

Trigésima quarta: A mera comunicação da resposta fundamentada, por escrito, não é assimilável aos vícios próprios das notificações dos atos administrativos, porquanto, enquanto nestes o interessado tem a faculdade de requerer a notificação das indicações em falta ou a passagem de certidão que as contenha (cfr. art.º 60º, n.º 1 do CPTA), já no presente caso não o pode fazer porque pura e simplesmente a resposta não existe, como já se salientou, porque a entidade demandada assim o quis.

Trigésima quinta: A entidade demandada, ao não formular resposta fundamentada e não a comunicando, por escrito, aos Autores, e não ponderando os resultado da discussão pública, com a elaboração da versão final da proposta para aprovação, violou frontalmente o disposto nos n.ºs 7, 8 e 10 do art.º 77º do Dec. Lei n.º 380/99, com a redação do Dec. Lei n.º 310/2003 de 10/12.

Trigésima sexta: A sentença recorrida, ao confundir a inexistência de resposta fundamentada com a falta da sua comunicação, e ao considerar que a falta da comunicação por escrito da resposta à reclamação dos Autores é apenas o desrespeito de uma mera formalidade do procedimento assimilável aos vícios próprios das notificações dos atos administrativos, não provocando a ilegalidade dos atos, uma vez que é apenas um requisito da sua eficácia, concluindo que a falta de resposta por escrito não traduz a ofensa de uma formalidade essencial, incorreu em erro de julgamento e violou o disposto nos n.ºs 7, 8 e 10 do art.º 77º do Dec. Lei n.º 380/99, com a redação do Dec. Lei n.º 310/2003 de 10/12.

IV – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
Trigésima sétima: Como consta de reclamações efetuadas pelos Autores no âmbito da discussão pública (cfr. pontos 4, 10,12, 21, 23, 25, 27 e 29 da matéria provada) pretendiam os mesmos que fosse respeitado o traçado previsto no Plano de Urbanização.

Trigésima oitava: Em vez de condicionar a aprovação dos loteamentos em causa ao traçado previsto no referido Plano de Urbanização, a entidade demandada não só não atendeu a essas reclamações como, pelo contrário, “atirou” a referida implantação para o prédio dos Autores (cfr. pontos 16 e 35 da matéria de facto provada), sem a sua audição ou consentimento.

Trigésima nona: Não foram devidamente ponderados valores fundamentais do Direito e em especial a confiança que os Autores tinham de que as reclamações fossem devidamente analisadas em ordem à possível concretização da implantação prevista no Plano de Urbanização, desta forma com violação do disposto no art.º 266º, n.º 2 da CRP e art.º 6º-A do CPA.

V - VIOLAÇÃO DO PLANO DE URBANIZAÇÃO DA PÓVOA DE VARZIM (PUPV)
Quadragésima: Nos termos do disposto no art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, cabia aos Autores a prova dos factos constitutivos do seu direito, ou seja, os factos que demonstram que o traçado da Rua AC, aprovado pelos Alvarás de Loteamento n.ºs 7/2006 e 7/2008 não respeita o traçado previsto no Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim.

Quadragésima primeira: Nos termos do disposto no art. 342.º, n.º 2 do Código Civil, cabia ao Réu a prova dos factos impeditivos do direito invocado pelos Autores, ou seja, a prova de que a alteração do traçado da Rua AC constituiu um “pequeno ajuste”, feita ao abrigo do disposto no art. 31.º do Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim.

Quadragésima segunda: Da matéria de facto provada - cf. pontos 16, 17, 18 e 36 do probatório -, em conjugação com os demais elementos que lhe serviram de fundamentação - respostas 2 e 3, dadas aos quesitos relativos ao processo n.º 2839/06.4BEPRT, resposta 2, dada aos quesitos relativos ao processo n.º 1414/08.3BEPRT, respostas 2 e 3 ao pedido de esclarecimentos formulado pelo Réu Município e respostas 2, 3 e 6 ao pedido de esclarecimentos formulado pelas contrainteressadas - resultam claramente provados os factos essenciais em que assenta o pedido dos Autores: o traçado da Rua AC, aprovado pelos Alvarás de Loteamento n.ºs 7/2006 e 7/2008 não respeita o traçado previsto no Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim.

Quadragésima terceira: Por seu turno, o Réu Município não provou quaisquer factos que demonstrem que a referida alteração constituiu um “pequeno ajuste”, como previsto no art. 31.º do Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim.

Quadragésima quarta: Acresce que, como se diz no Acórdão do STA 26/01/2000 – Proc. n.º 37.739… “incumbe à Administração fundamentar a legalidade da sua atuação, isto é o fundamento legal com que se arroga a titularidade de atribuições e competência para a prática do ato em causa, independentemente da legalidade intrínseca deste ou, dito de outro modo, dos pressupostos legais (vinculativos da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ”; por sua vez diz o Professor Vieira de Andrade em Justiça Administrativa (lições 2ª e 6ª edição, pag.s 268/271 e 457/459 respetivamente) “…Há-de caber em princípio à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação sobretudo se agressiva (positiva e desfavorável) - cf. ainda, a seguinte jurisprudência sobre a repartição do ónus probatório: Acórdão do STA 24/11/99 - Proc. n.º 32.484, de 26/01/2000 - Proc. n.º 37.739, de 24/01/2002 - Proc. n.º 48.154, de 02/10/2002 - Proc. n.º 363/2002, de 03/12/2002 - Proc. n.º 047574, de 25/01/2005 - Proc. n.º 290/2004, in www.tgsi.pt/jsta e ainda Acórdão do TCA Norte de 07/12/2004 – Proc. n.º 105/04, in www.dgsi.pt/jtcn.

Quadragésima quinta: A douta sentença recorrida violou, assim por erro de interpretação e aplicação o princípio do ónus da prova, consagrado no art.º 342º do Código Civil. Sem prejuízo,

Quadragésima sexta: Ainda que se entenda que era aos Autores que cabia fazer a prova de que a verificada alteração do traçado da Rua AC não integrava o conceito de “pequeno ajuste”, a matéria de facto provada, em conjugação com as alterações e aditamento supra requeridos, impunham que fosse decidido que os Autores lograram fazer essa prova.

Quadragésima sétima: A expressão “pequenos ajustes” não consubstancia qualquer discricionariedade técnica, pois trata-se, sim, de uma expressão vaga e indeterminada que está associada aos respetivos pressupostos de facto e de direito.

Quadragésima oitava: O pressuposto de facto constante do referido n.º 1 do art.º 31º do regulamento é que tais ajustes (“pequenos!”) se devem conformar com estudos prévios, o que não aconteceu, uma vez que a entidade demandada se limitou a notificar os promotores dos loteamentos da falta de compatibilização do traçado da Rua AC, sem os questionar e sem qualquer intervenção dos Autores, quanto à implantação dessa Rua no seu terreno.

Quadragésima nona: Essa operação não consubstancia assim, qualquer escolha entre várias soluções possíveis, mas está dependente de um pressuposto de facto relativo à existência de “estudos prévios”.

Quinquagésima: Esse pressuposto não foi concretizado, à luz do disposto no Plano de Urbanização, pelo que a sentença em apreço enferma de manifesto erro nos seus pressupostos de facto, tratando-se, aliás, de um erro flagrante, ostensivo e até grosseiro, porquanto, na ausência desses estudos prévios devia a entidade demandada cumprir o traçado previsto no Plano de Urbanização, que é vinculativo sob pena de nulidade.

Quinquagésima primeira: No domínio da atividade vinculada, não detém a administração liberdade de alternativas comportamentais, pelo que o Tribunal podia e devia sindicar essa atuação da demandada.

Quinquagésima segunda: Os Autores provaram a área de implantação no seu terreno, da Rua AC, no caso 1666 m2, correspondendo 747 m2 à faixa de rodagem, 369 m2 à baía de estacionamento e 550 m2 ao passeio, conforme melhor explicado supra na impugnação da decisão sobre a matéria de facto - cf. conclusões Décima Sétima a Vigésima Primeira.

Quinquagésima terceira: É por demais evidente que em função da área ocupada - 1666 m2 - e da diminuição da cedência do M...-Distribuição de Materiais de Construção, S.A. para o domínio público de 642 m2 para 158 m2, que não se trata de um “pequeno ajuste” (mas pelo contrário, substancial).

Quinquagésima quarta: À matéria de facto pertencem quer os factos provados, quer as ilações deles extraídas quer, ainda os juízos de valor que sobre o mesmos forem emitidos (cfr. entre outros Acórdãos do STA de 01/07/98, publicado em Ap. ao D.R. de 28/12/01), pelo que o relatório pericial e o teor da planta que constitui o documento nº11 junto com a petição inicial devem ser conjugados com os pontos 17 e 18 da matéria de facto dada como provada.

Quinquagésima quinta: Portanto, na sentença não poderia deixar de se atender à fundamentação das respostas aos quesitos, às ilações extraídas pelo Tribunal Coletivo da perícia, no sentido de que a faixa de rodagem (que é a que aparece no PUPV) ocupará 747m2 do prédio dos Autores e que se for acrescida dos demais componentes (estacionamento e passeios) o total será 1.662m2, ou seja, uma área superior à da alegada no quesito (1.173m2) e que só não incluiu esses valores porque “seria desvirtuar em demasia a literalidade da questão”, mas não divergindo da sua real existência.

Quinquagésima sexta: Mesmo que não venha a ser deferida a alteração da matéria de facto, conforme requerido, não pode deixar de se considerar englobado no probatório, a área de 747m2 do arruamento no prédio dos Autores e se essa faixa for acrescida de estacionamento e passeios, o total será de 1.662m2.

Quinquagésima sétima: A prova da diferença da área de implantação da Rua AC no prédio do Autor entre o previsto no PUPV e o traçado incluso nas operações de loteamento é, desde logo, irrelevante, pois o que está em causa, em primeira linha, é a alteração do traçado do arruamento, e essa alteração, como supra alegado, e como consta da matéria do facto, está sobejamente provada.

Quinquagésima oitava: De resto, essa matéria não tem correspondência com a matéria de facto quesitada no despacho saneador, nem com a matéria quesitada aos senhores peritos, nem com os pedidos de esclarecimentos posteriormente formulados, pelo que, ao dar relevância fundamental a essa matéria, o Tribunal a quo proferiu uma decisão totalmente surpresa.

Quinquagésima nona: O relatório pericial é absolutamente claro em relação aos diversos traçados previstos para a Rua AC, considerando-os representado no doc. n.º 11, junto com a p.i., que vem referido no probatório, nos pontos 17 e 18: o traçado a verde é o previsto no PUPV (conforme esquema da perícia); a amarelo, o que consta do aditamento apresentado no Proc. n.º 1190/05, em 03/04/2006 (esquema 2 da perícia) e a vermelho o que resultou da aplicação das condições impostas no deferimento da pretensão do Proc. n.º 1190/05, pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim (esquema 3 da perícia).

Sexagésima: A perícia refere ainda que “o traçado previsto no Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim – PUPV (figura 1) a partir do troço da Rua AC orientava-se para Norte e para a esquerda, mas pelo contrário, o traçado proposto pela A... – Gestão Imobiliária, S.A., tendo a mesma origem, orientava-se para Norte, mas para a direita” - cf. resposta 5 a fls. 4 do relatório pericial.

Sexagésima primeira: Ou seja, os Autores lograram provar a alteração da orientação do traçado da Rua AC previsto no processo de loteamento, relativamente ao previsto no PUPV.

Sexagésima segunda: Como também resulta dos traçados representados na planta junta como doc. n.º 11 com a petição inicial, e como resulta do teor da resposta 1 dos senhores peritos ao pedido de esclarecimentos formulado pelas contrainteressadas, no PUPV estava prevista apenas a construção da faixa de rodagem, e no traçado aprovado no processo loteamento foram adicionados uma baia de estacionamento e o passeio do lado nascente, a implantar na área do prédio, propriedade do autor - cf. ainda os esquemas 4 e 5, juntos com o primeiro relatório pericial.

Sexagésima terceira: A prova da alteração da orientação do traçado e a prova do acrescento de novos elementos no arruamento a implantar na área do prédio propriedade dos Autores são prova mais do que cabal de que o traçado aprovado não se inclui no conceito de “pequeno ajuste” previsto no art.º 31º do PUPV, invocado, pela primeira, na contestação do Réu Município.

Sexagésima quarta: Relativamente ao cumprimento das exigências de elaboração de estudos prévios, previstas no art. 31.º, n.º 1 do PUPV, e regulados no art. 84.º do mesmo diploma, ignora-se, porque o Tribunal a quo também não fundamenta, como é que chegou à conclusão de que a Câmara Municipal entendeu que as opções de desenho urbano constantes das operações de loteamento “melhor serviam formal e funcionalmente o espaço onde o arruamento se insere”.

Sexagésima quinta: De qualquer forma, resulta provado que, depois da reclamação apresentada pelos Autores, o traçado da Rua AC foi deslocado, praticamente na sua totalidade, se não se considerar só a faixa de rodagem (que essa é totalmente implantada no prédio dos Autores) para cima do prédio dos Autores, e que a promotora do loteamento diminuiu a sua área de cedência para o domínio público de 648m2 para 158m2, o que evidencia, à saciedade, que as operações de loteamento dos autos não respeitam o princípio da igualdade, nem a exigência da justa repartição de benefícios e encargos, previstos no art. 84.º, n.º 3 do PUPV.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, devendo a decisão do Senhor Juiz Singular que não admitiu a reclamação para a conferência ser revogada e substituída por outra que ordene a sua admissão ou, assim não se entendendo, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente, por provada, tudo com as devidas consequências legais.”

Em 1 de Dezembro de 2015 foi proferido Despacho de Admissão dos Recursos Jurisdicionais interpostos (Cfr. Fls. 925 e 926 Procº físico).

O Município/Recorrido, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 14 de Dezembro de 2015, concluindo (Cfr. fls. 930 a 931 Procº físico):

“A - A douta decisão recorrida fez correta aplicação do Direito, ao julgar totalmente improcedente a ação, por não provada, e, em consequência, absolver o Réu dos pedidos formulados.
B – O Réu não ofendeu o Princípio da Boa-fé nem o Princípio da Audiência ou da Participação dos Autores durante a tramitação dos Processos Administrativos n.ºs 1420/04 e 1190/05, que fundamentaram e legitimaram a emissão dos Alvarás de Loteamento n.ºs 7/2008 e 7/2006, respetivamente;
C – Os atos administrativos que aprovaram as mesmas operações urbanísticas não violam o Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim (ratificado pela Resolução do Concelho de Ministros n.º 15/2006, de 27.01.2006);
D – O Réu não violou as disposições legais citadas pelos Autores, pelo que os atos de licenciamentos das operações de loteamento, que fundamentaram e legitimaram a emissão dos Alvarás de Loteamento n.ºs 7/2008 e 7/2006, respetivamente, são perfeitamente válidos e eficazes;
E – Acresce ainda que, a ponderar-se a declaração de nulidade dos atos administrativos relativos ao licenciamento das duas operações de loteamento, deverão ser ressalvados todos os seus efeitos putativos.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, MANTENDO-SE O TEOR DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.”

O Ministério Público, notificado em 4 de Fevereiro de 2015, veio a emitir Parecer em 11 de Fevereiro de 2016 (Cfr. Fls. 953 a 958 Procº físico), pronunciando-se, a final, no sentido de dever “ser negado provimento ao recurso”.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
As questões a apreciar resultam da necessidade de verificar o suscitado facto de não ter sido, pelo tribunal a quo, admitida a Reclamação para a Conferência, mais se impondo verificar os vícios suscitados, a saber: Incorreto julgamento da matéria de facto; Violação do princípio da participação; Violação do principio da boa-fé e Violação do Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada, a qual aqui se reproduz por se entender ser a mesma suficiente e adequada:
Na ação administrativa especial n.º 2839/06.4BEPRT:
1. Os autores são donos e legítimos possuidores do prédio rústico situado no lugar da Bouça do Monte, freguesia de B..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo 12......º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 374/9…4 (cf. doc. 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
2. Em 19/10/2001 o autor-marido cedeu ao Município da Póvoa de Varzim uma parcela de terreno com a área de 166,70 m2, para execução da obra “Interligação entre EN 206 e o acesso ao IC1, que ficou a denominar-se “Avenida 25 de Abril”;
3. Por requerimento de 15/11/2005, a M... – Distribuição de Materiais de Construção, SA requereu autorização de loteamento nos termos constantes de fls. 1 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
4. No âmbito da discussão pública do pedido de licença de loteamento requerida por M... – Distribuição de Materiais de Construção, SA, o autor apresentou, em 11/01/2006, ao Sr. Presidente da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, uma reclamação nos seguintes termos (cf. doc. 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
“Ref.ª Proc. n.º 1190/05
Assunto: Licença de Operação de Loteamento no Lugar da Bouça do Monte, da freguesia de B..., deste concelho.
ESL (…) tendo sido publicitado, pelo prazo de 15 dias, o pedido de licença de loteamento, acima referido, requerido por M... – Distribuição de Materiais de Construção, SA,
Vem reclamar do mesmo, nos termos e com os seguintes

Fundamentos
1º Em 19 de Outubro de 2001, o reclamante cedeu ao município, uma parcela de terreno, com a área de166,70 m2, para execução da obra “Interligação entre EN206 e o Acesso ao IC1”, que ficou a denominar-se “Avenida 25 de Abril” (doc. n.º 1).
2º Pela requerida operação de loteamento, o requerente propõe-se ceder, para integrar espaços verdes e o domínio público da referida Av. 25 de Abril, uma parcela de terreno com a área de 4.563 m2.
3º Porém, nessa operação nada se diz quanto à cedência para o domínio público, da execução da rua, prevista como continuação da Rua AC.
4º Com efeito, pela planta que integra o referido pedido de loteamento, embora se preveja a continuidade da Rua AC, inutiliza a sua implantação a partir de certa altura, como se verifica da planta junta (doc. 2).
5º Assim, deve a delimitação Norte do terreno que constitui o objeto dessa operação de loteamento ser fixado por forma a integrar no domínio público a parte correspondente à futura execução dessa via.
6º O reclamante, que é dono do prédio identificado no “acordo de cedência” de 19/10/2001, é prejudicado com a não integração no domínio público do espaço (parte) necessário à construção dessa via, tal como se prevê para a Av. 25 de Abril.
Tem, pois, legitimidade, para deduzir a presente reclamação.
Termos em que requer que a operação de loteamento em causa seja retificada por forma a integrar no domínio público o espaço correspondente à execução da continuidade da Rua AC.”;
5. Em 15/02/2006 foi elaborada, pela Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, a informação junta a fls. 49 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida e da qual consta o seguinte:
“(…)

Em 11.01.2006 deu entrada no processo uma reclamação de ESL (fls. 41) (…) requerendo a retificação da operação de loteamento, por forma a garantir a continuidade da Rua AC (…)

5. Embora possa questionar-se a legitimidade do reclamante para formalizar a exigência expressa pela reclamação, esta permite constatar a contradição evidenciada pela planta de síntese da operação de loteamento proposta, onde o desenho do parque de estacionamento previsto pela operação de loteamento é incompatível com o traçado apontado para a continuação da rua AC.

(…)
6. Antes de ser tomada a decisão final acerca do pedido de licenciamento da operação de loteamento (…) proponho que se notifique o titular do processo (…) para dizer o que se lhe oferecer acerca da reclamação e apresentar, no prazo de 30 dias, a proposta reformulada, resolvendo as contradições da relação do traçado da continuação da rua AC com o desenho do parque de estacionamento.”;

6. Na sequência da notificação à M... - Distribuição de Materiais de Construção, SA da informação referida em E), a mesma apresentou nova planta de síntese e nova memória descritiva “onde já se prevê a continuação da Rua AC, cedendo ao domínio público os terrenos de nossa propriedade necessários para o efeito” (cf. docs. de fls. 53 e ss. do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
7. Em 22/05/2006 a M... - Distribuição de Materiais de Construção, SA apresentou nova “planta de síntese e respetiva memória descritiva atualizada, em que já foi compatibilizado com a A... – Gestão Imobiliária, SA o traçado da Rua de AC” (cf. docs. de fls. 60 e ss. do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
8. Por deliberação de 2/06/2006 da Comissão de Obras foi deferida a pretensão referida em C), nos termos da informação do Departamento de Gestão Urbanística e Ambiente (cfr. fls. 65/67 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
9. O Município da Póvoa de Varzim respondeu à reclamação referida em D) por ofício n.º 8255, de 6/07/2006, nos seguintes termos (cfr. doc. 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
“Serve a presente para comunicar a V. Exa. Que, nesta data e em cumprimento dos n.ºs 3 e 4 do artigo 38º do Decreto-lei n.º 135/99, de 22.04, remetemos às entidades competentes as cópias amarela e azul da reclamação subscrita por V. Exa. (…)

Em cumprimento do disposto no n.º 5 da mesma norma legal, vimos por este meio dar resposta à mesma reclamação, informando o seguinte:

1º. É desprovida de fundamento a reclamação apresentada por V. Exa.;

2º. De facto, V. Exa. Apresentou em 11.01.2006, no âmbito do Processo de Licenciamento n.º 1190/05 (relativo a uma operação de loteamento cujo requerente é a Sociedade Anónima M... – Materiais de Construção, SA), em sede de Discussão Pública (nos termos do artigo 22º do Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro), uma reclamação;

3º. Dita o artigo 22º, n.º 1 do mesmo diploma, que o período de discussão pública é efetuado nos termos do disposto no artigo 77º do Decreto-lei n.º 380/99, de 22 de Setembro;

4º. O n.º 7 do artigo 77º deste Decreto-lei, estabelece que a Câmara Municipal ponderará as reclamações, observações, sugestões e pedidos de esclarecimento apresentados pelos particulares durante o período de discussão pública, ficando a Autarquia obrigada a resposta fundamentada apenas perante aqueles que invoquem os fundamentos descritos nas alíneas a) a d) da mesma disposição legal, ou seja, aqueles que invoquem: a desconformidade com outros instrumentos de gestão territorial, a incompatibilidade com planos, programas e projetos que devessem ser ponderados em fase de elaboração, a desconformidade com disposições legais e regulamentares aplicáveis e a eventual lesão de direitos subjetivos;

5º. Ora, sucede que o teor da reclamação apresentada por V. Exa. Em sede de discussão pública não se enquadra em qualquer das citadas alíneas, pelo que não estava a Autarquia obrigada a responder fundamentadamente ao teor da reclamação apresentada em 11.01.2006.”;

10. Em 12/07/2006 deu entrada na Câmara Municipal da Póvoa de Varzim um requerimento apresentado pelo autor e dirigido ao Sr. Presidente da mesma, nos seguintes termos (cfr. doc. 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
“ESL (…) no âmbito do pedido de licença de loteamento, acima referido, requerido por M... – Distribuição de Materiais de Construção, SA,


Vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:

1. Em 11/01/2006 o requerente, no âmbito do respetivo inquérito público, reclamou contra a operação de loteamento acima referida em virtude de não estar a ser respeitada, pelo respetivo promotor, a implantação da RUA (continuação da Rua AC) que separa o terreno daquela do requerente (doc. n.º 1);

2. Pelo ofício n.º 8255, de 06/07/06, foi comunicado ao requerente que o teor dessa reclamação não se enquadra no n.º 7 do art. 77º do Dec. Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro “pelo que não estava a Autarquia obrigada a responder fundamentadamente ao teor da reclamação apresentada em 11/01/2006” (doc. n.º 2);

3. Porém, algumas das alíneas daquele normativo (que é o n.º 5 e não n.º 7 do referido art. 77º …) são aplicáveis à reclamação do requerente, porquanto:

a) Há incompatibilidade entre o traçado dessa Rua e a sua implantação prevista no Plano de Urbanização, em fase de elaboração, na altura da reclamação (11/01/2006), pelo que é aplicável a al. b) desse normativo;

b) E como tal Plano entrou em vigor em 28/01/06 (…) deverá ser tomado em consideração na decisão do respetivo licenciamento, de harmonia com o princípio tempus regist actum, sendo, por isso, aplicável a al. a) desse normativo;

d) De qualquer modo, a eventual alteração desse traçado, implantando tal Rua, totalmente em terreno do requerente, beneficiando, com essa alteração, o promotor do loteamento, viola os direitos subjetivos do requerente e, consequentemente, é aplicável a al. d) desse normativo;

4. Aliás, basta invocar um interesse digno de proteção, como resulta do advérbio “designadamente” para ter direito à ponderação referida nesse normativo.

(…)

Termos em que renova a reclamação apresentada no âmbito do inquérito público em causa.”;

11. Pelo ofício de 7/08/06 foi comunicado ao autor, em resposta ao requerimento referido em J), que era mantido “na íntegra o teor do n/ ofício n.º 8255, de 6/07/2006” (cf. doc. 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
12. Em 14/08/2006 deu entrada na Câmara Municipal da Póvoa de Varzim um requerimento apresentado pelo autor e dirigido ao Sr. Presidente da mesma, requerendo “se digne esclarecer o que se pretende dizer com “manter” o ofício de 06/07/06, no sentido de se saber se foi ponderado – e em que termos – o que o requerente alegou em 12/07/06” (cf. doc. 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
13. Em resposta ao requerimento referido em L), por ofício de 28/08/2006 a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim informou o autor que “quando este Município notificou V. Ex.ª no sentido de que mantinha na íntegra o teor do ofício n.º 8255, de 06/07/2006, bem como os seus fundamentos legais, previamente sindicou e ponderou rigorosamente as alegações formuladas por V. Ex.ª em 12 de Julho p.p.” (cf. doc. 7 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
14. Por aviso publicado no jornal “A Voz da Póvoa” de 14/08/2006, foi publicitado que tinha sido emitido, em 20/07/2006, o alvará de loteamento n.º 7/2006, aprovado pela Comissão de Obras, com competências delegadas da Câmara Municipal de 12/06/2006, em nome de CCV, Lda. e IGI – Investimento Imobiliário, SA, sito na leira do Monte, freguesia de B..., Município da Póvoa de Varzim (cf. doc. 8 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
15. Em 19/10/2006 é certificado o alvará n.º 7/2006 de 20/07/2006 (cf. doc. 9 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
16. Depois da reclamação do Autor, o Município da Póvoa de Varzim alterou o traçado da Rua AC, implantando-o no prédio do Autor (prova pericial e prova testemunhal);
17. O traçado do prolongamento da Rua AC constante do loteamento referido em O) é o que consta da planta junta como doc. 11 com a petição inicial (prova pericial e fls. 49 do processo administrativo n.º 1190/05);
18. O traçado do prolongamento da Rua AC constante do Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim (publicado no DR I Série-B, n.º 20, de 27/01/2006) é o que consta da planta junta como doc. 11 com a petição inicial (prova pericial).

Na ação administrativa especial n.º 1414/08.3BEPRT:
19. Os autores são donos e legítimos possuidores do prédio rústico situado no lugar da Bouça do Monte, freguesia de B..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo 12......º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 374/9…04 (cf. doc. 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
20. Em 19/10/2001 o autor-marido cedeu ao Município da Póvoa de Varzim uma parcela de terreno com a área de 166,70 m2, para execução da obra “Interligação entre EN 206 e o acesso ao IC1, que ficou a denominar-se “Avenida 25 de Abril”;
21. No âmbito da discussão pública do pedido de licença de loteamento requerida por A... - Gestão Imobiliária, Lda., que tomou o n.º 1420/04, o autor apresentou em 20/09/2006 na Câmara Municipal da Póvoa de Varzim a reclamação junta como doc. 2 com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, requerendo “que a operação de loteamento em causa seja devidamente retificada por forma a cumprir com o seu real traçado, da continuidade da Rua AC, definido pelo aludido PU”;
22. Pelo ofício n.º 5531/06, de 24/10/2006, foi transmitida ao autor a informação da Divisão de Obras Particulares, nos termos constantes do doc. 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
23. O autor respondeu ao ofício referido em V) por requerimento apresentado na Câmara Municipal da Póvoa de Varzim em 2/11/2006, o qual foi junto como doc. 6 com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, requerendo que “seja devidamente ponderada a reclamação do reclamante, tendo em consideração o traçado da Rua AC previsto no Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim”;
24. Pelo ofício n.º 6009/2006, de 21/11 foi comunicado ao autor que “a proposta do PUPV poderia interferir muito mais com o terreno do reclamante, pelo que se reafirma que não só não assiste qualquer razão ao reclamante como, principalmente, não se compreende o alcance da reclamação”;
25. Por requerimento entrado na Câmara Municipal da Póvoa de Varzim em 28/12/2006, o autor reiterou a reclamação referida em U), nos termos constantes do doc. 8 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, requerendo que “a operação de loteamento em causa seja devidamente retificada por forma a cumprir com o seu real traçado, da continuidade da Rua AC, definido pelo aludido PUPVZ”;
26. Pelo ofício n.º 575/07, foi comunicado ao autor que a sua exposição não alterava o conteúdo das informações anteriormente transmitidas e que a apreciação do pedido (entrado em 30/12/2004) decorreu sempre à luz do PDM;
27. Em resposta ao ofício referido em Z) o autor apresentou na Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, em 8/02/2007, o requerimento junto como doc. 10 com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
28. Pelo ofício n.º 1090/07, foi comunicada ao autor a informação prestada pelo Gabinete Jurídico, conforme doc. 11 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
29. Em resposta ao ofício referido em BB) o autor apresentou na Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, em 7/03/2007, o requerimento junto como doc. 12 com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
30. Pelo ofício n.º 2238/07, foi comunicado ao autor que se mantinha na íntegra o que já tinha sido informado através da notificação referida em BB), conforme doc. 13 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
31. No âmbito do processo n.º 1420/04 foi elaborada pelo Departamento de Gestão Urbanística e Ambiente/Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, a informação junta como doc. 18 com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e na qual se refere que “No que se refere à implantação do arruamento D o requerente deve acordar o seu traçado com o requerente do processo n.º 1190/05 – M...: Distribuição de Materiais de Construção, SA – compatibilizando as operações urbanísticas a licenciar em ambos os processos (aquele processo: 1190/05 e o presente processo: 1420/04)”;
32. A informação referida em EE) foi transmitida à A... pelo ofício n.º 2369/2006, de 15/05/2006;
33. Em resposta ao ofício referido em FF) a A... apresentou em 11/07/2006 “Memória descritiva e justificativa”, junto como doc. 18 com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
34. Em 17/04/2008 foi emitido no âmbito do processo n.º 1420/04 o alvará de loteamento n.º 7/2008, junto como doc. 14 com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
35. Em resultado do loteamento titulado pelo alvará n.º 7/2006 o traçado da Rua AC ficou implantado no prédio dos Autores, na parte em que com ele confronta (prova pericial e prova testemunhal);

36. Verifica-se uma alteração do traçado dessa Rua previsto no Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim (prova pericial);

37. Com essa alteração, a Rua AC vai ocupar área do prédio dos Autores (prova pericial);

38. No aditamento de 27/01/2006 apresentado pela A..., manteve o traçado do projeto inicial com menção através de uma mancha da localização de um prédio de habitação coletiva no seguimento do previsto na área sujeita à operação de loteamento da A... (cfr. fls. 57, 145, 146 e 151 do processo administrativo n.º 1420/04 (vol.I);

39. O arruamento D referido no ponto EE) supra, corresponde ao prolongamento da Rua AC (prova pericial e cfr. fls 151, 154, 155 e 163 do processo administrativo n.º 1420/04, Vol. I e fls. 618 do processo físico).”


IV – Do Direito
No essencial, os Recorrentes vêm retomar no Recurso interposto toda a argumentação que haviam esgrimido em 1ª Instância.

Em qualquer caso, importa analisar, ponderar e decidir os vícios suscitados.

Da Reclamação para a Conferência
Vem desde logo suscitado o facto de não ter sido admitida a Reclamação para a Conferencia em 1ª Instância, em resultado da circunstância de terem entrado em vigor os novos ETAF e CPTA.

É insofismável e incontornável que os Tribunais Administrativos, nos termos do nº 1 do Artº 40º do (novo) ETAF passaram a funcionar “apenas com juízo singular”, em face do que se mostraria incongruente e inútil fazer baixar o processo à 1ª Instância para a Ação ser decidida em Conferência, a qual, por assim dizer, inexiste já.

Efetivamente, como referiu o tribunal a quo, "a sentença não foi proferida pelo juiz singular porque se entendeu que a questão a decidir é simples ou porque a pretensão é manifestamente infundada, razão pela qual não houve qualquer necessidade em citar o artigo 27°, n° 1, alínea i), do CPTA, mas sim porque o juiz singular, desde 3/10/2015 e face aos comandos legais acima referidos, passou a ser a regra de funcionamento dos tribunais administrativos de círculo e não o tribunal coletivo, tanto mais que os n.°s 2 e 3 do artigo 40.° do ETAF foram revogados, o que significa que o tribunal já não tem norma que o habilite a funcionar em formação de três juízes.

Frisa-se, novamente, que estas regras entraram em vigor no dia seguinte ao da publicação do decreto-lei acima aludido, traduzindo, no fundo, a ideia que perpassa no preâmbulo do mesmo, quando diz o seguinte: "Dando resposta a anseio já antigo, eliminam-se, no artigo 40.° as exceções à regra de que os tribunais administrativos de círculo funcionam com juiz singular, a cada juiz competindo decisão, de facto e de direito, dos processos que lhe sejam distribuídos". Esta é, de facto, uma medida que contribui para a celeridade e simplificação processuais, que as partes não podem desconhecer nem desmerecer.

Por outro lado, se é certo que os artigos 8.° a 10.° do ETAF estão inseridos no capítulo II, que fala sobre a organização e funcionamento dos tribunais administrativos e fiscais, não se pode limitar o alcance do n.° 4, do artigo 15.° do DL n.° 214-G/2015, de 02/10, apenas ao capítulo e às normas em causa, porquanto, nessa alteração, deve também incluir-se aquela que diz respeito à organização e funcionamento dos próprios "tribunais administrativos de círculo", como é dito no preâmbulo do citado diploma legal, que expressamente fala do artigo 40.° do ETAF."

Em face do que precede, e sem necessidade de acrescida argumentação ou fundamentação, negar-se-á provimento ao recurso relativamente ao despacho a fls 890/891 o qual, ao não ter admitido a Reclamação para a Conferência, não merece censura.

Do Incorreto julgamento da matéria de facto
Entendem, em síntese, os Recorrentes que “Foram incorretamente julgados, e por isso expressamente se impugnam, os pontos 16, 35 e 37 da Matéria de Facto, que correspondem, respetivamente, à matéria quesitada no ponto 1 da base instrutória do processo nº 2839/06.4BEPRT, e nos pontos 1 e 3 da base instrutória do processo nº 1414/05.3BEPRT.”

Vejamos:

Cabe ao autor o ónus da alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir, ou seja, em que fundamenta o seu pedido e cabe ao demandado alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito arrogado pelo autor bem como a matéria de impugnação – artigo 342º, n.º2, do Código Civil, e artigos 5º, n.º1, 414º e 571º, estes do Código de Processo Civil de 2013 (artigos 264º, 487º e 516º, do Código de Processo Civil 1995).

Cabe ainda ao autor, a par dos factos em que fundamenta o pedido, indicar as razões de direito, sem o que o articulado inicial será inepto, por ininteligibilidade – artigos 186º, n.º2, alínea a), e 571º, n.º 2, do Código de Processo Civil (artigos 193º, n.º 2, alínea a), e 467º, n.º1, alínea d), do Código de Processo Civil de 1995).

O tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo os factos notórios ou de conhecimento geral (cf. artigos 5º, n.ºs 2 e 3, e 412º do Código de Processo Civil 2013 - artigos 264º, 514º e 664.º, 2.ª parte, do Código de Processo Civil 1995).

As invocações dos Recorrentes mostram-se predominantemente argumentativas e conclusivas, procurando transpor para a factualidade dada como provada, alguns segmentos meramente opinativos e redundantes do relatório da perícia colegial realizada,

Em qualquer caso, sempre se dirá que, pretendendo os recorrentes que o tribunal ad quem procedesse à alteração da decisão do tribunal de 1 ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os concretos meios de prova que impunham decisão divergente da adotada, o que não logrou conseguir.

Determina o atual Artº 662º Do Código de Processo Civil (Anterior Artº 712º CPC), sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:

“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

(…)”.

Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo n.º 394/05, de 19.11.2008, processo n.º 601/07, de 02.06.2010, processo n.º 0161/10 e de 21.09.2010, processo n.º 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo n.º 00205/07BEPNF, e de 14.09.2012, processo n.º 00849/05BEVIS).

Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.

Verificado o suscitado, a matéria dada como provada nos presentes Autos não impõe, no entanto, respostas diversas das que foram dadas pelo Tribunal a quo, não se evidenciando qualquer erro grosseiro na apreciação da prova.

Assim, entende-se que a decisão recorrida fez uma suficientemente adequada apreciação da prova produzida, pelo que não merece censura a matéria de facto dada como provada.

Da Violação do princípio da participação
Entendem, em Síntese, os Recorrentes, e no que concerne a uma suposta “Falta de Ponderação” que “nos termos do n.º 2 do artigo 77.º do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro (RJIGT), aplicável por remissão do artigo 22º do Decreto-Lei 555/99, de 16 de Dezembro, os pedidos de operações de loteamento estão sujeitos a discussão publica, nos quais a Câmara Municipal ponderará as reclamações, observações, sugestões e pedidos de esclarecimento apresentados pelos particulares, ficando obrigada a resposta fundamentada, perante aqueles que invoquem, designadamente, os pressupostos constantes das alíneas a) a d) do referido preceito, devendo a resposta (nº8 do mesmo preceito), ser comunicada por escrito aos interessados, sem prejuízo do disposto no artigo 10º, nº 4, da lei nº 83/95 de 31 de Agosto, e, findo o período de discussão pública (nº10 do mesmo preceito) a Câmara Municipal divulga e pondera os respetivos resultados e elabora a versão final da proposta para aprovação.

Mais se invoca a propósito de alegada “Falta de Resposta Fundamentada” que “quanto à falta de resposta fundamentada à reclamação dos Autores, o que está em causa não é o incumprimento de uma formalidade de resposta por escrito, mas sim a inexistência dessa mesma resposta, ou seja, o conteúdo de uma resposta que não chegou a existir.”.

Enquadrar-se-á agora a questão do ponto de vista normativo, seguindo de perto o expendido na decisão recorrida:

“O Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (doravante, RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, prevendo o regime aplicável às operações de loteamento, começa por no seu artigo 2.º, alínea i) definir que estas são “as ações que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios, ou do seu emparcelamento ou reparcelamento”, assentando que, estão sujeitas a licença administrativa “[as] operações de loteamento em área não abrangida por plano de pormenor ou abrangida por plano de pormenor que não contenha as menções constantes das alíneas a), c), d), e) e f) do n.º 1 do artigo 91.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro” (artigo 4.º, n.º 2, alínea a) do RJUE, redação à data).
Regula o RJUE, a partir do seu artigo 18.º e ss, as questões atinentes às formas do procedimento de licenciamento, determinando, e ao que aqui nos interessa, na redação à data dos factos, o artigo 22.º, sob a epígrafe Discussão Pública, que “a aprovação pela câmara municipal do pedido de licenciamento de operação do loteamento é precedida de um período de discussão pública a efetuar nos termos do disposto no artigo 77.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro” (n.º 1), sendo “anunciada com uma antecedência mínima de 8 dias a contar da data da receção do último dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município ou do termo do prazo para a sua emissão não podendo a sua duração ser inferior a 15 dias”, ditando o n.º 4 que “[a] discussão pública tem por objeto o projeto de loteamento, que deve ser acompanhado da informação técnica elaborada pelos serviços municipais, bem como dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município.”

Remetia, então o artigo 22.º do RJUE, à data dos factos, os aspetos procedimentais da discussão pública no procedimento de licenciamento de operação de loteamento para a discussão pública no âmbito da elaboração dos planos municipais de ordenamento do território, prevista no artigo 77.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, que estabelece o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (doravante, RJIGT).

Determinava tal preceito, na parte que aqui releva, no seu n.º 7 (redação à data dos factos) que “[a] câmara municipal ponderará as reclamações, observações, sugestões e pedidos de esclarecimento apresentados pelos particulares, ficando obrigada a resposta fundamentada perante aqueles que invoquem, designadamente:
a) A desconformidade com outros instrumentos de gestão territorial eficazes;
b) A incompatibilidade com planos, programas e projetos que devessem ser ponderados em fase de elaboração;
c) A desconformidade com disposições legais e regulamentares aplicáveis;
d) A eventual lesão de direitos subjetivos”, sendo que a “resposta referida no número anterior será comunicada por escrito aos interessados, sem prejuízo do disposto no artigo 10.º, n.º 4, da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto” (n.º 8), e “sempre que necessário ou conveniente, a câmara municipal promove o esclarecimento direto dos interessados, quer através dos seus próprios técnicos quer através do recurso a técnicos da administração direta ou indireta do Estado e das Regiões Autónomas” (n.º 9).

Temos assim, de acordo com o respetivo regime legal, a existência de uma período de consulta a preceder a aprovação pela Câmara Municipal de um pedido de licenciamento de uma operação de loteamento, inserindo-se no princípio geral do da participação consagrado no artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), redação à data, constitucionalmente consagrado no artigo 267.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).”

Identificado o regime legal aplicável, importa agora verificar se, em concreto, a questão da participação procedimental relativa ao pedido de licenciamento do loteamento foi suficiente e adequadamente apreciada e decidida.

Vejamos.

Da matéria de facto apurada resulta que após pedido de autorização de loteamento apresentado em 15/11/2005 pela Contrainteressada M..., ao Município (cfr. ponto 3 do probatório), no âmbito da discussão pública do procedimento de licenciamento do loteamento requerido, o Recorrente marido apresentou em 11/01/2006, uma reclamação dirigida ao Presidente da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim (cfr. ponto 4) do probatório).

Da reclamação, o aqui Recorrente suscitou, em síntese, que na operação de loteamento, a requerente apenas se propunha ceder, para integrar espaços verdes e domínio público da Avenida 25 de Abril, uma parcela de terreno, nada referindo quanto à cedência para o domínio público da execução da rua prevista como continuação da Rua AC, sendo que pela planta que integra o referido pedido de loteamento, embora se preveja a continuidade da Rua AC, inutiliza-se a sua implantação a partir de determinada altura, devendo, por conseguinte a “delimitação Norte do terreno que constitui o objeto dessa operação de loteamento ser fixado por forma a integrar no domínio público a parte correspondente à futura execução dessa via”.

Mais se requereu, a final, e singelamente que a operação em causa fosse “retificada por forma a integrar no domínio público o espaço correspondente à execução da continuidade da Rua AC”.

Correspondentemente, resulta da factualidade dada como provada, que o Município, em 15/02/2006, elaborou informação no processo de licenciamento, onde se evidencia sintomaticamente ter sido a reclamação apresentada que permitiu “constatar a contradição evidenciada pela planta de síntese da operação de loteamento proposta, onde o desenho do parque do estacionamento previsto pela operação de loteamento é incompatível com o traçado apontado para a continuação da rua AC”.

Foi pois em face desta circunstância que o titular do procedimento de licenciamento foi notificado para se pronunciar sobre a reclamação e para corrigir “as contradições da relação do traçado da continuação da rua AC com o desenho do parque do estacionamento”, em face do facto de se verificar “a sobreposição da faixa de circulação do parque de estacionamento e recantos ajardinados com a faixa de rodagem do troço da rua (prolongamento da rua de AC) que o reclamante pretende salvaguardar” (cfr. ponto 5) do probatório).

É assim patente, não só que a reclamação foi ponderada, mas mesmo que veio a ter consequências procedimentais, que se vieram a consubstanciar no facto da Contrainteressada M... ter apresentado nova planta de síntese e nova memória descritiva, prevendo a continuação da rua AC, cedendo ao domínio público os terrenos necessários para o efeito (cfr. ponto 6) do probatório).

Como resulta da deliberação de 02/06/2006 da Comissão de Obras, que deferiu o controvertido pedido de licenciamento, “a pretensão foi revista de forma a compatibilizar o traçado da via proposta com ligação à Rua AC e com o proposto na operação de loteamento para o terreno situado a norte (processo n.º 1420/04)”, o que mais uma vez evidencia o facto da reclamação apresentada ter merecido ponderação.

Deste modo, é patente que o Município, em cumprimento do estabelecido no artigo 77.° n.° 7 do RJIGT, aplicável ex vi artigo 22.° do RJUE, ponderou a reclamação apresentada pelo ora recorrente em sede de discussão pública no procedimento de licenciamento da operação de loteamento, levando mesmo o requerente do licenciamento a promover uma retificação a fim de satisfazer as contradições verificadas na reclamação no traçado da rua AC.

Sem prejuízo do precedentemente referido é no entanto manifesto que o Município não emitiu qualquer resposta escrita aos aqui Recorrentes, durante o período de discussão pública do procedimento de licenciamento, relativamente à reclamação apresentada, à luz do artigo 77.º, n.º 7 do RJIGT.

Referia a aludida norma que o Município fica ”obrigado a resposta fundamentada perante aqueles que invoquem, designadamente:
a) A desconformidade com outros instrumentos de gestão territorial eficazes;
b) A incompatibilidade com planos, programas e projetos que devessem ser ponderados em fase de elaboração;
c) A desconformidade com disposições legais e regulamentares aplicáveis;
d) A eventual lesão de direitos subjetivos” (n.º7)

Atenta a expressão “designadamente” do citado normativo, é patente que o enunciado tem caráter meramente exemplificativo, relativamente às situações face às quais o Município deverá formular resposta por escrito aos interessados que apresentem reclamações.

Sem prejuízo do referido, e em conformidade com o decidido em 1ª instância, entende-se, ainda assim, que o suscitado no procedimento pelos aqui Recorrentes, sempre seria merecedor de resposta fundamentada por parte do Município, à luz do citado artigo 77.º, n.º 7 do RJIGT.

Tal como igualmente decidido em 1ª instância, se é certo que o objeto de reclamação apresentada foi atendido pelo Município, a falta da necessária comunicação escrita à reclamação apresentada, constituirá uma mera irregularidade, insuscetível de inquinar o procedimento quanto à sua validade substancial, não constituindo um requisito de validade.

Sublinhe-se, no entanto, que a participação dos particulares, não pressupõe necessariamente que sejam integralmente atendidas todas as pretensões objeto das reclamações apresentadas, por serem conceitos de natureza diversa, à luz do estatuído no Artº 8º do CPA.

Assim, não se tendo a falta de resposta fundamentada traduzido numa ofensa de uma formalidade essencial à regularidade do procedimento, tendo sido alcançado o seu objetivo corretivo, atenta a ponderação efetuada, mostra-se cumprido o essencial do direito à participação no procedimento de licenciamento, em face do que se não reconhece a verificação do suscitado vicio.

Da Violação do princípio da boa-fé
Invocam os Recorrentes, em síntese, face ao presente item, que “como consta de reclamações efetuadas pelos Autores no âmbito da discussão pública (…) pretendiam os mesmos que fosse respeitado o traçado previsto no Plano de Urbanização.

Em vez de condicionar a aprovação dos loteamentos em causa ao traçado previsto no referido Plano de Urbanização, a entidade demandada não só não atendeu a essas reclamações como, pelo contrário, “atirou” a referida implantação para o prédio dos Autores, sem a sua audição ou consentimento (…) com violação do disposto no art.º 266º, n.º 2 da CRP e art.º 6º-A do CPA.”

Como se refere na decisão recorrida, o princípio da Boa-Fé remete a Administração Pública para um padrão ético de comportamento na sua relação com os cidadãos, agindo de forma correta, leal e sem reservas, que mereceu consagração constitucional no artigo 266.º, n.º 2 da CRP e concretização na lei ordinária no artigo 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que, na redação à data dos factos, sob a epígrafe Princípio da boa-fé nos dizia que “No exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé” (n.º 1), sendo que, “No cumprimento do disposto nos números anteriores, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial: a) A confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa; b) O objetivo a alcançar com a atuação empreendida” (n.º 2).

Atento até o precedentemente transcrito, refira-se desde já que se julgará improcedente também este vício de violação do princípio da boa-fé, atenta até a circunstância do originário traçado, em face da reclamação apresentada, ter sido alterado, não se verificando ou reconhecendo assim quaisquer violações de expectativas ou de certeza relativamente aos aqui Recorrentes.

Ainda que os aqui Recorrentes aleguem a violação do referido princípio por alteração do traçado do arruamento em causa nos presentes autos, ao ter o mesmo sido supostamente implantado no prédio de que são proprietários, o que é facto é ainda assim não foram trazidos a juízo factos suscetíveis de concretizar a violação de tal suposta violação.

Assim, julga-se igualmente improcedente o suscitado e analisado vicio.

Da Violação do Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim
Invocam os Recorrentes face ao presente item, em síntese, que “resultam claramente provados os factos essenciais em que assenta o pedido dos Autores: o traçado da Rua AC, aprovado pelos Alvarás de Loteamento n.ºs 7/2006 e 7/2008 não respeita o traçado previsto no Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim” e que “o Réu Município não provou quaisquer factos que demonstrem que a referida alteração constituiu um “pequeno ajuste”, como previsto no art. 31.º do Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim.”

Vejamos:

Como explicitado na decisão recorrida, “do confronto das plantas de síntese de ambas as operações de loteamento, compatibilizadas no que respeita ao traçado da continuação da Rua AC, bem como, da análise da planta apresentada pelos Autores com a petição inicial como doc. n.º 11 e dos esquemas constantes do relatório pericial junto aos autos, constata-se que o traçado comum acordado entre os requerentes de ambas as operações urbanísticas e aprovado pela Entidade Demandada implica a sua continuidade no prédio de que os Impetrantes são proprietários (referido nos pontos 1) e 19) do probatório), com uma orientação geográfica diferente da que constava das peças iniciais apresentadas e diversa da prevista no Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim (cf. pontos 35) a 37) do probatório)”.

Em termos normativos, no essencial e no que aqui releva, é o seguinte o regime legal aplicável:

Nos termos do Artº 21º do RJUE “A apreciação dos projetos de loteamento, obras de urbanização e dos trabalhos de remodelação de terrenos pela câmara municipal incide sobre a sua conformidade com planos municipais de ordenamento do território, planos especiais de ordenamento do território, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidões administrativas, restrições de utilidade pública e quaisquer outras obras legais ou regulamentares aplicáveis, bem como sobre o uso e a integração urbana e paisagística.”.

Por outro lado, determina o artigo 26.º do mesmo RJUE que “A deliberação final de deferimento do pedido de licenciamento consubstancia a licença para a realização da operação urbanística.”.

Já o Artº 67º do mesmo diploma refere que “A validade das licenças ou autorizações das operações urbanísticas depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática”, mais referindo o artigo 68.º que “São nulas as licenças ou autorizações previstas no presente diploma que:

a) Violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou autorização de loteamento em vigor;”.

Pela sua clareza e objetividade, infra se transcreve o que a este respeito se referiu na decisão recorrida:

“Importa, então, atenta a base da causa de pedir - o traçado do prolongamento da Rua AC constante dos loteamentos titulados pelos alvarás n.º 7/2006 e 7/2008 ser desconforme ao previsto no Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim -, saber se aos licenciamentos em causa deve ou não ser aplicado o Plano de Urbanização publicado em 27/01/2006, no Diário da República n.º 20, I Série - B, com entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

O princípio tempus regit actum constitui a regra geral de aplicação das leis no tempo e significa que as normas jurídicas têm efeito apenas para o futuro. Trata-se de um princípio geral de Direito, recebido no artigo 12.º do Código Civil, que nos diz que a lei nova é de aplicação imediata e tem ínsito o princípio da não retroatividade.

Em direito administrativo, ao princípio tempus regit actum é geralmente imputado, como referido no Acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 06/03/2008, proferido no Processo n.º 0560/07 “o sentido de que os atos administrativos se regem pelas normas em vigor no momento em que são praticados, independentemente da natureza das situações a que se reportam e das circunstâncias que precederam a respetiva adoção”.

O princípio tempus regit actum, interpretado com este alcance, legitima a aplicação da nova lei aos casos que aguardem a prática de um ato administrativo, independentemente do momento em que o respetivo procedimento se tenha desencadeado, e das eventuais contingências por que tenha passado.

Ponto é que a lei nova tenha entrado em vigor antes do ato administrativo ter sido praticado, do que resulta que o bloco da legalidade aplicável a um ato administrativo é o vigente na data em que for proferido, não sendo diferente no âmbito do licenciamento das operações urbanísticas.

Como refere o douto acórdão do Colendo STA de 22/01/2009, proferido no processo n.º 0720/08:
“V - Segundo o princípio tempus regit actum, a legalidade dos atos administrativos afere-se pela realidade fáctica e pelo quadro normativo vigentes à data da prolação do ato, estando este princípio plenamente consagrado no art. 67º do RJUE (“A validade das licenças ou autorizações das operações urbanísticas depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática”.

(…)

Assim, não obstante os requerimentos que deram início aos procedimentos administrativos de licenciamento dos loteamentos aqui em causa, serem anteriores à entrada na ordem jurídica do Plano de Urbanização, os atos administrativos de licenciamento dos loteamentos, datados de 02/06/2006, 24/11/2006 e 02/01/2008 (assentes nos pontos 8) e 34) da matéria de facto) foram praticados quando o Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim já vigorava na ordem jurídica, concretamente, desde 28/01/2006.

Aliás, o próprio Plano de Urbanização nas normas do seu regulamento acolhe, a contrario, este principio, referindo no artigo 106.º que “as disposições constantes do título III deste Regulamento, não se aplicam às áreas de loteamentos com alvará em vigor anterior ao PUPV”, o que manifestamente não é o caso, uma vez que o licenciamento dos loteamentos aqui em causa e respetivos alvarás, são posteriores à entrada em vigor do Plano, como resulta da factualidade assente.

Em suma, as disposições do Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim, em vigor desde 28/01/2006, isto é, antes de aprovados os licenciamentos dos loteamentos em causa nos autos, são aplicáveis aos mesmos.

Assim, entendendo-se pela aplicação do Plano de Urbanização aos atos impugnados, tal como vem configurada a ação pelos Autores, cabe ao Tribunal aferir da desconformidade do traçado do arruamento previsto nas operações de loteamento com o previsto no referido Plano de Urbanização.

Os Planos Municipais de Ordenamento do Território, que compreendem, ao que aqui nos interessa, os planos de Urbanização (artigo 2.º, n.º 4, alínea b) e artigos 87.º e seguintes do RJIGT), dotados de eficácia plurisubjetiva que vinculam as entidades públicas e os particulares, para além de uma componente regulamentar, refletida na previsão de normas disciplinadoras da ocupação, uso e transformação dos solos (cfr. artigos 3.º, n.º 2, 69.º do RGIT), consubstanciam ainda uma componente material, traduzida na fixação de medidas que concretizam a sua inerente vocação final: a sua execução.

(…)

Independentemente da natureza jurídica do seu promotor, qualquer operação urbanística que implique o uso, ocupação ou transformação do solo tem obrigatoriamente de se conformar com o estatuído nos planos municipais, sob pena de invalidade, sancionada com a nulidade dos respetivos atos (artigo 103.º do RJIGT).

Ou seja, os planos existem para serem cumpridos. Tal como prevê o Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim, aplicável aos licenciamentos de loteamento aqui em causa, no artigo 3.º do Regulamento que constitui o PU consta que “as disposições do PUPV são de cumprimento obrigatório nas ações públicas e privadas”, sendo que “o PUPV, na área por ele abrangida: a) Orienta a elaboração de planos de pormenor, outros estudos urbanísticos e demais regulamentação municipal” (n.º 2).

Como refere o artigo 1.º do Regulamento do PUPV, o mesmo “estabelece o regime do uso do solo na área por ele abrangida, delimitada na planta de zonamento, e define a organização espacial da cidade da Póvoa de Varzim, coincidente com o perímetro urbano delimitado na planta de zonamento”, sendo constituído por regulamento, planta de zonamento e planta de condicionamentos (artigo 2.º).

Por sua vez, o artigo 27.º, considera como elemento estruturante da cidade “[a] estrutura viária, que procura responder não só às necessidades de circulação mas também à estruturação e organização de todo o tecido urbano”, sendo que “[o] traçado da rede viária, assinalado na planta de zonamento, corresponde a vias já existentes ou a espaços-canais para as novas vias a construir” (n.º 1 do artigo 29.º).

Quando perante vias ainda não existentes e previstas no Plano, o n.º 1 do artigo 31.º determina que “[d]evem ser elaborados estudos prévios”, devendo os traçados “cumprir as orientações do PUPV, podendo sofrer pequenos ajustes decorrentes das opções de desenho urbano a que devem estar associados” (n.º2), sendo que “[u]ma vez aprovados pelo município, os traçados das vias devem ser respeitados como parte integrante do Plano” (n.º 4).

Como regra geral para a execução do Plano, o artigo 84.º do Regulamento prevê que devem ser realizados estudos urbanísticos a escala adequada “sempre que tal se mostre necessário para atingir os objetivos do PUPV, especialmente para as áreas em que tal é indicado neste Regulamento” (n.º 1), sendo que os estudos podem traduzir-se em “operações de loteamento urbano, nos termos do respetivo regime jurídico” (alínea b) do n.º 2), devendo os mesmos “compatibilizar os parâmetros urbanísticos estabelecidos com o principio da igualdade, procurando obter a justa repartição de benefícios e encargos decorrentes das intervenções urbanísticas” (n.º 3), os quais “são de responsabilidade municipal, sem prejuízo de eventual iniciativa particular, com sujeição a aprovação pela Câmara Municipal” (n.º4).

Assim, atento o disposto no Regulamento do PU, não restam dúvidas que o R., por força do citado artigo 31.º, goza de margem de liberdade para definir em traçados de arruamentos ainda não existentes pequenos ajustes decorrentes das opções de desenho urbano, vendo-se que a indicada norma regulamentar atribuiu ao Município a faculdade de ajustar os traçados das vias de acordo com as orientações e demais normas do Plano, do que se extrai uma preocupação de harmonização, assim se compreendendo, de igual modo, que o R. não esteja completamente vinculado aos traçados das vias previstos nas plantas do próprio Plano, mas que, ao abrigo da discricionariedade técnica que sempre impera nestas matérias, conceba os ajustes que melhor se adequem à compatibilização dos traçados com o predito desenho urbano.

Dito de outro modo, resulta do regulamento do Plano de Urbanização que a Entidade Demandada podia, efetivamente, proceder aos ajustes do traçado decorrentes da necessidade do desenho urbano, ou seja, da disposição e da funcionalidade da cidade, tendo em atenção a forma e a utilização do espaço público da urbe, atentas as operações urbanísticas a decorrer, sem deixar, todavia, com tal ajustamento de cumprir com as orientações preconizadas no Plano de Urbanização.

(…)

Assim sendo, permitindo o Plano de Urbanização, no seu Regulamento, a possibilidade de pequenos ajustes aos traçados das vias ainda não existentes, mas previstas nas plantas de zonamento, como o traçado do arruamento aqui em causa, não se pode concluir, sem mais, que o traçado da Rua AC aprovado pela Entidade Demandada nos licenciamentos dos loteamentos aqui impugnados, porque distinto do traçado previsto nas plantas do Plano de Urbanização (cf. pontos 35) e 36) do probatório), viola esse mesmo Plano de Urbanização.

Prosseguindo, afere-se do conteúdo dos atos impugnados que apenas referem a sua conformidade com o PDM, mas isso não significa que os mesmos estejam desconformes ao PU aplicável aos loteamentos a licenciar, pois o facto de um ato administrativo invocar um quadro normativo distinto do aplicável não significa, sem mais, que o mesmo enferma de ilegalidade perante as normas que efetivamente devam ser aplicadas.

Como refere o douto acórdão do Colendo STA de 22/01/2009, proferido no processo n.º 0720/08, já aqui citado, “a legalidade dos atos administrativos afere-se pela realidade fáctica e pelo quadro normativo vigentes à data da prolação do ato.”.

Atenta a factualidade tida por assente, decorre que as operações de loteamento, no que respeita ao traçado da Rua AC, se compatibilizaram quanto a esse mesmo traçado, uma vez que, sendo os prédios sujeitos a loteamento contíguo, repartiam em comum a necessidade de passagem do arruamento pelos mesmos e, consequentemente, a necessidade de compatibilização do traçado de acordo com todas as operações urbanísticas limítrofes, a qual resultou por força das diretrizes da Entidade Demandada, face à necessidade da sua representação concreta no terreno, acabando por ficar determinado no loteamento titulado pelo alvará n.º 7/2006, respeitado pelo alvará n.º 7/2008, o traçado conciliado nas duas operações urbanísticas (cf. pontos 7), 31) e 35) do probatório).

Daqui resulta que as operações de loteamento com as suas plantas de síntese e memória descritivas, porque aprovadas pela Câmara Municipal com o traçado do arruamento aí compatibilizado, asseguraram o determinado nos artigos 31.º e 89.º do Regulamento, uma vez que, decorreram das opções de desenho urbano que no entendimento da Câmara Municipal melhor serviam formal e funcionalmente o espaço onde o arruamento se insere, porquanto, e como considerado pelo citado artigo 89.º, as operações de loteamento urbano são considerados como estudos com desenvolvimento suficiente “para assegurar a harmonia, o enquadramento e a complementaridade das diversas iniciativas públicas e privadas” (cfr n.º 2 do artigo 89.º do regulamento do Plano).

Algo diferente é se o ajuste efetuado é pequeno, ou não, como previsto no n.º 2 do artigo 31.º do Regulamento do Plano. Estamos, na verdade, perante uma competência atribuída à administração no que respeita ao preenchimento deste pressuposto, ou seja, na densificação daquele conceito aberto/vago, não cabendo ao Tribunal, nesta parte, imiscuir-se numa área onde predomina a discricionariedade técnica, que envolve uma valoração própria da função administrativa, a menos que ocorra um erro flagrante, ostensivo ou grosseiro na apreciação feita. Ao certo, a norma em causa atribui à administração a faculdade de ser ela própria a preencher aquele conceito genérico e abstrato em cada um dos casos concretos.

Ora, da factualidade provada, decorre apenas que, em resultado do loteamento titulado pelo alvará n.º 7/2006, o traçado ficou implantado no prédio dos AA., na parte que com ele confronta, ocupando, por conseguinte, área desse prédio (cf. pontos 35) e 37) do probatório, em resultado do Acórdão de resposta à matéria de facto), não logrando os Impetrantes provar, todavia, a concreta área de implantação que alegaram (os 1.173m2 inscritos no quesito 3.º da base instrutória e proveniente do artigo 19.º da p.i. relativa à ação n.º 1414/08.3BEPRT - fl. 5 do processo físico).

Por outra via, não ficou cabalmente demonstrada qual a área de implantação caso se seguisse o traçado previsto na planta do Plano de Urbanização, tal como, não foi apurada, com precisão, qual a diferença de implantação entre o traçado previsto no PUPV e o traçado incluso nas operações de loteamento.

A ser assim, entende-se que os AA. não almejaram carrear para o presente pleito matéria de facto que comprovadamente nos mostre à saciedade que o traçado aprovado não se inclui no conceito de pequeno ajuste permitido pelo já citado artigo 31.º, o que nos leva a concluir que o R. não errou no preenchimento dos conceitos e pressupostos exigidos por aquele normativo.

Muito embora não exista qualquer presunção de legalidade dos atos administrativos, uma vez que estamos perante pressupostos integráveis com margem de discricionariedade administrativa no seu preenchimento, não tendo sido feita prova de que no uso de tais poderes a Entidade Demandada atuou contra o quadro normativo aplicável à situação fáctica em causa ou em erro ostensivo ou grosseiro, não podemos concluir que os atos impugnados enfermam de ilegalidade, pelo que, em consequência, improcede o alegado vício de violação do PUPV, por não provado. Atenta a dependência da pretensão condenatória requerida pelos AA. do pedido de declaração de nulidade dos atos impugnados, improcede igualmente o pedido de condenação formulado.”

Não merecendo censura o entendimento expendido a este respeito na decisão recorrida, resulta que do regulamento do controvertido Plano de Urbanização que a Entidade aqui Recorrida podia, efetivamente, proceder aos ajustes do traçado decorrentes da necessidade do desenho urbano, tendo em atenção a forma e a utilização do espaço público disponível, considerando as operações urbanísticas a decorrer, sem que, com tal ajustamento, deixe de ser cumprido o Plano de Urbanização.

Efetivamente, viabilizando o Plano de Urbanização, no seu Regulamento, a possibilidade de pequenos ajustes nos traçados das vias ainda não existentes, mas previstas nas plantas de zonamento, como o traçado do arruamento aqui em discussão, não se pode concluir, sem mais, que o traçado da Rua AC aprovado pela Entidade Recorrida nos licenciamentos dos loteamentos aqui objeto de impugnação, ainda que distinto do traçado previsto nas plantas do Plano de Urbanização (cf. Pontos 35) e 36) do probatório), tenha violado o referido Plano de Urbanização.

Em face do que precede, mostra-se que as operações de loteamento, com o respetivo traçado de arruamento, levadas a cabo pela entidade recorrida, não obstante os ajustes realizados, não deixaram de cumprir o PUPV, por atenta a situação factual existente, melhor se terem adequado ao espaço onde o arruamento se inseria.

Assim, improcede, igualmente, o vicio suscitado e precedentemente analisado.

* * *
Em face de tudo quanto precedentemente ficou expendido, não se vislumbra qualquer dos vícios invocados ou quaisquer outros, suscetíveis de determinar a impugnação do ato objeto de impugnação.
* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, confirmando-se o Acórdão Recorrido.
Custas pelos Recorrentes.

Porto, 21 de Abril de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão