Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01661/22.5BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/10/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:ACÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL;
ARTIGO 103.º-A DO CPTA; EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO;
LEVANTAMENTO DO EFEITO
Sumário:1 - Nos termos do artigo 103.º-A, n.º 4 do CPTA, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, o efeito suspensivo automático deverá ser levantado se o Juiz concluir, através da ponderação dos interesses em presença, que a sua manutenção consubstancia um prejuízo superior, para o interesse público ou para o interesse privado, face aos que podem resultar do seu levantamento.

2 – O efeito suspensivo automático, reveste natureza excepcional, e só perante a verificação de situações anómalas e atípicas, é que o mesmo pode ser alvo de levantamento, sob pena de se desvirtuar o disposto pelo legislador.

3 - Impende sobre a entidade demandada [ou sobre os Contrainteressados, caso parta de si a iniciativa] o ónus de alegar e de provar factos de onde se retire que em face dos interesses públicos e privados em presença, e da ponderação que sobre eles devesse ser feita, que a manutenção do efeito suspensivo automático resulta em maiores prejuízos do que o seu levantamento.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


Município ..., Réu nos autos de processo principal que contra si foram intentados pela sociedade comercial G... [ambos devidamente identificados nos autos], inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal a quo datada de 11 de outubro de 2022 pela qual, a final e em suna, foi indeferido o pedido de levantamento do efeito suspensivo inerente à lide, veio interpor recurso jurisdicional de Apelação.

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
IV. CONCLUSÕES

Face ao exposto, formulam-se as seguintes Conclusões:

I. O presente Recurso vem interposto da douta Sentença, de 11.10.2022, que julgou improcedente o pedido de levantamento de efeito suspensivo automático apresentado pelo R., ora Recorrente, ao abrigo do disposto no art. 103.º-A/2 e 4 do CPTA, por considerar que “inexist(e) prejuízo para o interesse público resultante da manutenção do efeito suspensivo automático decorrente da propositura da presente lide” - cfr. n.º 1 do texto das presentes Alegações;

II. Com o devido respeito - e é verdadeiramente muito -, a douta Sentença recorrida enferma de erros de julgamento - cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das presentes Alegações;

III. Como decorre do R.I., existem dois fundamentos autónomos para o levantamento do efeito suspensivo, a saber:
- o fundamento decorrente de o procedimento sub judice se inserir no Projeto Europeu C-Roads Cooperative Streets com data de termo, em 31.12.2023, o que é incompatível com o prazo normal de duração do processo judicial, se for mantida a suspensão, com a consequente criação de uma situação de facto consumado com o inerente prejuízo para o interesse público (v. arts. 12.º, 13.º e 42.º a 68.º do R.I.) (1.º Fundamento);
e, por outro lado,
- o fundamento (autonomizável do referido no ponto anterior) do grave prejuízo para o interesse público decorrente do atraso na instalação de equipamento de priorização do transporte público em duas das principais vias da cidade do Porto, com inerente impacto ao nível do consumo de combustíveis, bem como ao nível ambiental e de circulação de pessoas e bens (v. arts. 6.º a 11.º e 25.º a 41.º do R.I.) (2.º Fundamento) - cfr. n.ºs 2 e segs. do texto das presentes Alegações;

IV. Relativamente àquele 1.º Fundamento, além do considerado provado na douta Sentença recorrida, deveria ter sido considerado provada a matéria de facto constante dos arts. 21.º a 24.º, 43.º a 46.º, 48.º e 63.º a 65.º do R.I., por ser relevante para a decisão da causa e por se encontrar provada, conforme acima demonstrado, contrariamente ao que parece ter sido o entendimento da douta Sentença recorrida - cfr. n.ºs 6 a 13 do texto das presentes Alegações;

V. O invocado pela própria A. no n.º 44 da sua resposta ao R.I. devia ter sido considerado provado, pois vai ao encontro do alegado no art. 56.º da R.I. e demonstra que é errónea a conclusão da douta Sentença recorrida de que o facto de o Contrato ter um prazo de 3 anos afasta o levantamento da suspensão (conforme acima demonstrado, e resulta da própria al. D) dos factos provados, o Contrato tinha várias fases, algumas das quais tinham que estar concluídas até ao termo do Projeto “Cooperative Streets”) - cfr. n.ºs 7 a 13 do texto das presentes Alegações;

VI. Relativamente àquele 2.º Fundamento, além do considerado provado na douta Sentença recorrida, deveria ter sido considerado provada a matéria de facto constante do art. 25.º (provada pelo CE) e dos arts. 26.º a 36.º do R.I., (factos notórios), por se encontrar provada e por ser relevante para a decisão da causa, conforme acima demonstrado, contrariamente ao que parece ter sido o entendimento da douta Sentença recorrida - cfr. n.ºs 14 a 20 do texto das presentes Alegações;

VII. A circunstância daquele conjunto de factos (arts. 26.º a 36.º do R.I.), constituir facto notório, não os afasta do conjunto de factos provados, antes pelo contrário - cfr. n.ºs 17 a 20 do texto das presentes Alegações;

VIII. Conforme decorre desta matéria de facto que deve ser considerada provada, a douta Sentença recorrida enferma de erros de julgamento ao concluir que “inexist(e) prejuízo para o interesse público resultante da manutenção do efeito suspensivo automático decorrente da propositura da presente lide” - cfr. n.ºs 21 e segs. do texto das presentes Alegações;

IX. Com a alteração do art. 103.º-A/4 do CPTA, pela Lei n.º 30/2021, de 21.05, o legislador alterou os requisitos necessários para o levantamento do efeito suspensivo, apenas exigindo, agora, a ponderação dos interesses em causa - cfr. n.ºs 21 e segs. do texto das presentes Alegações;

X. No que respeita ao 1.º Fundamento acima indicado na Conclusão III), é inquestionável o grave prejuízo para o interesse público, atendendo a que a data de termo do Projeto Europeu C-Roads / Cooperative Streets - 31.12.2023 -, não é compatível com o tempo normal de duração de um processo judicial, mesmo sendo de tramitação urgente - cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;

XI. Contrariamente ao que parece ter sido o entendimento da douta Sentença recorrida, não está em causa no presente processo o período que decorreu de 2019 ao lançamento do procedimento concursal sub judice - nomeadamente, não podia o douto Tribunal concluir (como parece concluir), que nada foi feito nesse período – o Projeto inclui diversas outras vertentes que não estão em causa no presente processo, como resulta, da disparidade entre o valor do procedimento sub judice (269.959,00€ - v. Doc. ... da P.I.), e o valor do orçamento afeto ao R. no Projeto (v. al. B) dos factos provados) - cfr. n.ºs 27 e segs. do texto das presentes Alegações;

XII. Aliás, conforme referido no despacho transcrito na al. A) dos factos provados, o projeto "Cooperative Streets" dá continuidade ao trabalho iniciado no C-ROADS Portugal - cfr. n.ºs 27 e segs. do texto das presentes Alegações;

XIII. No entanto, apesar do valor do procedimento sub judice, o mesmo constitui uma peça fundamental no quadro do Projeto, na vertente do R., conforme resulta acima da matéria de facto a aditar aos factos provados - conforme acima referido, apesar de o procedimento concursal sub judice representar uma pequena parte deste valor, os equipamentos em causa são essenciais para o funcionamento de outros equipamentos e serviços que foram ou serão adquiridos, nomeadamente, a aquisição de uma Plataforma C-ITS, visada pelo presente procedimento, é o motor para o restante projeto, no sentido em que existem outros equipamentos, que vão ser adquiridos ao abrigo de outros contratos, que terão de ser geridos e integrados via esta plataforma; por outro lado, a aquisição da Plataforma C-ITS é, assim, de extrema importância para o projeto, porque para além de estar envolvida uma entidade de Transporte Público (...), que irá usufruir desta infraestrutura, ela é peça integral de outros procedimentos/contratos que já foram e vão ser celebrados - cfr. n.ºs 27 e segs. do texto das presentes Alegações;

XIV. Por outro lado, a douta Sentença enferma de erros de julgamento ao concluir de o prazo do Contrato é de 3 anos, pelo que, de qualquer forma, ultrapassaria aquela data-limite de 31.12.2023, pois, como referido no art. 56.º do R.I., a execução do Contrato sub judice, apresenta diversas fases, não tendo que estar todas concluídas naquela data-limite do Projeto, para se preencherem os objetivos do Projeto C-Roads / Cooperative Streets - cfr. n.ºs 28 e segs. do texto das presentes Alegações;

XV. A existência dessas várias fases também decorre do cronograma constante da alínea D) dos factos provados, sendo o prazo de fornecimento dos equipamentos RSU é de 90 dias e o prazo de implementação dos projetos piloto, previstos no Projeto C-Roads / Cooperative Streets, é de 365 dias (v., quanto a este ponto, linhas MS6 e MS7 do cronograma da alínea D. dos factos provados), bem como do alegado pela própria A. no n.º 44 da sua resposta ao R.I. - cfr. n.ºs 28 e segs. do texto das presentes Alegações;

XVI. Por outro lado, ainda, são manifestos os prejuízos para o interesse público no caso da manutenção da suspensão (atendendo àquela data-limite de 31.12.2023 e ao prazo de duração de um processo judicial), pois trata-se de um projeto de âmbito nacional em que o R. participa conjuntamente com diversas outras entidades (v. arts. 43.º a 46.º do R.I., a aditar aos factos provados), sendo que, além da perda de financiamento europeu que a própria A. reconhece (v. n.º 38 da resposta ao R.I.), existirá o impacto da inexecução do piloto (necessário para outros subsequentes projetos), e impacto na relação entre o R. e os parceiros do Projeto, tudo conforme alegado nos arts. 26.º a 36.º do R.I., que, conforme acima referido, deve integrar os factos provados - cfr. n.ºs 29 e segs. do texto das presentes Alegações;

XVII. Isto para além do facto de, conforme acima demonstrado, no que respeita ao procedimento concursal sub judice, está em causa equipamento necessário para o funcionamento de outras vertentes do Projeto, conforme decorre dos factos a aditar aos factos provados, em conformidade do acima exposto - cfr. n.ºs 29 e segs. do texto das presentes Alegações;

XVIII. Finalmente, ainda relativamente ao 1.º Fundamento indicado na Conclusão III), no que respeita aos alegados interesses da A., o facto de o Projeto ter o prazo limite de 31.12.2023 também demonstra que o prazo normal de duração da presente ação também inviabiliza qualquer pretensão da A. em participar no Projeto, o que demonstra que o alegado pela mesma nesta sede e é transcrito no final da douta Sentença recorrida, improcede - cfr. n.ºs 30 e segs. do texto das presentes Alegações;

XIX. Sendo inquestionável a preponderância do acima exposto relativamente ao interesse económico da A. de lhe ser adjudicada a sua Proposta no valor de 159.417,13€ (v. n.º 37 da Resposta da R.I.), em que, naturalmente, apenas uma parte corresponde a lucros da A. (a A. terá que suportar todos os custos de aquisição de equipamentos, pagamento a funcionários, etc.), isto para além da disparidade entre aquele valor e o valor de mais de 2,5milhões de euros, cujo financiamento europeu, a própria A. reconhece que se perderiam, face ao que alega no n.º 38 da Resposta ao R.I. - cfr. n.ºs 30 e segs. do texto das presentes Alegações;

XX. Face ao exposto, a douta Sentença recorrida enferma de erros de julgamento ao indeferir o levantamento do efeito suspensivo por considerar inexistir prejuízo para o interesse público na manutenção do efeito suspensivo - cfr. n.ºs 21 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXI. Além disso, o 2.º Fundamento acima referido na Conclusão III), também determina o necessário levantamento da suspensão - cfr. n.ºs 32 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXII. Contrariamente ao que parece ter sido o entendimento da douta Sentença recorrida, o R., ora Recorrente, alegou e provou – conforme acima já se demonstrou – uma série de consequências que a não execução do contrato acarretará para o interesse público, como sejam, a melhoria do tráfego em arruamentos relevantes cidade do Porto, redução do consumo de combustíveis em virtude da priorização do transporte público (nomeadamente o consumo desses veículos), a descarbonização / a redução da poluição - cfr. n.ºs 32 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXIII. O douto Tribunal a quo parece assentar o seu raciocínio numa premissa de que a não obtenção de um benefício para o interesse público não constitui um prejuízo, quando, com o devido respeito, o prejuízo necessário para o levantamento da suspensão não pode somente visto dessa perspetiva - cfr. n.ºs 32 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXIV. Os benefícios para o interesse público que são passíveis de não ser alcançados pela não execução do contrato têm de ser vistos como prejuízos para o interesse público, pois, se não fornecidos os bens e prestados, os serviços objeto do contrato de fornecimento e instalação dos equipamentos, software e integração dos mesmos a tempo de ser desenvolvido o projeto, não serão alcançados aqueles pretendidos benefícios - cfr. n.ºs 32 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXV. Mesmo que apenas estivesse em causa um atraso de 2 ou 3 anos, face à duração da ação, e não também a inexequibilidade do Projeto face ao prazo limite do Projeto C-Roads / Cooperative Streets, não deixariam de existir aqueles prejuízos, especialmente face à urgência que se verifica, perante uma crise energética sem precedentes, quando os cidadãos nacionais e as empresas se encontram perante aumento brutal dos preços combustíveis, importando promover e garantir a prestação do serviço de transportes públicos eficaz que, não só constitua uma alternativa viável à utilização de viatura própria, mas também que determine que seja privilegiada a utilização daqueles transportes - cfr. n.ºs 32 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXVI. Face ao exposto, deve considerar encontrar-se demonstrado o prejuízo para o interesse público que advém da manutenção do efeito suspensivo, sendo manifestamente superior aos eventuais prejuízos que a A. possa sofrer, o que, nos termos do art. 103.º-A/4 do CPTA, determinaria o levantamento de tal efeito, devendo ser revogada a douta Sentença recorrida por padecer de erro de julgamento.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta Sentença recorrida, por se considerarem verificados os requisitos para o levantamento do efeito suspensivo, nos termos do artigo 103.º-A/4 do CPTA, substituindo-se a decisão por outra que determine o levantamento do efeito suspensivo automático no âmbito dos presentes autos.“

**

A Autora, ora Recorrida G..., S.A. veio apresentar Contra alegações, onde a final elencou as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES

1. O presente recurso parte de um pressuposto indemonstrável, absolutamente hipotético e incerto e, até, incorrecto, sendo esse também o fundamento principal para o pedido formulado para que seja levantado o efeito suspensivo do acto de adjudicação impugnado: o de que a decisão a tomar nesta acção só transitará em julgado dentro de 2 ou 3 anos.

2. Ora, olhando aos articulados e ao processo instrutor, não se vê sequer necessário que se abra audiência de julgamento, nem mesmo haverá lugar a alegações finais, podendo a causa ser decidida numa tarde, a qualquer momento, hoje mesmo.

3. Mesmo que possa ser apresentado recurso da decisão final – sendo que o Município ... pode não o fazer, acatando a decisão do Tribunal -, não se concebe que a questão possa demorar mais do que uns dois ou três meses a ficar decidida, como é timbre do Tribunal Central Administrativo Norte, e não parece que se levantem questões que possam ser motivo de recurso de revista neste caso.

4. A questão levada a juízo é simples: saber se a proposta da contra-interessada foi ou não apresentada de acordo com o exigido nas peças do Concurso e se o suprimento das omissões que nela o próprio Júri encontrou podia ou não ser feito através de uma resposta a um pedido de esclarecimentos formulado pelo Júri.

5. Não se pondo em causa que o contrato ilegalmente adjudicado à Contra-interessada AA seja parte do Projecto global “C-Streets”, de que aliás a G... é participante, já não é verdade que a suspensão do acto de adjudicação impugnado nestes autos possa pôr em risco, desde logo, a implementação de tal projecto, muito menos que possa pôr em causa o Projecto nacional em curso, como ficou bem claro da decisão recorrida.

6. Por outro lado, este Projecto ainda está em fase piloto, pelo que os efeitos que com o mesmo se pretendem atingir não serão imediatos, bastando olhar para o calendário de implementação do mesmo para que se conclua que só depois de implementado, calibrado e várias vezes testado, será possível chegar a alguma conclusão.

7. E embora se pretenda que se chegue a uma solução que possa vir a facilitar o trânsito dos transportes públicos em determinadas vias, é tudo menos certo – e ainda menos imediato – que tal leve a população em geral a optar por tais transportes, resolvendo assim o engarrafamento crónico de certas vias, e com isso se obtendo poupanças de energia com menor consumo de combustível, e consequentemente se consigam benefícios ambientais.

8. Seja como for, a verdade é que tais problemas carecem de uma política muitíssimo mais abrangente para que os congestionamentos possam ser reduzidos, do que a mera implementação de um Projecto Piloto.

9. Acresce que não se apresentam quaisquer dados que demonstrem que se verificaria directa e imediatamente uma poupança energética e uma redução do impacto ambiental significativas com a execução do Contrato por parte da AA, não fora a suspensão do acto de adjudicação.


10. Ora, a verdade é que o pedido está alicerçado sempre num hipotético atraso de 2 a 3 anos na implementação do projecto, por demora do Ilustre Tribunal, que certamente não se verificará, nem podendo servir de argumento para que o pedido do efeito suspensivo seja julgado procedente, pois este argumento nunca poderia ser usado pelo Tribunal para fundamentar a sua decisão.

11. Acresce que a suspensão, mesmo que por alguns meses, não porá em causa a implementação do projecto no Município ..., havendo tempo mais do que suficiente para que as fases de implementação iniciais se possam executar, bem em tempo de se poder obter o cofinanciamento comunitário esperado, o qual sempre seria igual ou mesmo inferior à diferença que se verifica entre a proposta da ora Recorrida e o da Contra-interessada que recebeu ilegalmente a adjudicação.~

12. Não se criará, por isso, qualquer situação de facto consumado em prejuízo do Município ... ou do interesse público que aquele representa.

13. Já quanto à G..., se o Contrato puder avançar com a AA, se criará uma situação dificilmente reversível, pois que com o avanço do Contrato, certamente que o Município ... lançará mão do instituto da inexecução lícita da sentença, impedindo que a G... execute o Contrato, mesmo que este lhe devesse ter sido adjudicado, como certamente resultará desta acção.

14. E tal redundará mesmo em prejuízo do próprio Município, pois se verá condenado a indemnizar a G... do enorme prejuízo que essa situação lhe causará.

15. Na verdade, sendo a área dos sistemas cooperativos de transportes inteligentes de elevada relevância a nível internacional actualmente, a possibilidade de se poder executar este Contrato, numa cidade de relevo como o é a cidade do Porto, é considerado um activo estratégico cujo valor não pode ser quantificável em dinheiro.

16. Este tipo de projecto gera conhecimento e experiência muito relevante para as equipas envolvidas, que pode ser aproveitado em futuras oportunidades, onde em muitos casos se exige experiência prévia, contribuindo assim para avaliar a nossa proposta operacional e consolidar o desenvolvimento de novas alternativas e melhores soluções.

17. Tratando-se de uma área em clara expansão mundial, tendo em conta a presença da G... no mercado a nível global, o impacto é dificilmente quantificável, mas o custo de oportunidade poderá ser de vários milhões de euros, relacionados com a consolidação das tecnologias e o "time-to-market".

18. Acresce que conceder injustamente este Contrato a um potencial concorrente – que não o é actualmente – gera manifestos prejuízos.

19. Urge também desmistificar o seguinte: o Recorrente parece argumentar que pode estar em causa o cofinanciamento global a conceder através do projeto C-STREETS ao Município ..., que é de 2.5 Milhões de Euros.

20. Mas a verdade é que neste caso se está a apenas a tratar de um Contrato cujo valor, se se optar pela proposta da G..., é de apenas 159.417,13 €, correspondente a cerca de 6% do valor total desse financiamento, e a cerca de 0,5% do financiamento global do projeto nacional, em que as despesas a cofinanciar, quanto muito, ascenderão a 50% daquele valor, ou seja, nem a €80.000,00.

21. Por outro lado, no caso limite que se não equaciona sequer, o Recorrente não conseguisse executar qualquer parte que lhe pudesse fazer obter o financiamento comunitário, tal corresponderia a um impacto de menos de 8% de sub

22. Face ao exposto, podemos concluir que o pedido para o levantamento do efeito suspensivo formulado e apresentado pelo Município ..., tem por base determinados pressupostos e circunstâncias que não se verificam actualmente, e que são receios meramente hipotéticos e infundados, os quais nem sequer são devidamente concretizados nem demonstrados, o que impede o levantamento do efeito suspensivo.


23. Não se podendo dar como comprovados os prejuízos incalculáveis que o Município ... alega para dar cor ao seu pedido, pois que estes não só não são actuais, não se verificam nem certamente se verificarão, esteve bem o Tribunal a quo quando manteve o efeito suspensivo, o qual só em situações excepcionais e qualificadas pode ser levantado.

24. Neste sentido, não se encontrando qualquer razão que possa originar uma grave lesão (ou mesmo qualquer lesão) do interesse público que justifique o levantamento do efeito suspensivo, o qual é o efeito regra estabelecido pelo legislador para estes casos, não existe qualquer base para uma ponderação e confrontação dos interesses em presença.

25. Esta tem sido jurisprudência constante e consolidada na Jurisprudência nacional, em particular do Tribunal Central Administrativo Norte, como na própria decisão recorrida se faz menção me nestas contra-alegações se teve ocasião de apontar.

26. Ficando antes demonstrado que não há qualquer risco para o financiamento do Projecto e que não foi demonstrado em concreto qualquer prejuízo directo e imediato com a suspensão da adjudicação impugnada, nem que haja qualquer outro interesse que, devidamente ponderado, deva levar a que seja ultrapassada a regra do efeito suspensivo, não podia proceder o pedido formulado, como não procedeu, requerendo-se respeitosamente que seja mantida esta decisão.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Excelências doutamente suprirão, deve improceder o presente recurso, mantendo-se o efeito suspensivo automático do acto de adjudicação impugnado, nos termos do art.º 103.º-A, do CPTA.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.

**

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.


***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], e que se reconduzem, a final, em saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento decorrente da não consideração de factualidade por si alegada no Requerimento inicial, que no seu entender [do Recorrente] derivou a final em errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 130.º-A do CPTA, por não ter sido decretado o levantamento do efeito suspensivo automático.

**
III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:


“[…]
Com relevo para a decisão a proferir, importa considerar provada a seguinte factualidade:

A). Com data de 27.04.2022, foi proferido despacho de aprovação de abertura de procedimento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
Esta abertura de procedimento enquadra-se no âmbito do projeto europeu Cooperative Streets, cofinanciado por fundos europeus do Mecanismo Interligar a Europa, que tem como objetivo implementar pilotos no âmbito dos serviços cooperativos de sistemas de transporte inteligentes (C-ITS). Este projeto está ao abrigo da Divisão Municipal de Gestão de Mobilidade e Tráfego que, desta forma, visa a aquisição de uma plataforma C-ITS e de 10 Road-Side Units (RSU), de modo a dotar a infraestrutura viária de tecnologia para a comunicação infraestrutura-veículo. A plataforma C-ITS é um sistema centralizado com o objetivo de aprovisionar, configurar e monitorizar a interação entre os vários subsistemas envolvidos na disponibilização de serviços C-ITS e gerir o estado destes.
Necessidade de substituir ou reforçar recursos existentes ou atender a nova exigência
Esta aquisição visa atender a uma nova exigência da DMGMT, no âmbito da sua participação no projeto "Cooperative Streets", cofinanciado por fundos europeus onde se pretende implementar um piloto de comunicação infraestrutura-veículo.
Não existência de recursos próprios disponíveis ou a possibilidade de reforço das capacidades existentes
O projeto "Cooperative Streets" dá continuidade ao trabalho iniciado no C-ROADS Portugal através da realização de novos pilotos a implementar na cidade do Porto, com o objetivo de executar serviços cooperativos de sistemas de transporte inteligentes (C-ITS). Uma das ambições é a priorização aos transportes públicos, para tal é necessário adquirir a plataforma C-ITS e RSUs que irão comunicar com o equipamento embarcado nos veículos (OBU). (…)” – cfr. documento n...., constante de fls. 1092 dos autos «SITAF»;

B). O projecto em causa, denominado «C- Roads | Cooperative Streets», encontra-se cofinanciado, em 50%, pelo Mecanismo Interligar a Europa – União Europeia, tem, além do mais, as seguintes condições: “(…)
Grant Agreement number: INEA/CEF/TRAN/M 2018/1796634
Action: Cooperative Streets (C-Streets)
Action number: 2018-...
Parceiro Líder: IMT – Instituto de Mobilidade e dos Transportes, I.P.
Data de início: 01/01/2019
Data de fim: 31/12/2023
Custo total aprovado: 31.410.086,00 €
Município ...: 2.645.300,00€
Financiamento máximo aprovado: 15.705.043,00 €
Município ...:1.322.650,00€
(…)
O Município ... participa em dois macro pilotos, nomeadamente, o "Ponto de acesso nacional multimodal (NAP multimodal)" e o "Cooperative Streets", num total de quatro medidas que visam a melhoria das políticas de Mobilidade e Transportes. Destaca-se que o desenvolvimento deixará de ser exclusivo à infraestrutura física (estrada e sinalização), mas orientada à infraestrutura digital (mapas digitais) e dados dinâmicos (informações de tráfego em tempo real) e a implementação de um sistema de comunicação entre veículo de TP e infraestruturas num dos principais arruamento do Município o que permitirá a introdução de um sistema prioritário de sinalização luminosa em todas as interseção ao TP em detrimento do restante transporte, dando assim continuidade ao projeto iniciado em 2017, C-Roads, e que conta também com a participação do Município .... (…)” - cfr. documentos n.s ... e ..., constante de fls. 1098 e 1104 dos autos «SITAF»;

C). Em 06.06.2019, foi celebrado um “acordo de parceiros”, entre os parceiros nacionais do Projeto “Cooperative Streets”, no âmbito do “Grant Agreement INEA/ CEF/ TRAN/ M2018/ ...18- ..., Action n. 2018-...”. - cfr. documentos n...., constante de fls. 1107 dos autos «SITAF»;

D). O teor do caderno de encargos do procedimento concursal em apreço que aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
1ª. Objeto
O presente caderno de encargos compreende as cláusulas a incluir no contrato a celebrar na sequência do procedimento pré-contratual que tem por objeto principal a aquisição de equipamentos Road-Side Units (RSU) e o desenvolvimento de uma plataforma C-ITS, no âmbito do projeto europeu cofinanciado Cooperative Streets (C-Streets).
2ª. Prazo do contrato
1. O contrato mantém-se em vigor pelo prazo máximo de 3 (três) anos ou até ser atingido, durante esse prazo, o preço contratual, sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do contrato.
2. O contrato entra em vigor no dia seguinte ao da data da sua assinatura.
3. O prazo que termine em sábado, domingo, feriado ou em dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o ato que não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o 1.º dia útil seguinte.
4. A execução das prestações que constituem o objeto do contrato pode ser, total ou parcialmente, suspensa sempre que se verifique a impossibilidade temporária de cumprimento do contrato, designadamente em virtude de mora da entidade adjudicante na entrega ou na disponibilização de meios ou bens necessários à respetiva execução, ou exceção de não cumprimento, nos termos do disposto nos artigos 297.º e 298.º do CCP.
5. Sem prejuízo das normas legais imperativas, relativas ao reequilíbrio financeiro, findo o prazo referido no número 1 e caso não tenha sido atingido o preço contratual, o contrato extingue-se sem que assista ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização pelo valor das prestações não executadas.
6. O contrato não poderá ser outorgado sem que sejam decorridos 10 dias contados da data da notificação da decisão de adjudicação a todos os concorrentes, nos termos do disposto no art.º 104.º n.º 1 alínea a) e sem prejuízo, quando aplicável, do disposto na alínea d) do n.º 2 do mesmo artigo, ambos do Código dos Contratos Públicos (CCP).
(…)
ANEXO F – FASES DE EXECUÇÃO DO CONTRATO
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

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[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)”– cfr. documento n.º ... do processo administrativo;

E). Em 04.05.2022, foi publicado no Diário da República n.º 86, II série – Parte L, o “Anúncio de procedimento n.º ...22”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. documento n.º ... do processo administrativo;
*
A matéria coligida como provada dimana da prova documental junta aos autos.
[…]”

**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 11 de outubro de 2022, que com referência ao pedido de levantamento do efeito suspensivo requerido no processo de contencioso pré-contratual formulado pelo Réu Município ..., julgou pelo seu indeferimento.

Cotejado o teor do Requerimento inicial apresentado pelo Réu para efeitos do pedido de levantamento do efeito suspensivo, dele extraímos em suma, o que segue:

- que o projecto a que se reporta o procedimento concursal é importante do ponto de vista da poupança energética e da redução do impacto ambiental por via da priorização do uso do transporte público, em duas das principais vias da cidade do Porto [Cfr. pontos 6.º a 10.º do Requerimento inicial].

- que sendo os autos atinentes a um projecto urgente, que com os recursos jurisdicionais facilmente demorará dois anos a decidir, sendo que o termo do projecto, em que intervêm mais entidades públicas, ocorre em 31 de dezembro de 2023, e que a manutenção do efeito suspensivo pode criar uma situação de facto consumado [Cfr. pontos 11.º a 14.º do Requerimento inicial.

- que os interesses económicos da Autora são quantificáveis em dinheiro, e que para a Autora é indiferente a manutenção ou levantamento do efeito suspensivo [Cfr. ponto 15.º do Requerimento inicial].

- que para efeitos do projecto europeu em causa [C-Streets], em que o Requerente é co-participante, identifica o que é visado com o objecto do procedimento concursal, que é a aquisição de uma plataforma C-ITS e de 10 RSU, que têm na sua base a execução de serviços cooperativos de sistemas de transporte inteligente, dando priorização ao transporte público, em particular nas duas identificadas vias rodoviárias que considera serem essenciais para a entrada/saída e circulação na cidade do Porto [Cfr. pontos 17.º a 34.º do Requerimento inicial].

- que o projecto europeu em que participa visa melhorar o tráfego e incentivar a utilização dos transportes públicos, contribuindo para a redução do consumo energético por veículos automóveis, com impacto nos habitantes do Município e nas pessoas que aí trabalham ou visitam, os quais saem prejudicados por um atraso na implementação do projecto [Cfr. pontos 35.º a 40.º do Requerimento inicial].

- que o alegado sob os pontos 6.º a 40.º do Requerimento inicial determina por si só, no seu entender, o levantamento do efeito suspensivo, considerando estarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 103.º-A, n.º 4 do CPTA.

- que em sede do projecto C-Streets, refere que o mesmo tem de estar concluído até 31 de dezembro de 2023, e conclui que a não execução da componente de que está responsável terá impacto na sua organização mas também no âmbito nacional e na relação com os demais parceiros [Cfr. pontos 42.º a 50.º do Requerimento inicial].

- que o procedimento concursal em causa representa uma pequena parte do valor de cerca de 2,5 milhões de euros que lhe estão afectos, e que a aquisição da plataforma C-ITS é o motor para o restante projecto [Cfr. pontos 51.º a 56.º do Requerimento inicial].

- que o atraso na execução do procedimento pré-contratual decorrente da tramitação dos autos levará ao incumprimento pela sua parte dos objectivos definidos no âmbito do projecto, cujo termo é em 31 de dezembro de 2023, levando à inexistência tecnológica e ao impedimento da disponibilização de serviços e de tecnologias de priorização via C-ITS, e que os incumprimentos, que se mantêm se for mantida a suspensão, não causarão apenas problemas a si, mas também terão reflexo na execução do projecto a nível nacional, e nos demais parceiros [Cfr. pontos 57.º a 65.º do Requerimento inicial].

- que é do interesse público a urgente priorização do transporte público nas duas vias rodoviárias abrangidas pelo projecto, o que só por si é fundamento para o levantamento da suspensão, referindo ainda que também o levantamento do efeito suspensivo é necessário para garantir o financiamento [Cfr. pontos 66.º e 67.º do Requerimento inicial].

- que o diferimento da execução do acto impugnado será causador de danos muitíssimo graves para o interesse público [o prosseguido pelo Réu, e também a nível nacional], gerando consequências desproporcionadas face aos interesses da Autora, concluindo existir um desequilíbrio entre os seus interesses [do Réu] e aqueles por que propugna a Autora, e que estes devem ceder [Cfr. pontos 69.º a 71.º do Requerimento inicial].

- que a salvaguarda dos interesses da Autora radica num interesse puramente económico, sendo um eventual dano, quantificável em dinheiro, caso a acção seja julgada procedente [Cfr. pontos 74.º a 78.º do Requerimento inicial].

- A final, sob os pontos 83.º e 84.º do Requerimento nacional, refere não ficarem dúvidas de que sempre se impõe o levantamento do efeito suspensivo, por ter considerado que ficou amplamente comprovado que a manutenção do efeito suspensivo da decisão de adjudicação seria gravemente lesiva para o interesse público e totalmente desproporcionada quando comparada com o suposto interesse da Autora.

Neste patamar.

O pedido formulado pelo Município ... ora Recorrente, de levantamento do efeito suspensivo, foi apreciado pelo Tribunal a quo, que julgou pelo seu indeferimento, com o que não concorda o Recorrente, apresentando assim o presente recurso jurisdicional de Apelação, onde a final formulou as respectivas conclusões.

Os recursos jurisdicionais constituem os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, razão pela qual é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso, os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Cumpre apreciar e decidir.

No âmbito das conclusões das suas Alegações, referiu o Recorrente que existem dois fundamentos autónomos para o levantamento do efeito suspensivo, que assentam, por um lado [Cfr. conclusão III], na consideração do termo do Projecto Europeu em 31 de dezembro de 2023, que considera ser incompatível com o prazo normal de duração do processo judicial, se for mantida a suspensão, com a consequente criação de uma situação de facto consumado face ao inerente prejuízo para o interesse público [Cfr. pontos 12.º, 13.º e 42.º a 68.º do Requerimento inicial], e por outro lado, o atraso na instalação de equipamento de priorização do transporte público em duas das principais vias da cidade do Porto, com inerente impacto ao nível do consumo de combustíveis, bem como ao nível ambiental e de circulação de pessoas e bens [Cfr. pontos 6.º a 11.º e 25.º a 41.º do Requerimento inicial], o que em seu entender também comporta grave prejuízo para o interesse público.

Pese embora tenha o Recorrente alegado sob os pontos 6 e 7 do corpo das Alegações, que o vertido sob as alíneas A), B) e D) do probatório fixado na Sentença recorrida, constitui só por si factualidade suficiente para fundamentar a decisão de levantamento do efeito suspensivo, como havia por si sido requerido, veio depois a sustentar, todavia [Cfr. conclusões IV a VII], que o Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto, por não ter considerado outra factualidade que verteu sob os pontos 21.º a 24.º, 25.º, 26.º a 36.º, 43.º a 46.º, 48.º, e 63.º a 65.º do Requerimento inicial, sendo que, em particular quanto ao vertido sob os pontos 26.º a 36.º, referiu que se tratam de factos notórios, e que em face da factualidade a que se reportam estes pontos do Requerimento inicial, que vem assim a errar o Tribunal a quo no julgamento que veio a prosseguir em torno da inexistência de prejuízo para o interesse público decorrente da manutenção do efeito suspensivo automático.

Mas não imputa o Recorrente à matéria de facto constante do probatório sob as alíneas A) a E), sobre a qual o Tribunal a quo veio a encerrar a apreciação do mérito do pedido formulado pelo Réu, qualquer erro de julgamento. O que sustenta o Recorrente é que a factualidade por si alegada e enunciada naqueles identificados pontos, são por si [também], determinantes do levantamento do efeito suspensivo.

Vejamos então.

Para efeitos de apreciar e decidir do bem fundado dessa sustentação prosseguida pelo Recorrente, e por facilidade, para aqui extraímos os identificados pontos do Requerimento inicial, como segue:


“21º
Como também referido no CE, aquelas RSUs são “equipamento(s) de “estrada” que ir(ão) ser instalado(s) na infraestrutura viária, com o objetivo de comunicar com equipamentos On-Board Unit (OBU) que estarão instalados em veículos. (…) Com a instalação de equipamentos RSU consegue-se criar uma rede de telecomunicações avançada, sem fios. Este deve ser um equipamento compacto e robusto, dado que vai ser instalado no exterior, na via pública.” (cfr. Anexo A a pags. 27 CE, junto como Doc. ... da P.I. e constante do PA).
22º
Por seu turno, a “Plataforma C-ITS tem como objetivo ser um sistema distribuído de software para disponibilização de serviços C-ITS, mediação da interação entre os vários subsistemas envolvidos nestes serviços, assim como gestão destes. Entre estes subsistemas realçam-se as On-Board Units (OBU) e as Road-Side Units (RSU), existentes em veículos e na via pública, respetivamente, as plataformas centrais de gestão de tráfego, os controladores de tráfego dos sinais luminosos (por via dos seus softwares de gestão) e várias plataformas de disponibilização de dados viários” (idem - sombreado nosso).
23º
Conforme também referido no CE, “este projeto vai contar com a colaboração de várias entidades, nomeadamente o operador de transportes de passageiros, em cujas viaturas serão instaladas os equipamentos OBU. Estes equipamentos OBU serão objeto de procedimento contratual separado” (idem – sombreado nosso).


24º
Sendo que, a “prioridade ao transporte público é acionada quando um veículo autorizado se aproxima da uma determinada instalação luminosa. A OBU do veículo transmite a localização do veículo e o pedido de prioridade aos equipamentos RSU presentes no local, que por sua vez estas comunicam com o SGT para avaliação do pedido de prioridade, e eventual autorização ou rejeição deste” (idem – sombreado nosso).
25º
Como também referido no CE (pág. 27), “este projeto será realizado em dois locais: 1. Avenida..., no Município ..., onde existe uma faixa exclusiva à circulação de autocarros, pertencente ao corredor avançado de alta qualidade, denominado por Corredor de Autocarros de Alta Qualidade (CAAQ). 2. Marginal do Douro, no Município ..., onde se pretende dar prioridade ao elétrico. Para o sucesso deste projeto, é necessário interligar os equipamentos RSU com os equipamentos OBU dos veículos e o Sistema de Gestão de Tráfego (SGT), que controla os equipamentos semafóricos instalados nas interseções” (sombreado nosso).
26º
Aquelas duas vias são estruturantes na cidade, têm muitas interseções, apresentam elevado volume de tráfego e frequentes congestionamentos.
27º
Nomeadamente, a Avenida ... é uma das vias de entrada e saída da cidade e liga o ... a ..., ... e ....
28º
Como decorre dos excertos acima do CE, o Projeto onde se insere a contratação sub judice incide, em particular, sobre o transporte público e, nomeadamente, os semáforos instalados nas interseções daquelas vias.
29º
Como é sabido, é urgente priorizar a utilização do transporte público, em particular numa cidade como o ..., caracterizada por elevados volumes de tráfego e congestionamento na circulação rodoviária,
30º
Nomeadamente, naquelas duas vias, essenciais para a entrada / saída e circulação na cidade do Porto.

31º
Tal priorização é muito relevante não só para a deslocação de pessoas na cidade do Porto, mas também por questões ambientais e energéticas.
32º
Com efeito, sendo o tráfego rodoviário um problema reconhecido na cidade do Porto, em particular naquelas duas vias, que afeta tanto munícipes, como visitantes,
33º
Sendo que, a instalação dos equipamentos em causa visa, nomeadamente, conferir prioridade semafórica ao transporte público nas interseções.
34º
Além disso, os equipamentos em causa visam fornecer informações necessárias ao desenvolvimento de soluções adequadas, no sentido de promover a melhoria dos transportes públicos ao dispor e a redução da utilização dos veículos particulares em detrimento daqueles.
35º
A melhoria do tráfego e o incentivo à utilização dos transportes públicos, nomeadamente naquelas duas vias, tem impactos muito positivos óbvios e reconhecidos tanto a nível económico, na circulação de pessoas e bens, como ambiental ao nível da poluição atmosférica e acústica, de relevantíssima importância para a melhoria da qualidade de vida dos munícipes,
36º
Além de contribuir de modo eficaz para a redução do consumo energético por veículos automóveis, o que configura atualmente uma prioridade, considerando a crise energética que ameaça a Europa cuja resolução não se prevê curto/médio prazo.
[...]
43º
O Projeto Europeu cofinanciado acima referido designado “Cooperative Streets”, visa, nomeadamente a instalação de pilotos e a pré-implantação serviços de C-ITS em várias áreas urbanas, abordando também a sua viabilidade a longo prazo (incluindo a análise custo benefício, modelos de governança, casos de negócios e impactos e benefícios gerais), com vista à posterior implantação em larga escala na maioria das áreas urbanas, municípios e cidades em geral (v. Docs. ... e ... adiante junto, também disponíveis em .... pt/files/uploads/cms/cmp/134/files/3790/fichaweb-cstreets-valid.pdf;
https://www.imt-ip.pt/sites/IMTT/Portugues/Noticias/Paginas/portugal-assinaacordosubvencao-06062019.aspx).
44º
Com tal Projeto, visa-se, nomeadamente, “reduzir acidentes e incidentes; envolver na discussão várias áreas urbanas ao longo da rede principal; promover a descarbonização; promover o uso de transporte público; desenvolver soluções de mobilidade como serviço. Adicionalmente, o projeto pretende implementar a estrutura digital de dados de transporte em Portugal, baseando-se nos princípios multimodalidade, interoperabilidade, partilha e reutilização de dados (recorrendo dados estáticos como linha de base e progredindo em direção a dados dinâmicos), digitalização da rede de transporte (camada física e digital) e preparação de vias para os serviços C-ITS de dia 2(v. Doc. ... adiante junto – sombreado nosso).
45º
O aqui R., Município ..., não participa sozinho no projeto, mas sim em parceria com diversas outras entidades, nomeadamente:
– Área Metropolitana do Porto;
– Associação ...;
– A...;
– A... – Sistemas de informação, ...;
– B...
– B..., SA (BCR);
– Câmara Municipal ...;
– Câmara Municipal ...;
– Câmara Municipal ...;
– Câmara Municipal ...;
– Câmara Municipal ...;
– Câmara Municipal ...;
– Câmara Municipal ...;
– Câmara Municipal ...;
– Câmara Municipal ...;
– C...
– C..., E.M., S.A.;
– E..., E.E.M.;
G..., S.A.; [o sublinhado é da autoria deste TCA Norte]
– IN..., I.P.;
– IM..., I.P. (IMT, I.P.);
– IS...;
– L..., E.M.;
– Ministério das Infraestruturas e Habitação;
– Município ...;
– Município ...;
– QA...
U...;
– S..., Unipessoal Lda;
– T... S.A.;
– Via ... (...).
46º
Sendo o Instituto de Mobilidade e Transportes, I.P., que, em representação do Ministério das Infraestruturas e Habitação, a entidade que interage com a Innovation and Networks Executive Agency (INEA) em representação do consórcio português constituído por aquelas entidades (v. Doc. ... adiante junto, o qual tem alguns excertos ocultos apenas porque respeita a um acordo com várias entidades, que tem uma cláusula de confidencialidade).
[…]
48º
A não execução de uma componente do projeto terá impacto não só no R., Município ..., mas também no âmbito nacional, e na relação do R. com os demais parceiros (v. Docs. ... a ... adiante junto).
[…]
63º
Porquanto existem fases de teste e validação entre parceiros, nacionais e internacionais, às quais o R. se encontra vinculado a participar, cuja ausência determinaria uma falha significativa na avaliação do desempenho do projeto, do ponto de vista não só nacional, mas também da supervisão do mecanismo europeu de financiamento (CEF) (v. Doc. ... adiante junto).

64º
Além disso, não é possível individualizar a participação do R. no âmbito do projeto aquando da avaliação do órgão europeu responsável pelo financiamento, dado que a participação do país é avaliada no seu todo, sem responsabilização ou separação individual de cada entidade participante em Portugal (v. Doc. ... adiante junto).
65º
Sendo que, uma execução financeira inferior ao planeado, como se verificará se não for levantada a suspensão, poderá levar a reduções no reembolso, ou penalizações na avaliação financeira, da participação do país no projeto (v. Doc. ... adiante junto).
[…]”

Vejamos então.

O enunciado sob os pontos 26.º a 36.º do Requerimento inicial não se tratam de factos notórios, antes porém de alegações em torno de opções estratégicas em torno de políticas públicas por quem tem de prosseguir na gestão do tráfego viário dentro de uma parte do território, seja ele de cariz municipal ou nacional.

Para efeitos da doutrina que dimana da consideração dos factos notórios que decorre do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea c) e 412.º, ambos do CPC, sendo do conhecimento deste Tribunal a importância que reveste na malha rodoviária da cidade do Porto, quer a Avenida ..., quer a Marginal do Douro, e bem assim, que a gestão do tráfego rodoviário requer especial atenção das entidades responsáveis, e de que para isso deve ser prosseguida uma constante inovação, designadamente para melhoria das condições ambientais e também da circulação de pessoas e bens, a factualidade aí genericamente elencada em nada contende para efeitos da apreciação, a final, do mérito do pedido de levantamento do efeito suspensivo, de que tratam os presentes autos. Ou seja, e neste conspecto, os factos que daí eram passíveis de emergir, seriam imprestáveis para efeitos de, com o seu aditamento ao probatório vir o Tribunal a quo formar convicção diversa da que formou e com base na factualidade que julgou provada constante das alíneas A), a E) do probatório, para efeitos da ponderação de todos os interesses públicos e privados em presença.

E quanto ao vertido nos demais pontos da Requerimento inicial [Cfr. pontos 43.º a 46.º do Requerimento], tratam-se também, a final, de descrições que o Requerente faz na decorrência do que é o projecto europeu em que é co-participante, e das suas especificidades e importância para o sistema rodoviário municipal, sendo que em torno dos demais [Cfr. pontos 48.º, e 63.º a 65.º do Requerimento] tratam-se de alegações vagas, e/ou de meras conjunturas tecidas pelo Requerente ora Recorrente, fundadas em pressupostos por si criados e que também não revestem interesse para sustentar o invocado erro de julgamento do Tribunal a quo em matéria de direito, por não ter considerado no julgamento por si prosseguido essa mesma factualidade.

Os factos acima extraídos, que o Recorrente considerou serem relevantes para efeitos de que o Tribunal a quo viesse a apreciar de forma positiva e assim concedesse o levantamento do efeito suspensivo, em nada se prestam para esse efeito, já que se reportam na sua essência, à contextualização da questão trazida ao Tribunal. São factos relevantes para se perceber o contexto em que se desenvolve o projecto europeu em causa, e sobre quais são as suas mais valias, mas nada mais do que isso se pode inferir para efeitos da apreciação do pedido de levantamento do efeito suspensivo.

Em suma, pese embora o alegado pelo Recorrente nos pontos acima enunciados, o que não deixa na sua generalidade de ter a sua relevância em termos do que consiste o projecto, em torno das suas virtualidades e funcionalidades, de todo o modo, não consegue o Recorrente justificar de que modo é que a manutenção do efeito suspensivo porá em causa tudo isso, e ao invés, que é pelo seu levantamento que o interesse público sofrerá menos prejuízos face ao que constitui a pretensão da Autora deduzida nos autos principais.

De resto, em cumprimento do disposto no artigo 640.º do CPC, o Recorrente não identifica que factualidade era essa de entre a que que enunciou sob aqueles pontos e que, conjuntamente com a matéria já constante do probatório, levaria a que não poderia o Tribunal a quo deixar de julgar, com toda a convicção acrescida que daí resultaria, pelo levantamento do efeito suspensivo, já que como assim entende o Recorrente, os factos constantes do probatório já eram só por si bastantes para esse levantamento.

De modo que se julga improcedente o vertido sob as conclusões IV a VIII das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente.

Prosseguindo, e agora com referência ao enunciado sob as conclusões X, XI, XIII, XIV, XV, XVI, XVIII, XIX, XXII, XXIII, XXIV, XXV e XXVI.

Como assim julgamos, a essência do que vem alegado e sustentado pelo Recorrente, seja no Requerimento inicial, seja nesta sua pretensão recursiva [Cfr. em especial a conclusão III], assenta em que deve ser levantado o efeito suspensivo a que se reporta o artigo 103.º-A do CPTA, porque a duração do processo judicial não é compatível com a duração do projecto europeu em causa, o que no seu entender implica uma situação de facto consumado, e também porque o atraso na instalação dos equipamentos contenderá a final para a existência de grave prejuízo para o interesse público, seja por força de consumo dos combustíveis, seja em termos ambientais e de circulação de pessoas e bens.

O artigo 103.º-A do CPTA foi aditado ao CCP pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro [que entrou em vigor em 01 de dezembro de 2015].

A regra consagrada no CPTA, após a revisão de 2015, é a de que a impugnação do acto de adjudicação faz suspender automaticamente os efeitos do acto impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado, reservando à entidade demandada e aos Contra interessados o poder de requerer ao Tribunal o levantamento desse efeito suspensivo mediante a apreciação da ocorrência dos pressupostos para a manutenção dessa suspensão.

À luz do disposto no artigo 103.º-A do CPTA, na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, mantém-se a regra geral da proibição de execução do acto, podendo todavia tal efeito suspensivo automático ser afastado se se demonstrar que feita a ponderação entre todos os interesses públicos e privados em presença, os prejuízos que resultariam da sua manutenção se mostrem superiores àqueles que resultariam do seu levantamento.


Assim, a questão que a este TCA Norte cumpre decidir passa a final por apreciar se o Tribunal a quo errou em torno da correcta interpretação e aplicação ao caso dos autos do referido artigo 103.º-A do CPTA, ou seja, em torno do âmbito da ponderação dos interesses que o n.º 4 deste normativo passou a impôr como condição para o levantamento do efeito suspensivo automático previsto no seu n.º 1.

Da concatenação da redacção original do artigo 103.º-A do CPTA com as duas alterações que lhe foram introduzidas posteriormente, resulta assim que com a referida alteração legislativa operada pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, foi eliminada a referência aos conceitos de
grave prejuízo para o interesse público e de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, [dada pela redação introduzida pelo artigo 6.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro] sendo assim manifesto que os requisitos legais exigidos pelo regime jurídico do levantamento do efeito suspensivo automático, tornaram-se menos exigentes.

Aqui chegados.

Atentemos no teor da essencialidade da fundamentação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, nos termos que para aqui extractamos como segue:

Início da transcrição
“[…]
Ora, revertendo ao caso concreto e a propósito dos prejuízos que o diferimento da execução do contrato provoca, o R. invoca:
(i) o atraso na priorização do transporte público em geral, e, em concreto, nos semáforos, em duas das principais vias da cidade do Porto;
(ii) o atraso na poupança energética e redução do impacto ambiental;
(iii) o comprometimento da integração deste projecto nacional, com mais 20 entidades públicas, no âmbito de um projecto europeu;
(iv) o financiamento em 50%, pelo “Mecanismo Interligar a Europa”, do identificado projecto que implica um investimento nacional de 31.410.086,00€, sendo afectos cerca de 2.500.000,00€ ao R.; e
(v) a ligação e o impacto da não execução de uma componente deste projecto, não só na área do Município ..., mas nível nacional e na relação do R. Município com os demais parceiros.

Ao invés, a A. defende o seu interesse na celebração do contrato em causa, salientando o valor económico do mesmo e a relevância comercial que este reveste em termos de “activo estratégico” inquantificável; alega ainda que a manutenção do efeito suspensivo não será apta a colocar em causa a implementação do projecto a nível nacional e que, as melhorias de tráfego e de poupança energética que decorrerão do mesmo têm efeitos mediatos e hipotéticos, e estarão dependentes de outras medidas políticas mais abrangentes.

Ora, em face das alegações do R. e da A. e atenta a factualidade assente, uma vez que este é um projecto cujo período de implementação está previsto ab initio ocorrer entre 2019 a 2023, por diversas fases, e para o qual, nesta fase concreta de projecto piloto, a Entidade Demandada só abriu o procedimento concursal por anúncio de procedimento publicado no Diário da República em 04.05.2022 [cfr. pontos B), D) e E) do probatório], que o específico contrato em causa prevê um prazo de execução até 3 anos 2022 [cfr. ponto D) do probatório], o Tribunal conclui que, pese embora haja conveniência na célere execução do contrato, não existe prejuízo, de facto, pela manutenção do efeito suspensivo na pendência da presente acção.

É que, pese embora o R. invoque os benefícios que pretende retirar da implementação do projecto em causa em matéria de circulação de pessoas e bens, poluição e consumo energético; quanto aos prejuízos que se verificarão pelo atraso na respetiva implementação, na verdade, apresenta uma alegação genérica e conclusiva. Com efeito, o Tribunal desconhece e o R. não concretizou quais as específicas consequências - para além da não verificação imediata dos benefícios que o mesmo pretende alcançar - quer a nível nacional, quer a nível europeu, ou até de financiamento, decorrente da verificação de um atraso causado pela manutenção do efeito suspensivo. Em rigor, o R. não alega que por causa da manutenção deste efeito suspensivo esteja impedida a execução deste projecto, a nível global. Ao invés, o R. admite que possam existir atrasos na entrada em funcionamento de todas as funcionalidades da «plataforma C-ITS», desde que “(…) já esteja então em fase adiantada de execução e que, pelo menos, já estejam implementadas as final das Milestones MS6 e MS7 da Subfase 2.5 do plano de desenvolvimento. (…)”.

Por sua vez, a A. invocou que a execução do contrato em causa no presente procedimento concursal constitui um “activo estratégico”, já que “(…) gera conhecimento e experiência muito relevante para as equipas envolvidas, que pode ser aproveitado em futuras oportunidades, onde em muitos casos se exige experiência prévia, (…)”.

Destarte, perante a alegação do R., o Tribunal julga inexistir prejuízo para o interesse público resultante da manutenção do efeito suspensivo automático decorrente da propositura da presente lide.

Em consequência, indefiro a pretensão do R..
[…]”
Fim da transcrição

E o assim julgado pelo Tribunal a quo é de manter, por não ser merecedor da censura jurídica que lhe fez incidir o Recorrente.

Como assim resulta da Sentença recorrida, o Tribunal a quo empreendeu um juízo de valor relativo entre a situação invocada pelo Requerente, o Réu ora Recorrente Município, em torno dos interesses por si sustentados como em perigo [seja pelos prejuízos, seja pelo ocorrência de facto consumado], e dos interesses invocados pela Autora ora Recorrida, tendo vindo a apreciar e decidir, julgando “… inexistir prejuízo para o interesse público resultante da manutenção do efeito suspensivo automático decorrente da propositura da presente lide.”

Para efeitos da incisa fundamentação aportada pelo Tribunal a quo, decidiu o mesmo que para além da alegação em torno dos benefícios que advêm para o interesse público decorrentes da implementação do projecto europeu [por força da circulação de pessoas e bens, poluição e consumo energético], já em torno dos prejuízos que se poderão verificar pelo atraso na respetiva implementação, referiu que o Requerente ora Recorrente apresenta uma alegação genérica e conclusiva.

Ou seja, que a argumentação expendida pelo Requerente ora Recorrente no Requerimento inicial assentou, em termos sumários, na consideração de que o interesse público que prossegue no domínio do referido projecto europeu, fica colocado em causa se não for levantado o efeito suspensivo automático que decore da lei.

Com efeito, sendo inequívocos os fundamentos que o Tribunal recorrido usou para decidir pelo indeferimento da pretensão do Réu ora Recorrente, também neste TCA Norte, o Recorrente não consegue pôr em causa aquele julgamento, em termos de fazer vincar o seu entendimento de que sai prejudicado o interesse público, porque efectivamente, não o fez Recorrente, ainda que em termos mínimos, em torno da elevação de quais são os concretos termos e pressupostos que vêm a determinar que a execução do projecto europeu fica posta em causa, e dessa forma, que sai lesado o interesse público caso se mantenha o efeito suspensivo.

É certo que, para efeitos do disposto no artigo 130.º-A, n.º 4 do CPTA, o Recorrente alegou no sentido de que os prejuízos que advêm para a Autora do levantamento do efeito suspensivo automático são inferiores aos que resultam da continuidade da sua manutenção por força do disposto no n.º 1 do mesmo normativo. E sob os pontos 15.º, 16.º, 74.º, 75.º, 76.º, 77.º e 78.º do Requerimento inicial, o que invocou o Requerente é que, face à data do termo já definido para o projecto europeu [em 31/12/2023], que é indiferente para a Autora o levantamento ou a manutenção do efeito suspensivo, referindo ainda que não existem para a Autora prejuízos alguns decorrentes do levantamento da suspensão, e que os interesses económicos da Autora são quantificáveis em dinheiro, sendo o seu interesse puramente económico.

Porém, e aqui reside a tónica da fundamentação do Tribunal a quo, que merece o nosso acolhimento, em face da ponderação de todos os interesses envolvidos, o Requerente ora Recorrente não alega, e se o tivesse feito, ainda se impunha que o tivesse feito em termos devidamente fundamentados, por que concretos termos e pressupostos é que apenas o levantamento do efeito suspensivo reveste aptidão para a continuação da execução do projecto pela sua parte e mesmo na relação com os demais parceiros intervenientes, ou de outra forma, por que termos é que a manutenção do efeito suspensivo é/será determinante da ocorrência de prejuízos para os interesses públicos que lhe cabe prosseguir, e que essa posição se deva sobrepor ao âmbito dos prejuízos que desse levantamento poderão advir para a Autora ora Recorrida, considerando que o termo do projecto se dá em 31/12/2023.

Importa salientar que sob os pontos 45.º, 48.º e 61.º do Requerimento inicial, o Requerente ora Recorrente aí refere que a G... [ora Recorrida] é também co-participante no projecto, e que a não execução de uma componente do projecto, designadamente financeira, terá impacto não só no seu seio [do Réu], como também nos demais parceiros [o que é o caso, como assim elencou, da Autora].

Como assim julgamos, o que depreendemos do pedido de levantamento do efeito suspensivo requerido pelo Requerente ora Recorrente, é que a continuidade dos termos processuais devidos nos autos principais [e no procedimento] sem o ónus de ter de ver automaticamente suspensos os efeitos do acto impugnado, ou a execução do contrato se já tiver sido assinado, aporta-lhe uma maior liberdade de actuação, pois que para a eventualidade de a acção de contencioso pré-contratual vir a ser julgada procedente, o ónus com que se verá a cargo nessa altura tem um diferente revestimento conceptual.

Face ao disposto no artigo 103.º-A, n.º 1 do CPTA, a Autora tem o direito de ver reconhecida a manutenção do efeito suspensivo automático. Assim como o Réu e as Contra interessadas têm todo o direito de ver levantado esse efeito suspensivo, legalmente fixado, havendo para tanto de ser invocados fundamentos que sejam tidos por válidos e significantes em sede da ponderação de todos os interesses em presença.

Ora, para que possa ser levantado o efeito suspensivo, o Tribunal deve ponderar [devidamente, como assim enfatizou o legislador] todos os interesses públicos e privados em presença, na decorrência do que são os danos que resultem da sua manutenção ou do seu levantamento.

O legislador, em torno da necessidade de serem ponderados todos os interesses envolvidos, deixou de se referir à necessidade de ser prosseguido pelo Tribunal um juízo de proporcionalidade na consideração dos danos provocados [entre o interesse público e os demais interesses], para se bastar pela devida ponderação entre todos os interesses públicos e privados envolvidos [Cfr. a actual redação do artigo 130.º-A – em vigor desde 20 de junho de 2021 -, e a que lhe foi conferido pelo artigo 6.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, que entrou em vigor em 16 de novembro de 2019].

Ora, para efeitos da salvaguarda do interesse público que lhe cabe prosseguir, como invocado pelo Réu no Requerimento inicial e bem assim nas conclusões das Alegações de recurso apresentadas, não se mostra de todo necessário que seja levantado o efeito suspensivo automático, e neste conspecto, que não possa esperar o Réu ora Recorrente por uma decisão de mérito sobre a pretensão que a Autora ora Recorrida trouxe a Juízo, tanto mais que na linha do tempo, nos situamos ainda a cerca de 11 meses do termo do projecto, sendo que não é de todo despicienda a alegação da Autora em torno do activo estratégico que decorre da sua intervenção neste projecto enquanto futura adjudicatária, por gerar conhecimento e experiência relevante para futuras oportunidades onde em muitos casos se exige experiência prévia, tanto mais que, como assim resulta dos autos, a Autora é uma das entidades participantes/integrantes do projecto [Cfr. ponto 45 do Requerimento inicial, e conclusão 5 das Contra alegações da Recorrida].

Neste conspecto, por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte do Acórdão proferido por este TCA Norte em 14 de janeiro de 2022, no Processo n.º 1529/21.2BEPRT-S1, in www.itij.pt, a cujo julgamento aderimos sem reservas, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil], e que aqui reiteramos como segue:

Início da transcrição
“[...]
Não se questiona que a paralisação de um procedimento contratual levado a cabo pela Administração Pública coenvolva sempre consequências negativas para o interesse público, na medida em que traduz naturalmente um entrave ao decurso normal desse procedimento, atrasando-o e, consequentemente, retardando a prestação do serviço ou o fornecimento dos bens objeto do contrato administrativo a celebrar.
A este respeito, veja-se “CADERNO SÉRVULO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO E ARBITRAGEM, 01/2016, disponível on line, onde de forma assaz muito pertinente se escreve que:
“O legislador sabia que qualquer suspensão de efeitos da atuação administrativa e, sempre e em qualquer caso, lesiva do interesse publico. Estando a atuação administrativa votada a prossecução de um concreto interesse publico que lhe subjaz, a automática suspensão dos efeitos de um ato (ou de um contrato) em virtude da sua impugnação não tem como não prejudicar, em determinada medida, esse interesse. E, não obstante, o legislador terá considerado, na sua ponderação primaria, que um tal prejuízo não é mais do que normal e que o risco da sua ocorrência cabe na esfera da entidade adjudicante, que tem de o internalizar.
Só assim poderá não ser quando o Tribunal verifique, à luz de factos concretos alegados e demonstrados, que, no caso concreto, a manutenção da paralisação dos efeitos do ato impugnado é gravemente prejudicial para o interesse publico concretamente prosseguido. Não bastará, pois, o prejuízo normal resultante da suspensão da adjudicação, sendo necessário que se verifique um dano superior ao que resultara sempre para a entidade adjudicante desse efeito legalmente prescrito da impugnação do ato de adjudicação.” ( sublinhado e negrito nosso).
[...]
E não se diga que este interesse particular na manutenção do efeito suspensivo automático é de somenos importância quando confrontado com um prejuízo para o interesse público decorrente da paralisação de um procedimento contratual em curso, conquanto está em causa garantir o efeito útil decorrente da proibição da celebração imediata do contrato, acautelando-se « os interesses dos concorrentes afastados ou preteridos, quando estes tiverem concluído que é viável a discussão em tribunal da legalidade do ato adjudicatório, tendo em vista conferir maior eficácia ao processo impugnatório que venha a ser deduzido» ( cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha, in Comentário ao Código de Processo Nos Tribunais Administrativos, 5.ª Edição, Almedina, págs.882-883).
[...]
A não ser efetuada uma ponderação dos interesses envolvidos nestes moldes, então seria fácil defraudar o objetivo visado pelos legisladores comunitário e nacional com a consagração do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103.º-A do CPTA, uma vez que, é difícil perspetivar uma situação em que a paralisação de um procedimento concursal ou da execução do contrato, se este já tiver sido celebrado, não envolva prejuízos para o interesse público, pelo que tudo passará por aferir, como se fez nos presentes autos, da gravidade dos prejuízos para o interesse público decorrente da manutenção do efeito suspensivo automático, quando «cotejada em termos relativos ou comparativos, com a gravidade dos prejuízos que para o impugnante poderão advir do levantamento do efeito suspensivo». ( cfr. obra citada, pág. 892).
[...]
Fim da transcrição

Em conformidade com o que deixamos extraída supra, não justifica o Requerente ora Recorrente, de modo algum, porque é que estando nós em inícios de fevereiro de 2023 e estando a implementação do projecto com o seu termo previsto para 31 de dezembro de 2023 [Cfr. alínea C) do probatório], e para além disso, entrando em vigor o contrato no dia da sua assinatura, e cujos termos se mantêm pelo prazo máximo de 3 anos, ou seja, até 31 de dezembro de 2026, ou em data anterior se entretanto for atingido o preço contratual, e mesmo considerando as várias fases de execução do contrato, a que se reporta o anexo F do Caderno de encargos, porque é que aquela data não será observada. Refere antes no sentido de que a data será ultrapassada e perdida a sua intervenção no projecto e assim como também o financiamento, por não se conseguirem cumprir [e aqui se realça a absoluta alegação do Recorrente] os prazos parcelares a que se reporta o anexo F, que assim considera ficarem postos em causa. Ou seja, não justifica como serão incumpridos e porquê.

O Tribunal a quo ponderou devidamente todos os interesses envolvidos, e em particular apreciou a fundamentação aportada pelo Requerente justaposta ao pedido de levantamento de levantamento do efeito suspensivo, comparando os interesses em presença, e decidiu que a existirem danos na esfera do Município [no interesse público] que os mesmos não são superiores aos que podem advir para a Requerida ora Recorrida, pois que tem esta para si que a celebração do contrato reveste um activo estratégico inquantificável, por participar num projecto que se situa numa área de clara expansão mundial, e que da experiência que daí advirá para trabalhos de idêntica índole em que releva a experiência anterior detida na execução de trabalhos dessa natureza.

Atentas as posições sustentadas pelo Recorrente e pela Recorrida, julgamos que a decisão proferida pelo Tribunal a quo tem de manter-se, por não ser merecedora da censura jurídica que lhe vem assacada pelo Recorrente.

Termos em que, improcedendo assim as conclusões das Alegações do Recorrente, a sua pretensão recursiva tem de improceder, e como resulta óbvio, tem de manter-se a decisão prolatada pelo Tribunal recorrido.

*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Acção de contencioso pré-contratual; Artigo 103.º-A do CPTA; Efeito suspensivo automático; Levantamento do efeito.

1 - Nos termos do artigo 103.º-A, n.º 4 do CPTA, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, o efeito suspensivo automático deverá ser levantado se o Juiz concluir, através da ponderação dos interesses em presença, que a sua manutenção consubstancia um prejuízo superior, para o interesse público ou para o interesse privado, face aos que podem resultar do seu levantamento.

2 – O efeito suspensivo automático, reveste natureza excepcional, e só perante a verificação de situações anómalas e atípicas, é que o mesmo pode ser alvo de levantamento, sob pena de se desvirtuar o disposto pelo legislador.

3 - Impende sobre a entidade demandada [ou sobre os Contrainteressados, caso parta de si a iniciativa] o ónus de alegar e de provar factos de onde se retire que em face dos interesses públicos e privados em presença, e da ponderação que sobre eles devesse ser feita, que a manutenção do efeito suspensivo automático resulta em maiores prejuízos do que o seu levantamento.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em negar provimento ao recurso interposto pelo Recorrente Município ..., e consequentemente, em manter a Sentença recorrida.

*

Custas a cargo do Recorrente.

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Notifique.

*
Porto, 10 de fevereiro de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Helena Ribeiro