Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00881/09.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/28/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IRC
MÉTODOS INDIRETOS
FATURAS FALSAS
Sumário:I. III. Quando a administração tributária desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), competindo-lhe, fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade passando a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade das prestações de serviços ou transações tituladas pelas faturas. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:S..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

A Recorrente S…, Lda., e melhor identificada nestes autos, vem impugnar a liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2005 e 2006, no montante de € 37.397,17 e € 42.372,70 respetivamente, assim como os respetivos juros compensatórios.
A Mm. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga por sentença proferida em 25.02.2014, julgou a impugnação improcedente.
A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…) A. A AF e o Tribunal a quo sustentam a tese de que as liquidações são legais na circunstância de que não houve efetivas prestações de serviço da O… à S… - mas, tanto uma, como o outro, reconhecem que a S... prestou a terceiros os serviços que alega terem-lhe sido prestados pela O....

B. Verdadeiramente está em causa ajuizar sobre se as pessoas que concretamente efetuaram materialmente as operações faturadas pela S... como prestações de serviços aos seus clientes (i) atuaram como trabalhadores da O... e esta prestou serviços à S..., ou se, ao contrário (ii) eram trabalhadores da S... e a O... não tinha qualquer intervenção no caso, sendo que a AF sustenta esta posição entre, entre outros, no argumentos de que os trabalhadores tinham o Sr. L... por “patrão” e de que a O... não passaria de um testa de ferro.

C. Na douta sentença em recurso conclui-se, com a AF, pela segunda hipótese, sem que tenham sido apreciadas as razões, invocadas na petição inicial, por que a recorrente entende que não procedem os argumentos da AF - razão por que essas razões sejam aqui novamente invocadas.

D. Os saldos elevados de caixa decorrem da contabilização tardia das saídas, aliás perfeitamente identificada pela IT no Relatório relativo ao exercício de 2004, sendo que, quando muito, poderia estar em causa averiguar se determinados valores, concretamente identificados, correspondem ou não a pagamentos efetuados pela S... à O...: no fim de cada exercício sabe-se perfeitamente, em face da escrita, qual é o saldo efetivo de caixa e porquê.

E. A circunstância de os pagamentos à O... serem fracionados e parcialmente feitos em numerário não significa que os pagamentos não tenham de facto sido efetuados - e, muito menos, que não tenha havido (como a AF pretende e a sentença concedeu) prestações de serviços entre a O... e a S....

F. Aliás, se fosse verdade, como a AF pretende, que o Sr. L... (ao tempo sócio-gerente da S...) estivesse dos dois lados (da O... e da S...) não faria nenhum sentido que os pagamentos de si para consigo fosse fracionados.

G. Seja como for, in casu não há dúvidas sobre a origem e o destino dos meios financeiros, pelo que não é importante a menor ou maior ortodoxia quanto às formas de pagamento.

H. As incorreções quanto à não contabilização da conta bancária no BPI não afetam, apenas determinam, que valores depositados no banco sejam tidos como existentes em Caixa - e isso não legitima quaisquer dúvidas sobre a aderência à realidade da faturação da O... para a S....

I. A invocada não identificação pela S... dos trabalhadores e dos respetivos pagamentos que lhes são feitos - ao contrário do que a AF invoca e a sentença acolhe - só abona no sentido de que tais trabalhadores (os que efetivamente executaram as tarefas faturadas pela O...) eram trabalhadores dependentes desta e não da S....

J. O invocado (mesmo na sentença) “elevado valor de fornecimentos e serviços externos (por influência das faturas da O...) comparativamente com a faturação emitida”- está perfeitamente justificado pela circunstância de a S..., por causa de não dispor de pessoal próprio, registar como fornecimentos e serviços externos o que noutras empresas está registado como despesas com o pessoal.

K. Aliás, se se apela à comparação da S... com o seu sector de atividade, tem é de se concluir que a posição assumida pela AF, e acolhida pela sentença, colocaria a S... num patamar de rentabilidade fiscal de todo mesmo inconcebível para o seu sector de atividade.

L. A eventual circunstância de algum trabalhador da O... identificar o Sr. L... como patrão não tem qualquer significado suportar a conclusão de a O... não prestou serviços à S....

M. Se, eventualmente, fosse caso - o que realmente não acontece - de as liquidações virem fundamentadas em simulação de preços e a decisão tivesse idêntica sustentação - o que também não acontece - os fundamentos desenvolvidos supra e que estribam as conclusões anteriores, e estas mesmas, também determinaram a conclusão de que não houve simulação de preços, até porque nisso não teria a S... interesse.

N. De resto, nesse caso uma razoável repartição do ónus da prova implicaria que fosse a AF que tinha de provar essa tal simulação.

O. A eventual - na realidade não demonstrada e inexistente - circunstância de o Sr. L... ter criado a O... e a S... para, no jogo das duas, praticar evasão fiscal só poderia ser atacada no quadro do recurso às normas anti-abuso, o que não foi o caso.
P. A fundamentação em que a AF sustenta as liquidações não procede tendo havido violação das regras que regulamentam o direito à dedução do imposto, especialmente os art.°s 19.° a 22.° do CIVA.

Q. A sentença incorreu em erro ao acolher a tese da FA.

TERMOS EM QUE
deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e proferindo-se acórdão que reconheça a total procedência do pedido da impugnante, ora recorrente, no sentido da anulação das liquidações impugnadas, por ilegais, especialmente por violação dos art.°s 19.° a 22.º do CIVA. (…)”

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
A Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.
Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR


Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respectivas alegações, (nos termos dos artigos 660º, nº 2, 684º, nº s 3 e 4, atuais 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT) que é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento.

3. DO JULGAMENTO DE FACTO

3.1 Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:


“(…)IV – Matéria de facto
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1. No cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200800860, os Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Braga, desencadearam procedimento inspectivo à aqui Impugnante, com âmbito geral visando o exercício de 2005 e 2006, efectuando correcções à matéria tributável no âmbito de IRC, com recurso a métodos indirectos no montante de €135.422,91 e € 153.459,84, respectivamente – cfr. fls. 27 a 49 do processo administrativo (PA) junto aos autos e que se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. As correcções à matéria colectável fundamentaram-se, conforme relatório da Inspecção Tributária elaborado em 20.10.2008, designadamente, no seguinte:“(…) 2.1 – Credencial e período em que decorreu a acção
A acção de inspecção foi realizada com o intuito de dar cumprimento à Ordem de Serviço nº OI200800860 emitida em (…) e domicilio fiscal na Rua António Marinho Quinta das Fontes, nº 11 – Braga. (…)
3.2.1 Disponibilidades
Todos os recebimentos e pagamentos são efectuados através da movimentação da conta do POC "Caixa", registando a débito os recebimentos dos seus clientes e a crédito os pagamentos efectuados aos seus fornecedores e outros credores. Nos anos em análise ressaltam saldos elevados, que com a contabilização dos recibos mensais emitidos pela O..., Lda. os saldos mensais estes passam a ser na ordem dos 40 mil euros.
Ainda nesta rubrica, importa salientar que a empresa não dispõe na sua contabilidade, de Contas de Depósitos, apesar de ter emitido um considerável número de cheques sobre o Banco BPI, SA.
De acordo com o n° 3 do Artº 63° C da LGT, alteração efectuada a partir do ano de 2005 (inclusive), quando o valor das facturas exceda 20 vezes a remuneração mensal mínima, o pagamento desses valores é obrigatoriamente feito através de cheque, facto que o sujeito passivo não cumpriu.(…)
3.2.3 Análise aos Fornecimentos e Serviços externos - "Trabalhos especializados"
Da análise efectuada aos registos contabilísticos e em pormenor à rubrica Trabalhos Especializados, dado ser esta conta a que tem maior significado na conta do POC "6223- Serviços Prestados por outras empresas', verificamos que os valores correspondem às facturas emitidas em nome da empresa O..., cujas fotocópias ficam arquivadas no processo, sendo os montantes das facturas os seguintes:
(…)
Remetidas que foram as fotocópias dos cheques (frente e verso) que liquidaram as facturas emitidas em nome da O..., verificamos que todos os cheques foram emitidos ao portador e o seu valor refere-se apenas a uma parte dos valores das facturas, já que a outra parte teria sido liquidada em numerário tendo-nos sido remetidas juntamente com as fotocópias dos cheques as fotocópias de uns recibos pelo valor pago em numerário, recibos esses que não tem timbre e não foram relevados contabilisticamente, nem podiam já que na contabilidade já se encontravam registados todos os recibos impressos tipograficamente. (…)
Deste quadro, podemos verificar que parte das facturas foram pagas em numerário representando esta forma de pagamento no ano de 2005, cerca de 35% e no ano de 2006 cerca de 49% o total da facturação.
3.2.3.1 - DILIGÊNCIAS REALIZADAS NA EMPRESA "O...,LDA"
Nas diligências realizadas descritas no Relatório de Inspecção Tributária elaborado pela Direcção de Finanças de Braga, verificou-se o seguinte:
• Este sujeito passivo apresentou a declaração de início de actividade em 28 de Novembro de 1994 para o exercício da actividade com o CAE 78100 - Actividades das empresas de Segurança;
• Segundo os registos na Conservatória do Registo Comercial de Braga, a firma foi constituída por escritura pública, no dia 14 de Fevereiro de 1995 com a designação de "O...- , Lda" com sede social na Av….- S. Vicente - Braga e com os sócios A… e M…, tendo sido atribuída a gerência ao primeiro;
• Realizou-se uma escritura de transmissão das quotas em 23 de Fevereiro de 1999 a favor de J…, actual e único sócio da empresa;
• Foram encetadas várias diligências no sentido de encontrar pessoalmente o sócio da empresa, já que o mesmo altera frequentemente quer a sede da empresa quer o seu domicílio fiscal;
• Consultado o sistema informático da DGCI, verificamos que através dos anexos O e P, que a O... é declarada como fornecedor das empresas S... e M… no anos de 2004, num total incumprimento das obrigações declarativas em sede de IRC e IVA, bem como das obrigações contabilísticas;
-Após várias diligências o sujeito passivo foi contactado pessoalmente que apesar de reconhecer o seu incumprimento, e tendo sido notificado para exibir e organizar a contabilidade, o mesmo não o fez, alegando que não conseguia reunir os documentos necessários e contratar um contabilista;
• Os trabalhadores que compareceram para prestar declarações referiram que não conhecem o sócio gerente da O..., fazendo referência sempre ao Sr. L..., aos escritórios da S... e à funcionária administrativa da S..., nomeadamente a D. H…;
• Não foram apresentadas no ano de 2004 as folhas de remunerações de pessoal à Segurança Social mesmo tratando-se dos rendimentos em sede de IRS declarados nestes anos para efeitos fiscais;
• Total incapacidade para identificar os trabalhadores e respectivos montantes pagos a estes. O sujeito passivo não exibiu a relação de trabalhadores que mensalmente estavam nos clientes da S..., apesar de ser uma cláusula obrigatória no contrato estabelecido entre estas duas empresas;
• Solicitados aos clientes meios de pagamentos para pagamento das facturas em nome da O..., nos anos de 2005 e 2006, tivemos acesso às fotocópias dos cheques e transferência bancária tendo-se concluído que relativamente à S... parte dos pagamentos foram em numerário.
Perante este factos e no âmbito da acção inspectiva efectuada à O... -, Lda, concluiu-se que as facturas emitidas por esta ao sujeito passivo S..., não correspondem a trabalhos efectivamente realizados por pessoal da O..., antes serviram para empolar os custos da empresa S... e esta beneficiar na dedução do IVA, o que consubstancia conduta ilegítima tipificada como fraude fiscal prevista no artº 103° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), em co-autoria com a empresa S...· Serviços de Recepção R.P., Lda.
3.2.3.2 - DILIGÊNCIAS REALIZADAS NA EMPRESA S...
No decorrer da acção inspectiva à O..., e no âmbito da recolha e consulta de elementos na S..., foi contactado nos seus escritórios, sito na Quinta das Fontes, o sócio gerente Sr. L..., o qual nos referiu que entre a empresa O... e a S... foi efectuado um Contrato de Fornecimento de Serviços de recepção com data de 29 de Janeiro de 1999, tendo-nos sido fornecida fotocópia, sendo que os funcionários que exercem o serviço são cedidos pela empresa O....
Referiu ter constituído a empresa O... no ano de 1995, tendo cedido as suas quotas no ano de 1999, por escritura notarial ao actual sócio da O..., Sr. J….
No dia 16 de Abril de 2008, contactamos o Sr L... para nos fornecer a lista de colaboradores que consta na cláusula terceira do contrato estabelecido entre as duas empresas, tendo o mesmo declarado em Auto de Declarações, que não fornecia tal lista pelo facto da mesma, após conferência, ser devolvida ao sócio da O..., não ficando qualquer registo na empresa S.... Nesta data, prontificou-se a solicitar ao Banco as fotocópias dos cheques frente e verso que serviram para pagamento das facturas da O....
Após a entrega das fotocópias frente e verso dos cheques referidas no ponto 3.2.3. deste relatório não foi possível voltar a contactar pessoalmente com o Sr. L..., tendo a funcionária do escritório da S... indicado o Sr. J… como o actual TOC e Procurador da empresa S..., com todos os poderes para representar a empresa na Direcção Geral dos Impostos.
Nos termos do disposto nos Art°s 59° e 60° da Lei Geral Tributária (LGT) e Artºs 6°, 7° e 10° do Regime Complementar de Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) e com vista ao cumprimento da Ordem de serviço 01200800860 foi notificada a empresa S... na pessoa do seu Procurador J… através do ofício nº 5138208 enviado no dia 13 de Agosto de 2008 para no prazo de 20 dias fornecer os elementos que permitam identificar de forma comprovada, os colaboradores, assim como as quantias pagas a cada um, postos à disposição da S... pela O..., conforme clausula 3 do Contrato de Fornecimento de Serviço, ficando advertido de que a não identificação dos colaboradores que estiveram na origem da contabilização das facturas emitidas pela O... implica a total desconsideração dos custos que se encontrem documentados com tais facturas.
Esta notificação veio devolvida aos nossos serviços no dia 28 de Agosto de 2008, com a indicação "Não Reclamado".
No dia 1 de Setembro, foi estabelecido via telefone o contacto com o Sr. J…, tendo-lhe sido dado conhecimento da notificação que veio devolvida, tendo o mesmo referido que nessa altura estaria de férias, deslocando-se aos nossos serviços para ai ser feita a notificação pessoal e proceder ao início da Ordem de Serviço n° 01200800860.
No dia 3 de Setembro o Sr. J… entregou-nos, como resposta à notificação pessoal várias folhas dactilografadas correspondentes a cada mês' dos anos de 2005 e 2006, juntamente com as fotocópias dos recibos dactilografados e referente aos pagamentos em numerário, contendo nestas apenas o total dos trabalhadores, não procedendo à respectiva identificação dos mesmos, conforme estipulado na cláusula terceira do contrato estabelecido entre as duas empresas, O... e S... salientando o Procurador da empresa não possuir quaisquer outros elementos referentes a este assunto. (…)
3.2.3.4 - CONCLUSÃO:
Por tudo quanto se referiu, nomeadamente:
- a S..., apesar de notificado não foi capaz de identificar os trabalhadores colocados nos seus clientes;
- a liquidação das facturas da O... ter sido contabilizada através de recibos lançados mensalmente quando na verdade uma parte das facturas foi liquidada por cheque;
- terem sido exibidas umas folhas A4 dactilografadas intituladas recibos correspondentes ao valor supostamente pago em numerário;
- os trabalhadores supostamente da O..., contactados terem identificado como patrão não o Sr. J... mas sim o Sr. L... assim como os escritórios da S..., facto confirmado até pela contabilização por parte da empresa S... das despesas com blusões, camisas, e crachás produtos necessários ao desempenho das funções do pessoal colocado nos clientes da S...;
- a S... evidenciar um diferencial muito baixo entre os custos contabilizados (trabalhos especializados) e os serviços prestados.
Concluímos que as facturas emitidas pela O... para a S... nos anos de 2005 e 2006 não correspondem a verdadeiras prestações de serviços entre o emitente e o adquirente, antes serviram para empolar os custos na empresa S... e esta beneficiar na dedução do IVA, pelo que, não pode ser aceite como custo os valores respectivamente de 428.371,96€ e 401.565,92€ nem como dedutível o IVA respectivamente no montante de 85.843,74€ e 84.328,84€, por força do disposto do art° 23° do CIRC e do nº 3 do artº 19° do CIVA, infracção punível pelo nº 2 do artº 104º do RGIT nos períodos e valores que abaixo se discriminam: (…)
IV - MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Pelo referido ao longo do ponto III, nomeadamente, o elevado valor dos Fornecimento e serviços externos (por influência das facturas emitidas pela O...) comparativamente com a facturação emitida, os elevados saldos mensais na conta Caixa, à não identificação dos colaboradores e respectivos montantes pagos a estes, conforme clausula terceira do Contrato de fornecimento de serviços entre o sujeito passivo e a O..., à emissão de recibos dactilografados supostamente emitidos pela O... como suporte dos pagamentos em numerário, mas que não se encontram registados na contabilidade da S..., pagamentos parciais efectuados através de cheques emitidos sobre o BPI, quando não existe Conta Bancos na contabilidade e não ser possível o seu controlo, concluímos, que a contabilidade do sujeito passivo em análise não reflecte as verdadeiras prestações de serviços, não reflectindo consequentemente a exacta situação patrimonial, nem o resultado efectivamente obtido, nos exercícios de 2005 e 2006. Não sendo possível a comprovação e quantificação exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável, estão reunidas as condições para a determinação do rendimento por métodos indirectos, nos termos da alínea b) do artº 87° e art° 88º alínea a), ambos da Lei Geral Tributária.
V - CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Com vista à determinação da matéria colectável, para efeitos de IRC, de acordo com o previsto no n° 1 do artº 90° da Lei Geral Tributária, vamos apurar a matéria colectável para os anos de 2005 e 2006 considerando como custos os valores pagos por cheque e que ascendem respectivamente a 298. 646, 77€ e 252.651,49€.
Assim,
Rubricas Ano 2005 Ano 2006
Total de Proveitos 531.169,60 495.169,57
Custos
- Fornecimento Servo Externos presumidos(*) 340.419,32 297.005,52
-Amortizações Exercício 2.601,49 3.130,97
- Custos de Pessoal 36.090,58 41.573,24
- Custos Financeiros 7,93 0,00
- Custos e Perdas Extraordinárias 16.627,37 0,00
Total de Custos 395.746,69 341.709,73
Resultado proposto 135.422,91 153.459,84

(*) Nestes estão incluídos os custos não aceites e referidos no Quadro resumo A do ponto 3.2.4.
O resultado proposto evidencia margens brutas II de 34,7% e 40%, margens que se aproximam das declaradas por empresas do mesmo ramo de actividade. - a fls. 27 a 49 do PA junto aos autos.
3. Em 20.11.2008 a Impugnante intentou pedido de revisão da matéria tributável junto da Direcção de Finanças de Braga – cfr. fls. 50 a 65 do PA junto aos autos.
4. Na falta de acordo entre o perito da Impugnante e o perito designado pela Administração Tributária, em 15.12.2008 foi elaborada decisão de indeferimento por parte do Director de Finanças Adjunto de onde consta “O decisor, Por delegação (DR – II Série – n.º 128, de 05/07/2006” - cfr. fls. 69, 71 e 72 do PA junto aos autos.
5. Na sequência da decisão proferida e descrita em 4. foram emitidas as liquidações adicionais de IRC n.º 2009 831001394, respeitante ao exercício de 2005 e n.º 2008 8310011434 do exercício de 2006 – cfr. fls. 53 a 58 dos autos.
**
Factos não provados
Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos.
**
Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, cfr. predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil.
Com efeito, foi a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova conjugada que, à luz da experiência, sedimentaram a convicção do Tribunal.
Quanto à matéria de facto não provada, a mesma redundou da ausência de prova produzida para o efeito, não tendo a Impugnante logrado comprovar o invocado, tal como resulta da prova documental e/ou testemunhal produzida.
No que respeita a M…, foi deferido o aproveitamento do seu depoimento prestado no âmbito do processo de impugnação n.º 509/09.0BEBRG.
G…, prestou serviços à empresa no âmbito do procedimento de revisão.
Foi indicado para responder à matéria de facto constante nos artigos 112º a 117º e 123º da petição inicial.
Não obstante a testemunha ter deposto de forma séria e credível, não detinha conhecimentos directos dos factos em questão nos presentes autos, na medida em que, tal como o próprio afirmou, o seu conhecimento decorre da documentação existente em sede da Impugnante à data do procedimento de revisão, não lhe permitindo aferir da efectiva cedência de trabalhadores, assim como o relacionamento profissional existente entre a Impugnante e a sociedade O....
Ora, atendendo a que o fim prosseguido pelos depoimentos é o testemunho de factos pessoais ou de que se deva ter conhecimento e que sejam relevantes para a decisão da causa (cfr. artigo 454º do CPC), não pode o Tribunal relevar e/ou valorar o depoimento desta testemunha.
M…, desempregada, foi trabalhadora da Impugnante como directora de serviços, tendo sido questionada à matéria de facto ínsita no artigo 14º a 17º, 31º a 37º, 83º a 92º da petição inicial do processo de impugnação n.º 509/09.0BEBRG.
Apesar do Tribunal ter ficado convencido que as funções desempenhadas pela testemunha permitiam que esta tivesse conhecimentos directos dos factos a que foi questionada, as suas declarações foram vagas e imprecisas, na medida em que descreveu genericamente o relacionamento profissional da Impugnante com a sociedade O....
Com efeito, as afirmações por esta formuladas não lograram esclarecer o tribunal quanto aos funcionários cedidos pela O..., não tendo outrossim apresentado justificação plausível para o pagamento parcial em dinheiro, a passagem de recibo de montante parcial, assim como para o facto da contabilidade contrariar a sua convicção de que a impugnante tinha clientes certos e fixos .(…)”

4. DO JULGAMENTO DE DIREITO

4.1. A questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento.
A Recorrente não impugnou a matéria de facto dada como provada bem como a respetiva fundamentação.
Por conseguinte, importa averiguar se em face dos factos dados como assentes é ou não possível concluir que a administração fiscal recolheu factos suficientes e relevantes para desconsiderar as faturas por não titularem operações económicas entre a impugnante e a empresa “O...” e se as razões aventadas pela Recorrente, em sede de conclusões e também da petição inicial, assumem relevo independentemente ou apesar da falta de prova.
Antes de mais há que referir que quanto às questões suscitadas, já sobre elas se debruçaram dois recentes acórdãos deste TCAN e ainda não disponíveis na base de dados da DSGI, sendo os acórdãos n.º 509/09.8BEBRG, de 30.04.2015 e acórdão n.º 586/09.4 de 14.05.2015, sendo este subscrito pela relatora, na qualidade de adjunto, sendo que o primeiro respeita às liquidações de IVA dos anos de 2004 a 2006 o segundo à liquidação de IRC de 2004.
No entanto, as questões jurídicas são as mesmas, bem como as partes, os anos de imposto, e o relatório de inspeção que fundamentou as liquidações impugnadas foram os mesmos.
Assim, remetemos com a devida vénia, para a argumentação jurídica aí aduzida, por economia de meios e tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC) e , não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos, passaremos a transcrever, na parte aqui relevante, o primeiro dos arestos aludidos, aderindo a todo o seu discurso fundamentador.
Uma última nota vai ainda para a conclusão P) e para o pedido de recurso na qual refere que “[a] fundamentação em que a administração fiscal sustenta as liquidações não procede tendo havido violação das regras que regulamentam o direito à dedução do imposto, especialmente os art.°s 19.° a 22.° do CIVA. “
Tendo a impugnação e o recurso, por objeto as liquidações de IRC dos exercícios de 2005 e 2006, só entendemos a referência aquela legislação, por lapso da Recorrente, provocado pelo aproveitamento das peças processuais do recurso do IVA dos mesmos anos fiscais.
Com é sabido, a inspeção no relatório relativo aos exercícios de 2005 a 2006, não aceitou os custos contabilizado, por infração ao art.º 17.º e 23.º do CIRC.
Para a determinação do lucro tributável, não podem ser considerados, os gastos que resultem de operação simulada ou em que seja simulado o preço.

4.2. Entrando então no mérito do recurso, resulta dos autos que a Impugnante, ora Recorrente, foi objeto de uma ação de inspeção ao exercício de 2004 a 2006, no âmbito da qual, a administração tributária efetuou correções, em sede de IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas), por recurso a métodos indiretos, que estão na origem da liquidação impugnada.
As correções fundaram-se, no essencial, no entendimento de que algumas faturas emitidas por O...-, Lda., doravante O..., para a S…, Lda, agora Recorrente, e doravante designada S..., não correspondem a verdadeiras prestações de serviços ao elevado valor dos fornecimentos e serviços externos, os elevados saldos mensais na conta Caixa, à não identificação dos colaboradores e respetivos montantes pagos a estes, conforme clausula terceira do Contrato de fornecimento de serviços entre o sujeito passivo e a O..., à emissão de recibos dactilografados supostamente emitidos pela O... como suporte dos pagamentos em numerário, mas que não se encontram registados na contabilidade da S..., pagamentos parciais efetuados através de cheques emitidos sobre o BPI, quando não existe Conta Bancos na contabilidade e não ser possível o seu controlo, concluindo a administração fiscal, que a contabilidade do sujeito passivo em análise não reflete as verdadeiras prestações de serviços, não refletindo consequentemente a exata situação patrimonial, nem o resultado efetivamente obtido, nos exercícios de 2005 e 2006.
No supra identificado acórdão refere-se que “(…) O que está em questão ou debate é saber se houve transacção comercial entre os sujeitos, justificando a existência de tais faturas na contabilidade da impugnante, sendo-lhe permitido deduzir o IVA inscrito nas faturas.
Nos casos de faturação falsa não tem particular relevo a questão da correção formal da contabilidade, mas antes a substancial. O que interessa é saber se o que está registado de modo formal, obedecendo às regras de contabilização fiscal, corresponde à realidade efetiva, se existiram as operações anotadas e documentadas, pois é com esta roupagem que o utilizador das faturas falsas poderá subtrair-se ao controle da administração fiscal.
[c] A Recorrente discorda da sentença por esta sentenciar no sentido de julgar improcedente a impugnação, pois que no seu entender a AT não reuniu indícios concretos de que as faturas emitidas pela O... não representam operações económicas reais. [conclusões D a Q] e vai enumerando as situações que alegadas, também, na p.i., contrariam a conclusão a que se chegou no tribunal “a quo”.
Estamos, pois, no âmbito do erro de julgamento da aplicação do direito aos factos.
Nos presentes autos a sentença recorrida entendeu que “Concludentemente, os SIT suportaram a sua actuação em vários factos que reputaram como indiciadores de colocarem em causa a fiabilidade da contabilidade da Impugnante.
Vejamos assim se tais factos consubstanciam a actuação aqui dissidente. No que concerne ao ónus da prova, é entendimento jurisprudencial pacífico, reiterado e sólido, que, nos casos como o vertente, em que esteja em causa a desconsideração de custos, no pressuposto de que as operações tituladas pelas facturas não têm aderência à realidade, em termos correspondentes ao disposto no artigo 342º do CC, a AT tem que recolher indícios sérios da inexistência de operações tituladas por facturas – inter allios acórdão do STA de 14.01.2004, rec. 01480/03 e acórdão do TCA Norte de 26.04.2012, rec. 00964/06.0BEPRT.
No entanto, não é necessário que a AT faça prova dos pressupostos da simulação, previstos no artigo 240º do CC, sendo suficiente a prova de indícios sérios, objectivos e firmes, que vertam uma probabilidade elevada, de que as facturas não titulam operações reais – neste sentido veja-se o entendimento perfilhado pelo acórdão do TCA Norte de 24.1.2008, rec. 02877/04.
“Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo” (cfr. Acórdão do STA de 27.10.04, rec. 810/04)
Realizada a prova por parte da AT, dos pressupostos fáctico - jurídicos, recai sobre o sujeito passivo de imposto o ónus da prova da veracidade das referidas facturas, de forma a serem consideradas negativamente na determinação do lucro tributável, conforme preceitua o artigo 23º do CIRC (cfr. acórdão do STA de 24.10.2007, rec. 0479/07 e por similitude o acórdão da Secção do Pleno do STA de 7.05.2003, rec. 01026/02).
No que respeita aos primeiros indícios recolhidos, inexistência de prestação de serviços por parte da sociedade O..., reuniu a AT um conjunto de elementos que a convenceram que se tratava de emissão de facturas falsas.
Invoca a Impugnante que não lhe competia a identificação dos colaboradores cedidos pela O..., porquanto estes integrariam os quadros daquela outra empresa.
Com efeito e individualizado tal indício, poderíamos considerar que efectivamente recairia sobre a O... o fornecimento de tais elementos.
No entanto, e tal qual percepcionado pelos SIT no âmbito do procedimento inspectivo e aqui não contrariado pela Impugnante, decorre da cláusula terceira do contrato de fornecimento de serviços entre a Impugnante e a O... a obrigatoriedade da apresentação de relação de colaboradores cedidos à Impugnante.
Acresce que, não logrou a Impugnante justificar devidamente porque é que os trabalhadores questionados pelos SIT identificavam o Sr. L... como patrão, assim como as instalações e funcionária da Impugnante e não da O....
Ressalve-se que a justificação apresentada por M… ao Tribunal, no sentido dos colaboradores se terem deslocado à sede da Impugnante para pedir emprego, não justifica o facto daqueles terem afirmado não conhecerem o sócio gerente da O... e/ou qualquer outro elemento dessa sociedade.
Alega também a Impugnante que não poderá fundamentar-se o recurso à avaliação indirecta com a emissão de recibos, porquanto não decorrer da lei a emissão de recibos.
Ora, mais uma vez, e, só por si, tal facto não seria efectivamente elemento relevante para a avaliação indirecta. No entanto, tais recibos não se encontravam registados contabilisticamente, o que contraria o já aqui referenciado artigo 98º do n.º 3 do CIRC.
Defende de igual forma a Impugnante que o facto de terem sido emitidos cheques sobre o BPI, quando não existe conta de bancos na contabilidade não implica a distorção do total das disponibilidades da empresa, não permitindo questionar da materialidade dos serviços prestados e controvertidos.
Com a Lei n.º 55-B/2014, de 30.12, os sujeitos passivos de IRC que devam dispor de contabilidade organizada passaram a estar obrigados a possuir conta bancária, através da qual devem, exclusivamente, ser movimentados os pagamentos e recebimentos atinentes à actividade da sociedade, estabelecendo à data o n.º 3 a obrigatoriedade de pagamento de facturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a 20 vezes a retribuição mensal mínima através de meio de pagamento que permita a identificação do destinatário, seja por débito directo, cheque ou transferência bancária.
Atendendo a que à data dos factos, 2005 e 2006 a RMM correspondia a €374,70 e €385,90 (cfr. DL n.º 242/2004 de 31.12 e DL nº 238/2005 de 30.12) a Impugnante estava assim obrigada ao cumprimento daqueles formalismos relativamente a valores iguais ou superiores a €7.494,00 e €7.718,00, o que não se verificou, atento os valores vertidos no relatório dos SIT, em muito superiores.
Ora, com o aditamento deste preceito legal à LGT pretendeu o legislador que a actividade das empresas fosse mais facilmente sindicada, por forma a constatar-se os fluxos financeiros de uma qualquer actividade.
Como tal, com o pagamento em numerário nenhum destes preceitos é observado, não logrando descortinar-se a que título os pagamentos foram efectuados, assim como o destino dos mesmos. Assim e também por esta razão a contabilidade poderá não reflectir a exacta situação patrimonial da Impugnante.
Acresce que, in casu, e porque controvertida é a cedência de trabalhadores à Impugnante, impunha-se que o depoimento de M… fosse mais circunstanciado, no sentido de aferir, sem qualquer dúvida, da forma como os serviços prestados foram efectivados, identificando os trabalhadores cedidos, e logrando justificar as incongruências verificadas, isto é, impunha-se que as declarações fossem mais concretizadas.
Quanto aos demais elementos reunidos pelos SIT e atinentes aos registos contabilísticos considera o Tribunal que a Impugnante não apresentou elementos coerentes, não permitindo assim afastar as conclusões extraídas pelos SIT.. (…)”
O n.º 1 do art.º 17.º do CIRC prevê que “O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”
Por sua vez, a alínea a) do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, considera custos ou perdas os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação.
Nesta conformidade, da interpretação conjunta dos art.º n.º 1 do art.º 17.º e alínea a) do n.º 1 do art.º 23.º ambos do CIRC, resulta que a determinação do lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas deduzidos os gastos que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Sustentando-nos novamente na fundamentação do acórdão 509/09.4 aí se refere que “(….) A AT concluiu que as operações descritas nas faturas eram fictícias.
As faturas falsas são documentos nas quais o emitente declara a prestação de um serviço ou a venda de bens que não correspondem a operação material e realmente existente. Simulam uma realidade que não existe ou, pelo menos, não existe tal como nelas se documenta.
A AT concluiu que as faturas emitidas pela O... não são aceites porque são falsas; titulam operações simuladas (relatório junto ao p.a apenso)
Tal factualidade chama à colação a figura da simulação que apenas vem definida no Código Civil.
De acordo com o Código Civil, no art. 240º a simulação é a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos sujeitos do negócio e que entre eles haja um acordo nesse sentido (simulatório) com o intuito de enganar terceiros. Pode haver simulação simples, atos jurídicos e em negócios jurídicos unilaterais Código Civil Anotado, 4ª Edição, Vol. I, página 227, de Pires de Lima e Antunes Varela. A simulação pode ser absoluta [quando não há vontade de realizar algum negócio] ou relativa [quando há vontade de dissimular um outro negócio], esta simulação ainda pode ser subjetiva [quando o negócio dissimulado é realizado com outro sujeito] ou objetiva [quando o negócio dissimulado tem natureza ou conteúdo diverso, como sucede com a simulação de valor] podendo ainda ser uma simulação fraudulenta.
A simulação subjetiva é aquela que se enquadra nos factos em apreciação, haja um acordo dos sujeitos no sentido de que a vontade declarada não representa a vontade real e que com ela se queira enganar alguém, no caso a Fazenda.
Quer isto dizer que a existência de acordo entre o verdadeiro prestador do serviço e o seu utilizador, no sentido de simular a celebração do negócio entre um deles apenas e terceiro com o intuito de enganar a Administração Fiscal é elemento essencial da simulação.
Estando em causa, no caso, imposto sobre o valor acrescentado deduzido com base em faturas que, alegadamente, não têm subjacente nenhuma transação, cabe à administração fiscal demonstrar a adequação entre os factos-índice recolhidos no procedimento e o juízo sobre a existência do facto que confere o direito à dedução e ao sujeito passivo demonstrar a existência do facto tributário.
Realça-se, mais uma vez, que não é necessário que a administração tributária efetue uma prova direta da simulação; como em muitos casos (talvez a maioria) há que recorrer à prova indireta, a factos indiciantes, dos quais se extraem, com auxílio das regras da experiência comum, da ciência e da técnica, uma ilação consistente.
Tal circunstância entra na problemática da repartição do ónus da prova, sobre a qual dispõe o art. 74º, nº1, da LGT.
Neste particular, tem sido uniforme a jurisprudência do TCA Norte Entre outros os Acórdãos de 15/11/2013 no proc. 00201/06.8; 31/1/2014 no processo 01380/05.7;de 30/9/2014 no proc. 00707/08.4. quando a administração tributária desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do art. 74º da LGT, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade.
Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação.
De notar que a administração não precisa de demonstrar a falsidade das faturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo, ou seja, invocar factos que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados contantes da sua contabilidade (art. 75º da LGT) Citando o Ac do STA de 27/10/2004 no proc. N.º 810/04 e o Acórdão do Pleno de 7/5/2003 no processo 01026/02, todos disponíveis no site da dgsi, itij.
A liquidação adicional do IVA tem por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, competindo à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua atuação constantes do art. 82º, n.º1, do Cód. do IVA, isto é, assentando o juízo da administração na consideração de que as operações e o valor a que se referem as faturas em causa não correspondem à realidade, terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas faturas foram simuladas.
Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações, dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade (…) quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
Porém esta presunção cessa quando existam “indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.”
Os indícios são definidos como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” A Quantificação da Obrigação Tributária, de Saldanha Sanches, 2ª edição, pág. 311, citando o Professor Castro Mendes
Quer isto dizer, em consonância com a jurisprudência citada, quando estão em causa indícios de faturação falsa a AT não tem o encargo de provar a falsidade das faturas, bastando-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma séria probabilidade de que as faturas são «falsas» para cumprir o ónus da prova [arts. 74º, n.º1 e 75º, n.º2, al. a) da LGT]
É neste quadro normativo e jurisprudencial que há que indagar se a Administração Tributária, no seu poder de averiguação e inspecção, colheu indícios fundados e objectivos, para fazer cessar a presunção de veracidade da contabilidade do sujeito passivo.
Vejamos,
Do lado do emitente:
A O... foi constituída pelo A... e M... em 1995, estes transmitiram as quotas em 23 de fevereiro de 1999 a J---;
A inspeção foi originada pelo cruzamento efetuado no s.p. da área do Porto que tinha registado na sua contabilidade faturas da S..., com reembolsos do IVA, encontrando-se em situação irregular face à AT;
Nas diligências efetuadas no âmbito da inspeção à O... [no sentido de encontrar pessoalmente o gerente J...] verificou-se que o s.p. altera com frequência a sede da empresa quer o seu domicílio fiscal e encontrando-se em total incumprimento no ano de 2004 quanto às obrigações declarativas de IRC e IVA bem como contabilísticas;
Notificado para regularizar a situação não o fez com o motivo de lhe ser impossível reunir toda a documentação nem identificou os trabalhadores que mensalmente estavam nos clientes da S...;
Do lado do utilizador das faturas “S...”:
A impugnante foi constituída em 9/3/1998, com dois sócios, marido e mulher, A... e M..., posteriormente alterado o pacto social em 28/11/2006 sendo a atividade na prestação de serviços de apoio personalizado, interno e externo, a empresas, serviços administrativos de relações públicas, operadores de imagem, secretariado, atendimento e receção de pessoas;
A impugnante não possui trabalhadores no seu quadro de pessoal para prestar os aludidos serviços, subcontrata unicamente com a empresa “O...” Seleção e Colocação de Pessoal, Lda.
No ano de 2004 a conta do POC “Caixa”, por onde faz quer os recebimentos quer os pagamentos, tem saldo mensais muito elevados, no mês de março, agosto e dezembro, valores, respetivamente de 147.945,82; 360.877,42 e 553.676,64 passando no final do ano o saldo de 40.273,21€, resultando da contabilização dos recibos 256 e 257 no valor de 513.403,43€ emitidos pela empresa O..., Lda. e nesta rubrica a impugnante não dispõe na sua contabilidade, de Contas de Depósitos, apesar de ter emitido um considerável número de cheques sobre o Banco BPI, SA;
As faturas nos anos de 2004 a 2006 tem valores descriminados nos quadros dos relatórios a fls.150, 151, 170 e 171, foram contabilizadas e registadas na conta 62236- “Trabalhos Especializados” em contrapartida das contas do POC “2211- Fornecedor O...” e 11- Caixa”;
A contabilização da liquidação das faturas foi do dia 31/12/2004 e foram contabilizados dois recibos, n.ºs 256 de 30/6/2004 no valor de 249.416,08 e o n.º 257 de 30/12/2004 no valor de 263.987,35, impressos tipograficamente;
Nos anos de 2005 e 2006 foram contabilizadas os recibos emitidos mensalmente, impressos tipograficamente, parte do valor das faturas, foi liquidado em cheques ao portador;
Os cheques fornecidos vieram com alguns recibos pelo valor pago em numerário, sem timbre e não foram relevados contabilisticamente, na contabilidade porque já se encontravam registados todos os recibos impressos tipograficamente;
No âmbito das diligências realizadas na inspeção à S..., os inspetores solicitaram ao Sr. L... (gerente da impugnante) a lista de colaboradores que consta da clausula terceira do contrato estabelecido entre as duas empresas, tendo declarado não fornecer a lista em virtude de ela ser devolvida à O... após conferência, não ficando qualquer registo na S...;
Depois deste contacto aos inspetores não foi possível voltar a contactar com o Sr. L..., este mandatou o seu novo TOC, J…, para o representar junto da DGI;
Após notificação pessoal do Sr. J… este veio a entregar várias folhas datilografadas correspondentes a cada mês do ano de 2004, juntamente com fotocópias dos recibos dactilografados [folhas A4] e referentes aos pagamentos em numerário, contendo nestas apenas o total dos trabalhadores, sem identificação dos mesmos, conforme estava estipulado na cláusula terceira do contrato estabelecido entre a S... e a O...;
Alguns trabalhadores (alegadamente da O...) compareceram para prestar declarações e disseram não conhecer o gerente da O..., identificaram o Sr. L..., os escritórios da S... e a funcionária, D. H…;
Solicitados aos clientes meios de pagamentos para liquidar as faturas em nome da O..., nos anos de 2005 e 2006, teve-se acesso às fotocópias do cheques e transferência bancária, constatando-se que relativamente à S... parte dos pagamentos foram em numerário;
A S... não foi capaz de identificar os trabalhadores colocados nos seus clientes.

***
Tendo como ponto de partida os factos agora alinhados logo se percebe que a AT coligiu indícios fundados da inveracidade do que consta das faturas, apresenta indícios concretos que as operações descritas nas faturas não foram concretizadas pela O..., aliás, está patente nos autos que a S... (utilizadora das faturas) tinha conhecimento, e atuava com domínio da situação, de que a O... não lhe estava a fornecer trabalhadores que ela colocava nas empresas suas clientes.
Por conseguinte a sentença ao concluir com a AT, não merece reparo, pois que concatenando os elementos recolhidos ao nível do emitente das faturas [O...], o seu elevado número, a ausência de qualquer contabilidade, documentos e declarações fiscais, a sociedade ter sido constituída outrora pelos sócios e gerente da impugnante, a não localização nem conhecimento dos seus trabalhadores, estes apenas reconhecerem o gerente, as instalações e funcionários da impugnante, sem mínima identificação do gerente da O..., os desacertos dos movimentos financeiros e de dinheiro na contabilidade da impugnante, analisando-se, tudo, à luz das regras da experiência comum, torna-se claro que os mesmos indiciam fortemente e com elevada probabilidade de que as operações tituladas pelas faturas aqui em causa não são verdadeiras.
Aqui chegados, importaria que a Recorrente fizesse prova da veracidade dos serviços prestados, sendo que cabe ao contribuinte evidenciar tal realidade.
De notar, ainda, que aqui não tem aplicação a norma do art. 100º do CPPT que dispõe que: ”sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”, porquanto competindo, no caso, ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das operações em causa, não lhe basta criar a dúvida sobre a veracidade, ainda que fundada, pois nestes casos o art. 100º não tem aplicação.
Com efeito, a Recorrente assume a posição de reclamar a efectiva realização de todas as operações inscritas nas faturas, com argumentos não demonstráveis, sendo certo que os documentos nem a prova testemunhal arrolada e inquirida permitiu demonstrar tal realidade, ou seja, a materialidade das operações económicas subjacentes às faturas, a saber: que havia colocado trabalhadores nas empresas suas clientes fornecidos a si pela O....
Do que fica dito logo se intuiu a sentença cumpriu o dever legal de fundamentação ao concluir da forma que o fez, sancionando a legalidade da atuação da AT.(…)”

E assim sendo, e no que concerne ao caso em apreço e estando em questão as liquidações do IRC, não tendo sido provado pela Recorrente que os custos titulados pelas referidas faturas forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, não há motivo para alterar o decidido pela 1.ª instância.
Pelo que nega-se provimento ao recurso.

Conclusões/sumário:
I. III. Quando a administração tributária desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), competindo-lhe, fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade passando a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade das prestações de serviços ou transações tituladas pelas faturas.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Após transito em julgado do presente acórdão remeta-se cópia ao Serviço do Ministério Público de Braga, 3.º Secção de Processo.

Custas pela Recorrente nos termos da tabela I-B – cfr. n.º 2 do artigo 6.º, n.º 2, n.º 2 do art.º 7.º do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 28 de maio de 2015
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento