Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00473/14.4BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/29/2015
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Vital Lopes
Descritores:SOCIEDADES COMERCIAIS EM LIQUIDAÇÃO
NOTIFICAÇÃO DE DILIGÊNCIAS
LIQUIDATÁRIOS
EFICÁCIA DA DESIGNAÇÃO RELATIVAMENTE A TERCEIROS
Sumário:1. A designação dos liquidatários de sociedades comerciais apenas produz efeitos em relação a terceiros após a data do registo (art.º3.º, n.º1 alínea s) e 14.º, n.º1, do Cód. do Registo Comercial);
2. Como assim, as diligências que o n.º3 do art.º41.º, do CPPT, prevê sejam efectuadas na pessoa dos liquidatários das sociedades em liquidação, não abrange os casos em que a designação daqueles não produza efeitos relativamente a terceiros por falta do competente registo.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:Policlínica..., Lda.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou procedente a reclamação deduzida por Policlínica…, Lda., representada pelo liquidatário judicial J…, nos termos do art.º276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do despacho do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Lamego de indeferimento do pedido de anulação da venda.

Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:


1.ª Correm termos no serviço local de Finanças de Lamego, o processo de execução fiscal 2542201101009699 e apensos, instaurados contra a sociedade Policlínica..., Lda. (cfr. informação junta a fls. 130 a 139 dos autos);

2.ª No decurso das diligências realizadas para cobrança da divida em execução, foi, penhorado e vendido um bem imóvel, no caso a fracção C do artigo urbano 2… da freguesia de Lamego (Almacave) correspondente ao actual artigo 2… da Freguesia de Lamego (Almacave e Sé);

3.º Atento o processo nº. 349/12.0TBLMG que corre termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego, e por despacho do Meretissimo Juiz, titular dos referidos autos, foi nomeado liquidatário da sociedade Policlínica…, Lda, o Sr. Dr. J…, com efeitos a 24.05.2013 (cfr. fls. 47 e 48 dos autos);

4.ª O serviço de finanças de Lamego, apenas, em 06.03.2014 teve conhecimento da nomeação do Sr. Dr. J..., com efeitos a 24.05.2013, pelo Tribunal Judicial de Lamego, na qualidade de liquidatário judicial da sociedade Policlínica..., Lda. (cfr. informação a fls.130 dos autos);

5.ª Nos termos e para os efeitos do oficio 423 de 06.03.2014 o serviço de finanças de Lamego procedeu à notificação do Sr. Dr. J..., na qualidade de liquidatário da sociedade Policlínica..., Lda, para, face à venda realizada, e supra identificada no ponto A.2.º, proceder à entrega das chaves do referido imóvel;

6.ª Mais gostaríamos de referir que a venda realizada do prédio, correspondente ao actual artigo 2... da Freguesia de Lamego (Almacave e Sé), foi notificada à sociedade Policlínica..., Lda., conforme consta de fls. 63 a 75 e 98 a 108 dos autos;

7.ª Mais sendo de referir que a venda supra identificada, foi, também objecto de notificação ao Sr. José..., na qualidade, de representante/ administrador da sociedade Policlínica..., Lda, e de fiel depositário do bem penhorado (cfr. fls. 63 a 75 e 197 a 202 dos autos);

8.ª Tal como vimos de dizer, o serviço de finanças de Lamego, apenas, em 06.03.2014, teve conhecimento da nomeação do Sr. Dr. J..., com efeitos a 24.05.2013, pelo Tribunal Judicial de Lamego, na qualidade de liquidatário judicial da sociedade Policlínica..., Lda., facto participado àquele serviço, pelo Sr. José..., aquando da solicitação por parte do serviço de finanças de Lamego, da entrega das chaves do imóvel vendido, que aquele detinha na qualidade de fiel depositário;

9.ª Sendo que, o acto de nomeação do Sr. Dr. J..., com efeitos a 24.05.2013, pelo Tribunal Judicial de Lamego, na qualidade de liquidatário judicial da sociedade Policlínica..., Lda, nunca foi levado ao registo matricial da sociedade Policlínica..., Lda., conforme obrigatoriedade prevista no artº. 15 nº. 1 do CRC ( cfr. fls.89 a 93 dos autos );

10.ª Havendo ainda que considerar que o mesmo acto, também nunca foi participado à AT mediante a devida entrega de declaração de alterações, conforme, também obrigatoriedade que resulta do previsto no artº. 118 nº. 5 do CIRC, sendo que, como se disse supra, a AT, apenas em 06.03.2014 teve conhecimento da nomeação do Sr. Dr. J..., com efeitos a 24.05.2013, pelo Tribunal Judicial de Lamego, na qualidade de liquidatário judicial, da sociedade Policlínica..., Lda.;

11.ª Mais cabe referir, que, por deliberação da Assembleia Geral da sociedade Policlínica..., Lda, de 03.09.2009 foi aprovada a dissolução da mesma, factualidade que foi registada na competente conservatória pela apresentação1, de 18.09.2009 (cfr. fls. 89 a 93 dos autos);

12.ª No mesmo acto foram também nomeados liquidatários da referida sociedade A… e José..., os quais vieram a renunciar ao exercício do cargo, respectivamente em 31.10.2009 e 01.10.2010 (cfr. fls. 89 a 93 dos autos);

13.ª Se bem interpretamos o que vem dito e decidido na Douta Sentença aqui sob recurso, as notificações da venda supra referidas nos pontos A.12.º e 13.º, uma vez que, e apenas, foram notificadas ao Sr. José..., na qualidade de representante/administrador da sociedade Policlínica..., Lda., e encontrando-se à data das mesmas, a referida sociedade já dissolvida, tendo sido nomeado liquidatário da mesma o Sr. Dr. J..., com efeito a 24.05.2013, independentemente, e apesar de, a nomeação deste não constar do registo da matricula da referida sociedade, nem nunca ter sido participada à Autoridade Tributária, tendo tal facto, apenas sido conhecido da mesma entidade, em 06.03.2014, conforme vimos de dizer no supra ponta A.14.º, apesar de tal factualidade, conhece a Douta Sentença aqui sob recurso, que Administração Tributária, deveria ter procedido à notificação dos actos referentes à venda do bem imóvel, no caso a fracção C do artigo urbano 2380 da freguesia de Lamego (Almacave) correspondente ao actual artigo 2... da Freguesia de Lamego (Almacave e Sé), na pessoa do o Sr. Dr. J..., na qualidade de liquidatário da referida sociedade em cumprimento do disposto no artº.º 41 nº. 3 do CPPT, omissão que assim praticada importa nulidade processual nos termos do artº. 195 do CPC aplicável ex vi al. e) do art.º 2 do CPPT, e consequentemente a falta de notificação da venda na pessoa do liquidatário da sociedade Policlínica..., Lda, importa em ultima instância a anulação da venda do referido bem, posição com a qual a Fazenda Publica não pode concordar;

14.ª Na medida em que atento o previsto no Código das Sociedades Comerciais relativamente à matéria da liquidação das sociedades comerciais, e com relevância para os presentes autos gostaríamos de referir que, a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica (art. 146.º, n.º 2 do CSC), ou seja, após a ocorrência do facto dissolutivo “contínua susceptível de direitos e obrigações”, “contudo, os actos que pratica passam, agora, a ser no sentido da cessação ou extinção das relações em causa, e não no sentido da prossecução do seu objecto social” ;

15.ª Sendo que a personalidade da sociedade termina com o encerramento do processo de liquidação (art. 160.º, n.º 2 do CSC).
Até lá, continua a ser regulada segundo as disposições aplicáveis às sociedades não dissolvidas, porém, como o próprio art. 146.º, n.º 2 do CSC ressalva, contudo há que ter em consideração as normas que regulam a liquidação;

16.ª Por outro lado, a manutenção da personalidade jurídica da sociedade dissolvida não afecta a sua capacidade jurídica, o objecto social e o fim da sociedade. Ainda que, durante a liquidação, os actos praticados sejam no sentido de cessação ou extinção das relações societários e não no sentido da prossecução do seu objecto social, a sua capacidade de gozo não fica restringida às operações de liquidação e partilha;

17.ª Mais sendo de considerar que a dissolução produz uma modificação da situação jurídica da sociedade. Ainda que a sua organização interna não se modifique totalmente, verificam-se algumas alterações na competência dos seus órgãos.
A entrada da sociedade na fase de liquidação causa uma mudança das funções do órgão de administração porque este, salvo cláusula do contrato ou deliberação em contrário, vai ser substituído pelo órgão de liquidação (cfr. art. 151.º, n.º 1 do CSC). Neste sentido, António Pereira Almeida – Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários e Mercados, 6.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 893, e José Augusto Quelhas Lima Engrácia Antunes – Direito das Sociedades Comerciais, 2010, p.469 que ressalvam que a sociedade conserva todos os órgãos sociais, à excepção do órgão de administração, que passa a pertencer aos liquidatários;

18.ª No entanto, quando a vontade dos sócios imponha a nomeação de liquidatários, entre a dissolução e a sua nomeação, o órgão de administração manter-se-á em funções, cumprindo algumas obrigações impostas por lei, nomeadamente, a organização do balanço e as contas da sociedade nos sessenta dias seguintes à dissolução (art. 149.º, n.º 1 e 2 do CSC) e a inscrição da dissolução da sociedade no registo comercial (art.145.º, n.º 2 do CSC);

19.ª Contudo, as funções dos administradores não cessam sem que seja nomeado o liquidatário, de facto, seria incongruente que a lei deixasse uma sociedade sem órgão que a represente, podendo os administradores continuar temporariamente a actividade da sociedade, no entanto, nada impede que os sócios tomem uma deliberação no sentido de fazer cessar a actividade anterior da sociedade, Por uma questão de lógica, se, nos termos do art. 152.º, n.º 2 al. a) do CSC, podem os liquidatários vir a ser autorizados a continuar temporariamente a actividade anterior da sociedade, também devem poder os administradores, no período em que ainda não tenha sido nomeado liquidatário, fazê-lo;

20.ª Na verdade, dissolvida a sociedade, compete aos liquidatários representá-la durante a fase de liquidação. Enquanto representantes da sociedade em liquidação, os liquidatários podem ser designados por lei, nomeados pelos sócios, ou ser designados por via administrativa. A regra legal é que, salvo cláusula do contrato de sociedade ou deliberação em contrário, a partir do momento em que a sociedade se considere dissolvida, os membros da administração passam a ser liquidatários da sociedade (cfr. art. 151.º, n.º1 CSC), entrando automaticamente em funções. Esta designação reporta-se a todas as pessoas que, à data da dissolução, sejam gerentes ou administradores da sociedade;

21.ª Porém, os sócios podem pretender que os liquidatários da sociedade sejam outros sujeitos que não os gerentes ou administradores da sociedade. Para isso, devem nomear os liquidatários no contrato de sociedade ou através de deliberação posterior à dissolução da sociedade;

22.ª A nomeação dos liquidatários através de deliberação dos sócios pressupõe que, no pacto contratual, estes tivessem previamente afastado a aplicação do art. 151.º, n.º1 CSC e determinado que, dissolvida a sociedade, cabe aos sócios, através de deliberação, nomearem os liquidatários, ou que a nomeação seja contemporânea da deliberação sobre a dissolução da sociedade ou, como refere Carolina Cunha – Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume II, Almedina, Coimbra, 2011, pelo menos, anterior ao seu registo;

23.ª Se a nomeação dos liquidatários não for contemporânea da deliberação de dissolução ou pelo menos anterior ao seu registo, entram em funções, ainda que por pouco tempo, como liquidatários, os sujeitos que, à data da dissolução eram gerentes ou administradores da sociedade passando a deliberação dos sócios a incidir sobre a sua substituição, e não a sua nomeação;

24.ª Fazendo apelo ao que vem dito, e voltado agora ao caso dos presentes autos, não pode, a nosso ver, ser esquecido que, em 03.09.2009, aquando da deliberação de dissolução pela Assembleia Geral, da sociedade Policlínica..., Lda., da dissolução desta e tal como vimos de dizer supra no ponto A. 17.º e 18.º, foram também nomeados liquidatários da referida sociedade A… e José..., os quais vieram a renunciar ao exercício do cargo, respectivamente em 31.10.2009 e 01.10.2010 (cfr. fls. 89 a 93 dos autos);

25.ª Ora, e como vimos de dizer supra no ponto A.15, o acto de nomeação do Sr. Dr. J..., com efeitos a 24.05.2013, pelo Tribunal Judicial de Lamego, na qualidade de liquidatário judicial da sociedade Policlínica..., Lda, nunca foi levado ao registo matricial da sociedade Policlínica..., Lda., conforme obrigatoriedade prevista no artº. 15 nº. 1 do CRC ( cfr. fls.89 a 93 dos autos);

26.ª Donde, para um qualquer terceiro que necessitasse de conhecer a situação jurídica daquela sociedade, tal como de facto sucedeu com o serviço de finanças de Lamego, e consultasse para o referido efeito, os elementos constantes da certidão da conservatória do registo comercial da referida sociedade, outra conclusão não podia tirar que, aquela sociedade não tinha nomeado qualquer liquidatário;

27.ª Ora, analisada a certidão da conservatória do registo comercial junta aos autos a fls. 89 a 93, o Sr. José..., era gerente da sociedade Policlínica..., Lda, à data da dissolução daquela;

28.ª Assim, sendo como é, tendo os liquidatários nomeados renunciado aquelas funções, e não constando do registo comercial da sociedade designação de novo liquidatário, qualquer terceiro que consultasse a referida certidão da conservatória do registo comercial, face ao que vem dito supra no ponto B. 8.º a 9.º e 12.º a 15.º, seria levado a concluir que a sociedade seria representada pelos gerentes desta à data da dissolução, donde, a nosso ver, a notificação da venda realizada pelo serviço de finanças de Lamego, na pessoa do Sr. José..., na qualidade de gerente da sociedade Policlínica..., Lda., é legitima, e não padece, de qualquer nulidade, designadamente aquela que foi conhecida na Douta Sentença aqui sob recurso;

29.ª E segundo entendimento que defendemos, contrariamente ao decidido na Douta Sentença aqui sob recurso, atentos os elementos constantes da certidão do registo comercial, a pessoa com legitimidade para representar a sociedade Policlínica…, Lda, e a notificar da venda do bem imóvel penhorado e vendido o processo de execução fiscal 2542201101009699 e apensos, eram os gerentes à data da deliberação da dissolução daquela, e sendo o Sr. José..., gerente daquela à data da dissolução, é nosso entendimento que a notificação da venda realizada no processo de execução fiscal 2542201101009699 e apensos, e supra identificada no ponto A.13.º foi validamente cumprida;

30.ª E, como já deixamos dito, conforme ponto A.12.º e 13.º, a venda do bem imóvel penhorado e vendido o processo de execução fiscal 2542201101009699 e apensos, foi notificada quer, à sociedade Policlínica..., Lda., quer ao Sr. Sr. José..., na qualidade de gerente daquela à data da dissolução, e que a referida notificação de venda, foi praticada no âmbito de um processo de execução fiscal no caso o processo de execução fiscal 2542201101009699 e apensos, que corre termos junto do serviço de finanças de Lamego;

31.ª O processo de execução fiscal tem natureza judicial, expressamente reconhecida pelo art. 103.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT);
Diz o art. 103.º, n.º 1, da LGT: «O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não têm natureza jurisdicional».).
32.ª E o acto que determinou a venda do bem imóvel penhorado o processo de execução fiscal 2542201101009699 e apensos, a modalidade daquela e respectivo valor base, é um acto praticado num processo judicial tributário, e não num qualquer procedimento tributário naquele enxertado ou seja, o acto em causa não poderá, de todo, ser considerado como um acto ou decisão em matéria tributária;

33.ª Pelo que, a nosso ver, a notificação, do acto que determinou a venda do bem imóvel penhorado o processo de execução fiscal 2542201101009699 e apensos, a modalidade daquela e respectivo valor base, a nosso ver, atento o carácter judicial do processo de execução fiscal, e o regime por que se regulam as notificações efectuados no processo de execução fiscal que não tenham a natureza de actos em matéria tributária, é o do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT. Pelo que àquela notificação aplica-se, pois, o regime das notificações judiciais previsto no CPC, designadamente nos arts. 247.º a 250.º desse Código;
34.ª Concluindo, no caso dos autos, a notificação da venda do bem imóvel penhorado o processo de execução fiscal 2542201101009699 e apensos, conforme vimos de dizer no ponto A. 12.º e 13.º, foi notificada quer, à sociedade Policlínica..., Lda., quer ao Sr. José..., na qualidade de gerente daquela à data da dissolução, e nas condições previstas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 249 do CPC, o que significa face a tudo o que vimos de dizer que a notificação da venda supra referida no quesito 2.º, deve considerar-se devidamente efectuada, e foi remetida para lhe dar a conhecer a a venda, a modalidade daquela e o valor base do bem a vender, pelo que, na venda do bem constante do artigo 2... da Freguesia de Lamego (Almacave e Sé), pelo serviço de finanças de Lamego, deve considerar-se observado o disposto no art. 812 do CPC, e por maioria de razão que tal acto praticado em sede de execução fiscal foi realizado com o cumprimento de todos os requisitos legais, contrariamente ao decidido na Douta sentença aqui sob recurso.

Nestes termos e nos melhores de Direito, que serão por V.as Ex.as Doutamente supridos, chamando aqui à colação tudo o anteriormente dito, e em nosso entendimento, sem necessidade de maiores considerações, não configurando o acto reclamado um acto lesivo de qualquer direito, impõe-se a nosso ver, que o presente recurso, seja julgado procedente, e em consequência, revogada a Douta sentença, com todas as consequências legais, designadamente, mantendo-se a venda realizada no processo de execução fiscal, o processo de execução fiscal 2542201101009699 e apensos, e o consequente prosseguimento do processo de execução fiscal».

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo.

O Recorrido conclui assim as contra-alegações apresentadas:

«A) O recurso apresentado pela Fazenda Nacional é, salvo o devido respeito, inepto, nenhum facto constante da matéria de facto dada como provada na decisão recorrida é posto em causa, nem foram invocados - nem nos termos em que a lei do recurso o exige - quaisquer erros/vícios/nulidades à decisão recorrida;
B) O Tribunal recorrido efectuou a interpretação e aplicação correcta das normas que ao caso tiveram aplicação;
C) A decisão recorrida está suficiente e devidamente fundamentada e é justa;
D) Sendo de lamentar que um Ilustre Representante da Fazenda Nacional perca tempo a recorrer de uma decisão que repondo a legalidade, veio, assim, dar sem efeito a venda de um bem Imóvel por menos de metade do seu valor com claro benefício para o adquirente (terceiro) e prejuízo para a executada e - uma vez que esta o liquidatário Judicial a tratar de liquidar a sociedade e pagar aos credores - para os credores (onde se inclui a própria Fazenda Nacional).
TERMOS EM QUE, COMO NOS DEMAIS DE DIREITO, SE PEDE A VOSSAS EXCELÊNCIAS MANTENHAM A DECISÃO RECORRIDA.
DESSE MODO SENDO FEITA A COSTUMADA JUSTIÇA!».

Remetidos os autos a este tribunal, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer, cuja síntese conclusiva se transcreve: “Tendo sido dado como provado que quem era o liquidatário da sociedade não foi notificado, não merece censura a decisão do Tribunal, em face do enquadramento jurídico daí resultante e a fundamentação expendida, pelo que se deve negar provimento ao recurso”.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações, a questão que importa decidir reconduz-se nuclearmente a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que ocorreu falta de notificação da executada, na pessoa do seu liquidatário judicial, do despacho executivo que determinou a modalidade da venda.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:


A) Correm termos no Serviço de Finanças de Lamego contra a sociedade “Policlínica..., Lda. - em liquidação”, os processos de execução de execução fiscal n.º 2542201101009699 e apensos, instaurados para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IMI, no montante de 1.580,05 € e acrescido legal de 389,29 € – cfr. informação de fls. 32 dos autos.
B) No âmbito da execução fiscal referida em A), em 24/04/2013, foi penhorada a fração autónoma identificada pela letra “C” do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia de Lamego (Almacave e Sé), concelho de Lamego, inscrito no artigo 2… da matriz urbana respetiva – cfr. informação de fls. 32 dos autos.
C) Em 23/05/2013, por despacho judicial proferido no âmbito do processo de liquidação judicial de sociedades que corre termos no 1.º Juízo, do Tribunal Judicial de Lamego, sob o n.º 349/12.0TBLMG, foi designado liquidatário José Eduardo Castro Martins, para proceder à liquidação judicial da sociedade “Policlínica..., Lda.” – cfr. fls. 12/14 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
D) Em 12/07/2013, no âmbito do processo de execução fiscal identificado em B), o Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Lamego proferiu despacho a designar o dia 24 de outubro de 2013 para a adjudicação da fração autónoma referida em B), por meio de leilão eletrónico, fixando o valor base de licitação em 50.953,70 € - cfr. fls. 62 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) Em 12/07/2013, o Serviço de Finanças endereçou, por correio registado, à sociedade “Policlínica..., Lda.”, o ofício n.º 1193, com o seguinte teor:



- cfr. fls. 63 e 98 dos autos.
F) A carta referida em E) foi devolvida ao remetente - fls. 63 verso e 99 dos autos.
G) Em 12/07/2013, o Serviço de Finanças de Lamego endereçou a José..., o ofício n.º 1192, com o seguinte teor:

- cfr. fls. 64 e 197/199 dos autos.
H) Com data de 05/08/2013, o Serviço de Finanças endereçou, por correio registado, à sociedade “Policlínica..., Lda.”, o ofício n.º 1361, com o seguinte teor:

- cfr. fls. 65 dos autos.
I) O ofício referido em H) foi devolvido ao remetente – cfr. fls. 65 verso.
J) Em 29/10/2013, o Sr. Chefe do Serviço de Finanças proferiu o seguinte despacho:










- cfr. fls. 67 dos autos.
K) Em 29/10/2013, o Serviço de Finanças endereçou, por correio registado, à sociedade “Policlínica..., Lda.”, o ofício n.º 2009, com o seguinte teor:

- cfr. fls. 68 e 101 dos autos.
L) O ofício mencionado em K) foi devolvido ao remetente – cfr. fls. 68 verso e 102 dos autos.
M) Em 01/11/2013, o Serviço de Finanças remeteu, por correio registado, à sociedade “Policlínica..., Lda.”, o ofício n.º 2097, com o seguinte teor:

- cfr. fls. 69 e 103 dos autos.
N) O ofício mencionado em M) foi devolvido ao remetente – cfr fls. 69 verso e 104 dos autos.
O) Em 30/12/2013, o Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Lamego proferiu o despacho constante de fls. 71 dos autos, com o seguinte teor:










P) Em 30/12/2013, o Serviço de Finanças remeteu, por correio registado, à sociedade “Policlínica..., Lda.”, o ofício n.º 2458, com o seguinte teor:

- cfr. fls. 69 e 105 dos autos.
Q) O ofício a que se alude em P) foi devolvido ao remetente - cfr. fls. 69 verso e 106 dos autos.
R) Na mesma data, o Serviço de Finanças remeteu a José... o ofício n.º 2459, com o seguinte teor:

- cfr. fls. 73 e 200/202 dos autos.
S) Em 07/01/2014, o Serviço de Finanças remeteu, por correio registado, à sociedade “Policlínica..., Lda.”, o ofício n.º 17, com o seguinte teor:

- cfr. fls. 107/108 dos autos.
T) O ofício referido em S) foi devolvido ao remetente – cfr. fls. 108 dos autos.
U) Em 26/02/2014 o imóvel a que se alude em C) foi adjudicado a André…, pelo valor de 12.000,00 € - cfr. fls. 74/80 dos autos.
V) Em 06/03/2014, o Serviço de Finanças remeteu a “José Eduardo Cardoso Martins (na qualidade de Liquidatário Judicial da sociedade P…, LDA.)”, o ofício n.º 423, com o seguinte teor:

- cfr. fls. 83 dos autos.
W) Em 19/03/2014, deu entrada no Serviço de Finanças de Lamego, requerimento contendo pedido de anulação de venda do imóvel referido em B), subscrito pelo referido José…, na qualidade de liquidatário judicial da sociedade executada - cfr. fls. 24/27 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
X) Em 12/05/2014, a Equipa de Apoio às Execuções Fiscais da Direção de Finanças de Viseu emitiu a informação constante de fls. 130/139 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
[…]












































































Y) Sobre a informação a que se alude em X) foi exarado despacho da autoria da Sr.ª Diretora de Finanças, em substituição, com o seguinte teor:


















- cfr. fls. 129 dos autos.
Z) A decisão mencionada em Y) foi notificada à executada, na pessoa do seu liquidatário judicial, J…, através do ofício n.º 3184, de 12/05/2012, rececionado em 13/05/2014 – cfr fls. 140/141 dos autos.
AA) A presente reclamação foi remetida por correio registado em 28/05/2014 – cfr. informação de fls. 153/154 dos autos.
BB) Da certidão permanente da sociedade comercial Policlínica..., Lda. – em liquidação, constam, entre outras, as seguintes inscrições:
[…]

[…]




- cfr. fls. 89/93 dos autos».

E mais se deixou consignado na sentença:

«Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou do exame crítico dos documentos e informações constantes dos autos, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificada em cada um dos pontos do probatório».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

A Recorrente imputa à sentença erro de julgamento ao concluir verificar-se nulidade da venda por falta de notificação à executada sociedade, na pessoa do seu liquidatário, do despacho que determinou a modalidade da venda.

Na óptica da Recorrente, tal nulidade não ocorre porque a notificação da executada sociedade nunca poderia ser feita a liquidatário cuja nomeação não constava do registo, tendo sido regularmente efectuada a José..., na qualidade de representante/ administrador da sociedade.

Nos termos do art.º886.º-A do CPC, aplicável à execução fiscal, o executado deverá ser notificado da modalidade da venda para se pronunciar.
Na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, dispõe o art.º41.º do CPPT:

«1 - As pessoas colectivas e sociedades são citadas ou notificadas na sua caixa postal electrónica ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.

2 - Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade.

3 - O disposto no número anterior não se aplica se a pessoa colectiva ou sociedade se encontrar em fase de liquidação ou falência, caso em que a diligência será efectuada na pessoa do liquidatário».

Operada a dissolução, a sociedade comercial entra em liquidação.

A entrada da sociedade em liquidação causa uma mudança de funções no órgão da administração, o qual, salvo cláusula do contrato ou deliberação em contrário, vai ser substituído pelo órgão de liquidação – art.º151.º, n.º1, do Código das Sociedades Comerciais.

Deliberando os sócios nomear liquidatários, mantém-se em funções o órgão de liquidação até à inscrição da nomeação no registo – art.º151.º, n.º7, do CSC.

De acordo com o disposto no n.º1 do art.º152.º, do CSC, “Com ressalva das disposições legais que lhes sejam especialmente aplicáveis e das limitações resultantes da natureza das suas funções, os liquidatários têm, em geral, os deveres, os poderes e a responsabilidade dos membros do órgão de administração da sociedade”.

Os liquidatários podem renunciar ao cargo, estando a renúncia sujeita a registo – art.º258.º, do CSC e 3.º, n.º1 alíneas m) e s), do Código do Registo Comercial.

Nos termos do disposto no n.º1 do art.º14.º, do CRC, “Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo”.

Tal como a renúncia, também a designação de funções dos liquidatários constitui facto sujeito a registo – art.º3.º, n.1 alínea s), do CRC.

O registo deve ser promovido pelo liquidatário nomeado – art.º152.º, n.º3 alínea b), do CSC e 17.º do CRC.

Delineado o acervo normativo que importa trazer à colação, desçamos aos autos.

Nas datas de 12/07/2013 e 30/12/2013, em que foram efectuadas à executada as notificações em causa do despacho que determinou a modalidade da venda (cf. alíneas G) e R) do probatório) constavam do registo (conforme certidão a fls.89 extraída em 02/04/2014): inscrição da dissolução da sociedade com data de 18/09/2009, com prazo para liquidação de dois anos; inscrição com data de 10/03/2011, da designação como liquidatários de José... e de A…; inscrição com data de 04/07/2011 da cessação de funções do liquidatário José... por renúncia reportada à data de 01/03/2010.

Nada mais de pertinente constava do registo, no que respeita à designação de outros liquidatários.

Pois bem, não constando do registo a designação do Dr. J… como liquidatário judicial, por despacho de 24/05/2013 (cf. ofício a fls.46 e art.º1.º da douta petição inicial de reclamação), tal facto não produz efeitos em relação a terceiros, como decorre do disposto no art.º14.º, n.º1, do CRC e 168.º, n.º4, do CSC.

Logo, para um terceiro, no caso a Administração tributária, tudo se passa como se tal liquidatário não tivesse sido designado e, por conseguinte, a notificação da executada nunca poderia ter lugar, ex vi do art.º41.º, n.º3, do CPPT, na pessoa do liquidatário judicial, Dr. J…, que agora a representa nos autos.

Resta então saber, se à face do registo, se podem considerar correctas as notificações da executada de 12/07/2013 e 30/12/2013, comunicando-lhe a modalidade da venda, efectuadas na pessoa de José... “na qualidade de representante/administrador da sociedade” (cf. fls.197 e 200).

Á datado registo da dissolução da sociedade (18/09/2009), constavam como gerentes José... e A….
Esta última cessou as funções de gerente e de liquidatária, para que fora designada por deliberação dos sócios de 02/03/2009 e 03/09/2009, respectivamente, por renúncia, inscrita em 11/03/2011 e, em ambos os casos, reportada a 31/10/2009.

O José... cessou funções de liquidatário, por renúncia, inscrita em 04/07/2011 e reportada a 01/03/2010.

Não consta do registo que tenha renunciado ao cargo de gerente, para que fora designado por deliberação social de 02/03/2009.

A renúncia produz efeitos em relação à sociedade independentemente do registo e torna-se efectiva oito dias depois de recebida a comunicação, como decorre do disposto no art.º258.º, n.º1, do CSC. O que significa que o gerente renunciante se não mantém em funções até nova designação. Esta solução compreende-se na medida em que a renúncia implica que o renunciante não se sente capaz ou não se encontra na disposição, por qualquer motivo de ordem pessoal, de bem desempenhar as funções de administrador, o que justifica, até como salvaguarda dos interesses sociais, que não lhe seja imposto o prolongamento da sua administração.

Mas em relação a terceiros, a renúncia só produz efeitos após o registo, conforme o disposto no art.º14.º, n.º1, do CRC.

Igualmente se passam as coisas, por identidade de razões, com a renúncia dos liquidatários nomeados pelos sócios, que não se mantêm em funções até nova designação, produzindo a renúncia efeitos relativamente a terceiros após o registo.

Nestas circunstâncias, afigurando-se incongruente que a lei deixasse uma sociedade sem órgão que a represente no domínio do comércio jurídico, só pode entender-se que ocorrendo renúncia dos liquidatários nomeados pelos sócios, reassumem temporariamente tais funções os membros do órgão de administração que se mantenham em exercício e até à designação de novos liquidatários.

Ora, no caso da executada sociedade, o único membro do órgão de administração que, à face do registo, não renunciara ao cargo era o José..., estando averbada, como se disse, a renúncia do outro membro, A....

Tendo sido efectuada a notificação da executada sociedade na pessoa daquele José..., considera-se a mesma correctamente efectuada, não ocorrendo em consequência violação do disposto no art.º41.º, do CPPT, uma vez que a citação/ notificação que a lei impõe se faça na pessoa do liquidatário encontrando-se a sociedade em liquidação, não pode abranger os casos em que a nomeação daquele não produza efeitos relativamente a terceiros por falta do competente registo.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e indeferir a reclamação.

Custas pela Recorrida.

Porto, 29 de Janeiro de 2015
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro