Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03114/10.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/10/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
Sumário:I. O n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
II. Por força do art.º 24.º da LGT, compete à Fazenda Pública, na qualidade de exequente o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:H...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Processo nº 3114/10.5 BEPRT (Recurso Jurisdicional)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, Fazenda Publica, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a oposição à execução n.°3360200501035193 e apensos intentada originariamente contra S…, SA, e revertida contra H..., aqui Recorrida, por dívidas de IVA, IMI, IRC e IRS, e Coimas Fiscais, relativas aos anos 2000 a 2007.

A Recorrente no recurso jurisdicional formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

“(…) A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a oposição deduzida no processo de execução fiscal (PEF) n.º 3360200501035193 e apensos, por haver considerado que “a Administração fiscal nada alegou e/ou provou em sede de procedimento de reversão, donde se possa extrair que a aqui Oponente exerceu de facto, de forma sistemática ou regular, as funções de gerente da sociedade devedora originária”.

B. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto considera que a sentença padece de erro de julgamento de facto.

C. Perscrutados os autos, designadamente a informação que antecede o despacho de reversão, no qual o mesmo se suportou, que consta do probatório a sua alusão (ponto E do probatório), consideramos que AT demonstra atos de administração/gerência praticados pela oponente e confirmados pela própria.

D. Tal como aí se refere, os atos praticados pela oponente com a aposição da sua “assinatura de alguns documentos da sociedade e de forma a permitir a vinculação da sociedade nesses actos”, bem como “alguns cheques da sociedade e de forma a permitir a vinculação da sociedade nesses actos”, confirmado por cópia de um cheque assinado pela oponente junto aos autos, são puros atos de administração que vinculam a sociedade, pelo que, perante os mesmos, confirmado pela própria, impunha-se à AT, sob pena de violação do principio da legalidade e da indisponibilidade do crédito tributário, accionar a responsabilidade subsidiária da aqui oponente.

E. Factos esses não considerados pelo Tribunal a quo, que aqui se requer que sejam dados como provados, ao abrigo dos poderes que são concedidos ao Tribunal ad quem pelo art. 662.º do Código de Processo Civil.

Assim,
F. Tendo a oponente assinado documentos e cheques da sociedade, de forma, como a mesma admite, a vincular a sociedade, pelo funcionamento das regras da experiência, é forçoso concluir que esta tinha de exercer de facto a administração da sociedade executada originária, sendo uma realidade incontornável, suporte bastante para a legal efectivação da sua responsabilidade subsidiária.

G. Note-se que a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, principal, completa ou hierarquicamente dominante (caso exista algo semelhante a uma hierarquia entre os gerentes), se este abarca a totalidade da capacidade jurídica da sociedade ou apenas certa parcela, estando quanto a esse aspecto arredada qualquer restrição da obrigação de responsabilidade.

H. Sendo assim, não podemos concordar que a AT no procedimento de reversão não demonstrou o exercício de facto da administração da executada originária da oponente, quando dos autos consta tal demonstração.

I. O Tribunal deve apreciar a prova produzida no seu todo, e perante a factualidade dada como provada e como não provada, deve decidir de acordo com as regras da experiência comum e a convicção da gerência de facto tem de ser formada a partir do exame crítico das provas.

J. Se a própria oponente admite a assinatura de documentos e cheques que vinculam a sociedade executada originária, considerados como atos de administração de facto na executada originária, não pode o Tribunal, sem mais, apreciar tal prova como inexistente.

K. Existindo então nos autos elementos probatórios que permitem concluir pela gerência efectiva por parte da oponente, têm estes de ser escrutinados e valorados, elegendo-os ou repudiando-os como instrumentais ou não do decidido, não podendo escudar-se a sentença sem mais, em que a prova não foi feita pela Fazenda Pública, para assim decidir contra esta.

L. Não obstante, a Fazenda Pública entende que na oposição sub judice foi feita prova nos autos da administração efectiva por parte da oponente no período em que se constituíram e venceram as dívidas.

M. Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto.

Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências. . (…)”

O Ministério Público junto deste tribunal teve vista nos autos emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a Recorrida não exerceu a gerência efetiva da sociedade devedora originária e, nessa medida, concluiu pela sua ilegitimidade na execução fiscal.

3. JULGAMENTO DE FACTO
No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efetuado nos seguintes termos:
“(…) 1 A). O Processo de Execução Fiscal n.°3360200501035193 e apensos foi instaurado pelo serviço de finanças do Porto 3 contra a sociedade devedora originária S…, Lda., por dívidas de respeitante de IVA, IMI, IRC e IRS, e Coimas Fiscais, relativas aos anos 2000, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, no montante total de €26.240,96, cf. fls.48 a 50 dos autos.
B). A sociedade S…, Lda., teve o seu início de actividade em 01/04/1974, e dedicava-se ao comércio por grosso e acessórios, tendo cessado a actividade no dia 30/04/2008,
C). Em 22/02/20087, o Chefe do serviço de finanças do Porto 3 proferiu despacho no sentido de ser determinada a audição da ora Oponente em sede de reversão da execução, o qual, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai como segue:
«Fundamentos da reversão:
Insuficiência de bens da originária executada. À data dos factos tributários era administradora, responsável subsidiária», cf. fls. 13 dos autos.
D). Em 18/0372008 a Oponente deduziu pronúncia em sede de audiência prévia da qual e em suma, para aqui se extrai o que segue:
- que figura como um dos elementos do Conselho de Administração, a pedido do seu marido Administrador, José Fernando Morgado Barquinha, não tendo em momento algum praticado qualquer acto de gestão ou participação na formação das decisões da sociedade devedora originária, à excepção dos pedidos que lhe foram feitos de assinatura de alguns cheques da sociedade e de forma a permitir a vinculação da sociedade nesses actos
- que jamais exerceu as funções para que havia sido nomeada, e que a elas sempre esteve alheia
- que não pode ser responsabilizada pelo cumprimento das obrigações tributárias em falta
- que a sociedade devedora originária, possui os bens necessários ao pagamento da quantia exequenda
- que não possui culpa quer pela alegada insuficiência de património quer pela falta de pagamento da dívida tributária, cf. fls. 25 a 28 dos autos cujo teor aqui se da por integralmente reproduzido.
E). Em 21/04/2008, no seio do Serviço de finanças 3, foi elaborada informação, que a final concluiu que no âmbito da pronúncia deduzida em sede de audição prévia, que não foram apresentados quaisquer elementos novos que alterem os pressupostos da reversão, e que o processo devia prosseguir para citação da ora Oponente, enquanto revertida, com o que concordou a Chefe de Finanças, por despacho dessa mesma data, cf. fls. 37 a 40 dos autos.
F). A aqui Oponente foi citada pessoalmente para a execução fiscal em 18/06/2008, cf. fls. 54 dos autos.
G). A Petição inicial que motiva os presentes autos de Oposição, foi instaurada junto do serviço de finanças de Porto 3, em 21/07/2008, cfr. fls. 140 dos autos.
IV. FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem outros factos provados. (…)”

3.2. Alteração e aditamento oficioso à matéria de facto.
Oficiosamente, e por nos autos existirem documentos que o comprovem, altera-se a alínea E) dos factos provados e adita-se a alínea H) nos seguintes termos:

E) Em 21.04.2008, no Serviço de Finanças 3, foi elaborada informação, onde consta:
(…) “A contribuinte foi nomeada para a administração da sociedade - originária executada – desde a transformação da sociedade em sociedade anónima, fazendo parte da administração desde o triénio 1991/1993, conforme consta da certidão da Conservatória de Registo Comercial.
De igual modo acontece aos triénios 1993/1995, 1996/1998 e confirmada em 15 de Dezembro de 1999.
Além de que, no ponto 4 das respostas à audiência prévia se diz: “excepção feita aos pedidos que lhe foram feitos de assinatura de alguns documentos da sociedade e de forma a permitir a vinculação da sociedade nesses actos”.
Noutra resposta, no processo 3360199601019929 Aps., diz-se: “excepção feita aos pedidos que lhe foram feitos de assinatura de alguns cheques da sociedade e de forma a permitir a vinculação da sociedade nesses actos, numa altura em que houve pedido de demissão do administrador José Morgado e só nessa altura.”
Estes actos, são actos de administração.
Se são actos que vinculam a sociedade, vinculam, também, os administradores.
A obrigação do responsável subsidiário é uma garantia da obrigação tributária constante da execução fiscal.
Se os bens da originária executada forem insuficientes para solver a dívida exequenda e acrescidos, pode a execução reverter contra o responsável subsidiário sem ser necessário que esteja comprovada a inexistência de bens penhoráveis da executada.
Para evitar que se vendam bens do responsável antes de estarem excutidos todos os bens do executado, pode suspender-se a reversão, depois de efectuada a penhora até que estejam excutidos todos os bens da executada.”
Ora, neste caso, não são conhecidos quaisquer bens da originária executada, susceptíveis de penhora e, nem os administradores apresentaram ou ofereceram quaisquer elementos que tornassem viável a penhora e pagamento prestacional.
Quanto ao IMI:
(…)
Deste modo e, como não foram apresentados quaisquer elementos novos que viessem alterar os pressupostos da reversão, sou de parecer que os processos devem ir para citação do revertido, porém melhor se decidirá.(…)”cf. fls. 37 a 39 dos autos.

H.) Na mesma data da informação referida na alínea E) foi proferido pela Chefe de Finanças Adjunta o seguinte despacho: “Em face da informação supra e, como em sede de audição prévia não foram apresentados quaisquer elementos que viessem a alterar os pressupostos da reversão, ordeno o prosseguimento do processo para a citação e mais termos.” Cfr. fls. 40 dos autos).

4. JULGAMENTO DE DIREITO

4.1. A única questão que importa apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir pela ilegitimidade da Recorrida para a execução fiscal, nos termos do artigo 24º, nº 1, alínea b) da LGT.

Alega a Recorrente, em síntese, que a oposição deveria ter sido julgada procedente, por existirem elementos probatórios nos autos que comprovam o exercício efetivo da gerência.
Vejamos:
Importa referir que a execução fiscal tem por objeto a cobrança coerciva, por reversão, por dívidas provenientes de IVA, IMI, IRC e IRS, e Coimas Fiscais, relativas aos anos 2000, 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007.
A responsabilidade dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada pelas dívidas tributárias, é aferida nos termos do disposto no artigo 24.º da LGT.
Estabelece o referido normativo que: “1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
A responsabilidade subsidiária dos gerentes/administradores, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo de gerente.
Este pressuposto retira-se da interpretação do exórdio do n.º 1 do art.º 24.º LGT, onde se menciona expressamente o exercício de funções. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam […] funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados…”
A responsabilidade subsidiária aí prevista também, não exige a gerência nominal ou de direito quando refere que “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados” (destacado nosso).
Desde logo, resulta dos citados normativos, que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respetivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
E é esta também a jurisprudência deste Tribunal espelhada nos acórdãos n.ºs 00349/05.6 BEBRG de 11.03.2010, 00207/07.0 BEBRG de 22.02.2012, 001517/07.1 BEPRT de 13.03.2014, 01944/10.7 BEBRG de 12.06.2014 e 01943/10.9 BEBRG de 12.06.2014 e do Pleno da seção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 28.02.2007, proferido no processo 01132/06 e 0861/08 de 10.12.2008 entre outros.
Assim, n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
A administração fiscal não beneficia de qualquer presunção.
É jurisprudência pacífica que “(…) presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).
As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.
As
presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.”(cfr. acórdão do STA n.º 0941/10 de 02.03.2011).
Nesta conformidade, não é possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente/administrador pode-se presumir a gerência de facto.
No entanto é possível efetuar tal presunção se o tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de nesse exercício a gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, não há apenas a ter em conta o facto de o revertido ter a qualidade de direito, pois havendo outros elementos que, em concreto, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, as posições assumidas no processo e provas produzidas quer pelo revertido quer pela Fazenda Pública.
Daí que se possa concluir que as presunções influenciam o regime de prova, tal como foi afirmado pelo acórdão proferido no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, no recurso n.º 1132/06 de 28.02.2007.
Em síntese, por força do art.º 24.º da LGT, compete à Fazenda Pública, na qualidade de exequente o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.
A Recorrente alega que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito. Resolvido que está o erro de julgamento de facto, em virtude do alteração e aditamento oficioso neste acórdão dos factos provados em E) e H) do ponto 3.2, importa agora verificar se a sentença recorrida fez errada interpretação dos artigos 24.°, n.° 1, al. b), da LGT e 204.°, n.° 1 al. b) do CPPT.
Relativamente a este ponto resulta dos factos dados como provados que a sociedade S…, Lda., dedicava-se ao comércio por grosso e acessórios, tendo tido como início de atividade o dia 01.04.1974 e cessação no dia 30.04.2008.
Consta ainda do probatório que a Recorrida foi nomeada para a administração da executada originária desde a sua transformação em sociedade anónima, fazendo parte da administração desde o triénio 1991/1993, conforme consta da certidão da Conservatória de Registo Comercial. De igual modo aconteceu aos triénios 1993/1995, 1996/1998 confirmado em 15 de dezembro de 1999.
Refira-se que não se encontra provado, nem consta dos autos, a nomeação para a administração, da Recorrida, relativamente aos anos da divida em causa, ou seja 2000 a 2007, sendo a última referência ao triénio 1996/1998, o que nos confronta desde logo que não ficou provada a gerência de direito da sociedade executada.
No entanto, importa verificar se está demonstrada a gerência de facto, uma vez, como supra se referiu, a responsabilidade subsidiária prevista no art.º 24.º da LGT, não exige a gerência nominal ou de direito.
Efetivamente consta do teor da informação que sustentou a reversão, que “Noutra resposta, no processo 3360199601019929 Aps., diz-se: “excepção feita aos pedidos que lhe foram feitos de assinatura de alguns cheques da sociedade e de forma a permitir a vinculação da sociedade nesses actos, numa altura em que houve pedido de demissão do administrador José Morgado e só nessa altura.”
Analisado detalhadamente o teor do referido documento, concertado com a pronúncia da Recorrida em sede de audição, constata-se o que ali é afirmado é precisamente o contrário àquilo que a Fazenda Publica concluiu.
A Recorrida afirma que, apesar de ter praticados atos esporádicos, jamais exerceu as funções para que havia sido nomeada e que a elas sempre esteve alheia.
Todavia, não se retira afirmação proferida pela Recorrida, em que contexto e em que período(s) e ano(s) foram esses documentos assinados, pelo que, tal afirmação não é suficiente, por si só, para demonstrar a gerência/administração de facto da Recorrida dos anos de 2000 a 2007.
Por seu turno a Fazenda Publica nada mais trouxe aos autos para demonstrar que a executada tenha agido como gerente/administradora efetiva da executada originária.
Nem cheques por ela assinados, [sendo que o que consta dos autos (fls.218 numerado pelo órgão de execução fiscal) reporta-se ao ano de 1992] nem remunerações auferidas, nem outros documentos que vinculem a sociedade, quer internamente, quer perante terceiros.
Deste modo, não tendo a Fazenda Pública provado que a executada, revertida, exerceu de facto a administração da devedora originária (concretamente no período tempo relevante para os efeitos da alínea b), do nº1 do artigo 24º da LGT) praticando os atos próprios e típicos da gerência, não pode o mesmo ser responsabilizado, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT.
Assim sendo, conforme decidido a Recorrida é parte ilegítima na execução fiscal, nos termos do artigo 204º, nº1, alínea b) do CPPT.
Por conseguinte, a sentença recorrida não merece censura, pelo que se julga improcedente o presente recurso.

4.2. E assim formulamos a seguinte conclusão:

I. O n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
II. Por força do art.º 24.º da LGT, compete à Fazenda Pública, na qualidade de exequente o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.


5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 10 de Maio de 2018
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento