Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00633/14.8BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/17/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CONTRATO NULO; PRODUÇÃO DE EFEITOS; CRÉDITOS LABORAIS; ARTIGO 83º, N.º1, DO REGIME DO CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS
, APROVADO PELA LEI N.º 59/2008, DE 11.09.
Sumário:1. O contrato declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, face ao disposto no artigo 83º, n.º1, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11.09, diploma aplicável ao caso.

2. Produzindo efeitos como se fosse válido significa que responsável pelo pagamento dos créditos laborais é a Junta de Freguesia demandada, parte no contrato, e não o seu Presidente de então, e os créditos fixados na decisão recorrida como se o contrato fosse válido são os devidos.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Junta de Freguesia (...)
Recorrido 1:P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Junta de Freguesia (...) veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 30.12.2016 pela qual foi julgada parcialmente procedente a acção administrativa comum intentada por P. para condenação desta Junta a pagar-lhe uma indemnização por despedimento ilícito no âmbito de um contrato de trabalho celebrado entre estas partes.

Invocou para tanto, em síntese, na sentença ora recorrida existiu uma errada interpretação do artigo 46º, nº 4, da Lei nº 64-B/2011, e artigo 9º, nº 7 da Lei 12-A/2010, quando determina que o contrato celebrado entre a autora e a ré é nulo, sem prejuízo da produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que esteve em execução; ao invés do decidido a acção deveria ter sido julgada totalmente improcedente.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A) Na douta sentença ora recorrida existiu uma errada interpretação do artigo 46º, nº 4, da Lei nº 64-B/2011, e artigo 9º, nº 7 da Lei 12-A/2010, quando determina que o contrato celebrado entre a autora e a ré é nulo, sem prejuízo da produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que esteve em execução

B) E isto porque a contratação da autora não respeitou os imperativos legais, quer por impossibilidade de renovação de contrato quer por completa ausência de procedimentos concursais para a contratação pública e por conseguinte não pode a actual junta de Freguesia, aqui recorrente, ser responsabilizada pelo pagamento de qualquer indemnização, nem tão pouco lhe pode ser exigidas responsabilidades desta violação da Lei, esta deve ser assacada directamente ao titular do órgão que violou a lei ao adoptar procedimentos ilegais.

C) A actual junta de freguesia, aqui recorrente só poderá responder e ser responsabilizada se houvesse legalidade nos procedimentos mesmo que praticados pelo anterior executivo, o que não foi o caso.

D) O mesmo se passa com a lei dos compromissos, Lei 8/2012 de 21 de fevereiro-LCPA (Lei dos compromissos e dos pagamentos em atraso) ou seja no nº2 do artigo 9º, deste normativo legal é aplicável aos casos em que sejam assumidos compromissos em violação do requisito do nº 3 do artigo 5º, que determina a necessidade de aposição do número de compromisso no documento de compromisso. Nestes casos, o agente económico perante o qual o compromisso tenha sido desconformemente assumido não poderá exigir o pagamento ou ressarcimento pelos bens ou serviços fornecidos/prestados à entidade que o assumiu.

E) Ora e como se constata também neste caso houve ilegalidade de procedimento no que respeita à forma de contratar, os agentes económicos que procederam ao fornecimento de bens e serviços sem o documento de compromisso não poderão reclamar do Estado ou das entidades públicas envolvidas o respectivo pagamento ou quaisquer direitos ao ressarcimento, sob qualquer forma.

F) E aqui como também no caso em apreço a aquisição de bens e serviços também são para a junta de freguesia e não para o seu presidente, contudo tal facto não permite que seja assacado ou estado ou entidades públicas envolvidas (ex.: juntas de freguesias) o respectivo pagamento ou quaisquer direitos ou ressarcimento, sob qualquer forma.

G) A junta de Freguesia só poderia ser demandada se o procedimento fosse o legal e por qualquer motivo não tivesse cumprido coma sua obrigação de pagar os salários e subsídio de férias e natal à autora, então aí sim, é que a entidade pública era responsável pelo seu cumprimento, que nesse caso seria o pagamento de todos os salários e demais créditos reclamados em virtude de tal incumprimento.

H) Como neste caso houve ilegalidade de procedimentos não pode ser exigido à junta de freguesia, aqui recorrente e como tal não podia ser a mesma condenada ao pagamento tal como o foi na sentença ora recorrida.

Nestes termos e nos melhores de direito no caso aplicáveis deve se dado provimento ao presente recurso e em consequência alterar-se a sentença recorrida substituindo-a por uma outra que absolva a ré, aqui recorrente Junta de Freguesia (Almacave e Sé) fazendo assim a acostumada
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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A)Em 01.06.2012, Autora e Ré celebraram um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, para a Autora desempenhas as funções de Educadora de Infância, prestando essa sua actividade na Creche/Infantário da Ré, sito na cidade de (...), podendo exercer outras actividades com aquelas funções relacionadas.

B)Nos termos do contrato de trabalho acabado de mencionar, o contrato teria o seu início em 01.06.2012 e duraria por um período de 12 meses, não se convertendo em contrato por tempo indeterminado, tendo o seu termo em 31.05.2013.

C)O contrato de trabalho acabado de mencionar, entre a Autora e a Ré, foi reduzido a escrito, encontrando-se junto a fols.70v.º a 73.º, e cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido, e dele constando que é efectuado e regulado pela Lei n.º 59/2008, de 11.09, e pela Lei n.º 12-A/2008, de 27.02.

D)Consta do mesmo contrato de trabalho que a remuneração/retribuição da Autora pelo trabalho prestado à Ré era de 712€50, fixada nos termos do artigo 14.º do RCTFP e correspondente ao nível remuneratório 3 da tabela remuneratória única, mas sendo a sua remuneração base de 1.201€48.

E) A ré, através do seu ofício n.º 0037/2013, datado de 11.05.2013, comunicou à Autora que o seu contrato de trabalho acima mencionado cessava no dia 31.05.2013, que não seria renovado por motivos de diminuição de serviços e pelos graves problemas financeiros que a Ré atravessava.

F) Conjuntamente com a comunicação acabada de mencionar, a Ré enviou à Autora um impresso próprio da Segurança Social para que a mesma pudesse requerer subsídio de desemprego.

G) A Autora, enquanto ao serviço da Ré, desde 01.06.2012 até 31.05.2013, exerceu efectivamente as funções de Educadora de Infância na Creche/Infantário da Ré, em (...).

H) A Ré não pagou à Autora, quer até à cessação do contrato de trabalho, em 31.05.2013, quer posteriormente, as remunerações devidas e acordadas com a Autora relativamente aos meses de Abril a Novembro de 2012 inclusive e, ainda, a remuneração do mês de Maio de 2013, o que tendo em conta a sua remuneração base acima mencionada, soma o montante total de 10.967€32.

I) A autora não gozou férias enquanto ao serviço da Ré e também não recebeu o respectivo subsídio de férias, no montante global de 1.402€96.
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III - Enquadramento jurídico.

É o seguinte o enquadramento jurídico efetuado na sentença recorrida.

“(…)
Em concreto, a celebração do contrato com a Autora carecia da prévia realização de um procedimento concursal, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, da LVCR, com observância do disposto no artigo 46.º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, considerando a data em que o contrato foi celebrado.

Não resulta do probatório que o contrato celebrado com a Autora pela Ré tenha sido precedido de procedimento concursal. Se nos termos do artigo 46.º da citada Lei n.º 64-B/2011, não era permitida sequer a abertura de procedimentos concursais sem que estivessem preenchidos os requisitos aí consagrados, sob pena de nulidade das contratações efectuadas, muito menos era possível contratar um trabalhador sem um prévio procedimento concursal.

Do artigo 46.º, n.º 4, da Lei n.º 64-B/2011, resultam as consequências jurídicas da abertura de um procedimento concursal sem a observância dos requisitos definidos nos números anteriores, conforme também se infere da leitura do n.º 7, do artigo 9.º, da Lei n.º 12-A/2010, de 30/06, mas já não as consequências jurídicas da inexistência de um procedimento concursal.

A contratação da Autora não foi efectuada na sequência de um procedimento concursal realizado em violação do disposto no citado artigo 46.º, mas sim por ausência total de procedimento concursal.

No entanto, por força do estabelecido no artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil (CC) [«1 - Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos. 2 - Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.»], as razões justificativas da consequência da nulidade, previstas no citado artigo 46.º, n.º 4, têm de proceder relativamente à situação concreta de contratação Autora por ausência total de procedimento concursal.

Na verdade, tendo sido intenção do legislador criar regras de controlo do recrutamento de trabalhadores nas autarquias locais, quando uma contratação ocorre a montante dessas regras, ignorando-as, justifica-se que as consequências para a situação concreta dos autos sejam as mesmas.

Assim sendo, ao abrigo do preceituado no artigo 46.º, n.º 4, da citada Lei n.º 64-B/2011, e artigo 9.º, n.º 7, da Lei n.º 12-A/2010, o contrato celebrado entre a Ré e a Autora é nulo, sem prejuízo da produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que esteve em execução, isto é, desde 1/03/2012 até 31/05/2013.

Com efeito, a Autora celebrou um contrato com a Ré e prestou o seu trabalho para a Ré, tendo o seu Presidente (Presidente da Junta) actuado em representação da Ré e não em nome pessoal.

Por outro lado, a Ré até reconheceu a existência de uma dívida à Autora por força do contrato de trabalho celebrado, nos termos provados na medida em que nem contestou essa dívida de remunerações, salários ou vencimentos.

Independentemente da responsabilidade civil, financeira e disciplinar do Sr. Presidente da Junta que subscreveu o contrato e demais documentos juntos aos autos, provou-se que a Autora prestou efectivamente serviço ou trabalho para a Ré, desempenhando funções de Educadora de Infância na Creche ou Infantário que a mesma Ré possui ou possuía na cidade de (...), de 1/06/2012 a 31/05/2013 e auferia a remuneração mensal de € 712,50, admitindo ainda que a sua remuneração base era de € 1.201,48/mês, como consta do probatório por admissão da própria Ré que nem tal facto contestou e, consequentemente, o admitiu.

Ou seja, e em conclusão, dado o contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré ter sido celebrado com violação das regras imperativas existentes e relativas quanto à contratação pública, no caso a ausência do indispensável e prévio procedimento concursal, que inexistiu, para além do demais supra referido, impõe-se declarar nulo o contrato de trabalho em causa. Todavia, tal nulidade a priori tem como consequência a destruição de todos os efeitos pelo mesmo produzidos, ou seja, a restituição de tudo o que houver sido prestado, nos termos do disposto no artigo 285.º, n.º 1, do Código Civil. Mas, assim não pode suceder linearmente nos contratos de execução continuada, nos quais uma das partes beneficie de um serviço, como é o caso dos autos em que a Autora prestou o seu serviço/trabalho à Ré, sem oposição desta, e esta desse trabalho ou serviço beneficiou.

E assim, parafraseando o Ac. do TCAN, proferido em 22/01/2016, no âmbito do Proc.º n.º 00636/14.2BEVIS, in www.dgsi.pt, aliás em caso absolutamente igual ou semelhante e em foi Ré a aqui também Ré e no qual foi Autora uma outra sua trabalhadora que lhe prestou serviço em idênticas circunstâncias, citando o Ac. do Colendo STA, de 24/10/06, Proc.º n.º 732/05, aqui igualmente aplicável, referindo que “o mesmo é dizer que o mecanismo do art. 289º/1 do C. Civil, com eficácia ex tunc, na sua radicalidade, se não se neutralizarem os efeitos da nulidade em relação às prestações já efetuadas, não assegura a restituição de tudo o que foi prestado. Resultado este que não cumpre a teleologia do próprio preceito e que se aliado à inaplicação do instituto de enriquecimento sem causa, é de uma injustiça flagrante e impele o intérprete a procurar outra via para realizar a maior justiça possível (vide Karl Larenz, “Metodologia da Ciência do Direito”, p. 398).

E prossegue o mesmo Ac. do TCAN, transcrevendo/citando o acórdão do STJ de 2002.07.11
“(…) Poder-se-ia argumentar que pela eficácia retroativa da declaração de nulidade (artigo 289º, nº 1) tudo se passa como se o contrato não tivesse sido celebrado, ou produzido quaisquer efeitos, nessa medida se impondo inelutavelmente a restituição das aludidas importâncias solvidas em sua execução.

Todavia, a nulidade, conquanto tipicizada pelos mais drásticos predicados de neutralização do negócio operando efeitos interativos ex tunc, nem assim pode autorizar a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido. A celebração do negócio revela-o existente como evento e por isso não está ao alcance da ordem jurídica tratar o ato realizado como se este não houvesse realmente ocorrido, mas apenas recusar-lhe a produção de efeitos jurídicos que lhe vão implicados.

Não é, por conseguinte, exata a ideia de que, mercê da nulidade, tudo se passa como se o contrato não tivesse sido celebrado ou produzido quaisquer efeitos. Bem ao invés porque o contrato é algo que na realidade aconteceu, daí precisamente a sua repercussão no subsequente relacionamento jurídico das partes.

Pode na verdade suceder que os contraentes tenham efetuado prestações com fundamento no contrato nulo, ou posto em execução uma relação obrigacional duradoura, dando lugar à abertura de uma vocacionada composição inter-relacional dos interesses respetivos - v. g., a sociedade desenvolveu normalmente as suas atividades comerciais, agindo e comportando-se os fundadores como sócios por determinado período de tempo, não obstante a nulidade do contrato social; sendo nulo o contrato de trabalho, todavia o trabalhador prestara efetivamente os seus serviços à entidade patronal.

Neste conspecto - e ademais quando se pretenda estar vedado no domínio específico das invalidades o recurso aos princípios do enriquecimento sem causa pelo carácter subsidiário do instituto - observa-se estar hoje generalizado o entendimento segundo o qual deve o contrato nulo ser valorado, em semelhante circunstancialismo, e no que respeita ao desenvolvimento ulterior da aludida composição entre as partes (…) como «relação contratual de facto» suscetível de fundamentar os efeitos em causa (v. g., a remuneração do trabalho prestado no quadro do contrato laboral nulo por incapacidade negocial do trabalhador), encarados agora, não como efeitos jurídico-negociais de contrato inválido, mas na dimensão de efeitos (ex lege) do ato na realidade praticado.

E, assim, tratando-se de relações obrigacionais duradouras, no domínio das quais, desde que em curso de execução, encontra em princípio aplicação a figura do «contrato de facto» - «contrato imperfeito» noutra terminologia; de «errada perfeição» (…) tudo se passará, nos aspetos considerados, como se a nulidade do negócio jurídico apenas para o futuro (ex nunc) operasse os seus efeitos.”

Este entendimento converge, no essencial, com as posições de Rui Alarcão (in “A Confirmação dos Negócios Anuláveis”, I, Coimbra, 1971, pág. 76, nota 101) autor que considera que «a chamada restituição em valor virá, por vezes, a traduzir-se no respeito pela execução, entretanto ocorrida, do negócio» e de António Meneses Cordeiro (in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo I, p. 874) que, a propósito, escreve: “Nos contratos de execução continuada em que uma das partes beneficia do gozo de uma coisa – como no arrendamento – ou de serviços – como na empreitada, no mandato ou no depósito – a restituição em espécie não é, evidentemente, possível. Nessa altura, haverá que restituir o valor correspondente o qual, por expressa convenção das partes, não poderá deixar de ser o da contraprestação acordada. Isto é: sendo um arrendamento declarado nulo, deve o “senhorio” restituir as rendas recebidas e o “inquilino” o valor relativo ao gozo de que desfrutou e que equivale, precisamente, às rendas. Ambas as prestações restitutórias se extinguem, então, por compensação, tudo funcionando, afinal, como se não houvesse eficácia retroativa, nestes casos.”

E prossegue ainda o mesmo Ac. do TCAN:

“Em qualquer caso, pelas razões expostas, a regra do art. 289º/1 do C. Civil, aplicada no domínio dos contratos de execução continuada de serviços mostra-se inadequada à sua própria teleologia, carecendo de uma restrição que permita tratar desigualmente o que é desigual, isto é, deve ser objeto de redução teleológica, (cfr. Karl Larenz, ob. cit., pp. 450/457) de molde a que, nos contratos de execução continuada em que uma das partes beneficie do gozo de serviços cuja restituição em espécie não é possível, a inexistência contratual por caducidade não abranja as prestações já efetuadas, produzindo o contrato os seus efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, a exemplo do que, como afloramento da mesma ideia, está expressamente consagrado na nulidade, por equiparação, resultante da resolução dos contratos de execução continuada ou periódica (arts. 433º e 434º/2 C. Civil).

Tal como relativamente aos serviços prestados ao abrigo de um contrato entretanto declarado nulo, perante a inexistência de um contrato, resultante da sua caducidade, e continuando a ser prestados os serviços anteriormente contratualizados, sem oposição, enquanto “Contrato de facto”, tais serviços terão de ser remunerados.

Em linha com o Acórdão do Colendo STA nº 047638 de 21-09-2004, estando vedado o recurso aos princípios do instituto do enriquecimento sem causa, em função do carácter subsidiário deste (art. 474° C. Civil), mas tendo sido reconhecida a inexistência de contrato, deverá, no caso, a Junta de Freguesia, tal como decidido em 1ª instância ser condenada no pagamento das remunerações correspondentes ao período de trabalho prestado, enquanto «relação contratual de facto».

Como se disse, a nulidade do contrato de trabalho, não autoriza “a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido”. Efetivamente, da factualidade provada é possível concluir que as partes estabeleceram relações contratuais, assentes na prestação pela então Autora de serviços correspondentes a Assistente Operacional num Jardim de Infância da Freguesia.

Além disso, mostra-se inequívoco que a Freguesia nunca recusou a prestação dos serviços realizados pela aqui Recorrida, não tendo sequer posto em causa que os serviços tenham efetivamente sido prestados, o que terá de ser ressarcido.

Perante a nulidade do contrato, tratando-se de uma prestação de trabalho continuada, “apresentam-se com algumas especificidades que não podem deixar de ponderar-se à luz do regime do art.º 289.º n.º 1 do C. Civil”, como se faz notar no Ac. do Colendo STA, de 24/10/2006, processo nº 0732/05, na mesma linha também do Acórdão do STJ, de 11/07/2002, processo nº 03B484”.

Ou seja, aderimos inteiramente às passagens transcritas do referido Ac. do TCAN, ressalvando-se, naturalmente a referência feita à aí Autora relativamente à prestação de serviços pela mesma prestada como correspondentes a “Assistente Operacional num Jardim de Infância da Freguesia” devendo aqui entender-se, obviamente, como tendo esses serviços sido prestados pela aqui Autora como correspondentes a Educadora de Infância na Creche/Infantário da Freguesia, sito em (...).

E, aliás, como também se conclui no aludido Ac. do TCAN, verificada a inexistência de contrato, em consequência da nulidade do mesmo, devem-se extrair as consequências dessa declarada nulidade, ordenando-se a restituição de tudo o que foi prestado, nos termos do artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil. Mas, uma vez que a restituição em espécie, por sua natureza, não é possível, dado que os serviços prestados nunca mais poderão ser restituídos, não poderá de deixar de condenar necessariamente a Ré Junta de Freguesia no pagamento do valor correspondente à utilidade advinda da realização da mesma (artigo 289.º, n.º 1, do CC), sendo no caso corporizada nos salários/vencimentos não pagos à autora e, bem assim, nas férias pela mesma não gozadas e respectivo subsídio de férias, ambos já vencidos e inerentes àquele trabalho ou serviços prestados.

E aliás, face à referida nulidade contratual, outra posição que não aquela que se acaba de explanar, conduziria a um enriquecimento injustificado por parte Ré Junta de Freguesia ou da Freguesia, além de que se traduziria numa gritante injustiça material, como se a «relação contratual de facto» resultante da nulidade verificada equivalesse a um nada e, por isso, não pode deixar de a Ré ser condenada na medida do atrás exposto, isto é, a restituição de tudo quanto haja sido prestado ou se a restituição não for possível, do valor correspondente, pois tal traduz o efeito restitutivo da inexistência contratual como consequência da nulidade do contrato de trabalho em causa.
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E, e relativamente aos pedidos formulados pela Autora, conclui-se, com os fundamentos supra expostos, da seguinte forma:

Procederá o pedido de declaração da nulidade do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré, em 1 de Junho de 2012, e nos autos ajuizado.

Improcederá a declaração da ilicitude do invocado despedimento da Autora promovido pela Ré e consubstanciado na comunicação que esta fez àquela da cessação do contrato de trabalho ajuizado e, consequentemente, improcederá também o pedido formulado pela Autora de condenação da Ré no pagamento das retribuições que a mesma Autora deixou de auferir desde a data do despedimento/cessação do contrato, em 31 de Maio de 2013, até ao trânsito em julgado da sentença.

Finalmente, procederá o pedido da Autora de condenação da Ré nas quantias por aquela peticionadas, a título de pagamento dos salários/vencimentos não pagos enquanto a mesma se manteve ao seu serviço e, bem assim, das quantias peticionadas pela mesma Autora a título de férias por si não gozadas e bem como do respectivo subsídio de férias.”.

Com acerto.

A afirmação fulcral feita na decisão recorrida, de que “o contrato celebrado entre a Ré e a Autora é nulo, sem prejuízo da produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que esteve em execução, isto é, desde 1/03/2012 até 31/05/2013”, encontra apoio legal expresso no artigo 83º, n.º1, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11.09, diploma aplicável ao caso – alínea C) dos factos provados:

“O contrato declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução”.

Produzindo efeitos como se fosse válido significa que responsável pelo pagamento dos créditos laborais é a Junta de Freguesia Demandada, parte no contrato, e não o seu Presidente de então, e os créditos fixados na decisão recorrida são os devidos.

Termos em que se impõe manter o decidido.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.
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Porto, 17.12.2021


Rogério Martins
Fernanda Brandão
Hélder Vieira