Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00039/18.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/01/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:(NÃO) ACUMULAÇÃO RETRIBUIÇÃO COM IPP, ART.º 41.º REGIME DE PROTECÇÃO SOCIAL DOS TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PÚBLICAS (LEI 11/2014, DE 6/3).
Sumário:1 . De acordo com disposto no art.º 41.º do Regime de Acidentes de Serviço (RAS) , na redacção dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de Março, as prestações periódicas por incapacidade permanente não são acumuláveis com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente ou doença profissional.

2 . Em caso de infortúnio laboral de que resulte incapacidade permanente parcial, o trabalhador tem direito a receber reparação em dinheiro correspondente à redução da sua capacidade de trabalho ou de ganho, seja por via de uma indemnização em capital recebida de uma só vez ou recebendo o mesmo montante através de pensão vitalícia.

3 . Da norma legal supra resulta evidente que, recebendo o trabalhador qualquer uma destas formas de reparação em dinheiro, a mesma não pode ser acumulada com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . AA, residente na Rua ..., ..., Porto, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, datada de 28/9/2021, que julgou improcedente a acção administrativa, instaurada contra o C..., EPE, com vista à anulação do acto de retenção/desconto no salário da A. da percentagem relativa à incapacidade que lhe foi fixada fruto do acidente de trabalho sofrido e condenação do Réu a reconhecer que a Autora preenche todas as respectivas condições para auferir o salário por inteiro e restituir/devolver à A. todos os valores retidos/descontados no salário mensal desta a título de redução remuneratória equivalente à IPP que lhe foi fixada em (7,5%) acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor.
*
Nas suas alegações de recurso, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
"A)- DA CORRECTA PONDERAÇÃO, APRECIAÇÃO E CONJUGAÇÃO DO TEOR DOS DOCUMENTOS JUNTOS AOS AUTOS, QUE, POR MERA QUESTÃO DE BREVIDADE AQUI SE TRANSCREVEM NOS EXACTOS TERMOS SUPRA ALEGADOS, DEVERIA O TRIBUNAL RECORRIDO TER DECIDIDO DE MANEIRA DIVERSA NO QUE AOS FACTOS PROVADOS CONCERNE;
B) - AO NÃO DECIDIR DE TAL MANEIRA, O TRIBUNAL RECORRIDO, NÃO PONDEROU DEVIDAMENTE TODOS OS SUPRA MENCIONADOS ELEMENTOS DE PROVA CONSTANTES DO PROCESSO, PELO QUE DEVE SER ALTERADA EM CONFORMIDADE A RESPOSTA AO REFERIDO PONTO DE FACTO, NOS TERMOS DO Nº 1 DO ARTº 662º DO CÓD. DE PROC. CIVIL;
C) – RELATIVAMENTE À TRANSCRITA FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA, ENTENDE A RECORRENTE QUE EXISTEM NOS AUTOS ELEMENTOS QUE IMPLICAM DECISÃO DIVERSA DAQUELA QUE SE MOSTRA TRANSCRITA NA DOUTA SENTENÇA EM CRISE, TUDO DE ACORDO COM AS REGRAS DE DIREITO MATERIAL;
D) - SUSTENTADA QUE SE MOSTRA A PROVA DA FACTUALIDADE CONSTANTE EM NÚMERO DOIS DOS FACTOS PROVADOS NO TEOR DOS DOCUMENTOS JUNTOS AUTOS – VEJA-SE O TEOR DA PROVA DOCUMENTAL JUNTA PELA ORA RECORRENTE E AQUELA QUE CONSTA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO, QUE NÃO FOI OBJECTO DE QUALQUER IMPUGNAÇÃO, TEMOS POR ASSENTE QUE:
- A FLS. ... (DOC. Nº 2 JUNTO COM A PETIÇÃO INICIAL), CONSTA RELATÓRIO PERICIAL REALIZADO À PESSOA DA RECORRENTE AOS 2 DE SETEMBRO DO ANO DE 2016 NO ÂMBITO DE PROCESSO/INQUÉRITO Nº CHPORTO-SGRH (OU SEJA, QUE NÃO NO ÂMBITO DE QUALQUER PROCESSO JUDICIAL ESPECIAL DE ACIDENTE DE TRABALHO, MORMENTE AQUELE IDENTIFICADO NO PRÓPRIO FACTO;
- A FLS. ... (DOC. Nº 3 JUNTO COM A PETIÇÃO INICIAL), CONSTA RELATÓRIO PERICIAL REALIZADO À PESSOA DA RECORRENTE AOS 6 DE JUNHO DO ANO DE 2016, ESTE SIM, NO ÂMBITO DO PROCESSO JUDICIAL ESPECIAL DE ACIDENTE DE TRABALHO N.º 11381/16.4TSPRT;
E) - DE TAL MODO, E CONTRARIAMENTE AO QUE DO FACTO PROVADO SOB O NÚMERO 2 CONSTA, DOS AUTOS RESULTA QUE, E COMO TAL DEVERÁ SER DADO COMO PROVADO EM SUBSTITUIÇÃO/ALTERAÇÃO DO QUE DO FACTO PROVADO NA DOUTA SENTENÇA EM CRISE CONSTA SOB AQUELE MESMO NÚMERO, QUE:
“EM 02/10/2013 A AUTORA SOFREU ACIDENTE EM SERVIÇO, DO QUAL RESULTOU INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL PARA O EXERCÍCIO DAS SUAS FUNÇÕES DE 7,5%, CONFORME RELATÓRIO DA PERÍCIA DE AVALIAÇÃO DO DANO CORPORAL EM DIREITO DO TRABALHO DE 7 DE JUNHO DE 2017 EMITIDO NO ÂMBITO DE PROCESSO JUDICIAL ESPECIAL DE ACIDENTE DE TRABALHO N.º 11381/16.4TSPRT. (CF. DOC. 3 JUNTO À PI);” (SIC);
F) - MAIS DEVENDO SER DADO COMO PROVADO QUE, COMO DAQUELE RELATÓRIO EXPRESSAMENTE CONSTA, E DE IGUAL MODO NÃO FOI IMPUGNADO:
“A DATA DA CONSOLIDAÇÃO MÉDICO LEGAL DAS LESÕES SOFRIDAS PELA SINISTRADA ORA RECORRENTE FOI FIXADA EM 31 DE JANEIRO DE 2014 NOS TERMOS CONSTANTES NO PROCESSO ESPECIAL DE ACIDENTE DE TRABALHO QUE CORREU TERMOS PELO TRIBUNAL DO TRABALHO DO PORTO (MELHOR IDENTIFICADO A FLS. ... DOS AUTOS)”;
G) - QUER UMA QUER OUTRA DAQUELAS CONCRETAS DATAS – SINISTRO E CONSOLIDAÇÃO MÉDICO LEGAL DAS LESÕES (COM FIXAÇÃO DA I.P.P.), OCORREU SEGURAMENTE ANTES DO DIA 7 DE MARÇO DO ANO DE 2014 – DATA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 11/2014 DE 6 DE MARÇO (VIDE ARTº 9º DESTA LEI) QUE, NO QUE IN CASU PARTICULARMENTE RELEVA, ALTEROU A REDACÇÃO DO ARTº 41º DO DEC.-LEI Nº 503/99 DE 20 DE NOVEMBRO;
H) - A REDACÇÃO INICIAL DO DIPLOMA LEGAL AO ABRIGO DO QUAL SOFREU A RECORRENTE O ACIDENTE DOS AUTOS NÃO CORRESPONDE À REDACÇÃO VIGENTE À DATA DA PROLAÇÃO DO OFÍCIO REFERIDO NO PONTO 4 DOS FACTOS PROVADOS (QUE JÁ SOFREU POSTERIORES ALTERAÇÕES EM QUALQUER RELEVÂNCIA DIRECTA PARA A BOA E JUSTA DECISÃO DA QUESTÃO SUB JUDICE);
I) - NA VERDADE, QUER À DATA DO SINISTRO (MOMENTO EM QUE SE VERIFICA A LESÃO), QUER À DATA DA CONSOLIDAÇÃO (MOMENTO EM QUE É FIXADO À SINISTRADA O GRAU DE INCAPACIDADE TEMPORÁRIA PARCIAL), VIGORAVA A REDACÇÃO ORIGINAL DO ARTº 41º DO DEC.-LEI Nº 503/99 DE 20 DE NOVEMBRO, QUE, SOB A EPÍGRAFE “ACUMULAÇÃO DE PENSÕES” DISPUNHA QUE:
“1 - AS PRESTAÇÕES PERIÓDICAS POR INCAPACIDADE PERMANENTE NÃO SÃO ACUMULÁVEIS:
A) COM REMUNERAÇÃO CORRESPONDENTE AO EXERCÍCIO DA MESMA ACTIVIDADE, EM CASO DE INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA RESULTANTE DE ACIDENTE;
B) COM REMUNERAÇÃO CORRESPONDENTE A ACTIVIDADE EXERCIDA EM CONDIÇÕES DE EXPOSIÇÃO AO MESMO RISCO, SEMPRE QUE ESTA POSSA CONTRIBUIR PARA O AUMENTO DE INCAPACIDADE JÁ ADQUIRIDA.” (SIC, SENDO NOSSO O NEGRITO E SUBLINHADO);
J) - O QUE TUDO SIGNIFICA QUE, EM AMBAS E CADA UMA DAQUELAS DATAS, À QUESTÃO SUB JUDICE EM QUE É SINISTRADA A ORA RECORRENTE, DEVERIA SER APLICADA A REDACÇÃO ORIGINAL E ENTÃO EM VIGOR DO CITADO PRECEITO LEGAL, NÃO SE INTEGRANDO O ACIDENTE PELA MESMA SOFRIDO E PENSÃO DAÍ RESULTANTE (REMIDA) NA SITUAÇÃO PREVISTA NO MESMO QUANTO À IMPOSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DE UMA I.P.P. COM A REMUNERAÇÃO;
K) - NADA DISPÕE A LEI Nº 11/2014 DE 6 DE MARÇO A PROPÓSITO DA APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO DAQUELA NOVA REDACÇÃO DO ARTº 41º DO DEC.-LEI Nº 503/99 DE 20 DE NOVEMBRO;
L) - O CASO EM APREÇO CONFIGURA SITUAÇÃO EM QUE OS DIREITOS DA RECORRENTE COMO SINISTRADA SÃO ADQUIRIDOS QUANDO DA VERIFICAÇÃO DO ACIDENTE OU, SE ASSIM SE NÃO ENTENDER, QUANDO DA ATRIBUIÇÃO DA I.P.P. – MAS TUDO EM MOMENTO ANTERIOR AO DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA REDACÇÃO (AOS 7 DE MARÇO DE 2014) DO CITADO PRECEITO LEGAL;
M) – PELO QUE A APLICAÇÃO DA REDACÇÃO DO CITADO ARTº 41º DO DEC.-LEI Nº 503/99 DE 20 DE NOVEMBRO COM A ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI Nº 11/2014 DE 6 DE MARÇO QUE PELO TRIBUINAL RECORRIDO É EFECTUADA, SEMPRE CONFIGURARÁ UMA APLICAÇÃO DA MESMA COM EFEITOS RETROACTIVOS;
N) - E, A SUCEDER TAL APLICAÇÃO NOS TERMOS EM QUE DA SENTENÇA RECORRIDA CONSTAM, MOSTRAR-SE-ÃO VIOLADOS OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADOS:
- DA LEGALIDADE, CONSAGRADO NO ARTº 3º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, NA EXACTA MEDIDA EM QUE É APLICADA RECTROACTIVAMENTE LEI NOVA A UMA SITUAÇÃO OCORRIDA E CONSOLIDADA NO PASSADO, SENDO QUE A REDACÇÃO ORIGINAL DO CITADO ARTº 41º DO R.A.S., APLICÁVEL IN CASU, PERMITE A ACUMULAÇÃO DE PRESTAÇÕES, CONTINUANDO A MESMA A REGER, NATURALMENTE, OS SINISTROS LABORAIS OCORRIDOS NO DECURSO DA SUA VIGÊNCIA (OU SEJA, DESDE A ENTRADA EM VIGOR DAQUELE R.A.S. – 1 DE MAIO DE 2000 ATÉ 7 DE MARÇO DE 2014);
- DA IGUALDADE, PREVISTO NO ARTº 13º DA NOSSA LEI FUNDAMENTAL COMO LIMITE OBJECTIVO DE DISCRICIONARIEDADE LEGISLATIVA, PORQUANTO A APLICAÇÃO QUE O TRIBUNAL FAZ DA REDACÇÃO DO ARTº 41º DO R.A.S. DISTINGUE CLARAMENTE SITUAÇÕES/ACIDENTES OCORRIDOS E RESOLVIDOS ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DAQUELA NOVA REDACÇÃO COM SITUAÇÕES COMO A DA RECORRENTE, OCORRIDAS ANTES DAQUELA ENTRADA EM VIGOR, MAS PAGAS APÓS TAL ENTRADA EM VIGOR);
- E AINDA DA PROTECÇÃO DA CONFIANÇA, ÍNSITO NO ARTº 2º DA NOSSA LEI FUNDAMENTAL, QUE DEVERÁ RESPEITAR AS EXPECTATIVAS CRIADAS QUANTO À CONTINUIDADE E ESTABILIDADE DA ORDEM JURÍDICA E À PERMANÊNCIA E REGULARIDADE DAS SITUAÇÕES CONSTITUÍDAS QUANDO DA VERIFICAÇÃO DO FACTO QUE DÁ ORIGEM AO RESPECTIVO DIREITO, O QUE NO CASO EM APREÇO SUCEDEU QUANDO DO SINISTRO E FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE EM QUESTÃO, ALTURA EM QUE A SINISTRADA ORA RECORRENTE ESTAVA CIENTE DE QUE A LEI APLICÁVEL Á RESPECTIVA SITUAÇÃO ERA A PRIMITIVA REDACÇÃO DO ARTº 41º DO R.A.S.;
O) - O QUE TUDO SIGNIFICA QUE O TRIBUNAL RECORRIDO, APLICANDO A NOVA REDACÇÃO DAQUELE PRECEITO LEGAL DE FORMA TEMPORALMENTE ERRADA E CONSTITUCIONALMENTE VIOLADORA DOS CITADOS PRINCÍPIOS, DECIDIU PELA PROIBIÇÃO DE ACUMULAÇÃO DA PENSÃO POR I.P.P. DEVIDA À RECORRENTE QUANDO ESTA FOI VÍTIMA DE ACIDENTE AO QUAL SE APLICA A ANTERIOR E PRIMITIVA REDACÇÃO DO ARTº 41º DO R.A.S.;
P) – PELO QUE, E SEMPRE SALVO MELHOR OPINIÃO, A DOUTA SENTENÇA EM CRISE VIOLOU E/OU INTERPRETOU INCORRECTAMENTE O DISPOSTO, ENTRE OUTROS, NO ARTº 41º DO R.A.S. NO QUE ÀS SUCESSIVAS REDACÇÕES DO MESMO CONCERNE E APLICAÇÃO AO CASO EM APREÇO, ARTºS. 12º, 341º E SEGTS. E 362º E SEGTS., TODOS DO CÓD. CIVIL, E AINDA ARTº 2º, 3º E 13º, TODOS DA NOSSA LEI FUNDAMENTAL NO QUE AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ALI CONSAGRADOS CONCERNE".
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Notificadas as alegações, apresentadas pela recorrente, supra referidas, veio o C..., EPE, apresentar contra alegações que concluiu do seguinte modo:
" A reforma de 2014 operada pela Lei nº 11/2014, de 6 de março sobre o regime dos acidentes em serviços constante do Dec-Lei nº 503/99, de 8 de novembro é aplicável a acidentes sujeitos ao regime aí previsto, mesmo que a data do sinistro seja anterior ao início de vigência da reforma, por força da norma do artigo 12º nº 2 segunda parte do Código Civil;
Com efeito, aí se estabelece que é imediatamente aplicável a norma que disponha «diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor», como sucede no caso;
Pelas razões associadas à própria natureza das normas introduzidas – e ao contexto de convergência de sistemas em que se insere – mas também porque o legislador não consagrou, como poderia se fosse essa a intencionalidade normativa, um regime diferencial;
Acresce que no caso dos autos, o próprio teor da alínea b) do nº 1 do artigo 41º do DL 503/99 já apresentaria um sentido que obstaria a que um trabalhador vítima de acidente em serviço pudesse acumular as prestações periódicas inerentes a uma incapacidade parcial permanente «com remuneração correspondente a actividade exercida em condições de exposição ao mesmo risco, sempre que esta possa contribuir para o aumento de incapacidade já adquirida»;
Sendo que sempre preencheria a previsão dessa norma a degradação dos equipamentos, vg os elevadores, conexo com o sinistro (a queda) consubstanciando só por si esse fator de exposição de agravamento do mesmo risco".
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O Digno Magistrado do M.º P.º, notificado nos termos do art.º 146.º, n.º1 do CPTA, não emitiu Parecer.
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Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento
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2 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO
A decisão recorrida julgou fixada a seguinte factualidade:
1) A Autora é Técnica Superior do mapa de pessoal do Réu, com contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, exercendo funções no Hospital ... (cfr. fls. 1 e 2 do PA junto aos autos);
2) Em 02/10/2013 a Autora sofreu acidente em serviço, do qual resultou incapacidade permanente parcial para o exercício das suas funções de 7,5%, conforme Relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho de 25/11/2015 emitido no âmbito de processo judicial especial de acidente de trabalho n.º 11381/16.4TSPRT. (cf. doc. 2 junto à PI);
3) Em 09/02/2017, a Director do Serviço de Gestão de Recursos Humanos do Réu dirigiu ao Conselho de Administração nota de Serviço 13/2017, que obteve sancionamento superior por deliberação de 15/02/2017, com o seguinte teor: «(...)
ASSUNTO: EXAME DE PERÍCIA MÉDICO-LEGAL — TÉCNICA SUPERIOR — AA
No âmbito da avaliação de dano corporal dos trabalhadores em Funções Públicas, cujo sinistro ocorreu de 01.01.2009 a julho de 2014, o processo da técnica em assunto foi remetido ao Instituto de Medicina Legal para a realização de exame de perícia médico-legal.
Assim, foi fixada pelo Instituto de Medicina Legal uma incapacidade permanente parcial de 7,5000%. (anexo I).
No termos do previsto no Decreto-lei 503/99, de 2 de novembro, conjugado com a Portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro, foi estabelecido o cálculo do capital de remição a pagar, que se traduzem 18.374,94€ (anexo II).
Solicita-se autorização para proceder ao pagamento.
(...)
ANEXO I
RELATÓRIO PERICIAL DE AVALIAÇÃO DE DANO CORPORAL EMDIREITO DO TRABALHO
(...)
A incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual, tendo em conta as sequelas atrás descritas e a consulta da Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Anexo I, Dec. Lei n° 352/07 de 23 de Outubro), é de 7,500%. A taxa atribuída tem em conta o(s) artigo(s) da Tabela referido(s) no quadro abaixo indicado e a idade da vítima à data da consolidação (maior ou igual a cinquenta anos)

CONCLUSÕES
- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 02-06-2015.
- Incapacidade temporária absoluta fixável num período total de 90 dias
- Incapacidade permanente parcial fixável em 7,5000%
ANEXO II

(...)» (cfr. fls. 199/205 do PA);
4) Em 11/10/2017, o Réu remeteu ofício registado com aviso de recepção à Autora, com o seguinte teor: «(...)

(...)» (cfr. doc. 5 junto à PI);
5) Com a remuneração de Outubro de 2017 o Réu pagou à Autora, a título de reparação total do acidente referido no ponto anterior, o capital de remição de €20.784,52 (cfr. doc. 4 junto à PI);
6) Desde Novembro de 2017 que o Réu desconta mensalmente no montante do Vencimento que paga à Autora a quantia de €167,35 com a designação “Dife.Rem. Base p/incapacidade”. (cfr. docs. 6 e 7 da PI);
7) A petição inicial foi apresentada neste TAF a 08/01/2018 (cfr. fls. 1 do SITAF).

2 . MATÉRIA de DIREITO

No caso dos autos, atentas as alegações de recurso, cumprirá aferir da (i) matéria de facto dada como provada e da (ii) subsunção jurídica.
*
Aprioristicamente, brevitatis causa, importa analisar/decidir acerca da alteração/complemento/aditamento da factualidade provada, na medida em que a recorrente a questiona.
Concretamente, a recorrente questiona o ponto 2 do probatório Consta do Ponto 2 do probatório:
"Em 02/10/2013 a Autora sofreu acidente em serviço, do qual resultou incapacidade permanente parcial para o exercício das suas funções de 7,5%, conforme Relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho de 25/11/2015 emitido no âmbito de processo judicial especial de acidente de trabalho n.º 11381/16.4TSPRT. (cf. doc. 2 junto à PI)"., baseado no Doc. n.º 2 junto com a petição, quando a referência ao Proc 11381/16.4TSPRT é atinente ao Doc. n.º 3, sendo aquele efectuado no âmbito de processo de inquérito administrativo do CENTRO HOSPITALAR ....
Pretende ainda que se insira a data correcta da fixação da data da consolidação médico-legal das lesões, diversas nos 2 documentos.
*
Assiste-lhe razão, sendo que a verdade documental em que se baseia o Relatório Pericial efectivado no âmbito do processo judicial - que não de inquérito administrativo - é o Doc. n.º 3 e não o n.º 2, com datas diversas, ainda que a IPP fixada seja a mesma.
Deste modo, em rigor objectivo e como se evidencia dos documentos ns. ... e ... juntos com a pi, mantem-se o ponto 2, mas alterando a referência ao processo, indicando ainda que a data da consolidação médico legal das lesões foi fixada em 2/6/2015.
Deste modo, o ponto 2 ficará do seguinte modo/redacção:
"2 . Em 02/10/2013, a Autora sofreu acidente em serviço, do qual resultou incapacidade permanente parcial para o exercício das suas funções de 7,5%, conforme Relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho de 25/6/2016, emitido no âmbito de processo de inquérito n.º 2015/00938/PT-C do CHPorto-SGRH, no qual a data da consolidação médico legal das lesões foi fixada em 2/6/2015. (cf. doc. 2 junto à PI)".
Mais, adita-se, atento Doc. n.º 3, um novo facto 2-A, com a seguinte redacção:
"2-A . Em 02/10/2013, a Autora sofreu acidente em serviço, do qual resultou incapacidade permanente parcial para o exercício das suas funções de 7,5%, conforme Relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho de 7/6/2017, emitido no âmbito de processo judicial especial de acidente de trabalho n.º 11381/16.4TSPR, no qual a data da consolidação médico legal das lesões foi fixada em 31/1/2014. (cf. doc. 3 junto à PI)".
*
Resolvida a questão atinente à matéria fáctica, passemos à análise jurídica.
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Adiantamos, desde já, que não assiste razão à A./Recorrente, referindo-se, desde já, que a argumentação propendida em sede recursiva se afasta da defesa que anteriormente apresentou, o que significa além da novidade da abordagem, de certo modo, a falta de abordagem crítica directa à sentença recorrida.
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A sentença recorrida, em decisão assertiva, fundamentou a improcedência da acção com base na seguinte fundamentação jurídica:
"... Cumpre a este Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 66.º, do CPTA apreciar e decidir se deve ser reconhecido à Autora o direito a receber o vencimento mensal na sua totalidade, considerando o facto de ter recebido pensão por incapacidade permanente parcial, sob a forma de capital de remição e, em consequência, se a Ré deve ser condenada a restituir-lhe os montantes que foram descontados ao seu vencimento, sendo irrelevante a apreciação do pedido anulatório – em conformidade com a jurisprudência já firmada neste sentido, vd. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0266/99, de 28 de setembro de 2010, e Processo n.º 01057/09, de 07 de abril de 2010, disponíveis em www.dgsi.pt.
Vejamos:
Alega a Autora que recebeu a indemnização pelo acidente de trabalho em Outubro de 2017, porém apesar de lhe ter sido reconhecida uma incapacidade de 7,5%, a verdade é que tem realizado as suas funções de forma exemplar e sem limitações tendo cumprido os objectivos na íntegra, pelo que não há lugar à aplicação do n.º 1, alínea b) e n.º 4 do artigo 41.º do DL 503/99, de 20 de Novembro, que contém o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas, pelo que deve o Réu ser condenado a restituir-lhe as importâncias que vem descontando ao seu vencimento com fundamento naquela norma.
O Réu por sua vez afirma a legalidade do desconto que efectua ao vencimento mensal da Autora, pois entende que resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, na redacção dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de Março, que as prestações periódicas por incapacidade permanente não são acumuláveis com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente na capacidade geral de ganho do trabalhador, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente ou doença profissional
Mais entende que se a Autora mantém o exercício de funções, ainda que eventualmente adaptadas à sua condição de saúde, e aufere a correspondente remuneração de acordo com o seu estatuto remuneratório habitual, sem reconversão profissional, a verdade é que lhe falha o pressuposto do direito à reparação da redução na capacidade de ganho, sendo de todo inviável a acumulação de remuneração pelo exercício efectivo de funções em simultâneo com a prestação que visa reparar a incapacidade para esse mesmo exercício.
Vejamos, pois, a quem assiste razão.
Começamos por fazer um breve enquadramento jurídico do caso.
O Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, contém o Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e das Doenças Profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas (doravante RAS).
Nos termos do disposto na alínea l) do n.º 1 do artigo 3.º do RAS, considera-se incapacidade permanente parcial, a situação que se traduz numa desvalorização permanente do trabalhador, que implica uma redução definitiva na respectiva capacidade geral de ganho.
Por sua vez o artigo 4.º do mesmo diploma, no seu n.º 1, dispõe que os trabalhadores têm direito, independentemente do respectivo tempo de serviço, à reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço e de doenças profissionais, nos termos previstos neste diploma. O n.º 4 alínea b) deste artigo estatui que o direito à reparação em dinheiro compreende indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente.
Sob a epígrafe “Acumulação de prestações”, dispõe o artigo 41.º do RAS, na redacção dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de Março:
“1 - As prestações periódicas por incapacidade permanente não são acumuláveis: a) Com remuneração correspondente ao exercício da mesma atividade, em caso de incapacidade permanente absoluta resultante de acidente ou doença profissional;
b) Com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente ou doença profissional;
c) Com remuneração correspondente a actividade exercida em condições de exposição ao mesmo risco, sempre que esta possa contribuir para o aumento de incapacidade já adquirida.
2 - O incumprimento do disposto no número anterior determina a perda das prestações periódicas correspondentes ao período do exercício da atividade, sem prejuízo de revisão do grau de incapacidade nos termos do presente diploma.
3 - São acumuláveis, sem prejuízo das regras de acumulação próprias dos respetivos regimes de proteção social obrigatórios, as prestações periódicas por incapacidade permanente com a pensão de aposentação ou de reforma e a pensão por morte com a pensão de sobrevivência, na parte em que estas excedam aquelas.
4 - O disposto nos números anteriores aplica-se, com as necessárias adaptações, às indemnizações em capital, cujo valor fica limitado à parcela da prestação periódica a remir que houvesse de ser paga de acordo com as regras de acumulação do presente artigo.”
Adianta-se, desde já, e com importância fulcral nos autos que a constitucionalidade das normas constantes da alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 3 e 4 deste preceito, foram já confirmadas pelo Tribunal Constitucional pelo Acórdão 786/2017.
Por sua vez o artigo 23.º n.º 4 do RAS contém uma norma que assegura a intangibilidade da remuneração do trabalhador sinistrado quando da sua reintegração profissional, a qual não pode, em caso algum ser reduzida.
Resulta deste quadro normativo que, no caso de infortúnio laboral de que resulte incapacidade permanente parcial, o trabalhador tem direito a receber reparação em dinheiro correspondente à redução da sua capacidade de trabalho ou de ganho.
Esta reparação pode assumir duas formas, a saber:
I- uma indemnização em capital recebida de uma só vez; ou
II- recebendo o mesmo montante através de pensão vitalícia.
Mais resulta que, recebendo o trabalhador qualquer uma destas formas de reparação em dinheiro, a mesma não pode ser acumulada com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador.
Quer isto dizer que o trabalhador não pode ficar a receber mais que recebia em virtude do infortúnio laboral que teve. Ou dito de outra forma, sendo o trabalhador reintegrado e mantendo a remuneração que auferia antes do acidente, por imposição do artigo 23.º n.º 4 do RAS, não pode com ela acumular o montante da reparação em dinheiro derivado daquele acidente.
No momento em que o trabalhador se aposentar, tem direito a receber a reparação pelo acidente, sendo, neste caso, a mesma acumulável com a pensão de aposentação, mas apenas no montante que exceda aquela.
A lei estabelece uma prevalência da reparação do acidente em serviço sobre a pensão de aposentação, donde resulta que a pensão de aposentação será reduzida no exacto montante que corresponda ao montante recebido pela reparação do infortúnio laboral.
Daqui resulta que o legislador, com as alterações ao artigo 41.º do RAS promovidas pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de Março, pretendeu afirmar que o direito à reparação por acidente de serviço apenas se destina a cobrir a perda de capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador (dano laboral).
Não se reconhece, neste sentido, ao trabalhador, um direito à reparação da totalidade dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, na acepção do instituto da responsabilidade civil previsto no Código Civil.
Por esta razão, este regime assegura que o trabalhador mantém a sua capacidade de ganho, auferindo a mesma retribuição que auferia anteriormente ao acidente, ainda que reintegrado em novas funções.
Da mesma forma, fica assegurada a manutenção da capacidade de ganho do trabalhador quando se aposenta, pois fica a receber o exacto valor a que corresponderia a sua pensão de aposentação, de acordo com a sua carreira contributiva. O que sucede é que, ao montante da pensão de aposentação, vai ser deduzido o valor que recebe por conta do acidente em serviço.
Daqui também resulta que, neste sentido, o valor da pensão de aposentação é sempre comprimido, reduzido, no montante que é pago por reparação do acidente.
Em síntese, a reparação por acidente em serviço visa garantir que o trabalhador recebe a sua remuneração e a sua pensão como receberia se não tivesse sido vítima do infortúnio laboral. Mas também, que não ficará a receber mais do que receberia, sem aquele infortúnio.
Revertendo estes considerandos ao caso dos autos verificamos que resulta do probatório que a Autora sofreu acidente de serviço do qual resultou incapacidade permanente parcial para o exercício das suas funções de 7,5% (cfr. ponto 2. do probatório). Em consequência, foi-lhe fixado, a título de reparação em dinheiro pelo acidente sofrido, o montante correspondente a pensão anual de €1.561,30, o qual foi remido, ou pago de uma só vez, no valor de €18.374,94 (cfr. ponto 3. do probatório). Este montante foi pago à Autora em Outubro de 2017 (cfr. ponto 5. do probatório).
Alega a Autora que, por exercer as suas funções na íntegra, será o montante de indemnização acumulável com a retribuição mensal.
Do exposto resulta que assim não é.
O que sucede no caso dos autos é que a Autora recebeu, antecipadamente, a totalidade da indemnização pelo acidente (cfr. 5. do probatório).
O n.º 4 do artigo 41.º do RAS manda aplicar aos casos em que o trabalhador receba a indemnização por remissão, de uma só vez, o mesmo regime que se aplica no caso de receber a indemnização sob a forma de pensão vitalícia.
Em face do disposto nesta norma, deverá a retribuição base da Autora ser deduzida da parcela que corresponderia ao valor mensal que deveria receber a título de indemnização pelo acidente, mas que efectivamente não recebe, porque já o recebeu na sua totalidade.
Pelo que não pode proceder a alegação da Autora de que não há lugar ao desconto no seu vencimento do montante pego pelo acidente por ter sido recebido antecipadamente.
Também a alegação de que as duas prestações têm natureza distinta, a reparação pelo acidente e o vencimento, não pode proceder como fundamento de ilegalidade da actuação do Réu, pois o regime que ficou explanado é imperativo e tem o seu arrimo à lei fundamental confirmado pelo Tribunal Constitucional, sendo certo que, não pode o Tribunal apreciar a bondade das opções políticas nem não pode substituir-se ao legislador.
Por fim, importa referenciar no sentido propugnado a decisão proferida em situação idêntica mas relativa ao montante de pensão no acórdão do TCA Sul, de 07/02/2019, proc. 2951/16.1BELSB, disponível in www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve e a cuja fundamentação se adere e se seguiu de perto: «i) Em virtude da solução normativa vertida na alínea b), do n.º 1 e 3 do artigo 41.º, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, tendo em conta a natureza indemnizatória da prestação periódica a que o trabalhador sinistrado tem direito, tal prestação não é acumulável com a parcela da remuneração que corresponde à percentagem da redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador. No momento em que o trabalhador se aposentar tem direito a receber a reparação pelo acidente, sendo, neste caso, a mesma acumulável coma pensão de aposentação, mas apenas no montante que exceda aquela.
ii) As normas constantes da alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 3 e 4 — quanto a este último, no segmento em que remete para aquelas normas — do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, na redacção dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de Março, não violam o direito dos trabalhadores a justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, nem o princípio da igualdade, consagrados, respectivamente, na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º e no artigo 13.º da Constituição
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Vejamos!
De acordo com o disposto no art.º 41.º do Regime de Acidentes de Serviço (RAS) , sob a epígrafe “Acumulação de prestações”, na redacção dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de Março:
“1 - As prestações periódicas por incapacidade permanente não são acumuláveis:
a) ...
b) Com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente ou doença profissional;
..." - sublinhado nosso, sendo que a constitucionalidade das normas constantes da alínea b) do n.º 1 (e dos ns. 3 e 4) deste preceito, foram já confirmadas pelo Tribunal Constitucional pelo Acórdão 786/2017.
Efectivamente - parafaseando, data venia, a sentença recorrida -, resulta deste quadro normativo que, no caso de infortúnio laboral de que resulte incapacidade permanente parcial, o trabalhador tem direito a receber reparação em dinheiro correspondente à redução da sua capacidade de trabalho ou de ganho, seja por via de uma indemnização em capital recebida de uma só vez - como foi o caso dos autos - , ou recebendo o mesmo montante através de pensão vitalícia.
Da norma legal referida, resulta evidente e bem se percebe que, recebendo o trabalhador qualquer uma destas formas de reparação em dinheiro, a mesma não pode ser acumulada com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador.
Ou seja, como bem se refere na decisão do TAF do Porto, o trabalhador não pode ficar a receber mais que recebia em virtude do infortúnio laboral que teve. Ou dito de outra forma, sendo o trabalhador reintegrado e mantendo a remuneração que auferia antes do acidente, por imposição do artigo 23.º n.º 4 do RAS, não pode com ela acumular o montante da reparação em dinheiro derivado daquele acidente.

E assim, no momento em que o trabalhador se aposentar, tem direito a receber a reparação pelo acidente, sendo, neste caso, a mesma acumulável com a pensão de aposentação, mas apenas no montante que exceda aquela.
Daqui resulta que o legislador, com as alterações ao artigo 41.º do RAS promovidas pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de Março, pretendeu afirmar que o direito à reparação por acidente de serviço apenas se destina a cobrir a perda de capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador (dano laboral).
Não se reconhece, neste sentido, ao trabalhador, um direito à reparação da totalidade dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, na acepção do instituto da responsabilidade civil previsto no Código Civil.
Por esta razão, este regime assegura que o trabalhador mantém a sua capacidade de ganho, auferindo a mesma retribuição que auferia anteriormente ao acidente, ainda que reintegrado em novas funções.
Da mesma forma, fica assegurada a manutenção da capacidade de ganho do trabalhador quando se aposenta, pois fica a receber o exacto valor a que corresponderia a sua pensão de aposentação, de acordo com a sua carreira contributiva. O que sucede é que, ao montante da pensão de aposentação, vai ser deduzido o valor que recebe por conta do acidente em serviço.
Daqui também resulta que, neste sentido, o valor da pensão de aposentação é sempre comprimido, reduzido, no montante que é pago por reparação do acidente.
Em síntese, a reparação por acidente em serviço visa garantir que o trabalhador recebe a sua remuneração e a sua pensão como receberia se não tivesse sido vítima do infortúnio laboral. Mas também, que não ficará a receber mais do que receberia, sem aquele infortúnio.
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Quanto à aplicação (ou não) deste regime de 2014 ao caso dos autos - embora questão nova, apenas suscitada em sede recursiva, que tornava desnecessário o seu conhecimento - brevitatis causa, seguindo a tese defendida em sede de contra alegações, tendo em consideração a data do acidente (2/10/2010) e a data da consolidação médico legal das lesões, em 31/1/2014 --- ponto 2- A do probatório --- ou em 2/6/2015 - ponto 2 dos factos provados -, entendemos que, por via do art.º 12.º. n.º 2, 2.ª parte do Cód. Civil, porque a norma de 2014 dispõe directamente sobre o conteúdo de vertas relações jurídicas - que não sobre condições de validade substancial ou formal -, abstraindo dos factos que lhes deram origem, temos de entender que estas normas abrangem as próprias relações já constituídas e que ainda subsistem nessa altura.
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Deste modo, carece de razão a recorrente, sendo que a Lei 11/2014, de 6 de Março, na sua aplicação ao caso dos autos, não enferma das invalidades suscitadas, por inconstitucionalidades, sejam os princípios da legalidade, da igualdade e da protecção da confiança, como já veio a ser decidido pelo Tribunal Constitucional e se refere na sentença recorrida.
Neste sentido, cfr. o Ac. deste TCA, de 31/8/2021, in Proc. 129/21.1BEMDL, em cujo sumário consta:
"1-O artigo 41.º do Regime de Proteção Social dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas - RPS - alterado pela Lei n.º 11/2014, passou expressamente a proibir a acumulação da pensão por incapacidade permanente parcial com a totalidade da retribuição ou da pensão de aposentação.
2 - A Peticionada desaplicação por inconstitucionalidade da al. b) do n.º 1 do art. 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, na redação introduzida pela Lei n.º 11/2014, de 6 de Março, por violação da al. f) do n.º 1 do art. 59.º da Constituição da República Portuguesa, colide desde logo com a Declaração de Inconstitucionalidade, com força Obrigatória Geral, constante do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 786/2017, de 21 de novembro de 2017, proferido no Processo n.º 996/2016.
3 – O Tribunal Constitucional ao ter declarado a não inconstitucionalidade da alínea b), do n.º 1 do artigo 41.º, do DL nº 503/99, na redação dada pela Lei nº 11/2014, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, veio viabilizar o entendimento de acordo com o qual, atenta a natureza indemnizatória da prestação periódica a que o trabalhador sinistrado tem direito, a mesma não será acumulável com a parcela da remuneração que corresponde à percentagem da redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador.
4 - Como expressamente se afirmou no aludido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 786/2017, de 2017-11-21,

“…as normas constantes da alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 3 e 4 - quanto a este último, no segmento em que remete para aquelas – do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março, não violam o direito dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
(…) não violam o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
(…) o Tribunal Constitucional decide não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, nas normas constantes da alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 3 e 4 - quanto a este último, no segmento em que remete para aquelas – do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março.”
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Sem mais, importa apenas concluir pela bondade da decisão judicial recorrida que assim deve ser mantida.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e assim manter a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente.
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Notifique-se.
DN.
Porto, 1 de Julho de 2022

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho