Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02504/08.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/12/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:INSTITUTO NACIONAL DA FARMÁCIA E DO MEDICAMENTO (INFARMED); ACÇÃO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA; HONORÁRIOS
Sumário:
I-O pedido de pagamento de uma indemnização para reparação dos danos causados por um acto administrativo judicialmente anulado não pode ser accionado no âmbito do processo de execução de sentença de anulação previsto nos artigos 173º a 179º do CPTA.
II-No domínio do contencioso administrativo o mandato judicial é obrigatório, pelo que as despesas correspondentes aos honorários de advogado que a Apelada teve de suportar foram imprescindíveis para eliminar da ordem jurídica o acto lesivo;
II.1-o prejuízo em que esta incorreu, a título de despesas com honorários de mandatário judicial, é um dano susceptível de indemnização, nesta sede, já que essa despesa tem a mesma relação causal para com o facto lesivo que qualquer outra despesa que a Apelada teve de suportar para erradicar o acto (ilícito culposo e) lesivo. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento
Recorrido 1:SMFMA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução de sentenças de anulação de actos administrativos - arts. 173.º e seguintes CPTA - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento a ambos os recursos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:RELATÓRIO
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
SMFMA instaurou acção de execução de sentença contra o Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (Infarmed), AGFPGF e MRVBVB, requerendo:
A. A condenação dos executados a:
a. Praticar os seguintes atos e operações, no prazo de 30 dias, de modo a dar execução ao acórdão do STA de 02.05.2006 (processo n.º 1147/05-12), que julgou procedente a pretensão da Autora em sede de recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho de Administração do INFARMED, de 27 de setembro de 2002, que homologou a lista de classificação final dos concorrentes admitidos ao “Concurso Público para Instalação de uma Farmácia no lugar e freguesia de N..., concelho de Guimarães, Distrito de Braga”, cujo Aviso foi publicado com o nº 7968-B/2001 (2ª Série), no DR II, 1º suplemento, nº 137 de 15 de Junho de 2001:
b. Reformular a lista de classificação final do concurso, classificando-se a exequente em primeiro lugar;
c. Excluir do concurso as Contrainteressadas por, à data da abertura do concurso, serem proprietárias de outra farmácia;
d. Homologar nova lista de classificação final e emitir o alvará relativo à farmácia de N... em nome da exequente;
e. Pagar à exequente a quantia de € 649.817,98 (seiscentos e quarenta e nove mil, oitocentos e dezassete euros e noventa e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais sofridos, bem como a quantia vincenda de € 10.000,00 (dez mil euros) mensais até à emissão do alvará da farmácia de N... em nome da exequente, acrescida de juros legais.
f. A declaração de nulidade, por violação do caso julgado, de todos os atos subsequentes ao ato anulado e que permitiram à primeira classificada no concurso - a Contra-interessada AM - a instalação da farmácia de N..., designadamente:
a. A notificação da Contrainteressada AM para proceder à instalação da farmácia, por ofício de 3/4/2003;
b. A prorrogação do prazo inicial de instalação, por despacho de 11/7/2003;
c. O pedido de vistoria da Contrainteressada AM, a 5/1/2004;
d.A vistoria realizada pelo executado INFARMED a 1/6/2004;
e. A emissão do alvará relativo à farmácia de N... em nome da Contrainteressada AM;
O TAF do Porto decidiu assim: “deferir parcialmente a reclamação apresentada, e em consequência, condenamos a entidade executada no âmbito da retoma do procedimento em apreço, a proferir nova decisão sobre a matéria - homologação da lista de classificação final dos concorrentes ao concurso público para instalação de uma farmácia no lugar e freguesia de N..., concelho de Guimarães, situação que deverá ocorrer no prazo legal de 360 dias, eventualmente prorrogável por mais 90 dias, declarando-se a nulidade de todos os atos subsequentes ao ato anulado e que permitiram à contrainteressada AM a instalação da Farmácia em N..., Guimarães, o que significa que no mesmo prazo acima apontado, deve ser proferida decisão que determine o encerramento da farmácia da aqui Contrainteressada AMGFPGF e a anulação do respetivo alvará, ordenando-se na mesma altura a emissão do competente alvará a favor do candidato que ficar classificado em 1º lugar.
No mais, mantemos integralmente a decisão reclamada.”
Deste acórdão vem interposto recurso.

Alegando, a Exequente formulou as seguintes conclusões:
A – No presente recurso discutem-se as seguintes questões:
Deficiência na selecção da matéria de facto para a decisão da causa (art. 511º CPC, aplicável por força do disposto no art. 1º do CPTA);
Falta de fundamentação da matéria de facto dada como provada (art. 158º nº 1, art. 653º/2 e art. 668º/1/b CPC; art. 208º nº 1 CRP);
Falta da fase de instrução processual (art. 177º/4 CPTA);
Erro de julgamento: pedido de condenação da Administração ao pagamento de quantias pecuniárias (art. 176º/3 CPTA);
Erro de julgamento: actos necessários à execução do Acórdão.
B – Quanto à primeira questão no presente caso há certos factos determinantes para a decisão da causa que não foram enunciados pelos julgadores a quo, violando-se o art. 511º do CPC, na medida em que a matéria de facto seleccionada é deficiente.
C - Há certos factos relevantes para a decisão da causa que não foram enunciados pelos julgadores a quo; nomeadamente os factos invocados pela Recorrente no seu requerimento executivo nos arts. 10, 14 e 18 deveriam ser seleccionados. Também os factos alegados no art. 44º da resposta e no art. 36º da oposição de Executada AM tem relevância para o julgamento da causa.
D - Estas deficiências da matéria de facto seleccionada, por omissão de factos com interesse para a decisão da causa, impõem uma anulação da sentença por deficiência quanto a pontos determinantes da matéria de facto (art. 712º/4 CPC: a Relação pode anular a decisão proferida na primeira instância quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto).
E – Quanto à segunda questão, o Acórdão recorrido enferma de falta de fundamentação de facto, pois não se faz uma análise crítica das provas com especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art. 653º/2 e art. 668º/2/b do CPC). Por outro lado, o Acórdão em apreço não se pronunciou sobre toda a factualidade alegada (nomeadamente, sobre a matéria dos arts. 10, 14 a 18 do requerimento de execução), nem sequer para considerar esta matéria como não provada, como era imposto pelos arts. 653º/2 e art. 668º/2/b do CPC.
F – Quanto à terceira questão, entende a Recorrente que foi praticada uma nulidade processual por omissão da fase de instrução. Existindo matéria controvertida relevante, o Julgador “a quo” devia, após a fase dos articulados, proceder à selecção da matéria de facto e depois notificar as partes para indicarem os meios de prova. Foram violados os arts. 177º/4 do CPTA e arts. 508º e 512º, 380º/3 e 787º/1 do CPC.
G – Quanto à quarta questão, existe um erro de julgamento na interpretação do art. 176º/4.
H – De facto, a Recorrente entende que pode formular um pedido de condenação da Administração ao pagamento de uma indemnização em sede de execução.
I – Isto porque a Recorrente intentou o pedido de anulação do acto administrativo em causa ao abrigo da LPTA (Recurso Contencioso de Anulação). Ao abrigo deste regime, a ora Recorrente (exequente) não podia cumular o pedido de anulação do acto administrativo com um pedido de indemnização. Ora, tendo em consideração esta impossibilidade de cumulação, o art. 10º do DL nº 256-A/77 de 17/8 (diploma que anteriormente regulava a execução de sentença) previa a possibilidade de o interessado requerer a fixação de indemnização dos prejuízos resultantes do acto anulado. Possibilidade esta que terá que permanecer no regime do CPTA.
J – Quanto à quinta questão, a Recorrente entende que para execução do Acórdão Anulatório a Administração deverá ser condenada a classificá-la em primeiro lugar.
K – O Acórdão objecto do presente pedido de execução considerou que não é possível constituir na esfera jurídica de quem já é proprietário de farmácia o direito à propriedade de uma outra.
L.- Isto significa a exclusão das duas primeiras candidatas – por serem proprietárias de outras farmácias à data do concurso -; mas significa também a exclusão da terceira candidata (CG) – por ser actualmente proprietária de farmácia e por ter desistido do procedimento de concurso para a instalação da Farmácia de N....
M.- Os julgadores “a quo” violaram o disposto no art. 179º/1 do CPTA e o princípio do caso julgado, na medida em que erra ao fixar conteúdo dos actos necessários à execução do Acórdão.
Nestes termos deverá o Acórdão em apreço ser revogado.
*
O Infarmed contra-alegou, concluindo:
1.ª A verificação dos factos alegados pela ora Recorrente nos artigos 10.º, 14.º e 18.º do Requerimento Executório, pelo INFARMED e pela Contrainteressada nos artigos 44.º e 36.º das respetivas contestações, é irrelevante para a decisão a tomar nos presentes autos, na medida em que estamos em sede executiva, não sendo possível ao julgador analisar pedidos indemnizatórios deduzidos nesta sede.
2.ª Desta forma e por este fundamento, improcedem todas as nulidades assacadas pela Recorrente à decisão recorrida nas conclusões B) a F) das suas alegações de recurso.
3.ª Não existe qualquer má interpretação do artigo 176.º/4 do CPTA por parte do Tribunal a quo, porquanto:
4.ª i) os artigos 166.º e 178.º do CPTA, apenas preveem, atualmente, a possibilidade de ressarcimento ao Exequente dos danos decorrentes da procedência de causa legítima de inexecução da sentença, sendo que, verificando-se esta, a lei já nem sequer prevê o ressarcimento dos danos sofridos por conta do ato anulado; e
5.ª ii) mesmo no regime anterior, não havendo causa legítima de inexecução da sentença, requerendo o exequente então a sua execução, a lei não previa a possibilidade de este cumular, na fase executiva, a execução da sentença anulatória e o ressarcimento dos danos sofridos por conta o ato anulado; pelo que, para o efeito, teria que propor uma ação de indemnização.
6.ª O Tribunal a quo nunca poderia condenar o INFARMED a classificar a Recorrente em 1.º lugar, porquanto dos autos resultou que poderão ser outros os candidatos a alcançarem esse lugar, sendo para efeito necessária a instrução procedimental do INFARMED para determinar essa classificação.
NESTES TERMOS,
Deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão recorrida, com as legais consequências.
*
O Infarmed também recorreu da decisão, no que diz respeito à sua condenação no pagamento à ora Exequente da quantia de € 18.000, 00 a título de indemnização com referência ao ressarcimento das despesas com honorários de advogado no caso em apreço.
Em alegações concluiu assim:
1ª. O Tribunal a quo incorre em erro de julgamento ao considerar como provado o pagamento da quantia de € 18.000,00 pela Exequente ao seu mandatário, condenando o INFARMED ao seu ressarcimento;
2ª. A Exequente não prova tal pagamento, recaindo sobre ela o ónus dessa mesma prova, nos termos do artigo 342.º/1 do Código Civil
3ª. Mais acresce que a Exequente também não demonstrou a adequação e necessidade do valor peticionado, não havendo qualquer justificação do mesmo, com a discriminação integral e individualizada das tarefas que a ele levaram.
NESTES TERMOS,
Deve ser concedido provimento ao recurso do Requerido, revogando-se a decisão recorrida que confirmou a Sentença proferida em 24.11.2010, com as legais consequências.
*
Contra-alegando, a Exequente concluiu que:
1.- O Acórdão em apreço considerou no ponto 6 da fundamentação de facto:
“A Exequente recorreu aos serviços de Advogado, sendo que, em virtude dos serviços prestados, a exequente liquidou a quantia de €18.000,00 (docs. de fls 77-78 e 79 destes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido).”
2.- Estes documentos incluem uma nota de honorários com a discriminação das várias tarefas realizadas e com as horas contabilizadas.
3.- Incluem também uma Factura/Recibo que comprova o pagamento da quantia de 18.000€. Ao contrário do referido pelo Recorrente este documento é também um recibo, emitido na data do pagamento, que comprova o pagamento do valor peticionado.
Nestes termos, deverá o Acórdão em apreço ser confirmado.
*
O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
*
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. No âmbito do recurso contencioso que começou por correr termos no então Tribunal Administrativo do Círculo do Porto com o n.º 1108/02, foi proferido acórdão pelo STA, em 02-05-2006, dando provimento ao recurso e anulando o ato recorrido com referência à deliberação do Conselho de Administração do Instituto Nacional de Farmácia e do Medicamento (INFARMED), de 27 de setembro de 2002, que homologou a lista de classificação final dos concorrentes admitidos ao “Concurso Público para Instalação de uma Farmácia no lugar e freguesia de N..., concelho de Guimarães, Distrito de Braga”, cujo Aviso foi publicado com o nº 7968-B/2001 (2ª Série), no DR II, 1.º suplemento, n.º 137, de 15 de Junho de 2001, anulação essa que se baseou no facto de a lista de classificação final ter o primeiro e o segundo lugares ocupados por farmacêuticas proprietárias de outras farmácias à data do concurso, em violação do disposto no n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965, disposição normativa que determina que o farmacêutico que for proprietário de farmácia não pode ver constituído na sua esfera jurídica o direito à propriedade de uma nova farmácia (fls. 423-433 do processo principal).
2. A lista de classificação final dos candidatos admitidos ao concurso foi tornada pública através do aviso n.º 10668/2002 (2.ª série), publicado no Diário da República, de 17 de Outubro de 2002, com o seguinte teor – cfr. doc. de fls. 227:
“1.º AMGFPGF(…)
2.º MMRVBVB (…)
3.º CAASG (…)
4.º SMFMA (…)”
3. Em 07 de junho de 2004 foi concedido pelo executado INFARMED à Contrainteressada AMPGF alvará de instalação de farmácia n.º 4… para funcionamento da Farmácia N..., sita na Rua C…, da freguesia de N..., concelho de Guimarães – facto alegado na contestação apresentada pelo executado INFARMED (artigo 17) e na contestação apresentada pela Contrainteressada AMPGF (artigo 30.º), a fls. 104 e 211, respetivamente, e não impugnado.
4. A exequente deu entrada da petição de execução, neste Tribunal, em 17-11-2008 – cfr. fls. 2.
5. Dou aqui por reproduzido o teor da certidão que consta de fls. 199-200 destes autos subscrita pelo Sr. Presidente da Junta de Freguesia de N....
6. A Exequente recorreu aos serviços de Advogado, sendo que em virtude dos serviços prestados, a Exequente liquidou a quantia de € 18.000,00 ( Docs. de fls. 77-78 e 79 destes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido ).
*
DE DIREITO
Antes de mais está posta em causa a decisão que ostenta este discurso fundamentador:
Começando pelo “recurso” interposto pelo INFARMED, entretanto convertido em reclamação para a conferência, resulta das conclusões apresentadas pelo Reclamante que o mesmo se insurge contra a sentença in crisis, sustentando, em primeiro lugar, ser legalmente impossível no prazo de 90 dias, em face do disposto nos artigos 12.º, 13.º e 14.º da Portaria n.º 936-A/99, de 22 de outubro, proferir decisão que determine o encerramento da farmácia da Contrainteressada e a anulação do respetivo alvará, ordenando-se na mesma altura a emissão do competente alvará a favor do candidato que ficar classificado em 1.º lugar.
Afirma resultar da conjugação das referidas disposições legais, que ainda que execute a primeira parte da decisão da sentença em causa no referido período de tempo, o que adianta já ter feito, não pode, porém, no mesmo período de 90 dias, determinar o encerramento da farmácia da contrainteressada e emitir o alvará da farmácia cujo concorrente tenha ficado classificado em primeiro lugar, porquanto este dispõe do prazo de 360 dias, prorrogável por mais 90 dias, para ter a farmácia devidamente instalada, de forma a ser vistoriada pelo INFARMED, só então sendo permitida a emissão do respetivo alvará.
Por fim insurge-se também contra a condenação do INFARMED a pagar à exequente a quantia de 18.000,00€ a título de indemnização com referência ao ressarcimento das despesas com honorários de advogado, invocando que a exequente não demonstrou cabalmente a determinação do valor peticionado, nem que este respeita o princípio da proporcionalidade, nas vertentes da adequação e necessidade, como não fez prova do efetivo pagamento do valor peticionado.
Em síntese, imputa à sentença erro de julgamento.
Vejamos.
Começando pelo primeiro dos fundamentos invocados pelo Recorrente, importa relembrar que na sentença in crisis, o Recorrente INFARMED foi condenado a, no prazo de 90 dias:
(i) retomar o procedimento concursal em causa, proferindo nova decisão sobre a matéria, ou seja, a homologação da lista de classificação final dos concorrentes ao concurso público para instalação de uma farmácia no lugar e freguesia de N...;
(ii) proferir decisão que determine o encerramento da farmácia da contrainteressada e a anulação do respetivo alvará, ordenando-se na mesma altura a emissão do competente alvará a favor do candidato que ficar classificado em 1.º lugar.
A fim de aquilatarmos se assiste ou não razão ao Recorrente, atentemos no que dispõem as normas legais que foram indicadas pelo mesmo.
No artigo 12.º, n.º1 da Portaria n.º 936-A/99, de 22/10 estabelece-se que: “ O concorrente classificado em primeiro lugar dispõe de 75 dias a contar da data de publicação no Diário da República da lista referida no ponto 1 do número anterior para apresentar os seguintes documentos:
a) Planta de localização da farmácia emitida pelos serviços camarários certificando que numa distância em linha reta de 3 km, de 5 Km ou de 500m, conforme o caso, não se encontra instalada nenhuma farmácia;
b) Certidão camarária de que conste a rua e número de polícia ou número de lote e confrontações do prédio onde vai ser instalada a farmácia;
c) Descrição de áreas mínimas do estabelecimento, conforme previsto na legislação em vigor, e respectiva planta;
d) Fotocópia de escritura de constituição de sociedade comercial, se for caso disso;
e) Declaração comprovativa da actividade profissional que o concorrente ou concorrentes eventualmente exerçam ou declaração de que não exercem qualquer atividade;
f) Certidão camarária certificando que o local proposto para a instalação dista mais de 100 m em linha reta contados da entrada ou entradas do edifício do centro de saúde ou extensão ou do edifício do estabelecimento hospitalar mais próximos ou sendo caso disso, da entrada ou entradas do muro circundante daqueles edifícios;
g) Outros documentos que o INFARMED considere indispensáveis e que constam do aviso de abertura do concurso”.
Por seu turno, no artigo 13.º da mesma Portaria, sob a epígrafe “ Prazo de instalação”, prevê-se que:
“1. A farmácia deverá estar devidamente instalada no prazo de 360 dias a contar da data de publicação no Diário da república da deliberação de homologação referida no ponto 1 do n.º 11, a fim de ser efectuada vistoria nos termos legais.
2. Este prazo poderá ser prorrogado por período não superior a 90 dias, no caso de instalação de nova farmácia, quando se reconhecer a existência de facto alheio à vontade do interessado que seja impeditivo da instalação”.
Outrossim, no artigo 14.º da mesma Portaria dispõe-se que “ Efetuada a vistoria e consideradas satisfeitas as condições para a abertura da farmácia, será emitido o alvará ou nele feito o respetivo averbamento, conforme os pedidos em causa”.
Analisadas as referidas disposições legais, resulta, desde logo, do seu teor literal, que o concorrente que venha a ficar classificado em 1.º lugar na nova lista de homologação do concurso que foi anulado, dispõe do prazo de 360 dias, prorrogável por mais 90 dias, para ter a farmácia devidamente instalada, de forma a ser vistoriada pelo INFARMED, a fim de, então, ser emitido o respetivo alvará.
Assim sendo, resulta evidente não ser possível ao INFARMED, no prazo indicado na sentença in crisis, dar cumprimento, em simultâneo, ao encerramento da farmácia explorada pela Contrainteressada e ao mesmo tempo emitir o alvará a favor do candidato que tenha ficado posicionado em primeiro lugar, uma vez que o mesmo, à luz das referidas normas legais, dispõe de um prazo de 360 dias, prorrogável por mais 90 dias, para dar cumprimento a todos os requisitos legais necessários à emissão do alvará para funcionamento da farmácia, não podendo, por conseguinte, o INFARMED impor ao concorrente vencedor que este conclua o procedimento com vista à instalação da farmácia em 90 dias quando a lei lhe confere um prazo total de 360 dias, prorrogáveis por mais 90 dias.
Tendo em conta que pelas razões que constam da sentença in crisis, o encerramento da farmácia da contrainteressada apenas deve ser determinado aquando da emissão do alvará ao concorrente que ficar classificado em primeiro lugar, por forma a obviar à eventual emergência de prejuízos para os utentes resultantes do encerramento da farmácia da contrainteressada sem que exista uma outra farmácia nessa mesma freguesia de N..., não pode o INFARMED dar cumprimento á decisão in crisis no referido prazo de 90 dias.
Assim sendo, impõe-se, nesta parte, revogar a decisão proferida no que concerne à fixação do prazo de 90 dias, substituindo-se a referência a esse prazo pelo prazo legalmente estipulado, ou seja, a proceder conforme ordenado na sentença in crisis , dando cumprimento ao aí determinado mas no prazo de 360 dias, eventualmente prorrogável por mais 90 dias.
Em segundo lugar, o INFARMED insurge-se contra a sua condenação no pagamento de €18.000,00 a título de honorários ao advogado da exequente, alegando não se encontrar demonstrada a realização de tal despesa, para além de não ter sido observado o princípio da proporcionalidade.
Conforme resulta da sentença objeto da presente reclamação para a conferência, encontra-se dado como assente que: “6.A Exequente recorreu aos serviços de Advogado, sendo que em virtude dos serviços prestados, a Exequente liquidou a quantia de € 18.000,00 (Docs. de fls. 77-78 e 79 destes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido).
Compulsados os referidos documentos, deles emerge como demonstrada a factualidade que foi dada como assente na decisão in crisis, posto que, dos referidos documentos resulta ter a Exequente pago ao seu advogado, pelos serviços elencados no documento de fls. 77-78, a aludida importância.
Tais documentos não foram impugnados pelo Recorrente, nem foi arguida a sua falsidade, pelo que encontrando-se os mesmos subscritos pelo ilustre mandatário da Exequente, os mesmos apresentam-se como documentos idóneos a comprovarem a materialidade dos factos neles insertos.
Nestes termos, impõe-se concluir não assistir razão ao INFARMED, mantendo-se a decisão in crisis, pelas razões que dela constam e que ora aqui se reproduzem:
“Já em relação aos honorários com o patrocínio judiciário, diga-se, como se aponta no Ac. do S.T.A. de 24-04-2007, Proc. nº 01328A/03, www.dgsi.pt, que "neste ponto parece-nos dever seguir-se a mais moderna jurisprudência deste Supremo Tribunal que entende que são indemnizáveis as despesas com honorários de advogado, suportadas por quem sofreu um acto lesivo e teve de as fazer para remover a lesão, e que pode ver-se expendida, pelo menos, no acórdão do STA de 08-03-2005 (Rec. Nº 039934A), com invocação de outra jurisprudência, ali se citando trechos essenciais do acórdão do STA de 1999.06.09 - recº nº 43 994, em que se afirma:
“(…) As custas compreendem a taxa de justiça e os encargos em que se inclui o reembolso à parte vencedora, a título de custas de parte e procuradoria (…)
A função tradicional desta é de indemnização à parte vencedora pelas despesas com o patrocínio judicial (…).
(…) Sem deixar de reconhecer que a procuradoria também cumpre a indicada função, não é forçoso tirar daí a conclusão de que o vencedor não possa peticionar o montante despendido com o patrocínio judicial quando este é superior, desde que tenha de recorrer a tribunal para obter o que lhe é devido ou erradicar os efeitos lesivos da sua esfera jurídica provocados por acção ou omissão do vencido. A possibilidade de recebimento pelo vencedor de uma quantia a título de procuradoria, em vez de excludente por raciocínio a contrario, deve antes ser considerada como uma indemnização a forfait com a qual o interessado poderá, ou não contentar-se nos casos em que, por comodismo ou por outra razão qualquer, não peticiona o montante das despesas efectivas superiores.
Na verdade, o princípio geral é que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação do art. 562º do C. Civil (…).
Por outro lado, é um facto do conhecimento geral que o montante da procuradoria que é atribuído ao vencedor é uma parte ínfima das despesas com o patrocínio judiciário. Quer pela modéstia do seu montante bruto, quer pelos diversos destinos pelos quais esse montante se reparte (…) só muito residualmente a procuradoria cumpre a tradicional finalidade. Dizer que aquilo que é atribuído ao vencedor a este título é o ressarcimento das despesas com o advogado no processo respectivo é, na generalidade dos casos, negar a própria evidência (…)

(…) a consideração de que o pagamento das despesas de justiça não pode ser objecto de pedido indemnizatório autónomo conduziria a que uma parte das consequências lesivas da actuação administrativa ilícita ficasse sistematicamente excluída de indemnização (…).
Uma tal solução, deslocando irremediavelmente e definitivamente para a esfera do lesado uma consequência que, segundo os princípios gerais da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, deve ser suportada pelo lesante, seria contrária ao disposto no art. 22º da Constituição que garante, como direito fundamental, a responsabilidade da Administração por factos ilícitos culposos que causem prejuízo a outrem (…).
Nenhuma razão se vislumbra para que as despesas de justiça (…), desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica o acto administrativo lesivo, não sejam ressarcidas como os demais prejuízos causados pelo acto.
Igualmente milita no sentido proposto o princípio do direito processual civil segundo o qual a necessidade de recorrer a juízo não deve ocasionar dano à parte que tem razão (MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 390). Segundo CHIOVENDA, citado por ANDRADE (op. cit., pág. 393), “a administração da justiça faltaria à sua missão e a própria seriedade desta função estadual estaria comprometida se o mecanismo instituído para actuar a lei devesse agir com prejuízo de quem tem razão” (…)”
Neste mesmo sentido, considerando que no domínio do contencioso administrativo em que o mandato judicial é obrigatório os honorários de advogado constituem um dano indemnizável vejam-se os acórdãos da 1ª Secção de 2000.12.13 – recº nº 44761 e de 2002.06.06 – recº nº 24 779-A e do Pleno de 2001.03.14 – recº nº 24 779-A".
Transpondo tal doutrina para o caso em apreço, não se descortina nenhum obstáculo ao ressarcimento das despesas com honorários de advogado no caso em apreço, pois que é sabido que no domínio do contencioso administrativo, o mandato judicial é obrigatório.
Por outro lado, a Administração, como foi reconhecido, incorreu em prática que foi tida como ilegal, forçando o exequente a desencadear a fase judicial de recurso contencioso para ver removida a ilegalidade.
Assim sendo, como sustenta o citado Ac. do S.T.A. de 24-04-2007, não há razão para que a ilegalidade cometida não suporte a indemnização dos danos que tenha directamente provocado, compelindo o exequente a ir a juízo, com o patrocínio obrigatório do seu advogado, para tutelar o seu direito ao recurso contencioso.
Num tal quadro, e na medida em que impede que tal matéria integre o acervo de actos e operações necessários ao efeito repristinatório do julgado de anulação, não se vê obstáculo a indemnizar a exequente, nesta sede, pelas despesas que tive que fazer com o seu mandatário para que tivesse sido reconhecida a ilegalidade, sendo que em função do que fica exposto, tal matéria conduz à procedência da pretensão da Exequente pelo valor efectivamente pago neste âmbito - € 18.000,00.”.
X
Vejamos agora os fundamentos apresentados pela Exequente/Recorrente.
O primeiro fundamento adiantado por esta contra o acórdão prende-se com uma alegada deficiência na selecção da matéria de facto para a decisão em causa.
Advoga a Recorrente que existem factos relevantes para a decisão que não foram enunciados pelo julgador, nomeadamente, os factos por si invocados nos artigos 10 e 14 a 18 do requerimento executivo, bem como os factos alegados nos artigos 44 da resposta e 36 da oposição apresentada pela executada AM, o que impõe uma anulação da decisão por deficiência quanto a pontos determinantes da matéria de facto.
Conforme tem sido sistematicamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, no que respeita à modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, o Tribunal de recurso só deve intervir quando a convicção desse julgador não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se, assim, a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, bem como à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto - Acórdão do STA, de 19/10/2005, rec. 0394/05. Aí se refere, entre o mais, que “o art. 690º-A do CPC impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. Este artigo deve ser conjugado com o 655° do CPCivil que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”. Esta exigência decorre da circunstância de o tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. (É pacífico o entendimento dos Tribunais da Relação, neste ponto. Só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação - cfr. António Arantes Geraldes em Temas da Reforma do Processo Civil, II volume, 4ª ed., 2004, págs. 266 e 267, o Acórdão da Relação do Porto de 2003/01/09 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 2001/03/27, em Coletânea de Jurisprudência, Ano XXVI-2001, Tomo II, págs. 86 a 88). Entendimento semelhante posto em causa no Tribunal Constitucional, por ofensa da garantia do duplo grau de jurisdição, foi considerado conforme à Constituição (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13/10/2001, em Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”. Alude-se ainda, a este respeito no Acórdão deste TCAN, de 08/03/2007, proferido no âmbito do Proc. 00110/06, que “decorre do regime legal vertido nos arts. 140º e 149º do CPTA que este Tribunal conhece de facto e de direito sendo que na apreciação do objeto de recurso jurisdicional que se prende com a impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal “a quo” se aplica ou deve reger-se, na ausência de regime legal especial, pelo regime que se mostra fixado em sede da legislação processual civil nesta sede. Ora com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12/12, e pelo DL n.º 180/96, de 25/09, foi instituído, de forma mais efetiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto. Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto, sendo certo que da situação elencada (impugnação jurisdicional da decisão de facto – artº 690º-A do CPC) se distinguem os poderes previstos no n.º 2 do artº 149º do CPTA que consagram solução diversa e de maior amplitude da que se mostra consagrada nos arts. 712º e 715º do CPC. Assim, pese embora tal regime e situações diversas temos, todavia, que referir que os poderes conferidos no artº 149º, n.º 2 do CPTA não afastam os poderes de modificação da decisão de facto por parte deste Tribunal ao abrigo do artº 712º do CPC por força da remissão operada pelos arts. 1º e 140º do CPTA porquanto o TCA mantém os poderes que assistem ao tribunal de apelação no âmbito da fixação da matéria de facto quando esta constitui objeto ou fundamento de recurso jurisdicional. Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efetuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artº 690º-A do CPC. E continua “É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no artº 712º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objeto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
A este propósito e tal como sustentado pelos Prof. Mário Aroso de Almeida e Cons. Fernandes Cadilha “(…) é entendimento pacífico que o tribunal de apelação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica (…). Por analogia de situação, o tribunal de recurso pode igualmente sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância pelo que respeita a saber se tais ilações alteram ou não os factos provados e se são ou não consequência lógica dos factos apurados. (…) ” (em ob. cit., pág. 743).” (…) “Retomando o que supra fomos referindo sobre a amplitude dos poderes de cognição do tribunal de recurso sobre a matéria de facto temos que os mesmos não implicam um novo julgamento de facto, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artº 690º-A n.ºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.
Como se consignou nos acórdãos deste TCAN de 06/05/2010, rec. nº 00205/07.3BEPNF e de 22/05/2015, rec. nº 1625/07BEBRG: “Os poderes de modificabilidade da decisão de facto que o artigo 712º do CPC atribui ao tribunal superior envolvem apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e excecionais erros de julgamento e não uma reapreciação sistemática e global de toda a matéria de facto.” “Para que seja alterada a matéria de facto dada como assente é necessário que, de acordo com critérios de razoabilidade, apreciando a prova produzida “salte à vista” do Tribunal de recurso um erro grosseiro da decisão recorrida, aparecendo a convicção formada em 1ª instância como manifestamente infundada”.
E como ressalta ainda do sumário do proc. nº 00242/05.2BEMDL, de 22/02/2013, acolhido por este TCAN em 22/05/2015 no âmbito do proc. 840/05.4BEVIS I. “Como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (art. 655º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio.
II. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal «a quo», aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal «ad quem».
Voltando ao caso concreto, a factualidade inserta nos referidos pontos é a seguinte:
A. Requerimento executivo
“10.- Daí que, para a execução do Acórdão, terá que ser reformulada a lista de classificação final do concurso, classificando-se a Recorrente ora Exequente em primeiro lugar.
14.-Por outro lado, o ato anulado teve consequências patrimoniais negativas para a Exequente.
15.-Se a Exequente tivesse sido classificada em primeiro lugar no concurso em apreço, poderia ter instalado a farmácia de N... em 12/10/2013.
16.-Podendo, desde essa data, ser proprietária da Farmácia de N... e proceder à sua exploração, exploração essa que lhe traria lucros. Lucros que se estimam da seguinte forma:
2003 (3 meses) 5.358€;
2004 83.538€;
2005 133.291€;
2006 142.157€;
2007 134.957€;
2008 131.957€.
17.- Até à presente data a Exequente deixou de ganhar proveitos da exploração de farmácia no total de 631.258€ (…).
18.-Sendo que, no futuro, até ser proprietária da Farmácia de N..., a Exequente deixará de ganhar mensalmente a quantia de 10.000€ (líquidos) a título de lucros ou proveitos com a exploração da Farmácia de N....”
B- Oposição apresentada pelo INFARMED
“44.- Há uma situação limite, por ocorrer um desequilíbrio patente, que não pode ser ignorado, para a saúde pública e para o direito fundamental à saúde dos habitantes da área de ação da Farmácia de N..., face aos direitos de liberdade de iniciativa económica e de propriedade da Exequente, monetariamente compensáveis”.
C- Oposição apresentada pela CI AM
“36.-Por sua vez, a candidata classificada em 3.º lugar no Concurso para a Farmácia de N..., CAASG, optou pela instalação de farmácia na freguesia de S…., concelho de Guimarães, com a denominação de “Farmácia B…”, conforme comprovativo disponibilizado e extraído do site do INFARMED (WWW.infarmed.pt)-doc. n.º 7”.
Ora, tendo em conta as questões a decidir nos presentes autos e os fundamentos de direito que foram tidos em consideração na decisão, entendemos não assistir razão à Recorrente, uma vez que a matéria ínsita nos referidos pontos não apresenta relevância.
A factualidade alegada em alguns dos referidos pontos apenas teria pertinência para a decisão a proferir caso o pedido indemnizatório deduzido pela Exequente fosse susceptível de ser apreciado no âmbito da presente acção executiva, situação que, pelas razões que se encontram bem explanadas no acórdão sob censura, não pode ocorrer no âmbito dos presentes autos de acção executiva.
Nestes autos, não havendo título executivo, apenas pode ser conhecida a “indemnização devida pelo facto da inexecução“, não sendo a acção executiva meio idóneo para reparar todos os danos eventualmente causados pelo acto ilegal. Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2ª ed., 2007, pág. 275, referem, a propósito da execução de sentenças prevista no artº 166º do CPTA, que este artigo “não contempla a possibilidade de reenvio da apreciação da questão para a ação de indemnização, visto que o quantum indemnizatório se circunscreve apenas aos danos que resultam da impossibilidade de execução da sentença (…). O que não obsta, todavia, a que o interessado, à semelhança do disposto no n.º 5 do artigo 45.º, venha a deduzir um pedido autónomo de reparação dos danos resultantes da atuação ilegítima da Administração através do processo declarativo próprio”, pelo que “impõe-se, pois, distinguir, neste domínio, entre a “indemnização devida pelo facto da inexecução” e aquela que se destina a reparar todos os danos causados pelo ato ilegal”. Neste sentido, veja-se também o Acórdão proferido pelo TCAS, em 05 de junho de 2008, no proc. 03049/07, onde se sumariou:
I-O pedido de pagamento de uma indemnização para reparação dos danos causados por um acto administrativo judicialmente anulado não pode ser accionado no âmbito do processo de execução de sentença de anulação previsto nos arts. 173º a 179º do CPTA.
Ora, na decisão em crise sentenciou-se:
(…)
Quanto ao pedido indemnizatório, importa notar que está em causa um julgado que culmina recurso contencioso de anulação, isto é, que culmina processo destinado a aferir a mera legalidade do acto recorrido, em que não se mostra possível cumular qualquer pedido condenatório [ver artigo 6º do ETAF então em vigor, aprovado pelo DL nº 129/84 de 27.04]. E também não o é à luz da actual permissão legal de cumulação de pedidos nas acções administrativas especiais [artigo 47º do CPTA]. Na verdade, nem os pedidos principais veiculados por este tipo de acções [artigo 46º CPTA], nem os pedidos cumulativos que com esses podem ser deduzidos, parecem poder integrar pedido de pagamento de uma indemnização para reparação de danos causados pelo acto administrativo ilegal. Daí que no regime jurídico da acção executiva de julgado anulatório apenas esteja prevista, no tocante ao autor da mesma, e consoante dissemos, a eventual indemnização por causa legítima de inexecução do julgado (ver, fundamentalmente neste sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág. 233).
Secundando nós esta leitura, entende-se que o pedido de indemnização por danos patrimoniais relacionados com os lucros da exploração da farmácia não pode ser atendido, uma vez que não é suportado pelo âmbito do caso julgado dado à execução.
Por outro lado, importa notar que a pretensão da Exequente/Recorrente tem como pressuposto o facto de a mesma vir a ser classificada em 1º lugar, sendo que a alegação da Exequente neste domínio é meramente conclusiva, de modo que, ainda que não fosse como acima exposto, entende-se que o pedido em apreço não poderia, em qualquer caso, ser atendido, não podendo olvidar-se que a questão relativa à classificação da Exequente no concurso contende com a posição de terceiros que não são parte neste processo, o que também coloca em crise a virtualidade de a matéria em causa ser discutida neste processo.
Sem embargo, sempre se dirá que, vindo a exequente a ser, efectivamente, classificada em primeiro lugar aquando da reformulação da lista de classificação final - em execução do acórdão -, sempre a mesma poderá vir reclamar a indemnização devida pelos prejuízos eventualmente sofridos em decorrência da sua não classificação em tal lugar aquando da primeira lista.
Desatende-se, assim, esta argumentação da Parte.
O segundo fundamento radica na alegada falta de fundamentação da matéria de facto dada como provada, argumentando que na decisão sub judice não se faz uma análise crítica das provas com especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, para além de não se ter pronunciado sobre toda a factualidade alegada.
A propósito desta questão, importa notar que os factos dados como assentes foram assim considerados por referência aos documentos que a propósito de cada facto se encontram identificados ou com fundamento na sua admissão por acordo resultante da sua não impugnação.
Analisando a decisão sob escrutínio constatamos que o Tribunal a quo teve o cuidado de indicar, a propósito de cada facto, os documentos que teve em consideração para a formação da sua convicção e relativamente aos factos que considerou assentes por acordo referiu essa razão como fundamento da sua convicção. Consistindo os fundamentos probatórios tidos em consideração para a formação da convicção do julgador na prova documental identificada na decisão, documentos esses, saliente-se, que não foram impugnados e na prova por admissão resultante da não impugnação, não se vê que mais análise crítica devesse ser efectuada, uma vez que, perante os referidos elementos probatórios a compreensibilidade do itinerário cognoscitivo percorrido pelo julgador apresenta-se como manifestamente evidente a qualquer destinatário colocado na situação em que se encontra a aqui Recorrente.
Improcede este segmento do recurso.
Em terceiro plano sustenta a Recorrente que foi preterida a fase de instrução processual, com o que foi praticada uma nulidade processual, posto que, existindo matéria controvertida relevante, o julgador devia, após a fase dos articulados, ter procedido à selecção da matéria de facto e depois notificar as partes para indicarem os meios de prova, pelo que, não o tendo feito, foram violados os artigos 177º/4 do CPTA, 508º e 512º, 380º/3 e 787º/1 do CPC.
A propósito deste vício remete-se para o que acima se deixou consignado quanto à invocada falta de selecção de matéria relevante.
Tal como decidido pelo Tribunal recorrido não se vislumbra a necessidade de inclusão de qualquer outra matéria de facto, afigurando-se-nos, aliás, que o apuramento da matéria de facto em causa se traduziria na prática de actos inúteis, exercício que, como é sabido, está vedado ao julgador.
A fase de instrução, com a produção de prova testemunhal (ou outra), apenas se justifica quando a matéria de facto alegada pelas partes, e que se encontra controvertida, se revelar pertinente para a decisão a proferir segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, condicionalismo esse que, repete-se, ora não se detecta.
Assim, não sendo os factos que se mostram controvertidos relevantes para a decisão a proferir no âmbito da concreta causa que o julgador tem em mãos, impõe-se-lhe antes, em cumprimento do dever de boa gestão processual, que os ignore, não desperdiçando tempo e recursos com pontos irrelevantes para o processo, tendo em conta o enquadramento jurídico que considera ajustado ao tratamento das questões a decidir.
Improcede este fundamento.
Seguidamente advoga a Recorrente que lhe assiste o direito a formular um pedido de condenação da Administração ao pagamento de uma indemnização em sede de execução.
Como atrás se explanou, não secundamos esta posição, pelo que se desatende este vício assacado ao acórdão.
Por fim, a Recorrente entende que a Administração deveria ter sido condenada a classifica-la em primeiro lugar, pelo que, tendo a decisão em apreço considerado não ser possível constituir na esfera jurídica de quem já é proprietário de farmácia o direito à propriedade da mesma, tal significa a exclusão das duas primeiras candidatas, por serem proprietárias de outras farmácias à data do concurso, significando também a exclusão da terceira candidata (CG), por ser actualmente proprietária de farmácia e por ter desistido do procedimento de concurso para a instalação da Farmácia de N....
No que concerne a esta linha argumentativa dir-se-á que não assiste qualquer razão à Recorrente, tendo em conta as razões que constam do acórdão, com as quais se concorda, e que aqui damos por reproduzidas. Aí se diz, nomeadamente:
“(…)
No que respeita à peticionada classificação da exequente em primeiro lugar da lista de classificação final, julga-se tal pedido improcedente pois que não resulta da matéria assente nos autos que, excluindo as duas primeiras candidatas - por serem proprietárias de outras farmácias à data - seria a exequente a candidata classificada em primeiro lugar. Efectivamente, antes da exequente está classificada a candidata CAASG, a qual poderá reunir as condições para ser classificada em primeiro lugar, no âmbito do concurso em apreço, não tendo a exequente sequer alegado qualquer facto susceptível de afastar a classificação daquela candidata.
Diga-se ainda que a matéria exposta por uma das contrainteressadas em relação à situação da candidata CG, relacionada com o facto de esta ter tido êxito num outro concurso, matéria que contende com a possibilidade de esta candidata como que prosseguir neste concurso, a situação não é exactamente assim, pois que terá de ser dada também a esta candidata a hipótese de manter a sua posição neste concurso, pois que esta pode ter mais interesse nesse facto, o que significa que caberá a esta candidata tomar posição sobre esta realidade, mantendo a situação factual presente ou colocando-se em posição de prosseguir com este concurso.
Em todo o caso, o concurso em apreço deverá ser retomado com vista a nova decisão sobre a classificação final em função dos candidatos como que elegíveis para o efeito, não podendo, por ora excluir-se a possibilidade de a candidata CG pretender prosseguir neste concurso, o que significa que só depois da análise de toda a matéria que o procedimento contém, deverá ser tomada a decisão final, a qual, à partida poderá passar ou não pela colocação da aqui Exequente no lugar por esta reclamado.
Claro que se a candidata CG pretender manter a situação atual ligada a outra farmácia, e o INFARMED não tiver incorrido noutros equívocos na sua apreciação, será natural que a aqui Exequente venha a ser classificada em 1º lugar.
No entanto, em função dos dados que emergem dos autos, não existem condições para que o Tribunal considere a pretensão da Exequente viável neste domínio.”.
Neste enquadramento forçoso é concluir pela improcedência do segmento recursivo.
Por fim, no que tange à impugnação do julgamento efectuado sobre a matéria de facto, concretamente, quanto à arguida nulidade da decisão recorrida com fundamento na alegada insuficiência da matéria de facto, na falta de fundamentação de facto e na omissão de instrução, por razões de economia processual, damos aqui por reproduzidas as considerações que acima expressámos, maxime, pela improcedência dos apontados fundamentos.
De qualquer modo dir-se-á:
Segundo o artigo 615º do NCPC (artº 668º do CPC de 1961), ex vi artº 1º do CPTA, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”,
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -…. .
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do nº 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nos termos das alíneas b)1) e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, isto é, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.
Esta nulidade (al. c)) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Já a “omissão de pronúncia” está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por “omissão de pronúncia” verificar-se-á quando exista uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, a “omissão de pronúncia” existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
No caso posto a decisão recorrida exibe fundamentação de facto e de direito.
E também se não verifica a nulidade consubstanciada no facto de o acórdão não se ter pronunciado sobre toda a factualidade alegada (nomeadamente, sobre a matéria dos artºs 10, 14 a 18 do requerimento de execução), conforme acima acentuado.
Em suma:
-por força do artº 173º/1 do CPTA, da sentença anulatória emerge o dever de executar por parte da Administração, podendo esta por efeito da anulação de um acto administrativo ficar constituída no cumprimento de deveres que se podem situar em três planos: (a) reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação; (b) cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu durante a vigência do acto ilegal, porque este acto disso a dispensava; (c) eventual substituição do acto ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas;
-já isto mesmo resultava do artigo 205º da Constituição, que confere obrigatoriedade e prevalência às decisões judiciais, aquela perante todas as entidades, esta face a todas as decisões de natureza administrativa;
-nos termos do citado artigo 173º do CPTA existe um dever de executar, isto sem prejuízo de ter que se praticar novo acto administrativo, quando tal é possível;
-a execução deve balizar-se pelos “limites do caso julgado”. Assim, é a decisão que está em execução e não os seus fundamentos. Quando se fala de caso julgado, fala-se de caso julgado material, que só se verifica com as decisões de mérito, que são, “em princípio, as únicas susceptíveis de adquirir a eficácia de caso julgado material” - cfr. Sousa, M. Teixeira, “O Objecto da sentença e o caso julgado material” BMJ 325, (1983), pág.148;
-o caso julgado visa garantir fundamentalmente a segurança do tráfego jurídico, valor maior do nosso direito já que tem consagração constitucional -Canotilho, Gomes, em Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra,1998, pág. 257;
-salvo melhor entendimento, e pese embora o facto de haver algumas teorias sobre como deve ser entendido o caso julgado e a sua abrangência (a tese restrita que abrange apenas a parte decisória, a tese mais lata que engloba a causa de pedir e a decisão) partilhamos a tese mista em que “…o caso julgado, abrange, apenas, a decisão, embora a motivação deva ser considerada, quando se torne necessário reconstruir e fixar o conteúdo desta -Ac. do STJ de 17/1/80, BMJ, 293º, pág. 235;
-entendem os defensores desta tese mista, “que deve ser considerada a motivação das decisões, porquanto se torna necessária para reconstruir e fixar o conteúdo dessas decisões, evitando que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir a decisão anterior”;
-de qualquer forma, cada uma destas teses apresenta um elemento comum, “…o de considerarem a parte decisória como fulcral para apuramento da existência de caso julgado”;
-e só há caso julgado, com o trânsito em julgado da sentença;
-conforme refere o preceito - artº 173º do CPTA - “…a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado.”;
-nos presentes autos, contrariamente ao alegado, o Tribunal a quo não violou o disposto no artº 179º/1 do CPTA nem o princípio do caso julgado, na medida em que fez correcta interpretação do conteúdo dos actos necessários à execução do Acórdão;
-é certo que a Recorrente entendeu que o Tribunal violou o artigo 176º/3 do CPTA, porquanto, na sua opinião, era-lhe permitido formular um pedido de indemnização em sede de execução;
-acontece que, se é verdade que actualmente a execução de sentenças de actos administrativos anulados compreende um momento essencialmente declarativo, e que, em geral, no novo contencioso administrativo, é possível uma ampla cumulação de pedidos (artigos 4º e 47º do CPTA), é também tido por boa doutrina que na fase executiva não são cumuláveis os pedidos de pagamento de quantias (por conta do acto anulado), de entrega de coisas, de prestação de facto e/ou de prática de actos administrativos com o pedido de ressarcimento dos danos sofridos por conta do acto anulado;
-em primeiro lugar, o regime actual é diferente do regime anterior;
-com efeito, nos termos dos artigos 7º e 10º do DL 256-A/77, de 17 de junho, não tendo a Administração executado a sentença anulatória por causa legítima de inexecução, o exequente podia pedir o ressarcimento dos danos sofridos por conta da inexecução da sentença e, verificando-se esta, dos danos decorrentes do acto anulado;
-o artigo 10º/4 do DL 256-A/77 previa ainda que a acção executiva findaria se tivesse sido, entretanto, instaurada acção de indemnização com objecto igual ao da execução (ou se o tribunal para ela remetesse as partes por considerar a questão de difícil indagação);
-diferentemente, os artigos 166º e 178º do CPTA, apenas preveem a possibilidade de ressarcimento ao Exequente dos danos decorrentes da procedência de causa legítima de inexecução da sentença;
-verificando-se esta, a lei já nem sequer prevê o ressarcimento dos danos sofridos por conta do acto anulado;
-em segundo lugar, mesmo no regime anterior, não havendo causa legítima de inexecução da sentença, requerendo o exequente então a sua execução, a lei não previa a possibilidade de este cumular, na fase executiva, a execução da sentença anulatória e o ressarcimento dos danos sofridos por conta do acto anulado; para o efeito, teria que propor uma acção de indemnização. Assim decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 10 de março de 2005, proferido no proc. 030896B: “I - Nos casos em que a Administração deu execução a acórdão anulatório de uma decisão disciplinar de demissão, reintegrando o funcionário na situação em que se devia encontrar se não tivesse sido praticado o acto anulado, não se está perante uma situação de inexecução, que justifique o uso do meio processual acessório previsto nos arts. 7.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho. II - O ressarcimento de prejuízos patrimoniais eventualmente resultantes do acto anulado, designadamente por virtude de o funcionário ter deixado de auferir as remunerações durante o período em que esteve afastado do cargo, só poderá operar-se através de acção de indemnização”;
-e o mesmo entendimento deve ser mantido no CPTA. Assim o argumentam Mário Aroso e Carlos Cadilha “A execução de sentença de anulação não consente, porém, o pagamento de uma indemnização para reparação de danos causados pelo acto administrativo ilegal, pois apenas prevê a eventual indemnização por causa legítima de inexecução” - pág. 275, anotação ao artigo 47º/3 do CPTA. E prosseguem: “Ao contrário [do n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77], o artigo aqui em presença [o 166.º do CPTA, que mutatis mutandis vale para o artigo 178.º] não contempla a possibilidade de reenvio da apreciação da questão para a acção de indemnização, visto que o quantum indemnizatur se circunscreve apenas aos danos que resultam da impossibilidade de execução da sentença (…). O que não obsta, todavia, a que o interessado, à semelhança do disposto no n.º 5 do artigo 45.º, venha a deduzir um pedido autónomo de reparação dos danos resultantes da actuação ilegítima de Administração através do processo declarativo próprio (artigo 37.º, n.º 2, alínea f))” - pág. 947, nota 917, anotação ao artigo 166º do CPTA. Assim, “impõe-se, pois, distinguir, neste domínio, entre a “indemnização devida pelo facto da inexecução” e aquela que se destina a reparar todos os danos causados pelo acto ilegal”.
É que “O conteúdo do dever de executar uma sentença anulatória de acto administrativo não se confunde com a reparação dos eventuais danos causados por esse acto, ainda que possam coexistir.
Efectivamente, “a tutela de conteúdo repristinatório pressupõe a agressão da posição subjectiva do lesado mas, colocada perante esse facto, não tem o propósito de o compensar por prejuízos sofridos. Ela tem, pelo contrário, o escopo de independentemente de qualquer perspectiva de reparação de danos, fazer cessar a lesão da posição subjectiva e assegurar ao seu titular “o mesmo resultado prático, a mesma utilidade”, e, portanto, a satisfação de forma específica e não sucedânea do seu primário (e perdurante) interesse” (cfr. Mário Aroso de Almeida in “Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes”, 2002, pág. 454);
-da conjugação dos nºs 1, 2, al. b) e 3, todos do artº 47º do CPTA, resulta que o pedido de reparação de danos causados por um acto administrativo ilegal não se confunde com o pedido de reconstituição da situação actual hipotética e que, embora ambos possam ser cumulados com o pedido de anulação, aquela pretensão da reparação de danos não pode ser accionada no âmbito do processo de execução da sentença de anulação (cfr. referido nº 3 do artº 47º que alude apenas aos pedidos mencionados no nº 2 desse preceito);
-assim, são distintos o direito à execução e o direito à reparação dos danos de acordo com as regras da responsabilidade civil, sendo o processo previsto nos artºs 173º a 179º do CPTA o próprio para fazer valer em juízo apenas aquele direito”.
-logo, a cumulação de pedidos feita pela ora Recorrente, entre a condenação da Administração à execução dos actos devidos para o cumprimento do acórdão exequendo e o eventual ressarcimento dos danos sofridos por conta do acto anulado, é ilegal, uma vez que não estão preenchidos os pressupostos dos artigos 166º, 173º, 176º/3, e 178º, todos do CPTA, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu;
-de salientar ainda que, contrariamente ao pretendido, o Tribunal não poderia condenar o Infarmed/Recorrido, a classificar a Recorrente em 1º lugar, porquanto dos autos resultou que poderão ser outros os candidatos a alcançarem esse lugar, sendo para efeito necessária a instrução procedimental daquele para determinar essa classificação.
Do Recurso do Infarmed -
Como já se disse, o Infarmed não se conforma com a decisão, no que diz respeito à sua condenação no pagamento à ora Recorrida da soma de € 18.000, 00 a título de indemnização com referência ao ressarcimento das despesas com honorários de advogado no caso em análise.
Porém, sem razão.
A Jurisprudência tem sido unânime ao considerar que a norma que estabelece o direito à compensação da procuradoria da parte vencedora (artigo 25º/2/d) do RCP) não deve ser interpretada a contrario, por forma a excluir a possibilidade de o lesado apresentar autonomamente um pedido de indemnização por danos patrimoniais, relativo a despesas com honorários de Advogado, no seio de uma acção de responsabilidade civil extra-contratual do Estado por factos ilícitos; a norma plasmada na alínea d) do nº 2 do artigo 25º do RCP deve ser perspectivada como uma compensação a forfait com a qual o vencedor/lesado poderá ou não bastar-se.
A compensação a título de procuradoria fica sempre aquém do efectivo prejuízo que o lesado tem com despesas relativas a honorários do seu Mandatário judicial; por isso mesmo o legislador designou-a por “compensação” e não por ”indemnização”.
No domínio do contencioso administrativo, o mandato judicial é obrigatório, pelo que as despesas correspondentes aos honorários de advogado que a Apelada teve de suportar foram imprescindíveis para eliminar da ordem jurídica o acto lesivo.
Para remover o acto lesivo da Ordem Jurídica - emitido ilícita e culposamente pelo Apelante - a Apelada teve necessariamente de recorrer aos serviços de um Advogado, e suportar os respectivos honorários, uma vez que no contencioso administrativo o mandato judicial é obrigatório. Se não fosse o acto lesivo emitido pelo aqui Apelante, a Apelada não teria incorrido em qualquer despesa com honorários de Mandatário judicial.
O prejuízo em que esta incorreu, a título de despesas com honorários de mandatário judicial, é um dano susceptível de indemnização, nesta sede, já que essa despesa tem a mesma relação causal para com o facto lesivo que qualquer outra despesa que a Apelada teve de suportar para erradicar o acto (ilícito culposo e) lesivo.
A adequação dos honorários pagos pela Apelada à natureza do assunto são matéria assente porque o acórdão em apreço considerou, no ponto 6 da fundamentação de facto:
A Exequente recorreu aos serviços de Advogado, sendo que, em virtude dos serviços prestados, a exequente liquidou a quantia de €18.000,00 (docs. de fls 77-78 e 79 destes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido).”
Estes documentos incluem uma nota de honorários com a discriminação das várias tarefas realizadas e com as horas contabilizadas.
Incluem também uma Factura/Recibo que comprova o pagamento da quantia de 18.000€. Ao contrário do referido pelo Recorrente este documento é também um recibo, emitido na data do pagamento, que comprova o pagamento do valor peticionado.
Em suma:
-o acórdão recorrido vai, aliás, no sentido defendido pela Jurisprudência nesta matéria da qual se cita, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08/03/2005 no proc. 039934A; “A jurisprudência deste Supremo Tribunal, na sua maioria tirada em sede de processos de execução de julgado, tem-se vindo a pronunciar no sentido de que no domínio do contencioso administrativo em que o mandato judicial é obrigatório, as despesas de justiça e designadamente os honorários do advogado, constituem dano indemnizável”;
-e continua “Nenhuma razão se vislumbra para que as despesas de justiça (…), desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica o acto administrativo lesivo, não sejam ressarcidas como os demais prejuízos causados pelo acto.
Igualmente milita no sentido proposto o princípio do direito processual civil segundo o qual a necessidade de recorrer a juízo não deve ocasionar dano à parte que tem razão (MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 390). Segundo CHIOVENDA, citado por ANDRADE (ob. cit., pág. 393), “a administração da justiça faltaria à sua missão e a própria seriedade desta função estadual estaria comprometida se o mecanismo instituído para actuar a lei devesse agir com prejuízo de quem tem razão” (…)”
Neste mesmo sentido, considerando que no domínio do contencioso administrativo em que o mandato judicial é obrigatório os honorários de advogado constituem um dano indemnizável vejam-se os acórdãos da 1ª Secção de 2000. 12.13 - recº nº 44761 e de 2002. 06.06 - recº nº 24 779-A e do Pleno de 2001.03.14 - recº nº 24 779-A;
-na verdade, as custas compreendem as taxas de justiça e os encargos em que se inclui o reembolso à parte vencedora, a título de custas de parte, e a procuradoria;
-a função tradicional desta é de indemnização à parte vencedora pelas despesas com o patrocínio judicial. Sem deixar de reconhecer que a procuradoria também cumpre a indicada função, não é forçoso tirar daí a conclusão de que o vencedor não possa peticionar o montante despendido com o patrocínio judicial, quando este é superior, desde que tenha de recorrer a tribunal para obter o que lhe é devido ou erradicar os efeitos lesivos da sua esfera jurídica provocados por acção ou omissão do vencido;
-a possibilidade de recebimento pelo vencedor de uma quantia a título de procuradoria, em vez de excludente por raciocínio a contrario deve antes ser considerada como uma indemnização a forfait com a qual o interessado poderá, ou não contentar-se nos casos em que, por comodismo ou por outra razão qualquer não peticiona o montante das despesas efectivamente superiores;
-é um facto do conhecimento geral que o montante da procuradoria que é atribuído ao vencedor é uma parte ínfima das despesas com o patrocínio judiciário. Quer pela modéstia do seu montante bruto (…) só muito residualmente a procuradoria cumpre a tradicional finalidade. Dizer que aquilo que é atribuído ao vencedor a este título é o ressarcimento das despesas com o advogado no processo respectivo é, na generalidade dos casos, negar a própria evidência - jurisprudência cit;
-já no Acórdão, também do STA de 24/04/2007, proc. 01328ª/03, explanou-se “…não se descortina nenhum obstáculo ao ressarcimento das despesas com honorários de advogado no caso em apreço. Efectivamente, a Administração, como foi reconhecido, incorreu em prática que foi tida como ilegal, forçando os requerentes a que, para verem removida a ilegalidade tivessem que desencadear a fase judicial de recurso contencioso. Sendo embora certo que, relativamente à subsequente conduta se reconhece ter a mesma dado cumprimento ao julgado, tal não apaga aquela (primeira) actividade tida como irregular e que foi originadora de despesas tidas com o pleito contencioso, investindo assim os requerentes numa posição jurídica que se configura como um verdadeiro direito subjectivo à execução (e que se não mostra ressarcida), e bem assim numa situação jurídico-subjectiva indemnizatoriamente relevante (cfr. Gomes Canotilho, in “O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos”, p. 285 e segs). Assim sendo, não há razão para que a ilegalidade cometida não suporte a indemnização dos danos que tenha directamente provocado, compelindo os exequentes a irem a juízo, com o patrocínio obrigatório do seu advogado, para tutelarem o seu direito ao recurso contencioso. Num tal quadro, não se vê obstáculo a indemnizar os exequentes, nesta sede, pelas despesas que tiveram que fazer com o seu mandatário para que tivesse sido reconhecida a ilegalidade, a efectivar em liquidação de sentença como vem pedido”;
-pelo que bem andou o Tribunal a quo ao considerar que o prejuízo em que a Apelada incorreu, no que toca a quantias despendidas com honorários de mandatário judicial, constitui um dano patrimonial, passível de ser autonomamente indemnizado nesta sede e que as normas previstas para o instituto da procuradoria manifestamente não excluem tal possibilidade;
-neste mesmo sentido seguiu o Acórdão do TCASul de 08/05/2014 no proc. 08642/12 “(…) as despesas correspondentes aos honorários de advogado são susceptíveis de indemnização, pois ficou demonstrado que tais despesas estão para com o facto lesivo na mesma relação causal de qualquer outra despesa causal que o recorrente [lesado] teve de suportar para erradicar a lesão”; em igual sentido decidimos em 15/9/2017 no proc. 260/05.0BEPRT-A onde sumariámos:
I-Desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica a actuação ilícita da Administração, geradora do dever de indemnizar, as despesas judiciais e os honorários do advogado são danos indemnizáveis, podendo o seu quantum ser relegado para execução de sentença.
II-No caso, a Administração, sem causa legítima para tal, não deu espontânea execução ao julgado, como devia, violando, assim, culposamente, o direito do Recorrente que, para ver removida a ilegalidade e inércia daquela, se viu forçado a desencadear a fase judicial de execução de sentença;
II.1-uma vez que a sentença anulatória não era autoexecutável investiu o ora Recorrente numa posição jurídica qualificada que se configura como um verdadeiro direito subjectivo à execução.
III-As custas compreendem a taxa de justiça e os encargos em que se inclui o reembolso à parte vencedora, a título de custas de parte e procuradoria;
III.1-a função tradicional desta é de indemnização à parte vencedora pelas despesas com o patrocínio judicial;
III.2-todavia, sem se deixar de reconhecer que a procuradoria também cumpre a indicada função, não é forçoso tirar daí a conclusão de que o vencedor da acção não possa peticionar o montante despendido com o patrocínio judicial quando este é superior, desde que tenha de recorrer a tribunal para obter o que lhe é devido ou erradicar os efeitos lesivos da sua esfera jurídica provocados por acção ou omissão do vencido;
III.3-por outro lado é um facto do conhecimento geral que o montante da procuradoria que é atribuído ao vencedor é uma parte ínfima das despesas com o patrocínio judiciário, quer pela modéstia do seu montante bruto, quer pelos diversos destinos pelos quais esse quantitativo se reparte;
-in casu encontra-se dado como assente que a Exequente recorreu aos serviços de Advogado, sendo que em virtude dos serviços prestados, liquidou o quantitativo de € 18.000,00;
-tais documentos não foram impugnados pelo aqui Recorrente, nem foi arguida a sua falsidade, pelo que encontrando-se subscritos pelo respectivo Mandatário da Exequente, os mesmos apresentam-se como documentos idóneos a comprovarem a materialidade dos factos neles insertos.
Desatender-se-á também este recurso.
***
DECISÃO
Termos em que se nega provimento a ambos os recursos.
Custas pelos Recorrentes.
Notifique e DN.
Porto, 12/10/2018
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. João Sousa
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1) Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/11/2012, no proc. 0450/09, que sumariou: “(…) II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº1 do CPC).
III-Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.
IV-A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.