Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00940/16.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:08/29/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; PERICULUM IN MORA; PROBABILIDADE DE PROCEDÊNCIA;
Sumário:1 – O requerente em sede cautelar deve alegar e demonstrar de modo razoavelmente plausível, quer em termos de facto quer de direito, a probabilidade da procedência da sua pretensão principal.
Recai pois sobre o requerente de Providência Cautelar o ónus de fazer prova sumária dos requisitos do periculum in mora, enquanto receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação e do fumus boni iuris, enquanto sumária avaliação da probabilidade de existência do direito invocado, ao que acresce ainda a eventual necessidade de ser feita uma ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados).
2 – Com o novo CPTA deixou de existir a distinção (contante da anterior redação do Artº 120º do CPTA) entre providências conservatórias, como a suspensão da eficácia do ato, e providências antecipatórias, sendo agora exigível para a adoção de qualquer providência cautelar, para além do fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação, ainda e cumulativamente, a verificação da probabilidade de êxito da ação principal.
Não ocorrerá a necessária probabilidade da procedência da pretensão formulada ou a formular na ação principal, quando a questão jurídica fundamental subjacente ao ato se mostre controversa.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:MMAOBM
Recorrido 1:Caixa Geral de Depósitos, SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
MMAOBM com os sinais nos autos, inconformada com a decisão proferida no TAF do Porto, em 14 de junho de 2016, através da qual a providência cautelar requerida contra a Caixa Geral de Depósitos SA foi julgada improcedente, mais tendo a entidade requerida sido absolvida dos pedidos, veio recorrer jurisdicionalmente da mesma, concluindo:
“1.º - A sentença ora em crise parte de um correto enquadramento jurídico, enunciando acertadamente e com clareza os requisitos a serem cumpridos para que seja decretada uma qualquer providência cautelar;
2.º - Contudo, não tão bem terá andado o Tribunal a quo ao analisar, nos presentes autos, a verificação dos requisitos que corretamente enuncia.
3.º - Relativamente ao periculum in mora, a sentença ora em crise parte de um correto enquadramento de como a sanção punitiva aplicada à ora recorrente afetaria significativamente o seu status quo pessoal e profissional;
4º - Todavia, apesar do correto enquadramento dos danos cujo ato suspendo provocaria, a sentença ora em crise parte de uma errónea premissa para negar a sua suspensão: é que, contrariamente ao afirmado/inferido pela Tribunal a quo, a ora recorrente não cumpriu, ainda, um único dia da pena que lhe foi aplicada pelo ato suspendo.
5º - Verifica-se, nos presentes autos, haver um real e legítimo periculum in mora caso não se suspenda a execução do ato nestes autos impugnados.
6º - Suspensão essa que apenas se poderá alcançar por via dos presentes autos cautelares, impedindo-se assim que os efeitos nefastos e irreparáveis do ato impugnado produzam os seus efeitos.
7º - Quanto ao fumus boni juris, verifica-se, pela simples análise dos factos trazidos aos autos – nomeadamente o processo disciplinar junto – os mesmos conterem prova suficiente da séria probabilidade (ou até certeza!) que a pretensão da requerente, entretanto formulada nos autos de processo principal, venha a ser julgada procedente atenta a (óbvia) prescrição do direito da recorrida no qual se ancora o ato impugnado.
8º - Com efeito, a alegação de que o comportamento imputado à ora recorrente e descrito na respetiva acusação e relatório final consubstanciaria, ainda que em abstrato, o crime de burla, surge apenas como uma forma (atabalhoada, diga-se!) de tentar contornar o prazo prescricional decorrido.
9º - Tendo as supostas infrações disciplinares sido praticadas em 11.08.2014, 16.09.2014 e 01.10.2014 e tendo a ora recorrente sido notificada do teor da acusação em 13.10.2015, verifica-se estar ultrapassado o prazo prescricional de 1 ano aplicável, pelo que, aquando da notificação da ora recorrente do teor da acusação já havia prescrito o direito da recorrida de instaurar o procedimento disciplinar.
10º - Caso assim não se entenda – o que apenas por mera cautela e dever de patrocínio se admite – sempre se dirá que não corresponde à verdade, nem ficou provado nos autos do processo disciplinar, que o comportamento da ora recorrente revista qualquer gravidade (nem tão pouco ilicitude…!), em si mesmo ou nas consequências que hajam resultado para a ora recorrida.
11º - É falso, e não ficou minimamente provado nos autos disciplinares, que a requerente tenha “causado, com a sua conduta grosseiramente negligente, um prejuízo material à sua entidade patronal, de valor considerável”.
12º - Segundo as regras do ónus da prova, em processo disciplinar vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, competindo ao titular da ação disciplinar o ónus da prova dos factos constitutivos da infração imputada ao arguido.
13º - A acusação e o relatório final não remetem ou sequer indicam quaisquer provas consistentes (documental ou testemunhal) dos factos e juízos deles constantes, pelo que não é possível descortinar qual o verdadeiro fundamento e a razão de ser da convicção do Senhor Instrutor para propor a aplicação da pena de “demissão ou outra”.
14º - A decisão entretanto impugnada contém clamorosos e evidentes erros de julgamento bem como falta de fundamentação válida.
15º - Em face dos princípios da justiça, adequação e proporcionalidade, não se tendo de forma alguma provado qualquer conduta infracional da ora recorrente, muito menos uma conduta que justifique a aplicação de tão severa pena disciplinar, também por estes motivos, é provável que deverá ser, na ação principal entretanto intentada, declarada nula ou anulada a pena de suspensão aplicada.
16º - Verifica-se, por todo o exposto ser provável que a pretensão formulada nesse processo principal venha a ser julgada procedente, pelo que se encontra também preenchido o requisito do fumus boni juris de que depende suspensão do ato administrativo nestes autos requerida.
17º - Verifica-se, ainda, in casu, que da ponderação dos interesses em presença, deverão prevalecer os legítimos interesses da recorrente.
Termos em que, e nos que vossas excelências superiormente quiserem suprir, deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida e decretar-se a suspensão da eficácia do ato administrativo consubstanciado na deliberação da comissão executiva da caixa geral de depósitos que determinou a aplicação à requerente da pena disciplinar de suspensão de exercício e vencimento de cento e vinte dias, bem como dos atos consequentes que entretanto tiverem sido praticados, assim se fazendo justiça!”

A Recorrida/CGD veio a apresentar as suas Contra-alegações de recurso, nas quais concluiu:
“1. O douto Acórdão recorrido fez uma correta aplicação do direito aos factos que ficaram provados, não merecendo por isso a censura que lhe faz a Recorrente.
2. Alega a ora Recorrente que a não suspensão do ato lhe traz gravíssimas consequências na vida pessoal e profissional.
3. Sendo indesmentível a afetação do nível de vida da ora Recorrente, relativamente ao cumprimento das despesas mensais que a mesma vem alegar, o mesmo sucede ainda que sem o cumprimento da medida punitiva de suspensão do pagamento do vencimento, tendo em consideração o nível de vencimentos que a ora Recorrente indica auferir.
4. As despesas alegadas pela Recorrente e a afetação da aplicação da sanção à situação pessoal e profissional não consubstanciam, por si só uma situação de prejuízo irreparável, não sendo, assim, os facto alegados pela ora Recorrente, suscetíveis de permitir concluir pela existência do requisito por si alegado, de periculum in mora, requisito esse que é exigido para a adoção da providência cautelar requerida pela Recorrente.
5. Não ficou demonstrado que o período de suspensão a cumprir por parte da ora Recorrente provoque, na sua esfera jurídica, prejuízo grave e de difícil reparação, ou seja, não demonstrou a Recorrente, como lhe competia, a verificação do periculum in mora.
6. Não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo ao concluir que não ficou provada qualquer situação concreta que de algum modo possa vir a constituir uma situação de facto que inviabilize a utilidade da apreciação do litígio entre as partes na ação principal e que, dos factos apurados que a sentença que vier a ser proferida se mostre inútil, uma vez que não ocorreu uma situação de facto consumada ou prejuízos de difícil reparação que obstem à reintegração específica da esfera jurídica da mesma.
7. As alegadas ilegalidades em que a ora Recorrente fundamenta a sua pretensão cautelar, como conclui a Meritíssima Juiz a quo, não revelam firmeza suficiente que aponte, com alguma segurança, para a violação das normas legais elencadas no Requerimento Inicial e, consequentemente, para a provável procedência da pretensão formulada ou a formular na ação administrativa principal, tal como é exigido no artigo 120.º, n.º1 do CPTA.
8. As condutas infracionais praticadas pela ora Recorrente, consubstanciam infrações permanentes pois constituem uma omissão duradoura do cumprimento do dever de restaurar a situação de legalidade perturbada por um ato ilícito inicial do mesmo agente.
9. O seu efeito antijurídico persistiu e persiste ainda por não ter cessado a sua consumação, já que a Recorrente não reverteu a situação que foi por si provocada.
10. Não se verifica, assim, o decurso de qualquer prazo prescricional.
11. A douta decisão do Tribunal a quo ao decidir pelo não preenchimento do requisito do fumus boni iuris nos termos do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA não merece qualquer censura.
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença recorrida, com o que farão V. Exas inteira, JUSTIÇA!

O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal devidamente notificado, nada veio dizer, requerer ou promover.

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, onde se invocam, designadamente, “erros de julgamento bem como falta de fundamentação válida” da decisão recorrida.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto relevante para a apreciação da questão controvertida:
1) A requerente é trabalhadora ao serviço da Caixa Geral de Depósitos, S.A. (C.G.D.).
2) A requerente foi alvo de um processo disciplinar mandado instaurar por deliberação de 23 de Setembro de 2015 do Conselho Delegado de Pessoal, Meios e Sistemas da Caixa Geral de Depósitos, S.A.
3) Foi deduzida acusação disciplinar contra a requerente que lhe foi notificada por ofício datado de 12/10/2015, tendo a arguida apresentado a sua defesa em 16 de Novembro de 2015, na qual arrolou testemunhas, que foram inquiridas – fls. 235 a 245 do PA.
4) Em 03/02/2016, foi elaborado relatório final do processo disciplinar (o qual se dá como reproduzido para todos os efeitos legais – fls. 36 a 40 dos autos) que propôs a pena disciplinar de demissão ou outra, por considerar infringidos os deveres de obediência, diligência e zelo.
5) O relatório final do processo disciplinar, deu por assente a seguinte factualidade:
(Dá-se por reproduzido o documento constante da decisão Recorrida - Artigo 663º/6 CPC)
6) Mais consta do referido relatório que:
(Dá-se por reproduzido o documento constante da decisão Recorrida - Artigo 663º/6 CPC)
7) Por deliberação de 4 de Março de 2016 da Comissão Executiva da CGD que teve em linha de conta as seguintes atenuantes: bom comportamento anterior ao longo de 24 anos de serviço na CGD; quatro promoções por mérito e ausência de antecedentes disciplinares; não ter retirado qualquer benefício da sua atuação grosseiramente negligente; a abonação favorável que lhe foi prestada, foi decidido aplicar à ora requerente a sanção disciplinar de suspensão de exercício e vencimento, graduada em 120 dias – fls 34 e 35 dos autos.
8) Por ofício datado de 17/3/2016 foi a ora requerente notificada da decisão da Comissão Executiva da CGD que lhe aplicou a sanção disciplinar de suspensão de 120 dias do trabalho com perda de retribuição e antiguidade – fls 33 dos autos.
9) No mês de Março de 2016 a nota de remunerações e deduções da requerente foi a seguinte:
(Dá-se por reproduzido o documento constante da decisão Recorrida - Artigo 663º/6 CPC)
Doc. 4 junto com o r.i.
10) O recibo de Fevereiro de 2016 de JPMBM foi do seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido o documento constante da decisão Recorrida - Artigo 663º/6 CPC)
-Doc. 3 junto com o r.i.
11) Dão-se aqui por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, os doc. 2, 5 a 10 juntos com o r.i.
12) A presente ação cautelar foi intentada em 8/4/2016 – fls. 2 dos autos.
13) A entidade requerida foi citada na presente ação em 14 de Abril de 2016 – fls. 90 dos autos.

IV - Do Direito
Antes de mais importa referir que a norma aplicável ao caso é a do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2015, nos termos do n.º1 do artigo 15º deste diploma, ou seja, antes de intentada a presente providência.

Dispõe agora o n.º1 deste artigo:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.

Deixou, portanto, de existir o critério da evidência que permitia decretar, só por si, a providência requerida.

Há que averiguar agora, desde logo, a existência do periculum in mora, a constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.

Em particular quanto ao requisito do periculum in mora, refere Mário Aroso de Almeida in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 2005, 4ª edição revista e atualizada, pág. 260 “se não falharem os demais pressupostos, a providência deve ser concedida se dos factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade”.

Continua este autor a referir que a providência deve também ser concedida, “sempre pressupondo que não falhem os demais pressupostos (...) quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que se a providência for recusada, essa reintegração no plano os factos será difícil (…), ou seja, nesta segunda hipótese, trata-se de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”.

Por seu lado quanto a esta questão, refere Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa” 4º ed. p. 298, que:
“O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.

Aqui chegados, e em concreto, no que concerne ao periculum in mora, e tal como expendido na decisão recorrida, o requerente em sede cautelar deve alegar e demonstrar de modo razoavelmente plausível, quer em termos de facto quer de direito, a probabilidade da procedência da sua pretensão principal.

Recai pois sobre o requerente o ónus de fazer prova sumária dos requisitos do periculum in mora, enquanto receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e do fumus boni iuris, enquanto sumária avaliação da existência do direito invocado.

Ao referido acresce ainda a eventual necessidade de ser feita uma ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados).

Quanto aos pressupostos do periculum in mora, a requerente enuncia um conjunto de despesas tidas mensalmente, discriminadas na decisão recorrida, cujo suporte será necessariamente perturbado pelo corte remuneratório resultante da controvertida pena disciplinar, ao que acresce o facto do seu marido auferir como remuneração liquida 1.000€ mensais, “Pelo que, se torna manifesto que, caso seja privada do seu vencimento mensal líquido, a Requerente e seu agregado familiar não terão meios para satisfazer as suas necessidades básicas”.

Invoca ainda a Requerente os prejuízos não mensuráveis que a suspensão determinada causarão na sua reputação profissional.

Se é certo, como se disse, que se admite a perturbação que o corte de 4 meses de remuneração de um dos dois membros do agregado familiar podem causar no rendimento familiar, o que é facto é que pela sua duração, não se vislumbra que tal constitua um prejuízo de “difícil reparação” ou que possa determinar a “constituição de facto consumado” de consequências irreparáveis (Artº 120º nº 1 CPTA), tanto mais que a situação é reversível, se for caso disso.

Já quanto ao requisito do fumus boni iuris (a aparência do bom direito), a segunda parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2015) determina para a sua concessão que:
“ … seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”

Deixou assim de existir a distinção (contante da anterior redação do preceito) entre providências conservatórias, como a suspensão da eficácia do ato, e providências antecipatórias, sendo agora o grau exigido de probabilidade de êxito da ação principal, o mesmo para todo o tipo de providências.

Face ao teor deste preceito é necessário, além do mais, para o decretamento de uma providência cautelar, que seja “provável que a pretensão formulada ou a formular no processos principal venha a ser julgada procedente para que uma providência antecipatória possa ser concedida. Como, neste domínio, o requerente pretende, ainda que a título provisório, que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da sua pretensão deduzida no processo principal” – Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, página 609.

A probabilidade da pretensão a formular na ação principal vir a ser julgada procedente, é algo que aqui terá necessariamente de ser ponderada em termos perfunctórios, sendo que a mesma encontra desde logo dois entendimentos diametralmente opostos por parte da Recorrente e Recorrida.

A probabilidade a verificar, sempre pressuporia a necessidade de reconhecer uma possibilidade efetiva da procedência da pretensão em presença, o que aqui não se reconhece, até pela necessidade de uma aferição mais aprofundada, designadamente, da invocada prescrição.

O juízo sobre a probabilidade da procedência da pretensão principal sempre implicaria em sede cautelar, uma certa dose de certeza quanto procedência dos argumentos aduzidos, o que não emerge de modo imediato, atentas até as posições em confronto.

Perante as extremadas posições em confronto, a questão da “probabilidade” não se mostra pois consolidada, tanto mais que o objeto da ação principal sempre carecerá de mais intensa e aprofundada verificação, insuscetível de ser realizada num processo como o presente, de natureza perfunctório.

Efetivamente, sempre se dirá que se não vislumbra que a situação trazida a juízo se mostre provavelmente merecedora de procedência do ponto de vista jurídico.

Não ocorrerá a necessária probabilidade da procedência da pretensão formulada quando a questão jurídica fundamental subjacente ao ato é controversa.

Não se reconhece pois que se mostra preenchido o requisito do fumus boni iuris constante do referido novel n.º 1 do art. 120.º do CPTA.

Refira-se, em qualquer caso, e no que respeita já ao facto da sentença recorrida ter presumido, mal, que a pena de suspensão já estaria a ser cumprida, que tal, por ter representado um mero argumento descritivo, não constitui pois um vício suscetível de terminar a anulação da decisão recorrida, por não ter sido decisivo no sentido da decisão proferida.

No que concerne finalmente à ponderação de interesses, importa sublinhar o que este respeito se refere no n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2015):
“Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”

Como diz Cármen Chinchilla Marín em “La tutela cautelar en la nueva justicia administrativa”, Civitas, Madrid, 1991, pág. 163: “… o interesse público há de ser específico e concreto, ou seja, diferenciado do interesse genérico da legalidade e eficácia dos atos administrativos …”
Só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os outros prováveis prejuízos que se contrapõem é que se impõe a execução imediata do ato, indeferindo-se, por esse facto, o pedido de suspensão – acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.01.2005, Proc. n.º 959/04.9BEVIS.

Refere a este respeito José Carlos V. Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), pág. 303, que “[...] não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados. [...] o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar.”

Em concreto, estamos perante o comportamento de uma funcionária que, até prova em contrário, terá viabilizado procedimentos que determinaram importantes prejuízos para a sua entidade empregadora, no caso a CGD.

A consequência da procedência da providência da presente providência cautelar seria a suspensão judicial da aplicação da pena disciplinar aplicada, o que daria certamente um sinal errado, designadamente aos restantes funcionários da CGD.

Efetivamente, mesmo que se entendesse, o que não foi o caso, adotar a providência requerida, com base nos critérios analisados precedentemente, constantes do nº1 do Artº 120º do CPTA, sempre a sua aplicabilidade soçobraria, perante a ponderação dos interesses em presença, uma vez que a concessão da requerida suspensão do ato que determinou a aplicação à Recorrente da pena de suspensão, poderia transmitir uma imagem de impunidade permissiva no que concerne aos factos de que aquela foi acusada e condenada disciplinarmente, podendo gerar um clima de “contágio”, pernicioso para o interesse público.

Refira-se, finalmente, que a afirmação feita pela Recorrente relativa a uma suposta “falta de fundamentação válida” por parte da decisão recorrida, por meramente conclusiva, não assente em qualquer justificação que sempre careceria de demonstração concreta, não pode merecer assim o seu reconhecimento por este tribunal, até por se não alcançar o seu objeto.

* * *
Em face de tudo quanto precedentemente ficou expendido, não se vislumbra que a Sentença recorrida mereça censura.

DECISÃO
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão objeto de impugnação.
Custas pela Recorrente

Porto, 29 de agosto de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass.: Vital Lopes