Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00020/12.2BEMDL |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 04/21/2016 |
Tribunal: | TAF de Mirandela |
Relator: | Luís Migueis Garcia |
Descritores: | ACTO CONFIRMATIVO. INIMPUGNABILIDADE |
Sumário: | I) – Se o acto, na parte em que se lhe dirige a reacção contenciosa, é confirmativo, então ocorre inimpugnabilidade que gera absolvição da instância.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | AFLP |
Recorrido 1: | IFAP, IP - Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitindo parecer de não provimento do recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: AFLP (…) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Mirandela que, em acção administrativa especial, intentada contra IFAP, IP (Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas) (R…), absolveu o réu da instância por inimpugnabilidade do acto. Conclui: 1º A Recorrente, atendendo aos elementos que constam dos autos, mormente do teor dos documentos ai insertos, discorda da d. Sentença proferida, não se conformando com a mesma. 2º Para proferir tal decisão o Tribunal a quo fundamentou a mesma no art° 89 n° 1, al. a), do CPTA, e no art° 278. n° 1, al. e) do CPC. 3º É pacífico o entendimento de que o acto confirmativo é aquele que emrelação a outro acto apresenta identidade de sujeito, pretensão e decisão, e que aquele, tal como se diz no Ac. do STA de 9/07/1991, nada inova, antes mantém integralmente o acto anterior. 4º Acontece que, nos presentes autos o acto do qual se recorreu, inserto no ofício de referência 03648/2011, de 14/10/2011 não é meramente confirmativo de um acto anterior, constante do ofício datado de 09/06/2010, pois que, in casu, o acto impugnado é um acto administrativo, distinto do acto anterior, sendo que aquele não é confirmativo deste. 5º E isto porque, enquanto que na decisão doc. 7 junto á p.i., exposta no ofício n° 9212/2010, o recorrido notificou a recorrente para que procedesse à reposição voluntária da quantia em dívida no montante de 58.396,12 €, no prazo de trinta (30) dias, na decisão recorrida o R., através do oficio 30648/2011, notificou a recorrente para que procedesse à reposição voluntária da quantia em dívida no montante de 60.728,76€, no prazo de quinze (15) dias - cf. fls. 326 e 327 do PA. 6º Verifica-se pois que AS DECISÕES PROFERIDAS SÃO DISTINTAS QUER NO MONTANTE QUER NO PRAZO CONCEDIDO PARA PROCEDER À REPOSIÇÃO VOLUNTÁRIA, factos que só por si afastam a possibilidade do segundo acto ser meramente confirmativo do primeiro acto administrativo. 7º Ora, tal acontece e torna evidente que existiu uma reapreciação, ainda que tardia (quinze meses depois !!!) por parte do recorrido do requerimento / reclamação apresentada pela recorrida, reapreciação que surge na sequência de uma reclamação que a A. fez, que é confirmada pela R. no seu ofício 30648, mormente no seu ponto 2 (cf. fls. 326 do PA). 8º Acresce que, esta reclamação que a recorrente remeteu ao recorrido através de oficio datado de 21 de Julho de 2010 - cf. fls. … do PA, isto é, quarenta e dois dias após ter sido notificada do primeiro acto administrativo, surge no seguimento da recorrente se ter deslocado pessoalmente às instalações do recorrido em Lisboa, no dia 12 de Julho de 2010, onde apresentou verbalmente os seus argumentos junta da responsável pelo processo e da Drª Cristina Amaral, tendo-lhe ai sido dito para apresentar por escrito aquilo que a recorrente lhes estava a dizer de forma verbal, tudo como melhor consta de tal documento junto à p.i. como doc. 8, que aqui, por questão de economia processual, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 9º A recorrente agiu pois tal qual o pessoal do recorrido lhe informou, fê-lo em clara e notória boa-fé, boa fé que, obrigatoriamente, tem que nortear todos os interessados, incluindo o recorrido, atento o disposto no art° 10 do novo CPA, que aqui se invoca e dá por reproduzido para legais efeitos. 10º Ora, da actuação por parte do pessoal do recorrido, a quando da deslocação da recorrente às suas instalações em Lisboa, onde foi aconselhada a apresentar uma reclamação por escrito, resulta evidente que foi criada à recorrente a confiança de que se o fizesse veria o seu processo reapreciado, o que na realidade ocorreu, disso se lhe dando conta através de uma nova decisão proferida, a qual apenas foi notificada á recorrente em Outubro de 2011, isto é, quinze meses depois, sendo que se impunha ao recorrido celeridade na resposta, o que convenhamos não ocorreu. 11º Quando a recorrente foi recebida nas instalações do recorrido no dia 12 de Julho de 2010, este criou naquela expectativas, as quais que têm a tutela do direito, o que se repercute e viola os mais elementares princípios do direito, incluindo o princípio da tutela da confiança, o principio da boa-fé (processual) e o princípio da celeridade, o que aqui se deixa expresso para todos os efeitos legais. 12º O tribunal a quo fundamenta a sua decisão dizendo que “o acto impugnado carece de autonomia funcional porque a lesão do direito da A., a existir, ocorre na altura da prática do acto confirmado, que lhe foi notificado em 9/6/2010 - neste sentido, em posição que se acompanha, Cfr. Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho, in CPA, anotado e comentado, 5ª edição, pág. 560" - sic. 13º Porém, os I. Autores, no seguimento e na mesma obra - 33 edição, pág. 443, dizem também que “o acto confirmativo, destinando-se a reproduzir o disposto em acto anterior não poderá ser objecto de impugnação contenciosa dado não ter eficácia própria” - sic, sublinhado nosso. 14º Ora, in casu, o conteúdo da decisão recorrida é diferente do conteúdo acto anterior, porquanto, este não se limita a confirmar a decisão anteriormente proferida, sendo que na segunda decisão, a decisão recorrida, os efeitos jurídicos são diferentes e mais agravados para a recorrente, face à alteração do montante (de 58.396,12€ para 60.728,67€). 15º A decisão recorrida não reitera o conteúdo do primeiro acto emanado do recorrido, e, ao não o reiterar, nessa medida, não confirma o acto anterior, havendo assim um facto novo, pois que o valor passou a ser outro, mais elevado, logo, mais desfavorável à aqui recorrente, tendo o novo acto um conteúdo inovador, na medida em que o valor da reposição solicitada à recorrente é diferente e não confirmativo do valor anteriormente apresentado, pelo que, este acto é susceptível de impugnação por parte da aqui recorrente. 16º Por último, haverá ainda que referir aqui que no tocante aos requisitos de um acto confirmativo, in casu, pelo menos o requisito da identidade de pretensão não se verifica, o que aqui se invoca para todos os efeitos legais. 17º Na verdade, inexiste identidade nas pretensões deduzidas pela particular / interessada, a aqui recorrente. 18º E que a ora recorrente apenas deduziu junto do recorrido uma pretensão: a de que fosse reanalisado o seu projecto e proferida nova decisão - cf. doc. 8, junto à p.i., o que a recorrente fez com fundamentos diferentes dos até ai existentes no PA, o que só por si obriga a uma resposta - art° 9 do anterior CPA, que aqui se invoca para todos os efeitos legais. 19º Essa nova decisão foi de facto proferida, ainda que quinze meses após o pedido, mas é uma nova decisão de conteúdo diferente, tal como supra já se deixou dito. Posto isto, É inegável que se impunha ao Tribunal a quo julgar improcedente a excepção dilatória invocada pelo recorrido, o que, in casu, não ocorreu. 20º Com o respeito devido por opinião contrária, face ao que vem de se dizer, fica claro que a d. sentença recorrida viola os princípios e os preceitos legais supra citados, 21º Pelo que, inexistindo qualquer fundamento válido e muito menos fundamento legal para o Tribunal a quo se decidir pela absolvição da instância do Réu, se impõe a revogação da d. sentença recorrida, ordenando-se que os autos prossigam os seus termos, como é de JUSTIÇA! * A Exmª Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal foi notificada nos termos e para os efeitos previstos no art.º 146º, nº 1, do CPTA, emitindo parecer de não provimento do recurso.* Cumpre decidir, dispensando vistos.* Os factos, tidos como provados na decisão recorrida:1. Em 5/6/2001 a A. e o R. celebraram um contrato de atribuição de ajuda, na sequência do projecto de investimento que aquela apresentou ao abrigo do programa AGRO-Medida 1 – Fls. 1 a 159, 160 a 188 e 189 a 195 do PA; 2. Em 09/06/2010, após o exercício de audiência prévia, solicitações e reapreciações várias por parte do R ao projecto de investimento, a A. é notificada da decisão de modificação unilateral de contrato, e para pagar o montante global de 58.396,12 € ( 41.836,78 € de capital e 16.559,34 de juros) - cfr. fls. 251, 265, 266, 268, 269, 281, 282, 309 a 312 do PA; 3. Por carta registada em 28/7/2010, e naquela sequência ( facto provado anterior), a A. solicitou a reanálise da decisão final – fls. 314 e 315 do PA; 4. Por oficio de referência 03648/2011, de 14/10/2011, a A. é notificada de que a decisão final é mantida, mantendo-se o capital em divida (41.836,78 €) e a que acresceram mais 2,336,55 € de juros relativamente ao montante de juros anterior (que passou de 16.559,34 € para 18.891,89 €) – Fls. 326 e 327; 5. A A. vem impugnar o teor aquele ofício, de 14/10/2011, que mantém a decisão anterior – art.º 1 da PI e fls. 327 do PA. * De Direito:A decisão recorrida apreciou a excepção de inimpugnabilidade suscitada pelo réu, nos seguintes termos: «(…) Nos termos do art.º 51.º, n.º 1 do CPTA são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos. O acto impugnado carece de autonomia funcional porque a lesão do direito da A., a existir, ocorre na altura da prática do acto confirmado, que lhe foi notificado em 9/6/2010 – neste sentido, em posição que se acompanha, Cfr. Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho, in CPA, anotado e comentado, 5ª edição, pág. 560 e Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, pág. 452. A impugnabilidade do acto confirmativo depende de o acto confirmado se ter tornado ou não oponível aos interessados. Assim, tendo sido notificado o acto confirmado – produzindo efeitos jurídicos externos – era este o acto susceptível de impugnação nos termos previstos no art.º 51.º, n.º 1 do CPTA (neste sentido cfr. Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentários ao CPTA, (2005) pág. 272. Portanto, deveria a A. ter impugnado o acto que lhe foi notificado em 09/06/2010, e não aquele que impugnou, porque, tendo aquele eficácia externa, era susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos. Pelo exposto e nos termos do art.º 89.º, n.º 1, al. c) do CPTA a excepção invocada obsta ao prosseguimento do processo, pelo que se absolve o R. da instância – 278.º, n.º 1 al. e) do CPC. (…)». É de manter. «Na dogmática jurídico-administrativa portuguesa, no âmbito da conceptualização do acto administrativo, consideram-se "actos confirmativos" os actos que mantêm um acto administrativo anterior, exprimindo concordância com ele e recusando a sua revogação ou modificação» - Ac. deste TCAN, de 26-06-2008, proc. nº 01113/06.0BEBRG. Como sustenta a recorrente, o acto confirmativo nada inova, antes mantém integralmente o acto anterior. E isso é o que em larga medida se passa com o acto de 14/10/2011. Nada retira ou modifica ao anterior acto de decisão de modificação unilateral de contrato, de que resultou obrigação de pagamento de € 41.836,78 € de capital e € 16.559,34 de juros, num montante global de € 58.396,12 €. A recorrente sustenta que “os efeitos jurídicos são diferentes e mais agravados para a recorrente, face à alteração do montante ( de 58.396,12€ para 60.728,67€)”. Mas onublia o que aí compõe tais valores. Bem explicitamente, como se encontra provado, “a decisão final é mantida, mantendo-se o capital em divida (41.836,78 €) e a que acresceram mais 2,336,55 € de juros relativamente ao montante de juros anterior (que passou de 16.559,34 € para 18.891,89 €)”. O segundo acto não revogou o primeiro, por substituição; todo o conteúdo do anterior “dictum” fica preservado no acto que por último foi notificado à recorrente, que afirma reiteração do que já antes se decidira. Com um acrescentamento. O acréscimo, por actualização, de liquidação de juros (mais acrescendo prazo para pagamento voluntário). Só aí se regista o único conteúdo inovador relativamente à pronúncia pretérita. Essa determinação acrescida envolve uma ameaça lesiva autónoma, e, nesse preciso segmento, o segundo acto tem um cariz inovador que o torna susceptível de uma impugnação contenciosa distinta. Mas aí, tão só aí, relativamente à parte em que decide matéria não englobada no primeiro acto. Acontece que, nessa parte, a acção não dirige qualquer impugnação. Como transparece de toda a p. i., todo o seu objecto se dirige ao circunstancialismo e direito já antes apreciado e enunciado em 09/06/2010, deixando fora de qualquer crítica impugnatória o que é parte inovatória. Despida a impugnação de outro alvo, e antes apenas com causa dirigida ao que, antes definido, apenas foi reafirmado por último (acto de 14/10/2011), há que o ter, na única parte em que é colocado em crise (e, assim - no que pode relevar para os pressupostos processuais - na parte em que contenciosamente vem em litígio) como inimpugnável, por confirmativo, conforme ao previsto no art.º 53º do CPTA, e sem violação do art° 89 n° 1, al. a), do CPTA, e do art° 278. n° 1, al. e) do CPC. De modo algum procede argumento da recorrente ao apontar que deduziu junto do recorrido uma outra pretensão (a de que fosse reanalisado o seu projecto e proferida nova decisão), decidida com fundamentos diferentes. O acervo documental desmente tal ideia (cfr. doc.s juntos com a p. i.): a decisão de 09/06/2010 foi proferida após audiência prévia, no exercício da qual a recorrente se pronunciou quanto à falta de comprovação de aquisição de prédio rústico (que “não foi feita pelo facto de a proprietária ter ficado viúva e não puder de imediato fazer a escritura devido burocracias de habilitação de herdeiros, o tempo foi passando e deu-se o esquecimento (…) tenho um olival lá instalado, o prédio é meu, e está totalmente liquidado ao antigo proprietário desde 2000”), então, numa segunda comunicação, remetendo escritura (entretanto feita) e registo, “pelo que foi novamente efectuada uma reanálise ao projecto, para conclusão de acordo com a comprovação realizada, com excepção do montante respeitante à aquisição do prédio rústico por ter sido recepcionado fora do prazo” (dita Decisão Final, de 09/06/2010); ao que a recorrente solicitou “uma reanálise deste projecto” (dando conta que “desde o início da execução das plantações o terreno sempre esteve e continua a estar em meu poder, tendo feito o pagamento deste logo na íntegra, na promessa de compra e venda (…)”), apreciando o acto de 14/10/2011 que «o que é agora invocado não acrescenta nenhum facto novo, tendo já sido considerado anteriormente (…) reanalisado de acordo com a comprovação realizada, onde foi exceptuado o montante respeitante à aquisição do prédio rústico por ter sido recepcionada fora do prazo de execução material do projecto e do período de regularização do adiantamento concedido em 2001 (…) atendendo ao facto de não terem sido apresentados quaisquer argumentos de facto e de direito que permitam a alteração da decisão que lhe fora anteriormente comunicada, vimos pelo presente notificar que se mantém a decisão de modificação contratual comunicada a coberto da Decisão Final». Afirmada a inimpugnabilidade, com decorrente absolvição da instância, questões substantivas como as que tocam a confiança e a boa-fé - aliás, coerentemente, ausentes da decisão recorrida -, sempre apartadas ficam. * Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.Custas: pela recorrente. Porto, 21 de Abril de 2016. |