Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00049/14.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/21/2017
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
PRESCRIÇÃO
INSOLVÊNCIA
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
GERÊNCIA DE FACTO
Sumário:I) Em relação à nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
II) O art. 100° do CIRE aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março é inconstitucional, por violação do artº 165º nº 1 alínea i) da Constituição, por o governo não ter legislado ao abrigo e autorização legislativa e ser inovadora a causa de suspensão ali prevista quando interpretado tal preceito no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário.
III) A lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
IV) A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
V) Analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte dos ora Recorridos, sendo que, quem estava onerada com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:A... e outros
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 22-02-2017, que julgou procedente a pretensão deduzida na presente instância de OPOSIÇÃO por Á…, Ál…, M… e Al…, com referência à execução originariamente instaurada contra a sociedade “F…, Lda.”, e contra eles revertida, com referência a dívidas de IVA de 2003, 2004 e 2005 e IRS do ano de 2004, no valor de € 71.444,67.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 219-224), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
I - A douta sentença recorrida que julgou procedente a oposição, salvo o devido, e muito, respeito que nos merece, padece de erro de julgamento de direito, bem como no que concerne à matéria de facto, concretamente ao não aplicar ao caso em apreço a norma do artigo 100.º do CIRE, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de março, por um lado, e ao concluir, por outro, que a Administração Tributária não logrou comprovar o exercício efetivo da gerência por parte dos Oponentes.
II - Quanto à prescrição, o douto acórdão do Tribunal Constitucional n.° 362/2015, de 2015-07-09, proferido no processo n.º 760/14, invocado na douta sentença recorrida, salvo melhor opinião, não declara a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos consignados no artigo 282.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, pelo que o referido acórdão tem mera eficácia inter partes e não erga omnes, não impedindo a aplicação da norma do artigo 100.º do CIRE, que se mantém válida e vigente na ordem jurídica, ao caso concreto em apreço.
III - Por força do disposto artigo 100.º do CIRE, o prazo de prescrição da dívida exequenda relativa a IRS do ano de 2004, e a IVA, dos anos de 2003 e 2004, manteve-se suspenso desde a data da declaração de insolvência da devedora, em 2005-07-01, até ao encerramento do processo de insolvência, em 2012-11-23, pelo que as dívidas em causa não estão prescritas.
IV - As declarações de trabalhadores da sociedade devedora prestadas no âmbito do procedimento de reversão, que indicam que os Oponentes geriam efetivamente a sociedade devedora, foram importantes na decisão de reversão do processo executivo contra os Oponentes, cujo despacho se refere, além de outros elementos, às "informações prestadas por trabalhadores" [juntas ao processo executivo], mas totalmente desconsideradas na fundamentação da sentença recorrida, o que impediu uma correta e completa apreciação da prova da gerência levada a cabo pela AT.
V - O Tribunal não valorou a prova testemunhal produzida em sede de audiência de inquirição de testemunhas, embora a mesma se tenha revelado esclarecedora quanto à gerência da sociedade devedora, por se tratar de trabalhadores da sociedade, que reconheceram os quatro sócios, Oponentes, como sendo quem geria a empresa em causa.
VI - A análise do teor do despacho de reversão, contendo a alegação de todos os pressupostos da reversão, e dos factos a que o mesmo se reporta, apurados com base na prova documental produzida, incluindo os autos de declarações dos trabalhadores, contidos no processo executivo, conjugados com a prova testemunhal produzida em sede de audiência de inquirição de testemunhas, impõe a conclusão de que a AT alegou e demonstrou o exercício efecivo da gerência, tal como lhe competia [cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT], devendo improceder, também por este motivo, a oposição.
Nestes termos, e nos mais que serão doutamente supridos por Vossas Excelências, deverá o presente recurso obter provimento, revogando-se a douta sentença recorrida.

Os Recorridos Á…, Ál…, M…a e Al… não apresentaram contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido parcial provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar a suscitada nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto, indagar da bondade da não aplicação ao caso em apreço, em sede de prescrição, da norma do artigo 100.º do CIRE, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de Março e bem assim apreciar se os ora Recorridos exerceram a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foram nomeados e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poderem ser responsabilizados pelo pagamento das mesmas, abrangendo o erro de julgamento de facto neste âmbito.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. Foi instaurado o processo de execução 234820050103625 e apensos, em nome de "F…, LDA", NIPC 5…, no Serviço de Finanças de Viana do Castelo, referentes a IRS de 2004 e IVA de 2003, 2004 e 2005, no valor global de € 71.444,67, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais - cfr. Certidão de divida e fls 2 a 34 do Pef apenso;
2. Em 06-11-2013, foi exarado despacho de reversão, no qual foi revertida a execução fiscal referida, contra os ora Oponentes, que se transcreve na parte mais relevante:
"(…)
Considerando que os contribuintes acima referidos são sócios gerentes da executada, conforme elementos juntos aos autos, designadamente certidão da conservatória do registo Comercial, contrato de fornecimento de energia celebrado com a EDP de Viana do Castelo, informações prestadas por trabalhadores (...)" - fls 77 do PEF apenso;
3. Por carta registada com aviso de receção assinado em 08-11-2013 por Maria… foi o Oponente Al… citado - fls 66 do Pef apenso;
4. Por carta registada com aviso de receção assinado em 11-11-2013 foi o Oponente Al… citado - fls 73 do Pef apenso;
5. Por carta registada com aviso de receção assinado em 08-11-2013 foi o Oponente Á… citado - fls 78 do Pef apenso;
6. Por prova de depósito em 22-11-2013 foi o Oponente M… citado - fls 79 a 87 do Pef apenso;
7. Da certidão da Conservatória do Registo Comercial de Viana do Castelo relativa à sociedade "F…, Lda" consta como gerentes:
- M… e Al…, sendo que é suficiente para obrigar a sociedade a assinatura de Al… e de outro gerente - Doc junto a fls 91 dos autos;
8. Por sentença datada de 01-07-2005, proferida no Proc. nº 2897/05.9 TBVCT, que correu termos nos Juízos de Competência Especializada Cível do Tribunal de Viana do Castelo, foi declarada a insolvência da devedora originária "F… Lda.". (cfr. fls. 82 dos autos)
9. A presente Oposição deu entrada no Serviço de Viana do Castelo, em 12-12-2013. (cfr. fls. 6 e informação de fls 98 dos autos).

Factos Não Provados
Não resultam provados quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa, tendo em conta as várias soluções de direito plausíveis.

Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto resultou da análise dos documentos e informações oficiais, não impugnados, juntos aos autos pelos Oponentes e constantes do processo de execução fiscal, bem como nas posições assumidas nos articulados, tudo conforme foi referido em cada ponto dos factos assentes.
Não sendo necessário recorrer à prova testemunhal ouvida.”
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos e que se prende, num primeiro momento, com a questão da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto suscitada pelo Ministério Público, referindo, em termos essenciais, que considerar tão só, como fez a sentença que os depoimentos testemunhais (foram ouvidas quatro testemunhas) não eram de relevar por influírem na presente sentença é totalmente ininteligível, impondo-se concluir que na sentença apenas existe uma aparente fundamentação, no que ao exame crítico da prova concerne.
Relativamente ao núcleo essencial desta arguição, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Ac. do S.T.A. de 16-11-2011, Proc. nº 0802/10, www.dgsi.pt - , sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Por outro lado, quanto à nulidade decorrente da falta de exame crítico das provas, é sabido que nos termos do disposto nos arts. 123º nº 2 do CPPT e 659º nº 3 do C. Proc. Civil, na elaboração da decisão final o julgador está vinculado a elencar discriminadamente, a factualidade demonstrada da não provada, fundamentando porque veio a tomar o sentido decisório final, seja no que concerne ao julgamento da matéria de direito, seja, como é axiomático e evidente, no que diz respeito ao julgamento da matéria de facto, na medida em que aquele mais não será do que subsunção desta última ao enquadramento jurídico tido por relevante e aplicável.
Nesta sequência, cumpre notar que o vício em apreço, em qualquer das vertentes apontada, apenas ocorre quando haja ausência total de fundamentos, sendo que, é ponto assente que na sentença posta em crise foi analisada a prova produzida, nomeadamente a prova testemunhal, pois consignou-se que “A decisão da matéria de facto resultou da análise dos documentos e informações oficiais, não impugnados, juntos aos autos pelos Oponentes e constantes do processo de execução fiscal, bem como nas posições assumidas nos articulados, tudo conforme foi referido em cada ponto dos factos assentes.
Não sendo necessário recorrer à prova testemunhal ouvida.”.
Presente o exposto, e considerando os termos da decisão recorrida, é manifesto que a invocada nulidade não pode ser atendida na medida em que foram fixados os factos descritos no probatório relacionados com a problemática em causa, procedendo-se depois à análise das questões apontadas nos autos, o que significa que, nesta matéria, se exteriorizam as razões de facto e de direito que fundamentam a decisão, de modo que, a matéria apontada pelo Ministério Público terá de ser enquadrada no âmbito do erro na valoração crítica dessas mesmas provas, não podendo suportar a invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto.
Aliás, basta ter presente o cerne do exposto na decisão recorrida para se perceber o exposto, na medida em que aí se refere que “o teor do despacho de reversão do qual resultou o chamamento dos Oponentes ao Processo de Execução Fiscal, é saliente a total ausência de factos concretos que permitam fundar um juízo conclusivo quanto efetivo exercício do cargo de gerência para o qual os Oponentes, não todos, haviam sido nomeados referentes ao período a que se reporta o pressuposto da responsabilização.”.
Pois bem, o cerne da análise da decisão recorrida assenta no elemento agora descrito e considerando apenas tal situação, encontramos a justificação para a desconsideração da prova testemunhal nos termos acima descritos, não merecendo a decisão, nos seus exactos contornos, a censura que o Ministério Público lhe dirige.

A partir daqui, importa então considerar a realidade subjacente ao presente recurso, o que significa a ponderação da questão da prescrição, constituindo o ponto central desta discussão a não aplicação ao caso em apreço da norma do artigo 100.º do CIRE, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de Março.

Pois bem, a decisão recorrida no tratamento da matéria da prescrição, defendeu que a declaração de insolvência da devedora originária, não constitui um facto interruptivo da prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário, ancorando-se em jurisprudência do Tribunal Constitucional:
"Neste contexto, o artigo 100.° do CIRE, interpretado no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário no âmbito do processo tributário, ao ser editado pelo Governo a descoberto de credencial parlamentar e tendo em conta a matéria que regula, enferma do vício de inconstitucionalidade orgânica." (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n° 362/2015, proferido no Processo n° 760/14, em 9.07.2015, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).

Nas suas alegações, a Recorrente aponta que, quanto à prescrição, o douto acórdão do Tribunal Constitucional n.° 362/2015, de 2015-07-09, proferido no processo n.º 760/14, invocado na douta sentença recorrida, salvo melhor opinião, não declara a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos consignados no artigo 282.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, pelo que o referido acórdão tem mera eficácia inter partes e não erga omnes, não impedindo a aplicação da norma do artigo 100.º do CIRE, que se mantém válida e vigente na ordem jurídica, ao caso concreto em apreço e por força do disposto artigo 100.º do CIRE, o prazo de prescrição da dívida exequenda relativa a IRS do ano de 2004, e a IVA, dos anos de 2003 e 2004, manteve-se suspenso desde a data da declaração de insolvência da devedora, em 2005-07-01, até ao encerramento do processo de insolvência, em 2012-11-23, pelo que as dívidas em causa não estão prescritas.

Com este pano de fundo, crê-se que a alegação da Recorrente apenas se compreende em função de uma leitura apressada da situação.
Na verdade, independentemente de existir uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos consignados no artigo 282º nº 1 da Constituição da República Portuguesa e do alcance da decisão a que alude a Recorrente, nada impede que, reflectindo sobre os termos do aresto em causa, os Tribunais possam “arrepiar” caminho, dando expressão imediata à orientação definida pelo Tribunal Constitucional, integrando essa realidade na apreciação das situações colocadas à consideração do Tribunal após a prolação de tal aresto.

Aliás, foi esse o caminho trilhado pelo Supremo Tribunal Administrativo, como se retira do Ac. do S.T.A. de 07-10-2015, Proc. nº 0115/14, www.dgsi.pt, onde se dá nota do aludido juízo de inconstitcionalidade e da subsequente alteração da jurisprudência neste domínio, afirmando-se que “O estabelecimento de causas de suspensão do prazo de prescrição da obrigação tributária, por contender com garantias dos contribuintes, inclui-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, tendo as respectivas normas de estar contidas em lei formal da Assembleia da República ou em Decreto-Lei do Governo na sequência de uma Lei de Autorização Legislativa emitida pelo Parlamento para esse efeito.” e bem assim que “O art. 100° do CIRE aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março é inconstitucional, por violação do artº 165º nº 1 alínea i) da Constituição, por o governo não ter legislado ao abrigo e autorização legislativa e ser inovadora a causa de suspensão ali prevista quando interpretado tal preceito no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário.”.

Nesta medida, existindo jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido de julgar inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário e bem assim o facto de o S.T.A. ter acolhido a posição assumida pelo TC, alterando a sua jurisprudência, mostra-se mais do avisado ponderar esta nova realidade, sendo que foi este o procedimento do Tribunal recorrido, situação que não merece qualquer censura, não tendo qualquer cabimento o exposto pela Recorrente nesta sede.

Diga-se ainda que, em momento mais recente, o Tribunal Constitucional na sequência do Acórdão nº 270/2017 de 31 de Maio de 2017 (Processo nº 894/16) voltou a “Julgar inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário”, o que significa que nesta sede existe uma clara continuidade em termos jurisprudenciais, não sendo crível que o S.T.A. venha a inflectir a sua posição nesta matéria, de modo que, tem plena pertinência a afirmação da decisão recorrida que a declaração de insolvência da devedora originária, não constitui um facto interruptivo da prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário, sendo esta a posição que também é sufragada pelo Tribunal, pelo que manifestamente improcede o exposto pela Recorrente neste âmbito.

A Recorrente refere depois que as declarações de trabalhadores da sociedade devedora prestadas no âmbito do procedimento de reversão, que indicam que os Oponentes geriam efetivamente a sociedade devedora, foram importantes na decisão de reversão do processo executivo contra os Oponentes, cujo despacho se refere, além de outros elementos, às “informações prestadas por trabalhadores” [juntas ao processo executivo], mas totalmente desconsideradas na fundamentação da sentença recorrida, o que impediu uma correta e completa apreciação da prova da gerência levada a cabo pela AT, sendo que o Tribunal não valorou a prova testemunhal produzida em sede de audiência de inquirição de testemunhas, embora a mesma se tenha revelado esclarecedora quanto à gerência da sociedade devedora, por se tratar de trabalhadores da sociedade, que reconheceram os quatro sócios, Oponentes, como sendo quem geria a empresa em causa e a análise do teor do despacho de reversão, contendo a alegação de todos os pressupostos da reversão, e dos factos a que o mesmo se reporta, apurados com base na prova documental produzida, incluindo os autos de declarações dos trabalhadores, contidos no processo executivo, conjugados com a prova testemunhal produzida em sede de audiência de inquirição de testemunhas, impõe a conclusão de que a AT alegou e demonstrou o exercício efecivo da gerência, tal como lhe competia [cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT], devendo improceder, também por este motivo, a oposição.

Tal significa que se impõe avançar para a questão de saber se os Recorridos exerceram a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foram nomeados e em que nasceram as dívidas exequendas de molde a poderem ser responsabilizados pelo pagamento das mesmas.


Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.

Sendo as dívidas exequendas provenientes de a IRS de 2004 e IVA de 2003, 2004 e 2005, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.

Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.
Perante o que fica exposto, e que traduz o real enquadramento da matéria em apreço, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.

Nesta sequência, e com interesse decisivo neste âmbito, importa considerar o exposto no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 16-10-2013, Proc. nº 0458/13, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “… De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).

Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário» (No mesmo sentido ver também o acórdão de 23/1/2013, processo nº 0953/12.) sendo que, em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT). …”.

Ora, o probatório informa que foi exarado despacho de reversão, no qual foi revertida a execução fiscal referida, contra os ora Oponentes, que se transcreve na parte mais relevante:
"(…)
Considerando que os contribuintes acima referidos são sócios gerentes da executada, conforme elementos juntos aos autos, designadamente certidão da conservatória do registo Comercial, contrato de fornecimento de energia celebrado com a EDP de Viana do Castelo, informações prestadas por trabalhadores (...)" - fls 77 do PEF apenso.

Nesta sequência, cabe notar que o despacho referido no parágrafo anterior conclui o processo de reversão, o qual compreende, além do mais, os elementos acima descritos dos quais é possível apreender a identificação dos ora Recorridos como gerentes da aludida sociedade, o que equivale a dizer, até em função da jurisprudência consolidada do S.T.A. acima referida que o processo de reversão que culminou com o despacho de reversão descrito nos autos ponderou todos os elementos de que depende a decisão de reversão, expressando tal decisão essa realidade com referência aos ora Recorridos, de modo que, embora não se acompanhe a linha de análise da decisão recorrida, é necessário voltar à questão inicial de saber se os Recorridos exerceram a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foram nomeados e em que nasceram as dívidas exequendas de molde a poderem ser responsabilizados pelo pagamento das mesmas.


Quando se olha para o probatório, sabemos apenas que da certidão da Conservatória do Registo Comercial de Viana do Castelo relativa á sociedade "F…, Lda" consta como gerentes:
- M… e Al…, sendo que é suficiente para obrigar a sociedade a assinatura de Al… e de outro gerente - Doc junto a fls 91 dos autos.

Neste ponto, e numa primeira linha de análise, importa salientar que a presunção a que alude o art. 11º nº 3 do Código do Registo Comercial tem o seu efeito limitado à situação jurídica e não abrange a situação fáctica que lhe subjaz no que diz respeito ao efectivo exercício dos poderes correspondentes à detenção da posição jurídica de gerente.

Depois, é sabido que o estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa, verificando-se que a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (Ac. deste Tribunal de 08-05-2012, Proc. nº 5392/12).
É no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).

Naturalmente, não se olvida que tal matéria deixou de ser suficiente para o preenchimento desse fundamento da gerência efectiva ou de facto, pelo que só fundada nessa nomeação não poderia haver lugar à reversão da execução contra os ora Recorridos ao abrigo do disposto no art. 24º da LGT, antes tendo a mesma de ter praticado em nome e por conta dessa sociedade alguns dos actos típicos que normalmente por eles são praticados, em que se consubstanciam os poderes de representação e de exteriorização da vontade do ente colectivo - cfr. arts. 390º e segs do CSC.

Nesta matéria, a Recorrente faz apelo às declarações de trabalhadores da sociedade devedora prestadas no âmbito do procedimento de reversão, enquanto matéria desconsiderada na fundamentação da sentença recorrida, o que impediu uma correta e completa apreciação da prova da gerência levada a cabo pela AT, sendo que o Tribunal não valorou a prova testemunhal produzida em sede de audiência de inquirição de testemunhas, embora a mesma se tenha revelado esclarecedora quanto à gerência da sociedade devedora, por se tratar de trabalhadores da sociedade, que reconheceram os quatro sócios, Oponentes, como sendo quem geria a empresa em causa, situação que contende, em primeira linha, com a factualidade apurada nos autos.

Pois bem, ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 662.º do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 607.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição, o que significa que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Ora, como já ficou claro, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que a Recorrente, “in casu”, não cumpre com o referido ónus, pois que os factos nucleares em apreço foram considerados provados apenas com base em prova documental, sendo que em relação à prova testemunhal, apesar da alusão acima descrita, a Recorrente não indica os depoimentos concretos em que se apoia para considerar determinados factos como provados, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no art. 155º do CPC, limitando-se a referir de forma conclusiva que as testemunhas apontaram os Recorridos como gerentes da sociedade executada, o que significa que o recurso não pode ser atendido neste domínio.

Tal equivale a dizer que estamos reduzidos às tais declarações de trabalhadores da sociedade devedora prestadas no âmbito do procedimento de reversão.

Neste ponto, vamos seguir o exposto pela Recorrente quando destaca os seguintes excertos das aludidas declarações:
“…
" Os gerentes Sr. Al…, Sr. Á…, Sr. M… e Sr. Al… já eram funcionários de uma anterior empresa — Cerâmica R…— onde também trabalhava o Sr. António…; O Sr Al.. era aquele que estava mais com os funcionários e ou outros três estavam mais no escritório; Normalmente recebia em Cheque assinado pelo Sr. M…, sendo o próprio o encarregado dos pagamentos aos funcionários; Também era o sr. M… o encarregado das vendas e de contactar com os clientes. Pelo que conhece eram os quatro gerentes acima identificados quem geriam a empresa em causa." [Auto de declarações de António…, trabalhador da "F…, Lda", lavrado em 2013-04-05];

"1- Trabalhava no fabrico de tijolos na sociedade "F…, Lda" 2 - Foi contratado pelos sócios da referida empresas. 3 - O pagamento dos salários era efectuado através de cheque e assinado pelos sócios. 4 - Os funcionários eram contratados pelos sócios da empresa. 5 Eram os sócios que davam ordens, contactavam os fornecedores e efectuavam os respectivos pagamentos. pagamentos. 6 - As funções de gestão da sociedade eram da responsabilidade dos seus sócios." [Resposta a pedido de informação, com data de 2013-04-08, de Manuel…, trabalhador da "F…, Lda"];

"Exercia as funções de forneiro; Quem "mandava" na empresa, pelo que lhe parece, eram os quatro sócios o Sr. Ál…, O Sr. Al…, O sr. Al… e o Sr. M…; Não se lembra, mas que por vezes recebia em cheque, não se recorda que[m] assinava os cheques; Qualquer dos sócios tinha tanto ligações à produção como ao escritório." [Auto de declarações de António…, trabalhador da "F…, Lda", lavrado em 2013-04-09];

"Exercia as funções de operador de maquina; Os "patrões" eram quatro: o Sr. Á…, O Sr.Al… (que o contratou), O sr. Al… e o sr. M…; Recebi o salário em cheque, mas não se recorda quem os assinava; Quem se ocupava da parte do fabrico era o Sr. Al… e os outros estavam mais na parte do escritório, encomendas, etc. Na sua opinião eram os quatro sócios atrás referidos que geriam a empresa em causa." [Auto de declarações de Manuel…, trabalhador da "F…, Lda", lavrado em 2013-04-09].

Com este pano de fundo, logo se intiu que a pretensão da Recorrente está condenada ao insucesso.
Desde logo, muito pouco cuidado na identificação dos declarantes no sentido de enquadrarem as declarações prestadas, sendo o desconhecido o período em que laboraram na dita empresa, para além de nada existir nos autos no sentido de evidenciar a ligação laboral que terá existido entre os declarantes e a empresa em causa.
Por outro lado, as declarações prestadas assumem um carácter essencialmente genérico, terminando sempre com a mesma conclusão, ou seja, eram os sócios que geriam a sociedade, pretendendo imputar-se a gerência a todos eles, sendo que é sabido que dois deles nem sequer eram gerentes de direito.
Além disso, não se verifica a descrição de factos concretos, que poderiam ter ajudado a AT a desenvolver outras diligências no sentido de evidenciar a realidade depois vertida no despacho de reversão.
Efectivamente, quando se analisam as declarações em apreço não é possível apreender matéria capaz de dar corpo ao exposto pela Recorrente, não sendo possível apenas com estas declarações que se resumem à repetida afirmação de que eram os sócios que geriam a sociedade, quando em algumas declarações nem sequer se referem todos os sócios, num caso emite-se uma opinião e noutra situação é apontado que “pelo que lhe parece”.

Ora, é inaceitável que a AT, que tem de desembaraçar-se do ónus da prova nesta sede, se contente com tão pouco, impondo-se uma outra indagação no sentido de ser capaz, ao menos em sede de contestação à oposição, de alegar matéria factual capaz de ser integrada no que acima ficou exposto em relação ao estatuto de gerente, apostando numa mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma com referência a um contrato com data anterior ao período que interessa aos presentes autos.

Tal significa que, in casu, nenhum concreto acto foi dado como provado na matéria de facto fixada na sentença posta em crise que os ora Recorridos tenham praticado em nome e por conta da sociedade originária devedora.
Assim sendo, e na medida em que a ora Recorrente não impugnou a matéria de facto nos termos legais - cfr. art.º 640º do C. Proc. Civil, pois que, embora tenha feito alusão à prova testemunhal, como vimos, o certo é que não cumpre o ónus especificado da concreta indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e nem os concretos meios probatórios constantes dos autos na gravação realizada que impunham decisão diversa sobre os mesmos, o que obsta a que este Tribunal proceda ao reexame de tal matéria de facto, podendo apenas aquilatar se dos autos existem documentos que façam prova bastante da factualidade atinente a tal gerência efectiva, e que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do CPC, oficiosamente, possa este Tribunal conhecer, em ordem à prova de tal fundamento.
No entanto, dos autos, tal como se constatou, nenhuma prova documental vimos junta com essa virtualidade, pelo que a matéria de facto fixada no probatório da mesma sentença não pode deixar de manter-se, nos exactos termos que dela constam.

A partir daqui, analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte dos ora Recorridos, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.

Na realidade, ainda que assim não tenha sucedido, temos por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte dos ora Recorridos, de modo que, competindo à AT o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte dos ora Recorridos, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a AT.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação do recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com a presente fundamentação, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.



4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 21 de Dezembro de 2017
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos