Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00309/11.8BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/09/2019
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:IVA; FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO; ÓNUS DE PROVA; LIVRE APRECIAÇÃO DAS PROVAS; FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA; ERRO DE JULGAMENTO.
Sumário:
1 - Nos termos do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Geral Tributária [LGT], a decisão do procedimento deve ser fundamentada, ainda que de forma sumária, com enunciação das disposições legais aplicáveis, assim como a qualificação e quantificação dos factos tributários, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres ou informações.
2 - Conforme dispõe o artigo 75.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) da LGT, presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sendo que essa presunção de veracidade cessa, designadamente, se a contabilidade apresentada pelo sujeito passivo revelar omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que aquelas não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, ou quando o sujeito passivo não cumpra o dever de esclarecer a sua situação tributária.
3 - O ónus de prova de que a contabilidade do sujeito passivo retrata, fielmente, as operações contabilísticas por si levadas a cabo, impendem sobre si, em conformidade com o disposto nos artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º do Código Civil.
4 - De acordo com o princípio da livre apreciação das provas, a que se reporta artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil [Cfr. anteriores artigos 655.º, 658.º e 659.º do mesmo Código], o Juiz a quo aprecia livremente as provas colhidas durante a instrução dos autos, e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, é pela fundamentação apresentada para a decisão que se afere da correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas, e a final, sobre o julgamento prosseguido pelo Tribunal recorrido.
5 - A exigência de fundamentação da Sentença é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou a formação da convicção do Tribunal recorrido, a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior as possa sindicar.
6 – Ocorre erro de julgamento de facto quando o juiz decida mal ou contra os factos apurados, sendo que esse erro é atinente a qualquer elemento ou característica da situação sub judice que não revista natureza jurídica, designadamente, quando o Tribunal a quo não fundamenta os termos e os pressupostos por que o fez, designadamente, porque desconsiderou concreta prova documental [mais concretamente, um contrato de empreitada], e ao invés, porque valorou de forma determinante a prova testemunhal oferecida pelo sujeito passivo, em termos de motivar a derrogação daquela prova documental, quando, na sequência do procedimento inspectivo a que foi submetido o sujeito passivo, foram detectados na sua contabilidade custos com prestação de serviços de construção civil, sem a posterior declaração dos respectivos proveitos, foi provada a existência de um contrato de empreitada, e o sócio-gerente confessou ter executado obra na moradia.
7 – É destituído de razoabilidade e é até inverosímel, que uma sociedade comercial tenha querido fazer prova de que não realizou obras na moradia, e que depois tenha vindo, a final, a fazer os pagamentos aos técnicos que aí intervieram, que os declararam ter recebido, apenas porque os donos da obra não cumpriram com os prazos de pagamento dessas execuções, quando é certo que a Impugnante, ora Recorrida, não apresentou nenhuma prova [antes pelo contrário] da existência de uma especial relação [de amizade, social, de benemerência, ou outra] para com os donos da obra, e de outro modo, que existisse algum dever jurídico que impendesse sobre si, ou a expressão de algum sentimento de responsabilidade de ordem ética ou moral, que fosse socialmente admissível, para proceder ao pagamento desses trabalhos de execução, na ordem de quase €120.000,00. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:CNVPF, Ld.ª
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar a impugnação improcedente
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 29 de Agosto de 2014, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade comercial CNVPF, Ld.ª, visando o indeferimento do Recurso Hierárquico que esta havia intentado, tendo em vista as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios atinentes ao exercício de 2006, no valor global de €28.868,69.
No âmbito das Alegações por si apresentadas [Cfr. fls. 204 a 213 dos autos em suporte físico], elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:
“CONCLUSÕES
1ª - A sociedade impugnante estava colectada para o exercício da actividade de construção de edifícios (Código de Actividade Económica 41200) e isenta de IVA, nos termos do artigo 9.° n.º 30 do Código do IVA, por exercer: “... operações sujeitas a imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.”. No decurso do procedimento inspectivo foram detectados custos relativos a duas obras efectuadas pela impugnante, sem correspondência de proveitos. Uma dessas obras reportava-se, precisamente, à construção de uma vivenda. Os donos da vivenda confirmaram a prestação de serviços por parte da impugnante, apresentando um contrato de empreitada da construção de uma vivenda com chave na mão, a troco do pagamento, à segunda outorgante, ora impugnante, de 155.000 euros, com IVA incluído. O sócio gerente inquirido no âmbito do processo inspectivo confirmou “ter feito uma placa e a reconstrução das paredes, tendo sido incorporado nesta obra materiais no valor aproximado de 40.000 euros, tendo recebido por esse trabalho o valor de mais ou menos 50.000 euros”. Ficando assim demonstrada, inequívocamente, a prestação de serviços de construção da impugnante aos donos da obra, em execução do contrato de empreitada.
2ª – Pois, a empresa que compra e vende imóveis, procede à construção de imóveis que vende no mercado, estáa realoizar operações que vão estar sujeitas a Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT); e por força da isenção do artigo 9.º, n.º 30 do Código do IVA, não está obrigada a liquidar IVA nas mesmas. À contrário, se a mesma empresa disponibiliza meios para a pintura de uma casa de terceiro, instala um telhado em obra de outrem, coloca portas, etc. está a prestar um serviço avulso que não está sujeotpo a IMT, logo, obrigada [a] liquidar IVA, por força da norma de incidência previstra no artigo 4.º, n.º 1 do Código do IVA.
3.ª Da mesma forma, se a empresa contratualiza uma empreitada de construção de imóvel de terceiro, no final esta operação não vai estar sijeita a IMT, pois não implica qualquer transmissão do imóvel. Ou seja, quando a sociedade impugnante e os proprietários do imóvel, contratualizaram a construção da vivenda – obra a realizar pela impugnante em contrapartida do pagamento de um preço pelos donos da obra – o que está em causa é uma prestação de serviços sujeita a IVA, com liquidação adicional em discussão nos presentes autos.
4ª - Contudo, a impugnante apresenta, após as correcções apuradas em procedimento inspectivo, uma nova explicação para os factos tributários em análise, Tese assim resumida: o dono da obra pediu à impugnante que lhe indicasse técnicos necessários para a construção de uma vivenda. Acedendo ao pedido, a impugnante actuou como intermediária, sem receber qualquer comissão. Os técnicos apresentaram as facturas ao dono da obra, que foi protelando o pagamento. A impugnante, sentindo-se responsável pelo dano que a mora causava aos técnicos, pagou as dívidas do dono da obra em sub-rogação. Tese acolhida na Douta Sentença (factos provados n. 6 a 10) e com a qual - sempre com o devido respeito - não se concorda. Assentou, esta motivação, nos testemunhos de fornecedores de bens e prestadores de serviços que trabalharam na construção da obra que, indicaram os donos da obra como os contratantes directos dos bens e serviços prestados. Ora, é perfeitamente normal admissível que, no acompanhamento da construção da obra, o dono da mesma, dentro das margens previamente contratualizadas, escolha os materiais, opte por madeiras, granitos, azulejos e outros materiais. E, assim, quem vende o material saiba identificar o dono da obra e desconheça executante da mesma.
5ª - Já não se entende como normal ou admissível o pagamento aos técnicos que transmitiram bens e prestaram serviços na construção da vivenda, por parte da impugnante, das dívidas do dono da obra, em sub-rogação. Não se entende, desde logo (fazendo fé na tese sustentada pela impugnante), porque motivo os credores exigiram o pagamento das dívidas do dono da obra à impugnante. E, na esteira da mesma tesetambém não se entende porque motivo a impugnante pagou estas dívidas, no valor de 116.145,83 euros, sem qualquer motivo razoável. A impugnante explica que se sentiu responsável pelo dano que a mora causava aos técnicos. Mas que responsabilidade pode ser assacada a quem se limita a indicar técnicos para a construção de um imóvel! É evidente que esta tese, da intermediação gratuita com pagamento de dívidas de terceiro, não pode vingar. Não existe gestor sofrível, cidadão médio comum ou razoável pai de família que pague, sem mais, dívidas de terceiros no montante de 116.145,83 euros.
6ª - Existiu, pois, outro motivo para o pagamento destas dividas por parte da impugnante. É evidente que a impugnante agiu, não como intermediário, mas como empreiteiro da obra, com prestação de serviços de construção e com, normais, subempreitadas em serviços mais especializados. Senão como justificar a existência de um contrato de empreitada? De facturas de materiais de construção aplicados na obra e contabilizados como custos pela impugnante? E dos pagamentos efectuados pelos donos da obra à impugnante? Assim, estes pagamentos da impugnante aos técnicos não foram uma manifestação despropositada de altruísmo. Foram pagamentos devidos pelo empreiteiro aos subempreiteiros e fornecedores de materiais de construção.
7ª - Na Douta Sentença sobrevalorizou-se a prova testemunhal, apresentada pela impugnante, em total prejuízo da prova documental apresentada pela Autoridade Tributária. Prova testemunhal prestada por um bloco corporativo de responsáveis de empresas ligadas ao mesmo sector deactividade - construção civil - da impugnante. Mais, prova testemunhal passível de naturais erros de interpretação quanto à natureza das relações comerciais estabelecidas. Pois, como já se referiu na 4ª conclusão, nas situações de empreitada é normal que o dono da obra acompanhe a execução da obra e escolha materiais. E assim, quem vende o material saiba identificar o dono da obra e desconheça executante da mesma, indicando, em Tribunal, como efectivo devedor/contratante o dono da obra.
8ª e última conclusão – Existiu assim uma relação negocial estabelecida entre a impugnante e os donos da obra. Negócio que não implicou nenhuma venda ou transmissão do imóvel, mas antes consistiu na prestação de serviços de construção, em execução de contrato de empreitada. Pelo que, estando em causa uma prestação de serviços, a mesma está sujeita a IVA por força do artigo 4.º, n.º 1 do CIVA, o que implicou a alteração oficiosa do enquadramento de IVA da impugnante, para o regime normal trimestral e ao consequente apuramento do IVA liquidado nesta prestação de serviços.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, que serão por V.Exas Doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, revogada a Douta Sentença, com manutenção da liquidação adicional de IVA – e juros compensatórios – do segundo trimestre de 2006, no montante de 28.868,69 euros.”
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A Recorrida sociedade comercial CNVPF, Ld.ª, não apresentou Contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos das Ex.mas Senhoras Juízas Desembargadoras Adjuntas, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas alegações - Cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, todos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) –, e que se centram em saber se a Sentença recorrida incorreu em erro de julgamento em torno da matéria de facto [Cfr. conclusões 1.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ª e 7.ª das Alegações de recurso] e de direito [Cfr. conclusões 2.ª, 3.ª e 8.ª das Alegações de recurso].
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO
No âmbito da factualidade considerada pela decisão recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:
“Com interesse para a decisão dão-se como provados os seguintes factos:
1. A Impugnante é uma sociedade que se dedica essencialmente à construção de edifícios para venda, estando registada no cadastro CAE 4120 - Construção de Edifícios (residenciais e não residenciais) - fls. 42 do doc n.° 1 da contestação;
2. A contabilidade da impugnante foi objecto de uma inspecção tributária que decorreu entre 19/5/2009 e 18/8/2009 e incidiu sobre os exercícios de 2005 e 2006 - fls. 29 e 48 42 do PA;
3. Tal inspecção deu origem ao Relatório que consta de fls. 29 ss do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido, com o seguinte destaque: “ (…) 3.3.2 No que concerne à obra sita em R..., o sócio gerente confirmou ter efectuado uma obra de reconstrução, na qual foram incorporados materiais no valor de aproximadamente € 40.000,00, e mão de obra no valor aproximado de € 10.000,00, declarando ter recebido o valor, também aproximado de € 50.000,00, alegando a impossibilidade de identificar o cliente naquela altura.// Com os dados conhecidos (facturas de custo), verificou-se tratar-se da obra sita em R... conhecida por “casa amarela à esquerda”. Para excolha de dados adicionais a esta operação, foi emitido despacho n.º DI200900292// Após a recolha de elementos, constatou-se serem os proprietários dq obra JMRP (…) e SLP (…), que, conforme auto de dclarações em anexo (anexo XXIII), SLP declarou ter efectivamente contratado e pago o valor de €155.000,00 pela construção de raiz de uma moradia, sita em R..., entrergando contarto assinado por ambas as partes e constante do anexo XXIV, a coberto do respectivo despacho, valor frontalmente divergente do declarado pelo sócio gerente (…)”.
4. Nessa sequência a impugnante foi notificada da liquidação adicional de IVA relativamente ao exercício de 2005 e para pagar o montante global de 28.868,69 € - doc. n.º 2 da PI.
5. Dá-se aqui por reproduzido o “Contrato de empreitada (…) celebrado entre a Impugnante e JMRP datado de 30/03/2005, a fls. 49 e 50 do PA (doc. n.º 3 da PI), com o seguinte destaque: “CONTRATO DE EMPREITADA //MORADIA UNIFAMILIAR EM R...//Pelos primeiros outorgantes (JMRP e esposa SLP) foi dito: // Que adjudicaram à mencionada firma a empreitada da construção de uma vivenda com chave na mão, sita em R..., pelo valor global de 155.000 € (cento e cinquenta e cinco mil euros) (…)".
6. Os donos da obra sita em R..., Bragança, - JMRP e esposa SP) - nunca pretenderam que fosse o impugnante o empreiteiro de tal obra;
7. JP apenas solicitou à Impugnante que indicasse os técnicos de cada especialidade, tendo os respectivos contratos sido celebrados verbalmente por si com cada um deles;
8. O sócio gerente da impugnante interveio em tais negócios a título pessoal e apenas como intermediário;
9. À medida que aqueles trabalhos de empreitada iam sendo realizados e iam sendo apresentadas a pagamento as respectivas facturas ao dono da obra, este protelou a tal ponto o seu pagamento que o sócio gerente da impugnante, sentindo-se responsável pelo dano que a mora causava aos prestadores dos serviços, optou por lhes pagar por conta daquele;
10. Nesta sequência, a Impugnante pagou a:
. ERO & M, Lda. por serviços de electricidade prestados na obra de JMRP o valor de 3.000 Euros;
. JC por serviços de construção civil (acabamentos) prestados na obra de JMRP o valor de 21.465 Euros;
. TLC, Sociedade Unipessoal Lda. por serviços de construção civil (estruturas) prestados na obra de JMRP o valor de 54.373 Euros;
. P… & Filhos Lda. por serviços de caixilharia prestados na obra de JMRP no valor de 11.150.000 € com IVA incluído;
. JNF por serviços de carpintaria prestados na obra de JMRP no valor de 6.916 Euros;
. P… e F… Lda. por serviços de pintura e envernizamento prestados na obra de JMRP o valor de 15.527 Euros;
. M&A Lda. por serviços de construção civil (granitos) prestados na obra de JMRP no valor de 3.714,83 Com IVA incluído.
11. Dão-se aqui por reproduzidos os documentos de fls. 134 a 144 /Declarações), 157 a 162 (cópias de cheques) 164 a 169 (facturas), 266 e 267 (cópia de orçamento da EDP e cópia de cheque) e 268 e ss (escritura pública de compra, venda, mútuo e hipoteca), todos reportados ao Proc. N.º 42/10.8BEMDL;
Para além dos documentos que se indicaram, consideraram-se estes factos provados com a seguinte fundamentação por referência ao processo 42/10.8BEMDL:
O dono da obra de R..., Bragança, JMRP, afirmou em audiência contraditória no processo 42/10.8BEMDL, que adjudicou a construção da sua casa à Impugnante, pagando-lhe com um apartamento sito na Urbanização da R…, Bragança, e com dinheiro. Contudo, e apesar do contrato referido no facto n.° 7 (actual facto provado n.º 5), tal não é corroborado pelas cópias dos cheques de fls. 160, 161 e 162. Aliás, tal (tais) afirmação (ões) é (são) contraditada (s) pela escritura pública de compra, venda, mútuo e hipoteca, de fls. 268 e ss dos autos, na qual constam como vendedores do dito apartamento JP e sua mulher SP, e como compradores AFFS e sua mulher MJPM.
Por outro lado, e para além das testemunhas que trabalharam na dita obra ou que forneceram bens à mesma terem declarado que o sócio gerente da Impugnante lhes pagou porque o dono da obra incumpriu os prazos de pagamento acordados (cfr, fls. 134 a 140), o certo é que genericamente confirmaram em julgamento o teor daquelas declarações escritas. Cfr. depoimentos de ASM, JC e JF.
Finalmente, e quanto a este aspecto, a legal representante da sociedade TL (TCPL), assim como o legal representante da sociedade "P… e Filhos" (LMSP), respectivamente construtor do "esqueleto" da casa e fornecedor e executante do PVC, confirmaram que quem os contratou foi o Sr. J…, aquem, este último fornecedor, emitiu as facturas que constam de fls. 165 a 168. (cfr. Também, doc. n.º 4 da PI dos presentes autos.
No mesmo sentido vão os depoimentos das testemunhas prestados nos presentes autos (309/11.8BEMDL): LPVB, que declarou ter sido o Sr. J… quem o contratou para executar a pedra da fachada e da chaminé na obra da sua casa de R...; e ESA – sócio gerente da “Serralharia S…” – que declarou ter sido o Sr. J… quem o contratou para executar (fornecer e colocar) as portas da garagem, grades, portas do muro e automatismos, na mesma obra. Em abono da sua declaração foi junta aos autos a factura 5306 emitida pela “Serralharia S…” a JP no valor de 7.625,95 € - cfr. acta da audiência contraditória e fls. 143 a 146.”
Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC [correspondente ao anterior artigo 712.º do CPC], na medida em que constam dos autos elementos documentais que determinam a fixação de outra factualidade relevante para a apreciação e decisão do presente do recurso, aditamos à matéria de facto dada por provada na sentença recorrida, o ponto 12 com a redacção que segue:
12 – No dia 15 de junho de 2009, o sócio-gerente da Impugnante, ora Recorrida, VP, foi ouvido na Direcção de Finanças de Bragança Cfr. fls. 83 e 84 dos autos em suporte físico -, do que foi lavrado auto de declarações, que por ter interessse para a decisão a proferir, para aqui se extrai como segue:
“[…]
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]”
*
IIIii - DE DIREITO
Está em causa a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 29 de agosto de 2014, que julgou procedente a Impugnação judicial deduzida pela sociedade comercial CNVPF, Ld.ª, que visando o indeferimento do Recurso Hierárquico que esta havia intentado, tendo em vista as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios atinentes ao exercício de 2006, no valor global de €28.868,69, foram assim anuladas.
Dispõe o n.º 1 do artigo 627.º do Código de Processo Civil [anterior artigo 676.º do mesmo Código], que “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”, ou seja, que o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida e nesse tempo, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Os recursos jurisdicionais constituem os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, razão pela qual é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso, os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.
Conforme é jurisprudência firme e reiterada, a garantia do duplo grau de jurisdição não faz subverter o princípio da livre apreciação das provas, a que se reporta artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil [Cfr. anteriores artigos 655.º, 658.º e 659.º do mesmo Código], no âmbito do qual o Juiz a quo, em torno da decisão sobre a matéria de facto, aprecia livremente as provas colhidas durante a instrução dos autos, e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, é pela fundamentação apresentada para a decisão que se afere da correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas, e a final, sobre o julgamento prosseguido pelo Tribunal recorrido.
Cumpre então apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente Fazenda Pública, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, ou seja, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem [e que se centram em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento em torno da matéria de facto e de direito], salvo quando se trate de matérias do conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo
Neste patamar.
Em torno do sustentado erro de julgamento de facto, a Recorrente refere que tal é patente pelo facto de na sequência do procedimento inspectivo a que foi submetida a Impugnante ora Recorrida, terem sido detectados custos com a realização de duas obras de construção civil, sem a posterior declaração dos respectivos proveitos, sendo uma dessas obras a relativa à construção de uma moradia em R..., Bragança, o que foi confirmado pelos proprietários da vivenda, que tendo sido contactados pela AT no âmbito do procedimento inspectivo, vieram a apresentar um contrato de empreitada de construção da moradia, pelo valor de €155.000,00, com IVA incluído, sendo que, contactado o legal representante da ora Recorrida, o mesmo confirmou ter feito uma placa e reconstruído paredes, no que incorporou materiais no valor aproximado de €40.000,00 e que recebeu por esse trabalho o valor aproximado de €50.000,00, e que após as correcções apuradas, a Impugnante, ora Recorrida veio depois a sustentar que apenas figurou como intermediária entre os donos da obra e os técnicos que construíram a moradia, sem ter recebido qualquer comissão, e que até veio a pagar as dívidas dos donos da obra, em sub-rogação, no montante de €116.145,83 euros, por se sentir responsável por esse incumprimento, tese esta com a qual [a Recorrente] não concorda, e para o que contribuiu, no seu entender, a sobre valorização da prova testemunhal produzida em Audiência final, com total prejuízo da prova produzida pela AT – Cfr. conclusões 1.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ª e 7.ª das Alegações de recurso.
Perspectiva-se assim avaliar da eventual ocorrência de erro de julgamento de facto, o que ocorre quando o juiz decida mal ou contra os factos apurados, sendo que esse erro é atinente a qualquer elemento ou característica da situação sub judice que não revista natureza jurídica.
Por seu turno, em torno do sustentado erro de julgamento de direito, a Recorrente refere que tendo a Impugnante, ora Recorrida, prestado serviços de construção aos proprietários da moradia que veio a ser construída, em execução do referido contrato de empreitada, que estava por isso obrigada a liquidar IVA, por força do disposto no artigo 4.º, n.º 1 do CIVA – Cfr. conclusões 2.ª, 3.ª e 8.ª das Alegações de recurso.
Cumpre então apreciar do invocado erro de julgamento de facto.
A Recorrente Fazenda Pública, sustenta a verificação de erro de julgamento de facto, e nesse âmbito, em suma, que foi sobrevalorizada a prova testemunhal apresentada pela Impugnante, ora Recorrida no âmbito da Audiência final, em total prejuízo da prova documental apresentada pela Autoridade Tributária, e também, que não entende como normal ou admissível o pagamento por parte da Impugnante aos técnicos que transmitiram bens e prestaram serviços na construção da moradia, das dívidas do dono da obra, em sub-rogação, no valor de €116.145,83, sem qualquer motivo razoável, por não existir gestor sofrível, cidadão médio comum ou razoável pai de família que pague, sem mais, dívidas de terceiros desse montante, e que existiu outro motivo para o pagamento destas dividas por parte da Impugnante [ora Recorrida], que no entender na Recorrente agiu, não como intermediária, mas como empreiteira da obra, com prestação de serviços de construção, e com normais subempreitadas em serviços mais especializados, pois existia um contrato de empreitada.
Ora, conforme foi decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 05 de maio de 2011, proferido no Processo n.º 334/07.3TBASL.E1, “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”
Em conformidade com o extraído supra, é pois de concluir que a modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e aprendida pelo Tribunal a quo, só se justifica se, feita a reapreciação, como suscitado nas Alegações de recurso, se for evidente que a valoração que foi efectuada na instância recorrida enferma de erro.
Neste patamar, para aqui extraímos a fundamentação de direito da Sentença recorrida [consubstanciada em 3 parágrafos], como segue:
A AT alega que o Impugnante omitiu os proveitos obtidos com uma obra designada por “moradia do R...“, relativamente ao qual o respectivo cliente lhe teria pago a quantia de 155.000 Euros com IVA incluído. Chega a esta conclusão porque, fundamentalmente, verificou a existência de um documento escrito (contrato de empreitada) no qual a impugnante e o cliente acordam no pagamento da construção do imóvel.
Contudo, apesar de que seja isso que resulta do dito documento e das declarações produzidas em julgamento pelos donos da obra, a verdade é que a Impugnante comprovou que ele não reflectiu a efectiva vontade das partes (cfr. fundamentação quanto aos factos provados).
[…]”
Para prossecução desse julgamento, e conforme deflui da fundamentação aportada na Sentença recorrida, o Tribunal recorrido julgou que em torno da construção da moradia na freguesia de R..., em Bragança, que não se provou que para esse efeito, a Impugnante [ora Recorrente] tenha transmitido bens ou prestado serviços a titulo oneroso, e nesse patamar, que não pode assim estar sujeita a IVA, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, e nesse conspecto, que apesar de ser isso que resulta de um documento atinente a um contrato de empreitada, e das declarações produzidas em julgamento pelos donos da obra [JR e mulher, SP], que a ora Recorrida logrou provar que esse contrato não reflectiu a efectiva vontade das partes outorgantes desse contrato, tendo para o efeito o Tribunal recorrido remetido a fundamentação da formação dessa convicção, para matéria de facto que deu como provada.
Vejamos então.
A Recorrente Fazenda Pública opõe-se ao julgamento de facto prosseguido pelo Tribunal a quo, sustentando que na sequência do procedimento inspectivo a que foi submetida a Impugnante ora Recorrida, foram detectados custos com a realização de duas obras de construção civil, sem a declaração dos respectivos proveitos, sendo uma dessas obras a relativa à construção da referida moradia em R....
Ora, depois de cotejada a matéria de facto constante do probatório, dela se extrai que, na verdade, o Tribunal a quo não apreciou essa factualidade, ou que, tendo-a apreciado, não a chegou a valorar, matéria essa que foi adveniente e estava patenteada no Relatório da inspecção a que Impugnante, ora Recorrida, foi sujeita.
Com efeito, e desde logo, o Tribunal a quo desconsiderou totalmente as facturas que estavam constantes da contabilidade da Impugnante [e que integram os Anexos XXV, XXVI, XXVII do Relatório de inspecção], que eram atinentes ao fornecimento de bens para efeitos de empreitada de execução da moradia sita em R....
Como decorre do Relatório de inspecção, a fls. 13, foi na decorrência da análise aos custos registados na contabilidade da Impugnante dos anos de 2005 e 2006, que foram detectados custos quanto à construção sita em R..., Bragança, sem que nela [contabilidade] se tenham registado os correspondentes proveitos, e sem que o seu legal representante tenha procedido à identificação do proprietário dessa construção. E como se extrai de fls. 14 do mesmo relatório, foi a partir da existência dessas realidades documentais que veio a identificar trata-se da construção de uma moradia [em R...], e a saber-se que os seus dois proprietários [JP e mulher, SP] tinham outorgado com a Impugnante um contrato de empreitada, datado de 30 de março de 2005.
Ora, desse contrato de empreitada extrai-se que os proprietários adjudicaram à ora Recorrida, a empreitada de construção da sua vivenda, com “chave na mão”, pelo valor de €155.000,00 a que acrescia o IVA em vigor [com posterior ressalva manuscrita, de que nesse valor já estava contido o IVA], estando mencionado no contrato que seguia em anexo o mapa de acabamentos da moradia, e bem assim, que a ora Recorrida se comprometia a arranjar aos proprietários, adjudicantes dessa empreitada, facturas no valor de €40.000,00, estando ainda dele constante que o vertido no contrato traduzia fielmente a vontade dos outorgantes.
Na Sentença recorrida, no domínio da factualidade assente, o Tribunal a quo fixou sob os pontos 1, 2, 3, 4 e 5 do probatório que a Impugnante ora Recorrida, se dedicava à construção de edifícios para venda [que é actividade não sujeita a IVA], e que no período de 19 de maio de 2009 a 18 de agosto de 2009 foi objecto de uma inspecção tributária que incidiu sobre os exercícios de 2005 e 2006, do que resultou a elaboração de um relatório de inspecção, onde se veio a identificar a existência de documentos/facturas relativas a materiais para a construção de uma moradia em R..., sendo que não constavam da contabilidade quaisquer proveitos atinentes a essa actividade, na sequência do que veio a ser notificada da liquidação adicional de IVA.
Nessa sequência, em 15 de junho de 2009, o sócio-gerente da Impugnante, ora Recorrida, prestou declarações nos serviços da AT – Cfr. fls. 83 e 84 dos autos em suporte físico, e facto n.º 12 do probatório, por nós aditado –, tempo em que o mesmo [sócio gerente] confirmou ter efectuado uma obra de reconstrução [em R..., Bragança], na qual foram incorporados materiais no valor de aproximadamente € 40.000,00, declarando ter recebido por esse trabalho o valor de mais ou menos € 50.000,00, e que não conseguia identificar o cliente por não ter guardado qualquer dado sobre a sua identificação, e que se recordava de apenas se chamar G..., sendo que, nessa sequência, a AT veio a identificar os proprietários dessa moradia, tendo a proprietária mulher, SP, declarado em sede de auto de declarações datado de 24 de Junho de 2009, que foi contratado e pago o valor de €155.000,00 pela construção da moradia em R..., e que para o efeito assinou um contrato, do que entregou cópia aos serviços de fiscalização da AT, e que integra o Relatório de fiscalização.
Ora, em face desta matéria assim resultante da factualidade assente pelo Tribunal recorrido, assim como do facto n.º 12 por nós aditado, os factos n.ºs 6, 7, 8 e 9 do probatório surgem como que desgarrados, e indiferentes ao anterior circunstancialismo, sendo que, nem resulta da Sentença recorrida, de onde emerge o fundamento da convicção formada pelo Tribunal a quo para esse efeito.
Vejamos.
Nas declarações prestadas pelo legal representante da Impugnante, ora Reclamante, vertidas em auto datado de 15 de Junho de 2009 – Cfr. facto n.º 12 do probatório -, o mesmo aduziu dois aspectos da máxima importância, a que o Tribunal a quo não deu digna relevância: por um lado, o facto de o mesmo ter confessado que efectuou obras de construção civil de uma moradia [que referiu ter sido a construção de uma placa e a reconstrução de paredes] para um cliente, em R..., de quem recebeu cerca de €50.000,00, e por outro lado, que referiu à AT não conseguir identificá-lo [o cliente], por não ter guardado dados sobre a sua identificação, e que apenas se recordava chamar-se “G...”.
Como assim julgamos, é absolutamente incongruente e inconsistente, que um sócio gerente de uma empresa de construção civil, de uma sociedade comercial que visa primacialmente o lucro, e que no ano de 2006 outorgou com terceiros escrituras públicas de venda de fracções que titulavam o montante de €2.061.900,00 [portanto, mais de dois milhões de euros] - Cfr. fls. 4 do Relatório de inspecção -, que tenha outorgado um contrato de empreitada para construção de uma moradia com chave na mão [isto é, em que constitui encargo do empreiteiro apresentar ao proprietário a moradia construída já com todas a suas comodidades, por exemplo, com portas, casas de banho e cozinhas montadas], com fixação do respectivo preço, e com a menção a final, que “… o presente contrato traduz fielmente a vontade de ambos.”, e que depois, sem qualquer fundamento por si explicitado [e mesmo junto dos co-contratantes], venha a alegar em sede da Reclamação graciosa e do Recurso hierárquico apresentados, que o referido documento não reflecte a efectiva vontade das partes, e que não souberam expressar correctamente a sua vontade negocial por falta de conhecimentos jurídicos para o efeito.”, e que o dono da obra nunca pretendeu que fosse a Impugnante, ora Recorrida a executar a obra, apenas lhe tendo solicitado a título pessoal que indicasse e mediasse a contratação dos técnicos de cada especialidade, não tendo por isso obtido qualquer lucro com essa intermediação.
Note-se que em sede do auto de declarações prestado em 15 de junho de 2009 – Cfr. facto n.º 12 do probatório -, o sócio-gerente da ora Recorrida referiu que efectuou trabalhos de construção civil na obra de R... [e não provou a Recorrida que tivesse mais do que uma obra em R...], e que recebeu por esse trabalho a quantia aproximada de €50.000,00.
Ora, sobre as diversas versões apresentadas pelo sócio-gerente da ora Recorrida à AT, em torno da natureza da sua ligação aos proprietários da moradia de R..., importava desde logo que o Tribunal recorrido tivesse extraído conclusões da confissão relativa ao facto de ter executado obra na moradia [construção de placa e reconstrução de paredes] e de ter recebido um preço, pelo menos por essa execução.
Não o tendo feito, o Tribunal recorrido veio apenas a acolher a prova documental [e testemunhal] referente às Declarações emitidas por quem veio a declarar ter prestado serviços na moradia de R..., e a favor de quem foram emitidas facturas mas que não foram pagas pelos seus destinatários [os proprietários, J… e S…], e que porque estes não o fizeram, que foi o legal representante da Recorrida, VP, sócio gerente de uma sociedade comercial, que lhes veio a fazer esses pagamentos em regime de sub-rogação.
Não dilucidamos fundamento para que o sócio-gerente de uma sociedade comercial, que se apresenta à AT, também como mero intermediário, venha depois a pagar os serviços que aqueles técnicos fizeram na moradia dos proprietários, quando pelo que o mesmo referiu no auto declarações datado de 15 de Junho de 2009, até não soube identificar o “cliente”, por não ter guardado qualquer identificação sua, e que apenas se recordava de o mesmo se chamar “G...”.
Trata-se de todo um circunstancialismo, de significado subjectivo muito reduzido ou insignificante, para que no mundo dos negócios, da construção civil, um sócio-gerente de uma sociedade comercial se autodetermine por pagar despesas de terceiros que referiu mal conhecer, que ascenderam a €116.145,83, e sem que tenha alegado, ainda que superficialmente, quando e de que forma ía procurar reaver esses montantes assim pagos, atentos os anos entretanto decorridos.
Não podemos ainda deixar de sublinhar no âmbito deste julgamento por nós ora prosseguido, que em sede da Reclamação graciosa deduzida, assim como do Recurso hierárquico, a ora Recorrida juntou as “Declarações” dos técnicos executores de trabalhos na moradia de R... [Cfr. doc. 3] para prova de que esses trabalhos feitos não foram por si efectuados, antes por outras pessoas/entidades e que lhes veio a fazer os pagamentos que seriam devidos pelos proprietários, ficando a ora Recorrida sub-rogada na sua posição de credora dessas quantias perante aqueles [os proprietários], e que tendo sido notificada [a ora Recorrida] em sede de audição prévia, para juntar os documentos referenciados sob a alínea F) das conclusões do projecto de decisão [a saber, os documentos que justifiquem e comprovem o alegado sob o ponto 11 e seguintes da Reclamação graciosa, isto é, facturas, recibos e meios de pagamento], a ora Recorrida nada fez nem nada disse no procedimento, não tendo assim cumprido o ónus de prova que sobre si impendia.
Daí que para efeitos de fixação dos factos enunciados sob os pontos 6, 7, 8 e 9 do probatório, falta a apresentação da respectiva fundamentação, pois que sendo apresentados de forma conclusiva, despojada da sua fundamentação, não consegue o Tribunal aferir sobre os termos e pressupostos pelos quais assim apreciou e julgou o Tribunal, e sempre e de todo o modo, a propósito do facto vertido sob o ponto 11 do probatório, a referência à mera reprodução de documentos, sem que tenha sido prosseguida pelo Tribunal a sua apreciação critica, não é bastante para efeitos de dar como cumprido por parte do Tribunal a quo sobre o seu dever de fundamentação.
A exigência de fundamentação é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou a sentença do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior as possa sindicar.
Neste sentido, a fundamentação de facto não se deve limitar à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre os pontos da matéria de facto [neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, II Volume, página 321], pelo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
De resto, e ainda, quanto à referência à sociedade comercial TLC, Sociedade Unipessoal, Ld.ª, no sentido de que a mesma prestou serviços aos donos da moradia, no valor de €54.373,00, e que estes serviços, como assim explicitou o Tribunal a quo, por assim ter decorrido do depoimento da sua sócia e gerente, TL, serem relativos à construção do “esqueleto” da casa [sic], como assim julgamos, se se tratava da parte de construção de betão e alvenarias, erra então o Tribunal mais uma vez, pois fica por explicar então, em que parte da obra de R... é que a Recorrida efectuou trabalhos que demandaram custos da ordem de €50.000,00, não contemplados pelos trabalhos daqueloutra sociedade comercial, pois que, aqui recordamos, o sócio-gerente da ora Recorrida, referiu à AT em auto de declarações, em 15 de Junho de 2009, que efectuou trabalhos de construção de uma placa [de betão] e de reconstrução de paredes – Cfr. facto n.º 12 do probatório.
Aqui chegados.
A AT sustentou que no âmbito do procedimento inspectivo foi identificado o contrato de empreitada celebrado entre os donos da obra e a ora Recorrida, que aqueles o confirmaram no seu teor, mormente, de que foi realizada uma empreitada de construção da sua moradia, e por outro lado, foram identificados movimentos contabilísticos na contabilidade da ora Recorrida, referentes a facturas de materiais para aplicação na construção da mesma moradia, sendo que, o sócio-gerente da ora Recorrida veio a declarar perante a AT, que efectuou trabalhos de construção civil na moradia, e que por isso veio a receber a quantia aproximada de €50.000,00.
A AT fez prova destes factos nos presentes autos, em 1.ª instância, numa vertente essencialmente documental, e a Recorrida, por sua vez, fez prova testemunhal, sendo que, em sede da apreciação crítica das provas produzidas, resulta que o Tribunal a quo sobrevalorizou esta variante de prova, sem para tanto ter fundamentado os termos e os pressupostos por que o fez, designadamente, porque desconsiderou aquela prova documental, e ao invés, porque valorou de forma determinante, a prova testemunhal oferecida pela ora Recorrida, em termos de motivar a derrogação daquela prova documental.
Como resulta do procedimento inspectivo, sendo certo que a AT se serviu essencialmente de prova documental, e por outro lado, que quando não existir lei especial exigindo determinado tipo de prova, os interessados poderão servir-se de qualquer meio legal de prova, o acto de liquidação em apreço nos autos teve na sua base um contrato de empreitada, cuja existência e pagamento do preço nele mencionado foi confirmado pelos donos da obra [por uma das partes contratantes], para além da existência, identificada, de documentos contabilísticos, detidos pela ora Recorrida, com custos da execução da moradia em R... e de pagamentos por ela efetuados a prestadores de serviços nessa execução.
A tese acolhida pelo Tribunal a quo, que lhe foi trazida pela Impugnante, ora Recorrida [que de resto, sempre foi variando, desde que a AT iniciou o procedimento inspectivo], apenas se fundamenta na prova testemunhal produzida por parte da ora Recorrida, que, em essência, daí resultou que a Recorrida pagou aos técnicos [terceiros] o valor total de €116.145,83, por terem trabalhado na obra e aí aplicado bens e materiais, e que depuseram no sentido de que foi a Impugnante, ora Recorrida que lhes veio a fazer esses pagamentos, porque a mesma se sentiu no dever de efectuar em seu nome esse pagamento, pelo facto de os proprietários da futura moradia não terem cumprido para consigo [os técnicos terceiros] os prazos de pagamento.
A sentença fundamenta o seu discurso decisório, no teor dessas declarações escritas, cujos declarantes também assim vieram a depor em Audiência final, sendo que os documentos e as provas recolhidos pela AT no âmbito do procedimento inspectivo, foram desvalorizadas pelo Tribunal a quo, sem que tenha sido vertida na Sentença recorrida fundamentação de tanto determinante.
Enfatizando, a AT demonstrou no âmbito do procedimento inspectivo e que veio depois a culminar com a prática do acto tributário que está na base da liquidação sindicada, que a mesma [liquidação] era devida, por ter sido detectada e provada pela AT a omissão de proveitos, para cuja decisão contribuiu a existência da prova documental atinente ao contrato de empreitada assim como dos registos de custos levados à sua contabilidade [da Impugnante] decorrentes de intervenções levadas a cabo na moradia por parte da ora Recorrida, não encerrando a factualidade que foi levada ao probatório pelo Tribunal recorrido, assim como a sua fundamenção, uma tal densidade que tenha aptidão para abalar a prova documental em que a AT se sustentou para a emissão do acto tributário.
Com efeito, e como já acima julgamos, é destituído de razoabilidade e é até inverosímel pelos termos apresentados pela Recorrida, e até por experiência de vida, que uma sociedade comercial tenha querido fazer prova de de que não realizou obras na moradia, e que depois tenha vindo, a final, a fazer os pagamentos aos técnicos que aí intervieram, que os declararam ter recebido, apenas porque os donos da obra não cumpriram com os prazos de pagamento dessas execuções, quando é certo que a Recorrida não apresentou nehuma prova [antes pelo contrário] da existência de uma especial relação [de amizade, social, de benemerência, ou outra] para com os donos da obra, e de outro modo, que existisse algum dever jurídico que impendesse sobre si, ou a expressão de algum sentimento de responsabilidade de ordem ética ou moral, que fosse socialmente admissível, para proceder ao pagamento desses execuções, na ordem de quase €120.000,00, quando o sócio-gerente ao tempo em que prestou as declarações iniciais na AT, até declarou não se lembrar da obra, e que quanto ao proprietário, que não conhecia bem, mas que pensava chamar-se “G...”.
Face ao expendido supra, a AT logrou fazer prova da falta de veracidade das declarações apresentadas pela Impugnante já que a sua contabilidade apresentava omissões e inexatidões, e neste patamar, não gozando a sua contabilidade da presunção de veracidade, cabia à Recorrida por qualquer meio ao seu alcance [pois que no nosso direito processual vigora a regra da admissibilidade de todos os meios de prova, pelo que os interessados podem servir-se de qualquer meio legal de prova, a não ser que exista lei especial exigindo a necessidade de um concreto tipo de prova], em torno dos factos relevantes que estão na base da fixação da matéria coletável [que é prova documental] provar não só a inexistência de proveitos bem como de demonstrar que face à existência do contrato de empreitada e aos registos de custos na sua contabilidade com a construção da vivenda, que não houve efetiva contrapartida para si.
O ónus de prova de que a contabilidade retratava, fielmente, as operações contabilísticas levadas a cabo pela ora Recorrida, impendiam sobre si, em conformidade com o disposto nos artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º do Código Civil.
Os indícios das operações contabilísticas [em torno das facturas de materiais adquiridos para aplicação na moradia de R...], assim como o contrato de empreitada celebrado [e que os donos da obra declararam ter sido outorgado e que pagaram à ora Recorrida o preço nele mencionado] nos termos em que foram identificadas pela AT e que veio a determinar a correcção da matéria colectável, e consequentemente, a liquidação de IVA, não foram abaladas pela prova produzida pela Recorrida, pois que da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo tal não resulta, antes apenas, como sustenta a Recorrente, e como julgamos com razão, uma sobrevalorização da prova testemunhal produzida pela Recorrida, que por si não pode ter o condão de abalar o valor probatório dos documentos que a AT reuniu [incluindo por declarações do sócio gerente da Recorrida] e que constavam até da contabilidade da Recorrida.
Atenta a natureza da matéria em apreço nos autos, que contende com o apuramento da matéria tributável, a mesma é determinada directamente e com base em pressupostos legalmente estabelecidos, tendo por base as declarações apresentadas pelo próprio sujeito passivo, assim como da exibição da contabilidade ou escrita, devendo delas constar os elementos indispensáveis àquela determinação, sendo que, está na imediação da Autoridade Tributária o poder de proceder à sua alteração sempre que existam erros ou omissões no preenchimento das declarações.
Conforme dispõe o artigo 75.º, n.ºs 1 e 2, alínea) da Lei Geral Tributária [LGT] presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sendo que essa presunção de veracidade cessa, designadamente, se a contabilidade apresentada pelo sujeito passivo revelar omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que aquelas não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, ou que o sujeito passivo não cumpra o dever de esclarecer a sua situação tributária, e nessa eventualidade, a Administração Tributária fica legitimada a efectuar a determinação da matéria tributável, recorrendo para o efeito e preferencialmente a métodos directos [que tem em vista a determinação do valor real dos rendimentos ou bens, ou prestação de serviços sujeitos a tributação].
Quando decidiu prosseguir pela necessidade de empreender o apuramento da matéria tributável por essa via, estava especialmente exigido à AT que fundamentasse essa sua decisão [cfr. artigos 74.º, n.º 1, e 77.º, n.ºs 1, 2 e 3, ambos da LGT], em termos que, não bastava demonstrar que as declarações apresentadas pelo sujeito passivo não traduziam, não revelavam a sua real situação tributária, pois que está assacado à AT um especial dever de demonstrar a impossibilidade de aceder à verdade fiscal do contribuinte. E a AT logrou fazer essa prova no procedimento inspectivo, no sentido que houve lugar a omissão de proveitos por parte da Recorrida, e assim que a sua contabilidade não era conforme à realidade, tendo apresentado provas claras e suficientes para ser prosseguida a sua actuação pela correcção da matéria colectável.
Conforme é jurisprudência firme do STA, a fundamentação do acto tributário corresponde ao cumprimento duma directiva constitucional decorrente do actual artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, constituindo por parte da AT um dever que está densificado no artigo 77.º, n.º 1 da LGT, segundo o qual, “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo as que integrem o relatório de fiscalização tributária”.
A fundamentação do acto tributário constitui uma garantia específica dos contribuintes, e que visa, entre o mais, responder às necessidades do seu esclarecimento, procurando informá-los do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto praticado, em torno dos seus termos e pressupostos, por forma a permitir-lhes conhecer as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática, em ordem a permitir-lhes optar entre a aceitação do acto ou a sua impugnação, sendo um conceito relativo que varia em função do tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado [neste sentido cfr., entre outros, o Acórdão do STA, proferido no Processo n.º 407/12, datado de 19 de Novembro de 2014].
Gozando as declarações do sujeito passivo [da ora Recorrida] da presunção de verdade [Cfr. artigo 75.º, n.º 1 da LGT], as mesmas só podem ser alteradas pela AT quando existirem elementos que fundamentam essa não correspondência com a verdade, cabendo-lhe [à AT] demonstrar que os elementos de suporte à contabilidade do sujeito passivo não correspondem à sua realidade tributária, e que factos são esses, tendo presente o princípio da legalidade que preside ao direito tributário.
Ora, depois de a AT ter feito essa prova, pelos termos e pressupostos que são legal e processualmente devidos, na eventualidade de o sujeito passivo com eles não concordar, é agora sobre si que recai o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam, ou que na eventualidade de ocorrerem, que se verifica erro ou excesso na quantificação [Cfr. artigo 74.º, n.º 1 da LGT].
E neste patamar, caso o sujeito passivo, a ora Recorrida, não consiga fazer este exercício em torno do seu ónus de prova, a apreciação da sua actuação terá assim de ser resolvida contra ela, em favor da AT, no sentido de que as provas documentais por si recolhidas não podiam falecer face a uma prova testemunhal que se revela manifestamente desadequada e com impropriedade para abalar a prova documental.
Neste patamar.
Depois de cotejado o teor da Sentença recorrida, julgamos que o Tribunal a quo, pelo sentido decisório e fundamentação que lhe aportou, fez um errado julgamento sobre a matéria de facto trazida aos autos pela Impugnante, ora Recorrida, e que foi valorada pelo Tribunal, pois não conseguiu afastar os indícios dos proveitos não respaldados na sua contabilidade, donde, julgamos ser manifesto que a pretensão recursiva da Recorrente merece provimento.
Quanto ao erro de julgamento de direito.
Face ao que deixamos expendido supra em termos da apreciação do erro de julgamento de facto, julgamos assim que o julgamento operado pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida em torno da anulação da liquidação de IVA relativa ao exercício de 2006 assim como a respectiva liquidação de juros compensatórios, tendo por base a ocorrência dos pressupostos para aplicação de correcções meramente aritméticas [o que teve respaldo na factualidade adveniente da inspecção a que a Recorrente foi submetida e onde lhe foi facultado o exercício do direito ao contraditório, designadamente para efeitos de fazer prova que lhe aproveitasse, como vertido no RIT, com a fundamentação aportada, e como levado ao probatório], não pode manter-se, devendo assim proceder a pretensão recursiva da Recorrente.
Com efeito, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, estando em causa uma prestação de serviços, como assim prosseguida pela Recorrida, a mesma está efectivamente sujeita a IVA por força dos artigos 1.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1. ambos do CIVA, o que implicou a alteração oficiosa do seu enquadramento de IVA, para o regime normal trimestral e ao consequente apuramento do IVA liquidado por essa prestação de serviços.
Daí que nos termos acima expostos, na procedência das conclusões das alegações da Recorrente, por julgarmos verificados os invocados erros de julgamento, se impõe seja revogada a Sentença sindicada, com todas as legais consequências.
Procede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
*
E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:
Descritores: IVA; Fundamentação do acto tributário; Ónus de prova; Livre apreciação das provas; Fundamentação da Sentença; Erro de julgamento.
1 - Nos termos do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Geral Tributária [LGT], a decisão do procedimento deve ser fundamentada, ainda que de forma sumária, com enunciação das disposições legais aplicáveis, assim como a qualificação e quantificação dos factos tributários, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres ou informações.
2 - Conforme dispõe o artigo 75.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) da LGT, presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sendo que essa presunção de veracidade cessa, designadamente, se a contabilidade apresentada pelo sujeito passivo revelar omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que aquelas não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, ou quando o sujeito passivo não cumpra o dever de esclarecer a sua situação tributária.
3 - O ónus de prova de que a contabilidade do sujeito passivo retrata, fielmente, as operações contabilísticas por si levadas a cabo, impendem sobre si, em conformidade com o disposto nos artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º do Código Civil.
4 - De acordo com o princípio da livre apreciação das provas, a que se reporta artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil [Cfr. anteriores artigos 655.º, 658.º e 659.º do mesmo Código], o Juiz a quo aprecia livremente as provas colhidas durante a instrução dos autos, e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, é pela fundamentação apresentada para a decisão que se afere da correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas, e a final, sobre o julgamento prosseguido pelo Tribunal recorrido.
5 - A exigência de fundamentação da Sentença é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou a formação da convicção do Tribunal recorrido, a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior as possa sindicar.
6 – Ocorre erro de julgamento de facto quando o juiz decida mal ou contra os factos apurados, sendo que esse erro é atinente a qualquer elemento ou característica da situação sub judice que não revista natureza jurídica, designadamente, quando o Tribunal a quo não fundamenta os termos e os pressupostos por que o fez, designadamente, porque desconsiderou concreta prova documental [mais concretamente, um contrato de empreitada], e ao invés, porque valorou de forma determinante a prova testemunhal oferecida pelo sujeito passivo, em termos de motivar a derrogação daquela prova documental, quando, na sequência do procedimento inspectivo a que foi submetido o sujeito passivo, foram detectados na sua contabilidade custos com prestação de serviços de construção civil, sem a posterior declaração dos respectivos proveitos, foi provada a existência de um contrato de empreitada, e o sócio-gerente confessou ter executado obra na moradia.
7 – É destituído de razoabilidade e é até inverosímel, que uma sociedade comercial tenha querido fazer prova de que não realizou obras na moradia, e que depois tenha vindo, a final, a fazer os pagamentos aos técnicos que aí intervieram, que os declararam ter recebido, apenas porque os donos da obra não cumpriram com os prazos de pagamento dessas execuções, quando é certo que a Impugnante, ora Recorrida, não apresentou nenhuma prova [antes pelo contrário] da existência de uma especial relação [de amizade, social, de benemerência, ou outra] para com os donos da obra, e de outro modo, que existisse algum dever jurídico que impendesse sobre si, ou a expressão de algum sentimento de responsabilidade de ordem ética ou moral, que fosse socialmente admissível, para proceder ao pagamento desses trabalhos de execução, na ordem de quase €120.000,00.
***
IV - DECISÃO
Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, Acordam em conferência em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente Fazenda Pública, revogando a decisão judicial e julgando improcedente a impugnação.
Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias, salvo, neste tribunal, quanto à taxa de justiça devida pelo impulso processual, uma vez que não contra-alegou.
Notifique.
Porto, 09 de maio de 2019.
Ass. Paulo Ferreira de Magalhães
Ass. Cláudia de Almeida
Ass. Fernanda Esteves