Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00629/12.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/16/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:IEFP; CONTRATO DE CONCESSÃO DE INCENTIVOS FINANCEIROS; NULIDADE DO ACÓRDÃO
Sumário:1. Não é procedente a arguição de nulidade do acórdão por violação do princípio do contraditório, a que se reporta o artigo 3º/3 do CPC, com fundamento na revelação da factualidade considerada como assente e com interesse para a decisão da causa apenas “com a prolação do Acórdão sob recurso”, depois de no despacho saneador o TAF ter considerado “inútil ordenar quaisquer diligências de prova, por desnecessidade destas ao apuramento da verdade”.
2. Os factos que a Recorrente questiona foram selecionados com base em documentos que a própria juntou aos autos e que constam do PA.
A selecção dos factos em 1ª instância foi feita em conformidade com o artigo 659º/3 do CPC na versão aplicável, de acordo com o DL 226/2008, de 20-11, segundo o qual “Na fundamentação da sentença o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos…”
3. A prevalecer a tese da Recorrente incidiria sempre sobre o TAF o dever de estabelecer o elenco dos factos provados previamente à decisão final, sob pena de violação do princípio do contraditório, e então teria que concluir-se ad absurdum pela ilicitude do artigo 510º/1/b) que permite conhecer imediatamente do mérito da causa no despacho saneador. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:LLPSGO
Recorrido 1:Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu no sentido de ser confirmada a sentença recorrida.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
LLPSGO veio interpor recurso do acórdão pelo qual o TAF do Porto julgou improcedente a presente acção administrativa especial intentada contra o Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP, pedindo que fosse declarada a nulidade do despacho do Director do Centro de Emprego e Formação Profissional de 11 de Novembro de 2011 ou que seja o mesmo anulado.
Em alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

A. É o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo TAF do Porto em 22/01/2014, pelo qual e após se ter considerado, em sede de Despacho saneador, “inútil ordenar quaisquer diligências de prova, por desnecessidade destas ao apuramento da verdade”, se julgou a acção intentada pela Recorrente LLPSGO improcedente e, por conseguinte, absolveu-se o Recorrido Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P., do pedido.

B. Para tanto, o Acórdão e em sede de sua “Fundamentação De Facto”, considerou como assente e com interesse para a decisão da causa, apenas matéria alegada na Contestação do Recorrido e ignorou ou fez tábua rasa de qualquer factualidade alegada na p.i. da Recorrente, máxime no tocante à alegada e documentalmente comprovada sob arts. 2 a 24 da p.i.

C. Nessa matéria tida como assente e com interesse para a decisão da causa, confunde-se a Recorrente com sociedade por quotas denominada D..., Lda., sendo, no entanto, estas entidades distintas e autónomas.

D. Na mesma matéria tida como assente e com interesse para a decisão da causa, atenta-se, inapropriada ou desaquadamente, em Despacho nº. 27278 do Gabinete do SET e Portaria nº. 196-A/2001, de 10 de Março, ou seja, em diplomas desajustados à apreciação ou enquadramento do caso em apreço.

E. Por conseguinte, fez o Acórdão sob recurso menos adequada interpretação ou apreciação da factualidade que veio a ter como assente e com interesse para a decisão da causa, bem como deixou de apreciar factualidade alegada e documentalmente comprovada com manifesto interesse para tal decisão da causa, a saber, a vertida sob arts. 2 a 14 da p.i. da Recorrente, subsumindo-se ou enquadrando-se, assim, no previsto e culminado com nulidade, sob art. 615º, als. c) e d), do actualmente em vigor CPC.

F. Assim não se entendendo, então dir-se-á que, tendo a factualidade considerada como assente e com interesse para a decisão da causa, só surgido ou dada a conhecer com a prolação do Acórdão sob recurso, violou-se o princípio do contraditório, a que se reporta o sob art. 3º, nº. 3, do NCPC.

G. Na parte da “Fundamentação De Direito” do Acórdão sob recurso, permanece o mesmo na confusão entre a sociedade que celebrou com o Recorrido IEFP o “Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros” datado de 13-02-2008, a sociedade D..., Lda, e as sócias desta sociedade (entre as quais, a Recorrente) que, conforme dito no Acórdão, nessa qualidade, outorgaram tal contrato como segundo outorgante, assinando-o.

H. Por outras palavras e in casu, a Recorrente não pretendeu nem se vinculou, por si ou a título pessoal, em tal “Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros”, como resulta do mesmo e de reconhecimento de assinaturas que sobre o mesmo veio a ser feito.

I. E inadequadamente chama à colação para o enquadramento legal do em apreço, a Portaria nº. 196-A/2001, de 10 de Março, com as alterações introduzidas pela Portaria nº. 255/2002, de 12 Março, para concluir, como concluiu, ser “…inequívoco que tem fundamento legal a obrigação de restituir o montante recebido – € 58 159,75”.

J. Mais chama à colação teor de cláusula 13ª do “Contrato de Concessão de Incentivos” em apreço nos presentes autos que não consta de tal cláusula 13ª

K. Fez, assim, o Acórdão sob recurso menos adequada interpretação do normativo legal e clausulado contratual no mesmo invocados, violando-os.


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Contra alegando concluiu o Recorrido:

I - A circunstância de o apoio concedido à Recorrente ter provindo de um ato administrativo, e não de um contrato, confere desde logo ao Recorrido o direito a decidir o incumprimento em causa e de impor à mesma a obrigação de devolução do apoio sob pena de cobrança coerciva, e por tal não pode proceder o vício de violação de lei invocado pela Recorrente;

II - A verdade é que, no âmbito das suas competências de acompanhamento e fiscalização, o Recorrido identificou falhas e deficiências no projeto, pelo que não cabia ao mesmo outra alternativa que não a decisão de resolução do respetivo Contrato, adstrito que está ao respeito pelo princípio da legalidade;

III - Efetivamente, isso decorre não só das normas da Portaria nº 1191/2003, citada pela Recorrente como da conjugação sistemática de normas como o artº 11º, nº 5, artº 25º, nº 3 da Portaria nº 196-A/2001, de 10 de Março com a redação que lhe foi dada pela Portaria nº 255/2002, de 12 de Março.

IV - Com efeito, o n.º 25.º da Portaria estabelece: “Em caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas através do contrato de concessão de incentivos, o promotor é obrigado ao reembolsar o IEFP, nos termos do Decreto-Lei n.º 437/78, de 28 de Dezembro.”

V - E a Cláusula 13.ª do CCIF: “O incumprimento injustificado de qualquer das obrigações estabelecidas no presente contrato confere ao PRIMEIRO OUTORGANTE o direito de resolver o presente contrato.”

VI - Ademais, a criação líquida de postos de trabalho é, em primeira instância, o grande objetivo do PEOE, em todas as suas vertentes, conforme se pode ler tanto no preâmbulo da Portaria nº 1191/2003, de 10 de Outubro como da Portaria 196-A/2001, de 10 de Março:

“Com o diploma em apreço pretende-se dar continuidade e contribuir para a concretização, no domínio dos incentivos ao emprego, do esforço inaugurado com o Decreto-Lei n.º 132/99, de 21 de Abril (…)” e, mais adiante, “ (…) com este sistema de incentivos intenta-se, desde já, estimular e tornar mais fácil o acesso ao emprego por parte daqueles que, dada a sua situação de desvantagem relativa, têm mais problemas para aceder ao mercado de trabalho: jovens à procura do primeiro emprego, desempregados de longa duração, pessoas com deficiência e pessoas em situação de desvantagem social (…). Desta forma, e a fim de estimular o emprego dos que encontram maiores dificuldades de inserção socio-profissional, institui-se um regime centrado na concessão de apoios técnicos e financeiros dirigidos exclusivamente a auxiliar a criação de postos de trabalho para estas categorias de pessoas, seja sob a forma de apoios à sua contratação, seja sob a forma de apoios à criação do seu próprio emprego”;

VII. Assim, da leitura quer dos preâmbulos da lei quer do corpo dos artigos das citadas Portarias, resulta que os fatos registados, neste caso, são avessos à manutenção dos incentivos concedidos dando lugar ao seu reembolso;

VIII. O caso sub judice em nada contribuiu, de facto, para a redução do desemprego existente, através da criação líquida de postos de trabalho, não prosseguindo o espírito nem a letra da lei, nem o próprio CCIF;

IX - Pelo que o Recorrido atuou no estrito respeito e cumprimento do princípio da legalidade, nomeadamente fazendo cumprir o regime decorrente das Portarias de regulamentação específica do PEOE e do Decreto-Lei n.º 437/78, de 28 de Dezembro, caso seja exigida a devolução dos apoios concedidos ou obtida a cobrança coerciva.

X - E, nesta medida, tendo-se detetado que a Recorrente não cumpriu com as suas obrigações enquanto beneficiária do apoio financeiro concedido, no escrupuloso cumprimento do princípio da legalidade, não restava ao Recorrido outra solução, sob pena de cometer grave ilegalidade, que não fosse a resolução do CCIF.

XI - Sendo, ainda, certo que nos termos do ponto 2. Cláusula 10ª do CCIF que se transcreve: “Os promotores da iniciativa, mencionados como segundos outorgantes deste contrato, são solidariamente responsáveis, com a empresa e entre si”.

XII - Desta forma, os promotores dos programas de emprego, como é o caso da Recorrente, são responsáveis entre si pelas dívidas resultantes do incumprimento injustificado das obrigações que assumiram perante o IEFP, I.P. no respetivo Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros.

XIII - Neste sentido, a sentença além de ter feito uma correcta interpretação das normas legais em causa, não se encontra ferida das nulidades invocadas pela Recorrente.

XIV - Pelo que, salvo melhor entendimento, devem improceder todas as conclusões da Recorrente, devendo ser confirmada a decisão recorrida e negando-se provimento ao recurso.

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O Ministério Público emitiu o douto parecer a fls. 184 e seguintes do processo físico, sustentando a decisão recorrida.
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QUESTÕES A RESOLVER

Nulidade da sentença e erros de julgamento invocados nos termos das conclusões formuladas pela Recorrente.

*
FACTOS
Consta no acórdão recorrido:
São os seguintes os factos que se consideram assentes, com interesse para a decisão da causa:
1) Em 27-02-2007, a A. apresentou junto do Centro de Emprego do Porto, uma candidatura no âmbito do Programa Estímulo à Oferta de Emprego regulamentado pela Portaria n° 119112003, de 10 de Outubro, e pela Portaria n° 196-A/200l, de 10 de Março, com a redacção que lhe foi dada pela Portaria n° 255/2002, de 12 de Março, para criação de quatro postos de trabalho e apoio ao investimento (fls. 1 a 189 do P.A.).

2) Por despacho de 11 de Fevereiro de 2008, do Sr. Director do Centro de Emprego do Porto foi a candidatura aprovada, tendo sido atribuído à A. um apoio financeiro no montante de € 77.173,01.

3) Com data de 13-02-2008, foi celebrado entre o R. e a A. o "Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros" conforme modelo constante do anexo ao Despacho n° 27278/2002, do Gabinete do SET, publicado no DR n° 300, II série, de 28-12-2002, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, destacando-se a "Cláusula 9a" sob a epígrafe "Obrigações do SEGUNDO OUTORGANTE", nomeadamente o seguinte:

"1. Pelo presente contrato os SEGUNDOS OUTORGANTES obriga-se a:
( ... )
a) Executar integralmente o projecto de emprego nos termos e prazos fixados em sede de candidatura e cumprir os demais objectivos constantes desta;
( ... )
e) "Não reduzir o nível de emprego atingido por via do apoio concedido, por um período mínimo de quatro anos, contados a partir da data do pagamento do apoio à criação dos postos de trabalho, substituindo qualquer trabalhador vinculado ao SEGUNDO OUTORGANTE por contrato de trabalho sem termo, por outro, nas mesmas condições, no prazo de 45 dias úteis, quando se verifique, por qualquer motivo, a cessação do contrato de trabalho; (negrito nosso)
( ... )
2. Os SEGUNDOS OUTORGANTES devem, também:
b) "Comunicar ao PRIMEIRO OUTORGANTE qualquer alteração ou ocorrência que ponha em causa os pressupostos relativos à condição de acesso que permitiram a aprovação da candidatura, bem como a sua realização"
( ... )
p) Não utilizar para outro fim, ceder, locar, alienar ou onerar, no todo ou em parte, a propriedade dos bens adquiridos para a execução do projecto, sem prévia autorização do PRIMEIRO OUTORGANTE, até quatro anos após o termo da realização dos investimentos previstos;
q) Não proceder à transmissão da respectiva posição na entidade que constituíram, quer por cessão de quotas, quer por outra forma, nem à transmissão do respectivo estabelecimento, por trespasse, cessão de exploração ou qualquer outra forma, sem prévia autorização do PRIMEIRO OUTORGANTE, até quatro anos após o termo da realização dos investimentos previstos" - cfr. fls. 214 a 224 do P.A..

4) Para acompanhamento do projecto o R. procedeu à consulta das folhas de remuneração da Segurança Social tendo constatado várias irregularidades, nomeadamente o encerramento da entidade em 20-11-2010 por motivo de extinção (fls. 441 a 447 do P.A.).

5) Nessa sequência, com data de 2-08-2011, foi elaborada a Informação n° 4728/DN-EPO, que aqui se dá por integralmente reproduzida, propondo, face ao incumprimento verificado, a resolução do contrato, a conversão do subsídio não reembolsável em reembolsável e, consequentemente, a devolução das importâncias concedidas (fls. 448 a 450 do P.A.).

6) No seguimento do despacho de 2-08-2011, do Director do Centro de Emprego do Porto do R. aposto na referida informação, foi remetido à A. o ofício n° 4804/DN-EPO, de 4-08-2011, nos termos e para efeitos do art° 100° e segs. do CPA (fls. 451 a 455 do P.A.).

7) Tal ofício foi remetido para a morada fornecida pela A. na candidatura apresentada, constante do contrato de concessão de incentivos financeiros pela mesma assinado e constante da petição inicial.

8) A carta relativa a tal ofício foi devolvida com a menção: “não atendeu” e “objecto não reclamado”

9) A A. não apresentou qualquer defesa.

10) Em 14-11-2011, foi a A. notificada da decisão do R. de resolução do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros (fl. 502 do P.A.).

11) Não se conformando a A., desta decisão interpôs em 26-12-2011, um recurso hierárquico e em 8-03-2012, a presente acção administrativa.
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O Tribunal fundou a sua convicção na vontade concordante das partes conjugada com a análise do processo administrativo, designadamente das folhas do mesmo que supra se referiram.
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DIREITO

Arguição de nulidade do acórdão

Esta matéria consta das conclusões A a E da Recorrente, culminando com a arguição de nulidade da sentença (acórdão) por alegadamente estarem preenchidas as causas de nulidade previstas 615º/1/c)/d) CPC.

Nessas conclusões a Recorrente censura o TAF por não ter considerado assente e com interesse para a decisão da causa a factualidade alegada nos artigos “2 a 24” (cf conclusão B) ou a matéria “2 a 14” (cf conclusão E) da p.i.

Como a conclusão E tem índole meta conclusiva, sendo hoc sensu conclusiva relativamente às conclusões anteriores e por outro lado confirma, reproduzindo, o trecho igualmente conclusivo do segmento “II” do corpo da alegação de recurso, onde se menciona a factualidade vertida sob os artigos 2 a 14 da p.i. e ainda porque 20 e 24 da p.i., pelo menos, não contêm matéria de facto, antes juízos conclusivos, entende-se que a menção feita se refere à matéria de 2 a 14 da p.i.

Será ainda de dizer que os factos constantes de 2 a 14 da p.i. são emanação directa do conteúdo do acto impugnado e do contrato celebrado entre as partes, estando documentados nestes autos e aludidos em 2) e 3) da matéria de facto, entendendo-se que o conteúdo dos documentos mencionados no acórdão e constantes dos autos deve, por remissão, considerar-se reproduzido na sua integralidade. De resto, sempre poderia este TCAN relevar o conteúdo integral de tais documentos ao abrigo do artigo 662º/1 CPC, se necessário, isto é, se impusessem decisão diversa da recorrida.

Enfim, a omissão da matéria de facto constante dos artigos 2 a 14 da p.i. é despicienda, quer por irrelevância quer por se esgotar no conteúdo de documentos existentes nos autos e mencionados no acórdão. De todo o modo, considerando algumas das críticas dirigidas ao acórdão, é útil mostrar que o Tribunal está atento aos detalhes.

Na alínea c) da disposição do CPC invocada são previstas duas hipóteses diversas.

A primeira (fundamentos em oposição com a decisão) só seria verificável se a decisão (estatuição) do acórdão, fosse contraditória ou logicamente inconclusiva relativamente à sua fundamentação (premissas). Ora tal situação, além de em rigor não ser configurada na alegação feita, nunca se verificaria, porque a decisão tomada pelo TAF surge como conclusão silogística adequada da fundamentação de facto e de direito enunciada.

Da segunda hipótese normativa prevista nesta alínea (ininteligibilidade da decisão, por ambiguidade ou obscuridade) quase o mesmo se dirá. A decisão não deixa de ser inteligível por eventualmente incorrer em qualquer erro de julgamento de facto ou de direito, mas apenas quando esteja formulada de modo a suscitar duvidas sobre o sentido inequívoco da solução da causa. O que não é o caso, nem tal gravíssima deformidade lógica lhe é, no fundo, materialmente imputada.

A alínea d) refere-se à omissão ou excesso de pronúncia. Esta norma exprime essencialmente a violação do dever estabelecido no artigo 608º CPC (questões a resolver).

Ora, no caso, quando muito a Recorrente imputa ao TAF e ao acórdão erros de julgamento em matéria de facto, por omissão de apreciação de determinados factos alegados que, na sua tese, teriam relevância para imprimir à decisão um sentido diverso daquele que foi determinado em 1ª instância. Impugnação que, assim, deveria ser feita nos termos do artigo 640º CPC (ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto). Coisa diversa, que poderia levar à nulidade do acórdão nos termos da alínea b) do artigo 615º/1 CPC, seria a absoluta falta de fundamentos de facto necessários para justificar a decisão tal como foi efectivamente tomada (e não como o recorrente pretenderia que fosse), mas isso manifestamente não ocorre nem é alegado.

E, portanto, o acórdão não sofre de nulidade.

*
Conclusão C

Para verificar que a crítica de que na decisão recorrida se confunde a Recorrente, pessoa singular, com a sociedade D..., Lda, é descabida basta começar a ler a Fundamentação de Direito (transcreve-se):

«A. A. entende que não pode ser responsabilizada pelo incumprimento do contrato de financiamento em causa.
Não tem razão.
A A. era sócia da empresa D..., Lda e, nessa qualidade, como segundo outorgante juntamente com outra sócia da mesma empresa, assinou o contrato de concessão de incentivos financeiros em causa.»
O que a Recorrente pretende, no fundo, é fazer valer a tese adversa àquela que fez vencimento em 1ª instância, ou seja, que a sociedade D..., Lda era a exclusiva responsável pela restituição dos incentivos porque o contrato de concessão de incentivos foi exclusivamente celebrado entre ela e o IEFP, mas isso é outra questão que nada tem a ver com a alegada e inexistente confusão entre a sociedade e a sócia.

É verdade que no ponto 2 da matéria de facto seria preferível consignar que a decisão de aprovação é dirigida à D..., Lda, em vez de “à A.” mas trata-se de lapso do qual não advém efeito relevante na decisão.

Já quanto ao ponto 3 da matéria de facto não existe qualquer lapso material, pois no entendimento professado pelo TAF a Autora concelebrou o “Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros”, como um dos “Segundo Outorgantes …na qualidade de promotoras da empresa D..., Lda”, como se lê no próprio Contrato.

Portanto, esta conclusão improcede.

Conclusão D

É verdade que existe o desajustamento reportado pela Recorrente entre o conteúdo do Contrato celebrado com o IEFP, pertinente a estes autos, e o reproduzido em 3 da matéria de facto que deveria ser supostamente, fiel ao teor do dito Contrato.

A origem deste problema é também a mencionada pela Recorrente, ou seja, o TAF fez “copy and paste” da Contestação do IEFP, certamente induzido pela facilidade de dispor desse articulado em formato editável, conjugadamente com a confiança em que esse texto seria fiel ao documento a transcrever. Houve um descuido que deveria ter sido evitado, mas o problema é de fácil solução visto que o dito Contrato se encontra documentado no PA e nestes autos como doc. nº2 junto com a p.i. (fls 16 e seguintes dos autos). E de resto, a divergência com a realidade reduz-se à inserção indevida da expressão “conforme modelo constante do anexo ao Despacho nº 272782002, do Gabinete do SET, publicado no DR nº 300, II série, de 28-12-2002”, a qual será eliminada.

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ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Perante isto e usando da faculdade prevista no artigo 662º/1 do CPC altera-se a redacção de 2) e 3) da matéria de facto, nestes termos:

2) Por despacho de 11 de Fevereiro de 2008, do Sr. Director do Centro de Emprego do Porto foi a candidatura aprovada, tendo sido atribuído à “D..., Lda” um apoio financeiro no montante de € 77.173,01 – Cf doc. a fls. 14 n.º1 junto com a p.i., a fls 14 do processo físico.

3) Com data de 13-02-2008, foi celebrado entre o R. e a A. o "Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros" cujo teor se dá por integralmente reproduzido, destacando-se a "Cláusula 9ª" sob a epígrafe "Obrigações do SEGUNDO OUTORGANTE", nomeadamente o seguinte:

"1. Pelo presente contrato os SEGUNDOS OUTORGANTES obriga-se a:
( ... )
a) Executar integralmente o projecto de emprego nos termos e prazos fixados em sede de candidatura e cumprir os demais objectivos constantes desta;
( ... )
e) "Não reduzir o nível de emprego atingido por via do apoio concedido, por um período mínimo de quatro anos, contados a partir da data do pagamento do apoio à criação dos postos de trabalho, substituindo qualquer trabalhador vinculado ao SEGUNDO OUTORGANTE por contrato de trabalho sem termo, por outro, nas mesmas condições, no prazo de 45 dias úteis, quando se verifique, por qualquer motivo, a cessação do contrato de trabalho; (negrito nosso)
( ... )
2. Os SEGUNDOS OUTORGANTES devem, também:
b) "Comunicar ao PRIMEIRO OUTORGANTE qualquer alteração ou ocorrência que ponha em causa os pressupostos relativos à condição de acesso que permitiram a aprovação da candidatura, bem como a sua realização"
( ... )
p) Não utilizar para outro fim, ceder, locar, alienar ou onerar, no todo ou em parte, a propriedade dos bens adquiridos para a execução do projecto, sem prévia autorização do PRIMEIRO OUTORGANTE, até quatro anos após o termo da realização dos investimentos previstos;
q) Não proceder à transmissão da respectiva posição na entidade que constituíram, quer por cessão de quotas, quer por outra forma, nem à transmissão do respectivo estabelecimento, por trespasse, cessão de exploração ou qualquer outra forma, sem prévia autorização do PRIMEIRO OUTORGANTE, até quatro anos após o termo da realização dos investimentos previstos" - cfr. fls. 214 a 224 do P.A..

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Conclusão F
Nos articulados as partes apresentaram as respectivas versões dos factos e juntaram os documentos pertinentes, que não sofreram impugnação.

O TAF, no despacho saneador considerou “inútil ordenar quaisquer diligências de prova, por desnecessidade destas ao apuramento da verdade”.

Os factos que a Recorrente questiona foram selecionados com base em documentos que a própria juntou aos autos e que constam do PA.

A selecção dos factos no acórdão foi feita, ainda, em conformidade com o artigo 659º/3 do CPC na versão aplicável, de acordo com o DL 226/2008, de 20-11, segundo o qual “Na fundamentação da sentença o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos…”

De resto, a prevalecer a tese da Recorrente incidiria sempre sobre o TAF o dever de estabelecer o elenco dos factos provados previamente à decisão final, sob pena de violação do princípio do contraditório, e então teria que concluir-se ad absurdum pela ilicitude do artigo 510º/1/b) que permite conhecer imediatamente do mérito da causa no despacho saneador.

Tal opção legislativa não é absurda nem ilícita, porque na realidade não há violação do princípio do contraditório, e assim a conclusão improcede.

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Demais conclusões

Entra-se no cerne do mérito da causa, em que no fundo se trata de saber se a Recorrente estava ou não vinculada pelo “Contrato de concessão de incentivos financeiros” (CCIF).

Lê-se a tal respeito no acórdão:

«A. A. entende que não pode ser responsabilizada pelo incumprimento do contrato de financiamento em causa.
Não tem razão.
A A. era sócia da empresa D..., Lda e, nessa qualidade, como segundo outorgante juntamente com outra sócia da mesma empresa, assinou o contrato de concessão de incentivos financeiros em causa.
A A. não questiona os fundamentos do incumprimento do contrato (o facto da empresa se encontrar extinta, não tendo sido tal facto comunicado ao Centro de Emprego – o que viola as alíneas e) do ponto 1 da cláusula 9.ª e a alínea b) do ponto 2 da cláusula 9.ª do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros.
Por sua vez, o art° 26º, n.º 3 da Portaria na 196-A/2001, de 10 de Março, com as alterações introduzidas pela Portaria na 255/2002, de 12 de Março, que se passa a transcrever, estabelece o seguinte: "( ... ) Em caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas através do contrato de concessão de incentivos, o promotor é obrigado a reembolsar o IEFP, nos termos do Decreto-Lei na 437/78, de 28 de Dezembro. ( ... )"
Isto resulta, aliás, da cláusula 13ª do Contrato de Concessão de Incentivos: "( ... ) No caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas, constantes do presente contrato de incentivos, da Portaria na 196-A/2001, de 10 de Março ( ... ) será resolvido este contrato ( ... ) declarado o vencimento imediato da dívida, convertendo-se o subsídio não reembolsável em reembolsável e, consequentemente, exigida a devolução das importâncias concedidas ( ... )"
É portanto inequívoco que tem fundamento legal a obrigação de restituir o montante recebido - € 58 159,75
Nos termos da cláusula 10ª, n.º 2 desse contrato “os promotores da iniciativa, mencionados como segundos outorgantes deste contrato, são solidariamente responsáveis, com a empresa e entre si”.
A obrigação é solidária quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, nos termos do art.º 512º, n.º 1 do Código Civil.
Assim sendo, só se pode concluir que a si (Autora) pode ser exigida a restituição de todo o montante recebido.»

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Apreciando, começa por verificar-se que, mais uma vez e ainda por força do já abordado pecado original cometido pelo TAF (“copy and paste”), existe na decisão uma menção viciada da Cl. 13ª do CCIF, onde, diversamente do consignado no acórdão, não existe referência à Portaria n.º 196-A/2001, de 10 de Março, mas sim à Portaria n.º 1191/2003, de 10 de Outubro. Como refere a Recorrente o que consta dessa cláusula é que “No caso de incumprimento das obrigações assumidas, constantes do presente contrato de concessão de incentivos, da Portaria nº. 1191/2003, de 10 de Outubro, da regulamentação específica dos fundos estruturais e demais disposições aplicáveis, será resolvido este contrato, cessados os pagamentos ainda por efectuar, declarado o vencimento imediato da dívida, convertendo-se o subsídio não reembolsável em reembolsável e, consequentemente, exigida a devolução das importâncias concedidas, acrescidas dos juros legais, ou obtida cobrança coerciva nos termos do Decreto-Lei nº. 437/78, de 28 de Dezembro, se aquela não for efectuada voluntariamente no prazo de 60 dias úteis a contar da respectiva notificação”.
Porém, trata-se de um pecado venial, perdoável, que não tem influência decisiva na decisão, pois o que importa é saber qual a legislação aplicável e apurar se as cláusulas contratuais - sem curar de saber se estamos na presença de verdadeiro contrato administrativo - com ela se conformam.
Ora, no âmago da legislação aplicável está exactamente a Portaria nº. 1191/2003, de 10 de Outubro, mencionada logo à cabeça no despacho de resolução do CCIF impugnado nestes autos (cf fls 27 do proc. físico) e em diversas cláusulas do CCIF.
Transcrevem-se dessa Portaria as seguintes disposições:
«1.º
Objecto
O presente diploma regulamenta a concessão de apoios a projectos que dêem lugar à criação de novas entidades que originem a criação líquida de postos de trabalho e contribuam para a dinamização das economias locais no âmbito de serviços de apoio à família mediante a realização de investimento de pequena dimensão.
2.º
Âmbito de aplicação pessoal
(…)
4 - As entidades não podem ter sido constituídas há mais de 60 dias úteis antes da data de apresentação da candidatura.
5 - Os promotores devem obrigatoriamente proceder à constituição e registo da entidade a criar, nos termos legalmente exigidos, no prazo máximo de seis meses a contar da data de aprovação do pedido de financiamento.
(…)
26.º
Manutenção do nível de emprego
Os promotores constituem-se na obrigação de manterem preenchidos os postos de trabalho criados por via dos apoios financeiros concedidos durante um período mínimo de quatro anos.
27.º
Incumprimento
1 - O incumprimento das obrigações assumidas através dos contratos de concessão de incentivos financeiros implica a reposição das verbas concedidas, acrescidas de juros legais.»
Destas normas retira-se que as obrigações contratuais e a responsabilidade pelo seu incumprimento recaem sobre os “promotores” que são as pessoas singulares que criam as “entidades” em regime de ILE, não existindo portanto qualquer razão legal que dê cobertura à insistente recusa da Recorrente em assumir a responsabilidade pelo constatado incumprimento do CCIF, no qual outorgou na qualidade de promotora da empresa D..., Lda.
Por outro lado, como se lê no preâmbulo da Portaria 1191/2003 «Nesse sentido a presente portaria vem dar corpo aos princípios comunitários e nacionais em política de emprego, previstos no Decreto-Lei n.º 132/99, de 21 de Abril, prevendo e regulamentando a concessão de apoios a projectos ou iniciativas que proporcionem a criação líquida de postos de trabalho e que visem desenvolver actividades no âmbito do apoio à família.»
Por seu turno dispõe o artigo 1º da Portaria n.º 196-A/2001 de 10 de Março:
«1.º Objecto
O presente diploma regulamenta as modalidades específicas de intervenção do programa de estímulo à oferta de emprego, na sua componente de criação de emprego, nos termos das alíneas b) a e) do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 132/99, de 21 de Abril.»
Neste DL, finalmente, consta:
«Artigo 11.º

Oferta de emprego

O estímulo à oferta de emprego compreende, designadamente, as seguintes modalidades específicas de intervenção:

a) Disponibilização de ofertas de emprego;
b) Criação de postos de trabalho;
c) Fomento da iniciativa empresarial, do cooperativismo
e do trabalho associado;
d) Apoios às micro, pequenas e médias empresas;
e) Apoios ao desenvolvimento do artesanato;

…»

Enfim, todos estes diplomas legais são abstractamente aplicáveis à situação em apreço e a Recorrente não demonstra que, em concreto, o acto impugnado haja incorrido na violação de qualquer dispositivo legal ou contratual, nomeadamente do CCIF em causa, pelo que o presente recurso não merece provimento.

*
DECISÃO

Pelo exposto acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 16 de Dezembro de 2016
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: Joaquim Cruzeiro