Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01727/07.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/12/2013
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL; FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO DO TRIBUTO DO PRAZO DE CADUCIDADE;
ALÍNEA E) VERSUS ALÍNEA I) DO Nº1 DO ARTº 204º DO CPPT
ÓNUS DA PROVA
PRINTS
Sumário:I. Estando fora do âmbito alínea e), do nº1, do artigo 204º do CPPT, as situações em que não ocorreu notificação, o sentido da expressão “falta de notificação da liquidação no tributo no prazo de caducidade” é, necessariamente, o de referenciar situações em que ocorreu notificação, mas esta foi efectuada fora do prazo de caducidade, isto é, situações de intempestividade da notificação à face do artigo 45º da LGT.
II. Instaurada uma execução fiscal sem que seja efectuada notificação do acto tributário de liquidação (que é o que vem alegado pela Oponente, ora Recorrente) o contribuinte pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº1, do artigo 204º do CPPT, atenta a ineficácia do acto que, naturalmente, impede que o mesmo produza efeitos em relação a ele, contribuinte, e, por isso, obsta a que a dívida possa ser exigida.
III. Por força do disposto no artigo 74° da LGT, cabia à Administração o ónus da prova da notificação da liquidação, ónus este que, de todo, in casu, não foi cumprido, uma vez que a Administração não juntou aos autos o registo comprovativo do envio da liquidação para o domicílio fiscal do sujeito passivo (tão-pouco um registo colectivo ou o aviso de recepção, se foi utilizado), antes se limitando a juntar prints informativos.
IV. Tais prints não podem deixar de ser considerados como documentos internos elaborados pela própria Administração, para efeitos internos, não oponíveis à executada. Os ditos prints não provam a remessa da liquidação em causa para o domicílio da Recorrente, nem o seu recebimento, sendo ainda de realçar que nada garante que os prints juntos estejam em conformidade com os elementos com base nos quais foram, alegadamente, elaborados, esses sim, com valor probatório.
V. Instaurada a execução fiscal sem que se mostre efectuada a notificação do acto de liquidação que subjaz à dívida exequenda, há que concluir pela ineficácia de tal acto, o que impede que o mesmo produza efeitos em relação ao executado, obstando, por isso, a que a dívida possa ser exigida, tudo de acordo com o disposto na alínea i), do nº1, do artigo 204º do CPPT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

1. Relatório

M…, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, considerando que a notificação da liquidação subjacente à dívida exequenda – IRS e juros compensatórios de 2002 – foi devidamente efectuada no prazo de caducidade, julgou improcedente a oposição deduzida contra a execução fiscal nº 3352200701001493, instaurada pelo Serviço de Finanças do Porto 2, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

A culminar as respectivas alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

- O Tribunal a quo entendeu, erradamente, que a oponente foi notificada da nota de liquidação e cobrança do imposto, em 20/11/06, fundando-se em prints do sistema informático da Fazenda Pública, juntos aos autos.

2ª - Os prints do sistema informático da Fazenda Pública não têm força probatória, são de origem incerta e os dados que lá se encontram inseridos são livremente manipulados pela Fazenda Pública, maioritariamente por lapso.

- O único modo de se provar que a oponente foi notificada da nota de liquidação e cobrança seria a junção do aviso de recepção dos CTT, assinado pela oponente.

- A Fazenda Pública não juntou o Aviso de recepção dos CTT.

- A Fazenda Pública, em documento junto a fls. 17 a 22 dos autos, confessa que a notificação foi devolvida.

- Não existe, nos autos, nenhum elemento probatório que comprove que a oponente foi notificada da nota de liquidação e cobrança.

- O Tribunal a quo errou na aplicação da Lei.

8ª - O artigo 84º nº1 do CIRS, na redacção dada pelo DL nº 472/99, de 8/11 e rectificada pela Declaração de Rectificação nº 4 - C/2000, de 27/01, acerca da caducidade do direito de liquidação, remete para os artigos 45º e 46º da LGT.

9ª - O artigo 45º nº 1 da LGT dispõe que o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

10ª - Já caducou o direito à liquidação do imposto.

11ª - Foram violadas as normas constantes dos artigos 84º nº1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na redacção dada pelo DL nº 472/99, de 8/11 e rectificada pela Declaração de Rectificação nº 4-C/2000, de 27/01, artigo 45º da Lei Geral Tributária.

Nestes termos, deve revogar-se a decisão sob recurso, ordenando-se a extinção da execução.”


*

Não foram apresentadas contra-alegações.

*


O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Norte emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

*

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.

*

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nºs 3 e 4, todos do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT].

Nesta conformidade, podemos assentar em que as questões suscitadas pela Recorrente, aqui a apreciar, são as seguintes:
i) Saber se a sentença recorrida errou no julgamento da matéria de facto, ao ter considerado que a nota de liquidação e cobrança do imposto (IRS 2002) foi comunicada à executada em 20/11/06, fundando-se, para tal, em prints do sistema informático da DGCI;
ii) Saber se a sentença recorrida errou no julgamento de direito ao ter considerado não verificada a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade de 4 anos, previsto no artigo 45º da LGT.

Fundamentação
2.1. Matéria de facto

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância:

“Da análise dos elementos contidos nos autos, documentos, informações oficiais, resulta provada a seguinte factualidade:

A). Em 13/01/2007 foi instaurada execução fiscal n° 3352200701001493, contra a aqui oponente, por dívidas provenientes de liquidação sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), relativo ao ano de 2002, no montante de 2.870,88€.

B). Conforme consta do print de fls. 12 dos autos (a indicação de fls. 12 será um lapso, correspondendo a fl. indicada à 16) a nota de liquidação aqui em causa foi emitida em 26/10/2006 e remetida à oponente pelo Registo CTT RY385004627PT, com assinatura em 20/11/2006.

C). A presente oposição foi instaurada em 27/02/2007, no Serviço de Finanças do Porto 2, cfr. fls. 5 dos autos.

IV. FACTOS NÃO PROVADOS

Inexistem. As demais asserções da douta petição integram antes conclusões de facto e ou de direito, não incumbindo pronúncia nesta sede.

A convicção do Tribunal alicerçou-se, na consideração dos factos provados, no teor dos documentos constantes dos presentes autos, que não foram impugnados,

A instauração da execução contra a sociedade, posterior reversão e a altura a que se reporta o imposto, constituem factos de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do art. 514° C.P.C”.


*

Alteração oficiosa da matéria de facto

Ao abrigo do disposto no artigo 712° do CPC, por a entendermos pertinente para a decisão a proferir, adita-se a seguinte matéria de facto.

D) A fls. 17 dos autos consta um print retirado do Sistema Electrónico de Citações e Notificações, que apresenta o seguinte teor:

“SF: 3352 – Porto 2

Área DGCI: Cobrança

Sistema Informático: GFF – Gestão de Fluxos Financeiros

Imposto: IRS – Imposto sobre o Rendimento Singular

Tipo: Not - Notificação

Área DGITA: JFF

NIF: 143724380

Data da emissão: 2006-10-28

Entidade emissora: RYR – DGCI IR

Reg. CTT: RY3850046227PT

Situação: Devolvido

Data Situação: 2006-11-13

Outros dados: Demonstração de Liq. – Nota de Cobrança

2.2. O direito

Tal como assinalado, a Recorrente insurge-se contra o julgamento da matéria de facto, mais precisamente quanto à circunstância de o Tribunal ter considerado que a nota de liquidação e cobrança do imposto (IRS 2002) foi comunicada à executada em 20/11/06, fundando-se, para tal, em prints do sistema informático da DGCI

Está em causa, a este propósito, a conclusão que o Mmo. Juiz a quo retirou do facto provado em B), quanto à notificação da liquidação subjacente à dívida exequenda, e não propriamente o teor do facto provado – B – que não se afigura posto em causa.

Com efeito, em tal ponto da matéria de facto ficou consignado que “Conforme consta do print de fls. 12 dos autos (repete-se que a indicação de fls. 12 será um lapso, correspondendo a fl. indicada à 16) a nota de liquidação aqui em causa foi emitida em 26/10/2006 e remetida à oponente pelo Registo CTT RY385004627PT, com assinatura em 20/11/2006.

Ora, nos termos em que se mostra redigido o facto transcrito, quando comparado com o teor do print em que o mesmo se apoiou, não se vislumbra aí qualquer erro, pois que o que vem aí dito corresponde, efectivamente, a parte do teor do mesmo. Ou seja, não está em causa que do aludido print conste que a nota de liquidação aqui em causa foi emitida em 26/10/2006 e remetida à oponente pelo Registo CTT RY385004627PT, com assinatura em 20/11/2006, mas sim, o que é bem diferente, a conclusão que daqui foi retirada que levou o Tribunal a quo a considerar que a oponente foi notificada da liquidação subjacente à dívida exequenda em 20/11/2006.

Com efeito, lê-se na sentença recorrida, a este propósito, que:

Como se extrai dos factos provados a liquidação foi notificada à oponente em 26/10/2006, com assinatura em 20/11/2006 (parece-nos evidente alguma confusão nesta afirmação, pois que, a julgar pela matéria de facto relevada na sentença, a data de emissão da liquidação surge como sendo o dia 26/10/2006 e a alegada assinatura respeitante à notificação em 20/11/2006 – cfr. ponto B do probatório). Face ao exposto, resta-nos considerar a notificação devidamente efectuada no prazo de caducidade”.

Ora, é esta conclusão – quanto à notificação da liquidação subjacente à dívida exequenda em 20/11/06 – que motiva a total discordância da Recorrente, concretamente por estar apoiada unicamente em informações contidas num print extraído de uma base de dados da Direcção-Geral dos Impostos, portanto um elemento de carácter interno que, segundo a Recorrente, não têm força probatória, são de origem incerta e os dados que lá se encontram inseridos são livremente manipulados pela Fazenda Pública, maioritariamente por lapso.

Vejamos, então.

Na oposição deduzida à execução fiscal nº 3352200701001493, a oponente invocou, além do mais, que a liquidação de IRS, exigida em cobrança coerciva, jamais lhe foi notificada e que apenas teve conhecimento da dívida com a citação para os termos da execução, ocorrida em 2007. Assim, prossegue, considerando que o imposto se reporta a 2002 e tendo presente que o conhecimento da dívida ocorreu em 2007, decorreu já o prazo, de quatro anos, durante o qual a Administração poderia liquidar o imposto em causa, nos termos previstos no artigo 45º da LGT.

Apesar de, na p.i. a Oponente não ter reconduzido concretamente a situação descrita a qualquer dos fundamentos previstos no nº1 do artigo 204º do CPPT, em requerimento apresentado a fls. 36 dos autos (em resposta às excepções invocadas na contestação pela Fazenda Pública), refere-se aí à aplicação da alínea i), do nº 1 do citado normativo.

Enfrentando a questão colocada, a Mma. Juíza a quo sustentou a decisão de improcedência da oposição com base no seguinte discurso argumentativo que aqui se reproduz:

DA FALTA DA NOTIFICAÇÃO NO PRAZO DE CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO

A execução de que se cura nos presentes autos foi instaurada em 13/01/2007 e os presentes autos de oposição em 27/02/2007, pelo que ao caso é aplicável o novo Código de Procedimento de Processo Tributário (CPPT): cf. art. 4° do Dec.-Lei n.° 433/99, de 26.10 que aprovou tal diploma.

Os fundamentos de oposição são prescritos nas diversas alíneas do art. 204° n.° 1 do CPPT e, perscrutando-as verifica-se que a oposição pode ter por fundamento a “Falta da notificação da Liquidação do tributo no prazo de caducidade” [al. e)].

Estamos em face de um dispositivo inovador face ao anterior CPT; a caducidade do direito à liquidação contendia com a legalidade dessa liquidação e, face ao anterior CPT, tal questão (caducidade) só poderia ser conhecida no processo de impugnação.

Não obstante, o que constitui agora fundamento de oposição é, não a caducidade do direito à liquidação em si, mas apenas e tão só, a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade.

Vejamos:

«Diz-se notificação o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo», prescreve o art. 35º n.° 1 do CPPT.

Por outro lado, o art. 36° n.° 1 do CPPT sanciona com a não produção de efeitos duma notificação que não seja válida, isto, é, que não obedeça aos requisitos estipulados legalmente.

No mesmo sentido dispõe o art. 77° n.° 6 da Lei Geral Tributária (LGT).

Ora, não produzir efeitos é o mesmo que o acto não ter existido, impondo-se a sua repetição de acordo com os ditames legais.

Neste sentido, a existência de um qualquer vício anula o acto de notificação.

Também nos termos do art. 45° n.° 1 da LGT,

“O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte” em determinado prazo, conforme os casos.

Nos termos do art. 84° n.° 1 do CIRS, o prazo de caducidade é de 5 anos, (...) devendo, dentro do mesmo prazo, ser notificada ao sujeito passivo”.

Assim, atendendo a que o IRS se reporta ao ano de 2002, de acordo com os normativos citados, quer a liquidação quer a respectiva notificação, haveria que ser efectuada até 31/12/2007.

Como se extrai dos factos provados a liquidação foi notificada à oponente em 26/10/2006, com assinatura em 20/11/2006.

Face ao exposto, resta-nos considerar a notificação devidamente efectuada no prazo de caducidade”.

Como demonstraremos, o assim decidido não é, por razões diversas, de acolher.

Antes, porém, importa deixar algumas palavras sobre o fundamento de oposição apreciado - Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade – previsto no artigo 204º, nº1, alínea e) do CPPT, o qual, como se sabe, foi, durante largo tempo, alvo de interpretações jurisprudenciais díspares, actualmente pacificadas, designadamente pelos seguintes dois acórdãos do Pleno da Secção Tributária do STA: acórdãos de 20 de Janeiro de 2010 e de 7 de Julho de 2010, proferidos nos processos nºs 832/08 e 545/09, respectivamente.

Vejamos, então.

Decorre do artigo 204º, nº 1, alínea e) do CPPT que constitui fundamento de oposição a falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade.

Trata-se de um fundamento de oposição que não estava consagrado quer no CPT, quer no CPCI, e que foi introduzido pela mencionada alínea e) do nº 1 do artigo 204º do CPPT.

Como se considerou no acórdão do STA, de 28/09/11 (proc. nº 473/11), que doravante vamos seguir de perto, transcrevendo, “esta fórmula é ambígua, pois tanto pode ser interpretada:

– como reportando-se a situações em que, antes da execução, ocorreu uma notificação, mas ela foi efectuada fora do prazo de caducidade do direito de liquidação;

– como a situações em que não ocorreu qualquer notificação e a execução foi instaurada dentro desse prazo de caducidade;

– como a todas as situações em não ocorreu uma notificação da liquidação no prazo de caducidade, por isso, tanto aquelas em que a execução foi instaurada antes do termo do prazo de caducidade, como aquelas em que a execução foi instaurada depois deste termo.

A introdução do fundamento previsto na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, a par da manutenção de todos os fundamentos de oposição previstos anteriormente no artº. 286.º, corresponde, forçosamente, a uma intenção legislativa de aumentar os fundamentos de oposição, pois, como é óbvio, se se pretendesse que fossem os mesmos admitidos no CPT, reproduzir-se-iam os aí admitidos em vez de aditar um novo fundamento.

Assim, constatando-se que o CPPT mantém, na alínea i) do n.º 1 do artº. 204.º, o fundamento de oposição previsto na alínea h) do n.º 1 do artº 286.º do CPT, que abrangia todas as situações em que a execução fiscal fosse instaurada sem prévia notificação, conclui-se com segurança que a alínea e), ao aumentar os fundamentos, não se reporta a situações em que a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação da dívida exequenda, que se enquadram na referida alínea i) do n.º 1 do art. 204.º, da mesma forma que antes se enquadravam na alínea h) do n.º 1 do art. 286.º.

Por isso, estando fora do âmbito daquela alínea e) as situações em que não ocorreu notificação, o sentido da expressão «falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade» é, necessariamente, o de referenciar situações em que ocorreu notificação, mas esta foi efectuada fora do prazo de caducidade (sublinhado nosso).

Isto é, com o CPPT repôs-se a coerência do sistema global de meios de defesa dos contribuintes em matéria tributária, ao tornar a notificação intempestiva da liquidação fundamento de inexigibilidade da obrigação tributária em vez de ilegalidade da liquidação notificada.

Na verdade, à face do novo regime, a notificação intempestiva não constitui ilegalidade do acto notificado, à semelhança do que sucede em relação à generalidade de todos os outros actos administrativos e tributários; esse vício do acto de notificação (intempestividade) afecta-o apenas a ele próprio e não ao acto notificado, retirando-lhe a potencialidade de produzir os efeitos que produziria se não enfermasse dessa ilegalidade, que era o de atribuir eficácia ao acto notificado.

Assim, é agora claro que tanto a falta de notificação como a falta de uma notificação tempestiva afectam a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que devem ser invocadas tanto a inexistência de qualquer notificação como a intempestividade da notificação que tenha sido efectuada (sublinhado nosso).

Este regime é, globalmente, mais coerente do que o sustentado pela referida jurisprudência na vigência do CPT, pois a notificação de qualquer acto é um acto autónomo e posterior ao acto notificado e, por isso, é duvidosa a razoabilidade do entendimento que na vigência do CPT se adoptava, no sentido de a falta ou vício da notificação afectar a validade do acto de liquidação, acto este que já estava praticado e permanecia como estava independentemente da notificação.

De qualquer forma, mesmo que se entenda, na esteira da jurisprudência anterior, que a intempestividade da notificação é vício do acto de liquidação e contende com a sua legalidade, o que resulta da alínea e) é que essa ilegalidade, como sucede com outras, pode ser apreciada no processo de execução fiscal. ( ( ) Apesar de, em princípio, a execução fiscal não se destinar a apreciar a legalidade da dívida exequenda, esta apreciação pode fazer-se em vários casos, enquadráveis nas alíneas a), g) e h)).

Para além disso, a interpretação que mais linearmente decorre do texto da alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT é, na falta de qualquer elemento textual que suporte uma interpretação restritiva, a de que a oposição pode sempre ter por fundamento «a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade» e não apenas quando a execução foi instaurada antes de este prazo se completar, como pretende o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público Recorrente. Por isso, num domínio de processos contenciosos em que é dada abertura ampla à possibilidade de intervenção autónoma dos particulares sem representação através de advogado (( )Apenas é obrigatória a constituição de advogado, na 1.ª instância, quando o valor da causa exceda o décuplo da alçada dos tribunais tributários (art. 6.º, n.º 1, deste Código). ), é de presumir que um legislador que sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º 3, do CC), ao elaborar uma norma que se reporta à intervenção primária dos particulares no processo, não deixaria de expressar mais claramente o seu pensamento se entendesse que a norma deveria ter a interpretação fortemente restritiva que consubstanciaria na sua aplicação apenas a casos em que a execução fosse instaurada ainda dentro do prazo de caducidade e sem prévia notificação.

Conclui-se assim que, quer se entenda que a apreciação da intempestividade da notificação da liquidação contende com a eficácia do acto notificado quer se entenda que constitui juízo sobre a sua legalidade, essa intempestividade é fundamento de oposição à execução fiscal. ( ) Independentemente de, se for considerado fundamento de ilegalidade do acto de liquidação, poder também ser invocada em impugnação judicial.

É, aliás, o que sucede com as outras situações em que pode ser apreciada a legalidade do acto de liquidação em oposição à execução fiscal, designadamente as enquadráveis nas alíneas a) e g) do n.º 1 do art. 204.º, que tanto podem ser invocadas em impugnação judicial como em oposição à execução fiscal [nas situações referidas na alínea h) por definição, a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda apenas pode ser apreciada na oposição à execução fiscal])”.

5.4. Não podemos deixar de concordar com este último entendimento (aliás, também seguido no Acórdão desta Secção de 18.11.2009 - Processo nº 976/09 e nos Acórdãos do Pleno desta mesma Secção, de 20.01.2010 – Processo nº 0832/08 e de 07.07.2010 – Processo nº 0545/09) que, a nosso ver, coloca no devido lugar a distinção entre acto de liquidação e acto de notificação.

Com efeito, se a liquidação for efectuada decorrido o prazo de caducidade, a mesma é ilegal por ofensa do disposto no artº 45º da LGT.

Porém, se for efectuada dentro do respectivo prazo, a mesma é legal para o que agora nos interessa. O que sucede, porém, é que se não for notificada dentro do mesmo prazo de caducidade, a liquidação deixa de produzir o seu efeito e, por isso, é inexigível.

Então, perante essa inexigibilidade, o interessado pode deduzir a sua oposição à execução fiscal que contra si venha a ser instaurada.

(…)”

Nesta mesma linha de entendimento, se orientam as palavras de J. Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, Vol. III, Áreas Editora, pág. 486. quando, a este propósito refere que “Por isso, estando fora do âmbito daquela alínea e) as situações em que não ocorreu notificação, o sentido da expressão “falta de notificação da liquidação no tributo no prazo de caducidade” é, necessariamente, o de referenciar situações em que ocorreu notificação, mas esta foi efectuada fora do prazo de caducidade, isto é, situações de intempestividade da notificação à face do artigo 45º da LGT.

(…)

Assim, neste regime do CPPT ter-se-á entendido que tanto a falta de notificação como a efectivação de uma notificação intempestiva (que se reconduz a falta de uma notificação tempestiva) afectam a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que deverão ser invocadas tanto a inexistência de qualquer notificação como a intempestividade da notificação que tenha sido efectuada”.

Com efeito, o fundamento da falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 204º do C.P.P.T., é invocável nos casos em que foi efectuada uma notificação válida, mas a mesma não foi feita dentro do prazo de caducidade, situação em que, independentemente de o acto de liquidação notificado enfermar ou não de qualquer vício, ele não produz efeitos em relação ao destinatário, por a notificação não ser efectuada dentro do prazo previsto na lei.

Ora, de volta ao caso concreto e aos seus contornos, dir-se-á, na interpretação que fazemos do fundamento de oposição analisado [por comparação com o âmbito da alínea i) do nº1 do artigo 204º do CPPT], que a situação sub judice não se enquadra no artigo 204º, nº1, alínea e) do CPPT, uma vez que, como se percebe, o que está em causa é a falta de notificação da liquidação do tributo subjacente à dívida exequenda. A situação sub judice será, pois, de enquadrar na alínea i) do nº1 do artigo 204º do CPPT – quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título – uma vez que se o acto não foi notificado (independentemente de ter decorrido, ou não, o prazo em que o mesmo podia ser validamente notificado), esse acto não é eficaz em relação ao destinatário, não podendo, por conseguinte, ser executado, constituindo tal situação fundamento de oposição à execução fiscal reconduzível à alínea i), do nº1, do artigo 204º do CPPT (a que anteriormente correspondia a alínea h), do nº1, do artigo 286º do CPT).

Assim sendo, é nosso entendimento, na esteira da jurisprudência dos Tribunais Superiores, que se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação do acto tributário de liquidação (que é o que vem alegado pela Oponente, ora Recorrente) o contribuinte pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº1, do artigo 204º do CPPT, atenta a ineficácia do acto que, naturalmente, impede que o mesmo produza efeitos em relação a ele, contribuinte, e, por isso, obsta a que a dívida possa ser exigida. E, para estes efeitos, é despicienda a questão de saber se o acto em si padece de qualquer vício, designadamente da extemporaneidade da liquidação. É que, como se sabe, a legalidade da liquidação é matéria de impugnação judicial, a apresentar quando e se o acto em causa for notificado.

Vejamos, então, o que dizer quanto à notificação da liquidação de IRS de 2002, a qual está subjacente à dívida exequenda [abrimos aqui um parêntesis para referir que a menção feita na sentença recorrida ao conhecimento oficioso por parte do Tribunal dos factos atinentes à instauração da execução contra a sociedade e posterior reversão - em contradição, aliás, com a alínea A) da matéria de facto provada - fica, certamente, a dever-se a um lapso, pois que o que os autos demonstram é que a execução foi originariamente instaurada contra a oponente, executada, por dívida de IRS].

Como resulta da sentença transcrita, aí foi entendido que aquele acto tributário foi notificado à oponente em 20/11/06 (por, alegadamente ser essa a data de assinatura a que alude o print considerado). Para assim decidir, a Mma. Juíza apoiou-se no conteúdo constante de prints retirados de bases de dados da própria exequente/Fazenda Pública.

Já vimos, aliás, em que moldes a Recorrente se insurge contra o assim decidido. E, digamo-lo, desde já, com razão.

Independentemente de não ser conhecida a origem da liquidação em causa – se se trata de uma liquidação adicional ou outra – a verdade é que a Administração Tributária, na informação oficial que prestou na oposição afirmou expressamente, contrariamente ao asseverado pela oponente, que, de acordo com a consulta ao Sistema Electrónico de Citações e Notificações, a nota de cobrança relativa à liquidação cuja dívida se encontra em cobrança coerciva no processo de execução fiscal nº 3352200701001493, foi remetida através de carta registada com o nº RY 385004627PT, para o domicílio fiscal da contribuinte; em tal informação faz-se menção à sua devolução. Também no print a que fizemos referência no ponto D da matéria de facto por nós aditada, se refere, com respeito à Situação do registo RY 385004627PT, Devolvido.

Por outro lado, do print constante de fls. 16 dos autos, e no qual a sentença se apoiou para considerar a liquidação em causa notificada, consta que a mesma foi remetida através de registo dos CTT com o n RY 385004627PT e que a Assinatura é de 20/11/2006.

Por conseguinte, e para já, uma coisa é certa. As informações dos aludidos prints (independentemente do valor probatório dos mesmos, ponto que já abordaremos), são contraditórias, pois se, por um lado, aí se faz constar a menção à assinatura do objecto enviado por correio registado, por outro lado, e num outro print, faz-se menção à sua devolução.

Seja como for, e porque o que cabe indagar é se, face à prova produzida nos autos, se pode concluir, como fez a sentença recorrida, que a Administração Tributária notificou a executada da liquidação de IRS de 2002 (sendo claro, do teor da p.i, que a oponente aí afirmou nunca ter tido conhecimento de tal liquidação, a não ser com a citação para a execução fiscal), a resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa.

Com efeito, cabe à Administração Tributária o ónus de demonstrar a efectivação da notificação da liquidação (neste sentido, vide João António Valente Torrão, In Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, 2005, Almedina, pág. 202, nota 3, ao referir que “No caso de o notificando negar ter recebido a carta, cabe à administração tributária provar a remessa da mesma”).

Efectivamente, por força do disposto no artigo 74° da LGT, cabia à Administração o ónus da prova da notificação da liquidação, ónus este que, de todo, não foi cumprido, uma vez que a Administração não juntou aos autos o registo comprovativo do envio da liquidação para o domicílio fiscal do sujeito passivo (tão-pouco um registo colectivo ou o aviso de recepção, se foi utilizado), antes se limitando a juntar prints informativos. Tais prints não podem deixar de ser considerados como documentos internos elaborados pela própria Administração, para efeitos internos, não oponíveis à executada. Na verdade, os ditos prints não provam a remessa da liquidação em causa para o domicílio da Recorrente, nem o seu recebimento, sendo ainda de realçar que nada nos garante que os prints juntos estejam em conformidade com os elementos com base nos quais foram, alegadamente, elaborados, esses sim, com valor probatório.

Por outro lado, e a talho de foice, quanto ao concreto prazo de caducidade do direito a liquidar os tributos, quando, como no caso sub judice, está em causa IRS de 2002, também não se pode acompanhar a sentença quando aí se considerou que “Nos termos do art. 84° n.° 1 do CIRS, o prazo de caducidade é de 5 anos, (...) devendo, dentro do mesmo prazo, ser notificada ao sujeito passivo”.Assim, atendendo a que o IRS se reporta ao ano de 2002, de acordo com os normativos citados, quer a liquidação quer a respectiva notificação, haveria que ser efectuada até 31/12/2007”.

A redacção do artigo 84º, nº1 do CIRS invocada corresponde a uma redacção há muito revogada, pois que o DL 472/99, de 8/11, alterou a redacção daquele preceito, passando aí a constar que “A liquidação do IRS, ainda que adicional, bem como a reforma da liquidação só podem efectuar-se no prazo e nos termos previstos nos artigos 45º e 46º da lei geral tributária” (actualmente o CIRS trata desta matéria no artigo 92º).

Naturalmente que, face ao disposto no artigo 45º, nº1 da LGT, teremos de considerar, no que respeita a IRS de 2002, o prazo de caducidade de 4 anos e não de 5 anos, como considerou a sentença. E, assim sendo, o que temos é que “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.

Dito isto, encaminhando-nos para o final e focando-nos no essencial, há que concluir que a ora Recorrente foi citada para os termos de uma execução fiscal sem que se tenha provado a efectiva notificação da liquidação subjacente à dívida em cobrança, sendo certo, repita-se, que esse ónus da prova competia à Administração Tributária, o qual não foi cumprido (nos termos já assinalados).

Por conseguinte, não tendo sido efectuada a notificação da liquidação (ou não se demonstrando que houve uma notificação validamente efectuada), estará afectada a eficácia da liquidação (artigos 77º, nº 6, da LGT e 36º, nº 1, do CPPT.), o que justificará a procedência da oposição, por se estar perante um fundamento de oposição, enquadrável na alínea i) do nº 1 do artigo 204.º do C.P.P.T.

Acrescente-se que, nesta sede, nada impede que se aprecie a oposição à face deste diferente enquadramento (relativamente ao adoptado na sentença recorrida). De resto, no caso, foi no âmbito da sentença recorrida que se reconduziu a alegação da Oponente ao fundamento previsto na alínea e) do nº1 do artigo 204º do CPPT, pois que, apesar de no articulado inicial, esse, ou outro fundamento (do elenco taxativo previsto no artigo 204º, nº1 do CPPT), não ter sido expressamente invocado, a verdade é que, no requerimento de fls. 36 dos autos, a Oponente aludiu à alínea i) do nº1 do 204º.

Assim sendo, instaurada a execução fiscal sem que se mostre efectuada a notificação do acto de liquidação que subjaz à dívida exequenda, há que concluir pela ineficácia de tal acto, o que impede que o mesmo produza efeitos em relação ao executado, obstando, por isso, a que a dívida possa ser exigida, tudo de acordo com o disposto na alínea i), do nº1, do artigo 204º do CPPT.

Tal determina a procedência da oposição e, consequentemente, a extinção da execução fiscal instaurada contra a aqui Recorrente.

Em face de tudo aquilo que vimos de dizer, procedem todas as conclusões das alegações do recurso, não podendo manter-se a decisão recorrida cuja revogação se determinará.

3. Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCAN em conceder provimento ao recurso e, em consequência:

- revogar a sentença recorrida;

- julgar procedente a oposição deduzida contra a execução fiscal nº 3352200701001493;

- julgar extinta a execução fiscal nº 3352200701001493.

Custas pela Fazenda, em 1ª instância.

Porto, 12 de Abril de 2013

Ass. Catarina Almeida e Sousa

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves