Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00228/10.5BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/27/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA; AVALIAÇÃO DE IMÓVEL; HERANÇA INDIVISA
Sumário:1.Quando o tribunal entende que o conhecimento de uma questão fica prejudicado e o declara expressamente, pode haver um eventual erro de julgamento, se estiver errado o entendimento em que se baseou esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
2.Não pode concluir-se pela ilegalidade do acto de liquidação de IRS que teve origem na avaliação efectuada na sequência da transmissão de prédio que integra uma herança indivisa com o fundamento de que o resultado dessa avaliação apenas foi notificado à “alienante” e não ao herdeiro Impugnante, se a factualidade fixada não permite aferir quem é o cabeça de casal da herança nem a quem foi notificado o resultado daquela avaliação.
3. Não dispondo os autos de elementos probatórios que permitam esclarecer esses pontos fácticos, impõe-se a anulação oficiosa da sentença e a subsequente remessa do processo ao tribunal recorrido nos termos previstos no artigo 712º (actual 662º) do CPC.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:A...
Decisão:Anulada a sentença recorrida.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

A Fazenda Pública [Recorrente] interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A...e M..., com os demais sinais nos autos, contra a liquidação de IRS do ano de 2005.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

A. A Fazenda Pública entende que a douta sentença recorrida labora em omissão de pronúncia, ao não apreciar a questão da caducidade do direito à liquidação objecto desta impugnação judicial.

B. Não obstante, no que concerne à causa de pedir atinente à caducidade do direito a liquidar, e diante dos normativos aplicáveis, cumpre reconhecer que o acto de notificação da liquidação impugnada foi validamente notificado aos impugnantes sendo, portanto, eficaz.

C. Assim, segundo as normas aplicáveis, a notificação relativa à liquidação de IRS impugnada bastava-se com o registo postal simples, aproveitando da regra do art. 39º, nº1 do CPPT, quanto à sua perfeição, por via do nº 5 do art. 149º do CIRS.

D. E, note-se, a notificação da liquidação impugnada tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada foi enviada para o domicílio das pessoas a notificar sem que tenha sido devolvida, antes indicando informação dos CTT que foi entregue aos destinatários.

E. Com tal, os impugnantes devem ter-se por notificados em tempo, produzindo assim os seus efeitos, nomeadamente precludindo a caducidade do direito a liquidar.

F. Seguidamente, sem prescindir nem conceder da nulidade da sentença que em primeira linha se levantou, com o devido respeito e sem embargo de melhor opinião, a Fazenda Pública entende que a douta sentença recorrida labora em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, falhando consequentemente a necessária subsunção às normas legais aplicáveis.

G. A Fazenda Pública entende que a notificação da avaliação do então artigo 3211 da freguesia de Aves, Santo Tirso à herança indivisa representada pelo cabeça de casal detentor de legitimidade substantiva no procedimento enquanto representante, justificando por isso a condição de destinatário de acto receptício com reflexo sobre a totalidade do bem.

H. No caso da herança indivisa e, por conseguinte, antes da partilha, estamos perante uma universalidade composta por património autónomo, em que os herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários e nem sequer são comproprietários desses bens, mas apenas titulares em comunhão de tal património, representado pelo cabeça-de-casal, a quem incumbe a administração da herança, nos termos dos art.s 2079º e 2087º do Código Civil.

I. Por tal motivo, a legitimidade para praticar actos de administração da herança detida pelo cabeça-de-casal compreendia a impugnação administrativa do resultado da 1ª avaliação do imóvel que lhe tinha sido notificado nessa qualidade, é o representante legal na relação jurídico-tributária derivada da titularidade do prédio pela herança indivisa e, portanto, devido destinatário da notificação da avaliação do prédio no seu todo.

Não foram apresentadas contra - alegações.

A Exma. Procuradora - Geral Adjunta teve vista dos autos.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.

Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões [nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nº s 3 e 4, todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)] são as de saber: (i) se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia; (ii) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir pela existência de falta de notificação da avaliação a todos os herdeiros, nomeadamente ao aqui Impugnante.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

2.1.1. O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma:

A - Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa:

1º- A liquidação de IRS impugnada resulta da correcção nos termos do nº. 4 do art.º 65º do CIRS ao valor declarado de mais valias resultante da alienação em 18/10/2005 do artº …º urbano da freguesia das Aves, concelho de Santo Tirso, do qual o Impugnante era comproprietário.

2º- Tal prédio foi participado e inscrito na matriz predial no ano de 2002, em nome da herança indivisa, NIF 7…, aberta por óbito do pai do ora Impugnante - A..., ocorrido em 29.12.1999.

3º- Nos termos do artº 5º do DL 287/2003, de 12 de Novembro, motivado pela alienação aqui em causa - alienante: herdeiros da herança indivisa - NIF: 7… e adquirente: D…, Imobiliária, SA, NIPC: 5…, o mesmo prédio foi participado pela adquirente em 17.11.2005, declaração nº 825728, para avaliação nos termos do IMI.

4º- Desta participação resultou a ficha de avaliação nº 953624, em que foi determinado para o prédio o novo valor patrimonial de 682.180,00 euros, o qual foi notificado à adquirente e à alienante em 02/05/2006 - cfr. docs. de fls. 39 e 40 do P.A apenso.

5º- Sendo o valor superior ao declarado na escritura de compra e venda (400.000,00 euros), foi efectuada a liquidação de IRS e nota de compensação reclamadas, por correcção ao valor de mais valias declarado.

6º- Foi-lhe atribuído o valor de realização de 51.163,50 euros, correspondente à sua quota no bem 3/40 - cfr. docs. de fls. 33 a 35 do P.A., apenso aos autos.

- Para a mais valia em causa, tinha sido declarado o valor de 15.000,00 euros e aquisição de 4.050,00 euros - cfr. doc. de fls. 34 do P.A apenso.

- Não tendo sido paga a nota de cobrança nº 2009 1898204 no valor de 7.169,73 euros, para sua cobrança coerciva foi instaurada a execução fiscal nº 1830201001004000.

B- Factos não provados com relevância para a decisão da causa:

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

2.2. O direito

2.2.1. A primeira questão que vem suscitada pela Recorrente é a de saber se a sentença incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia quanto à questão da caducidade do direito à liquidação [conclusões A) a E) das alegações de recurso].

De acordo com o disposto no artigo 668º, nº 1, alínea d), do CPC e no artigo 125º, n.º 1, do CPPT, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

No caso dos autos, os Impugnantes/Recorridos invocaram como fundamento da impugnação, além do vício decorrente da falta de notificação do resultado da avaliação do imóvel, a caducidade do direito à liquidação.

Ora, a sentença recorrida conheceu em primeiro lugar do invocado vício da falta da notificação da avaliação do imóvel que está na origem da liquidação impugnada, o qual considerou verificado e implicante da anulação da liquidação impugnada e, nessa medida, considerou prejudicada a apreciação das demais questões.

Portanto, embora a caducidade do direito à liquidação seja um dos fundamentos da impugnação judicial, o tribunal recorrido não chegou a apreciar tal fundamento, por ter entendido que a sua apreciação ficou prejudicada face à procedência do outro fundamento invocado. O que está em consonância com o disposto no artigo 660º, nº 2 do CPC, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Portanto, face à procedência de um dos fundamento invocados na petição inicial - falta de notificação do resultado da avaliação do imóvel a todos os herdeiros, incluindo ao Impugnante -, entendeu (bem) a Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que ficava prejudicada a apreciação das demais questões invocadas na petição inicial.

É certo que, se o tribunal entender que o conhecimento de uma questão fica prejudicado e o declara expressamente, pode ocorrer um eventual erro de julgamento, se estiver errado o entendimento em que se baseou esse não conhecimento. Porém, a Recorrente não invoca qualquer erro de julgamento (designadamente por violação do disposto no artigo 124º do CPPT), limitando-se a elencar a questão da caducidade do direito de liquidação do imposto sem questionar a parte da decisão recorrida que julgou prejudicada a apreciação de tal questão.

Em suma, quando o tribunal entende que o conhecimento de uma questão fica prejudicado e o declara expressamente, pode ocorrer um eventual erro de julgamento - o erro na afirmação de tal prejudicialidade consubstancia um erro de julgamento e não nulidade por omissão de pronúncia sobre as questões cujo conhecimento foi considerado prejudicado pela solução dada a outras - se estiver errado o entendimento em que se baseou esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.

Improcedem, pois, as conclusões A) a E) das alegações de recurso.

2.2.2. A segunda questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida, ao concluir pela anulação do acto de liquidação em virtude da existência de falta de notificação da avaliação do prédio ao Impugnante, incorreu em erro de julgamento [conclusões F) a G) das alegações de recurso].

Argumenta a Fazenda Pública, no essencial, que (i) no caso de herança indivisa estamos perante uma universalidade composta por património autónomo, em que os herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários e nem sequer são comproprietários desses bens mas apenas titulares em comunhão de tal património, representado pelo cabeça de casal; (ii) a legitimidade para praticar actos de administração da herança detida pelo cabeça de casal compreendia a impugnação administrativa do resultado da 1ª avaliação do imóvel, sendo suficiente a notificação da avaliação à herança indivisa representada pelo cabeça de casal.

Vejamos.

A este propósito, os Impugnantes invocam na petição inicial que (i) a falta de notificação do resultado da 1ª avaliação a todos os herdeiros, incluindo ao Impugnante marido, constitui nulidade com reflexos no posterior acto de liquidação e (ii) a administração tributária nem sequer logrou a efectiva notificação ao cabeça de casal.

De acordo com o disposto no artigo 81º do CIMI quando um prédio faça parte de uma herança indivisa, é inscrito na matriz predial respectiva em nome do autor da herança com o aditamento “cabeça de casal da herança….”, sendo atribuído à herança indivisa, oficiosamente, o respectivo número de identificação fiscal pelo serviço de finanças referido no artigo 25º do Código do Imposto do Selo.

Por outro lado, o artigo 76º, nº 8 do CIMI determina que “quando uma avaliação de prédio urbano seja efectuada por omissão à matriz ou na sequência de transmissão onerosa de imóveis e o alienante seja interessado para efeitos tributários deverá o mesmo ser notificado do seu resultado para, querendo, requerer segunda avaliação, no prazo e nos termos dos números anteriores, caso em que poderá integrar a comissão referida no nº 2 ou nomear os eu representante.”

Da factualidade assente nos autos resulta o seguinte:

- o prédio que está na origem da liquidação impugnada foi participado e inscrito na matriz no ano de 2002, em nome da herança indivisa aberta por óbito do pai do Impugnante ;

- nos termos do artigo 5º do DL 287/2003, de 12/11, motivado pela alienação desse prédio, o mesmo foi participado pela adquirente em 17/11/2005;

- essa participação deu origem à avaliação do prédio, cujo resultado foi notificado à adquirente (Domingos Silva Teixeira Imobiliária, SA) e à alienante em 2/5/2006.

Com base nesta factualidade, o tribunal recorrido concluiu que a avaliação do prédio não tinha sido notificada, como se impunha, ao Impugnante marido, porquanto a mesma tinha sido notificada apenas à “alienante”.

Ora, segundo o probatório, a “alienante” foram os herdeiros da herança indivisa (cf. ponto 3º) e o resultado da avaliação foi notificado à alienante (cf. ponto 4º), em conformidade com os documentos de fls. 39 e 40 do p.a apenso.

Porém, da análise do documento constante de fls. 39 e 40 do processo administrativo apenso, não é possível descortinar a quem foi dirigida a notificação da avaliação, nomeadamente se o foi ao cabeça de casal da herança.

Na verdade, o referido documento de fls. 39/40 corresponde a uma ficha padronizada dos dados de avaliação e que na parte final apresenta os seguintes elementos:

OFÍCIOS DE NOTIFICAÇÃO
NIFOfícioTipoDt. EmissãoNºReg.CTTSituaçãoDt.SituaçãoUtilizador
501626697 (…) 2006-04-11 (…)

700189777 2209834 2006-04-11 RY052585245PT Recebido (…)

Por outro lado, da informação constante de fls. 21/23 do processo administrativo apenso, e que suporta o acto de liquidação impugnado, constam informações, contraditórias entre si e que não nos permitem aferir, desde logo, quem é o cabeça de casal da herança em causa.

Com efeito, vem aí referido, designadamente o seguinte:“1- (…) Por escritura lavrada no Cartório Notarial de (…), verificou-se que o sujeito passivo acima identificado [A…], alienou, na qualidade de cabeça de casal da herança de A..., NIF 7…e em conjunto com outros comproprietários, um prédio urbano (….). 2. (…) Sobre este ponto, deve-se referir que aquando da avaliação do prédio, pelo Serviço de Finanças de Santo Tirso, esta foi notificada à herança, NIPC 7…, representada pelo cabeça de casal, que se concluiu, através do Sistema Informática, ser T…, cônjuge sobrevivo. Pela consulta aos dados de avaliação, constantes da ficha nº 953642, elaborada no citado Serviço de Finanças, verifica-se que esta foi notificada à herança, sob o registo dos CTT nº RY052585245PT, em 02/05/06, encontrando-se na situação de “Recebido”” (sublinhado nosso).

Da leitura destes elementos resultam sérias dúvidas quanto à identificação do cabeça de casal da herança indivisa, nomeadamente se esse cabeça de casal é o Impugnante ou o cônjuge sobrevivo do autor da herança, bem como a quem foi notificado o resultado da avaliação do prédio em causa nos autos [já que, como também se referiu, na factualidade assente foi considerado que foi notificado o “alienante” e que o alienante eram os herdeiros da herança].

Assim sendo, não pode concluir-se, como concluiu o tribunal recorrido, que o Impugnante não foi notificado do resultado da avaliação nem pode dar-se como assente, como pretende a Recorrente, que esse resultado foi notificado ao cabeça de casal.

Acresce que, os autos não dispõem de elementos que nos permitam esclarecer aqueles pontos fácticos (sendo que a petição inicial também nada vem aduzido a esse respeito) e o esclarecimento dos mesmos é absolutamente determinante para a decisão da causa.

Afigura - se - nos, nesta perspectiva, que a decisão sobre a matéria de facto carece de ampliação de modo a que nela se consigne, após as diligências probatórias que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel tenha por convenientes, (i) quem é o cabeça de casal da herança; (ii) a quem foi notificado o resultado da avaliação do prédio em causa.

Do que vimos de dizer resulta que, ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº 4 do CPC aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, e uma vez que os autos não dispõem de todos os elementos probatórios indispensáveis à reapreciação da matéria de facto, que a sentença recorrida deverá ser oficiosamente anulada e determinada a subsequente remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel para prolação de nova decisão, após a ampliação da matéria de facto nos termos que supra referimos.

Por outro lado, e de modo a suprir outras dúvidas que possam eventualmente ainda surgir nos autos, seria aconselhável que o tribunal recorrido também determinasse a junção aos autos de cópia da escritura relativa à transmissão do prédio que vem referida na informação de fls. 21 do processo administrativo apenso e em que a administração tributária suportou a liquidação impugnada.

3.Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:

a) Anular a sentença recorrida;

b) Determinar a remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância para nova decisão, após devida instrução e ampliação da matéria de facto nos termos supra referidos.

Sem custas.

Porto, 27 de Março de 2014

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Nuno Bastos