Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00008/15.1BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:MÉTODOS INDICIÁRIOS; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; EXCESSO DE QUANTIFICAÇÃO; ÓNUS PROVA
Sumário:I. Decorre da interpretação conjugada do n.º 4 do art.º 77.º e do n.º 3 do art.º 74.º da LGT que compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, bem como o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários.

II. Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.

III. Decorre da interpretação do n.º 1 e 3 do art.º 60.º da LGT que a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, podendo, no entanto, ser dispensada a audição no caso do contribuinte, ter sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A., LDA
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

A Recorrente, FAZENDA PÚBLICA, interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade A., Lda., e anulou as liquidações de IRC, derramas e juros compensatórios do ano 1996, no valor de € 5 215,89.
A Recorrente não se conformou com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, tendo interposto o presente recurso, formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

“(…) 1.ª Foi levada a efeito uma acção de fiscalização à escrita da impugnante ao exercício de 1996, da acção inspectiva então realizada resultaram correcção à matéria tributável por recurso a métodos indirectos, com base nos fundamentos constantes do relatório de inspecção, designadamente nos fundamentos constantes no capítulo IV do relatório então elaborado, o qual se encontra devidamente junto aos autos, e cujo teor se considera reproduzido para todos os legais efeitos;

2.ª A decisão aqui sob recurso foi proferida, conhecendo que a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, nos presentes autos posta em crise, foi realizada com recurso a métodos indirectos, sendo que a aplicação deste método de correcção se encontra devidamente fundamentada, no entanto, determina a anulação da mesma liquidação, uma vez que, o critério utilizado para a referida correcção à matéria tributável, não foi devidamente fundamentado, tal como era ónus da Autoridade Tributária, conhecendo que não tendo esta procedido à devida fundamentação do acto assim praticado, facto, a que legalmente estava obrigada, conclui, (a Douta Sentença), pela anulação da liquidação aqui impugnada;

3.ª No caso dos presentes autos, no ponto V da Douta Sentença aqui sob recurso, foram dados como provados os factos descritos nos pontos 2, 3, 4 do Capitulo IV do relatório de inspecção, nos quais se descrevem as irregularidades que justificam o recurso a métodos indirectos, as quais se resumem
- à inexistência de contas correntes,
- inexistência contabilística da conta bancos apesar da utilização de cheques, o que leva a concluir que a contabilidade não reflecte todos os movimentos financeiros,
- inexistência de inventários quer iniciais quer finais,
- omissão de proveitos,
- e registos/lançamentos na conta de compras sem estarem devidamente suportados por documentos, valores que não tendo uma correspondência real influenciam negativamente o resultado liquido;

4.ª Assim, face às irregularidades verificadas foi efectuada a correcção à matéria tributável relativamente ao ano de 1996, com recurso a métodos indirectos, e para cálculo do mesmo, procedeu a técnica da Autoridade Tributária à correcção do CMVMC (custos de mercadorias vendidas e mercadorias consumidas) de acordo com os critérios referidos no Capitulo V do relatório de inspecção.
Sendo de referir que, uma vez que não era possível controlar a produção, dado que não existiam inventários quer iniciais quer finais, e dadas as divergências verificadas em sede de custos, partindo do valor dos proveitos corrigidos, procedeu-se à terminação do CMVMC (custos de mercadorias vendidas e mercadorias consumidas) mediante o retirar dos ganhos efectivos da impugnante o valor das vendas, corrigindo assim o volume de negócios referente ao ano de 1996;

5.ª Tendo a técnica da autoridade tributária procedido à devida identificação de todas as correcções e apuramentos, e devida explicação dos procedimentos realizados, conforme pontos 2, 3 e 4 capitulo IV do relatório de inspecção, factualidade esta dada como provado no ponto V da Douta Sentença aqui sob recurso, pelo que é para nos incompreensível como se pode entender que existe falta de fundamentação do critério utilizado para correcção da matéria tributável, é que se compararmos as diferentes irregularidades identificadas nos pontos 2, 3 e 4 capitulo IV do relatório de inspecção com as correcções realizadas e descritas no capitulo V do relatório de inspecção, outra conclusão, a nosso ver, não poderá resultar de que a fundamentação das correcções existe, e que cumpriu a Autoridade Tributária o ónus que sob si impendia;

6.ª Por outro lado, quanto ao que vem referido na Douta Sentença aqui sob recurso, relativamente à não consideração das perdas do sector, as mesmas foram efectivamente tidas em conta nas correcções realizadas, uma vez que as mesmas constam das notas de liquidação utilizadas nas correcções realizadas, conforme se comprova pelos documentos juntos a fls. 71 a 73 dos autos, os quais compõem o anexo3, junto com a contestação da Fazenda Publica;
Pelo que, a nosso ver, labora em erro a Douta Sentença aqui sob recurso, quanto considera que as correcções realizadas não tiveram na devida conta, as quebras resultantes da actividade da impugnante;

7.ª E por maioria de razão, do que vimos de dizer, é para nós incompreensível, como se pode, tal como acontece na Douta sentença aqui sob recurso, considerar que o critério de correcção utilizado pela Autoridade Tributaria para o apuramento do lucro tributável/volume de negócios, não se encontra devidamente fundamentado, quando este foi apurado de acordo com dados objectivos, retirados da contabilidade da impugnante com o objectivo alcançar, na medida do possível, as circunstancias de facto mais próximas da realidade daquela;

8.ª Assim, em função dos elementos presentes nos autos, é inequívoco que a aqui impugnante, apesar de contestar o critério que serviu à quantificação administrativa da matéria tributável, não disponibilizou outro ou outros que fossem mais credíveis, por coerentes e adequados à quantificação exacta e justa, propiciando uma certeza (exigível) como meio de prova, revelando-se por isso incapaz de, justificadamente, se desonerar do ónus da prova que nesta matéria do excesso de quantificação sobre si impendia, em ordem à anulação das liquidações em causa, nos termos do artigo 74.°, n.°3 da LGT;

9.ª Nesta medida, e porque a impugnante não alegou e provou nos autos a existência de um ou vários elementos susceptíveis de afastar o critério utilizado pela AT, apontando critérios mais credíveis, por coerentes e adequados à quantificação exacta e justa, propiciando uma certeza (exigível) como meio de prova, é manifesto que, ao contrário do decidido, tem, a nosso ver deve entender-se que a impugnante não foi capaz de se desonerar do ónus da prova que nesta matéria do excesso de quantificação sobre si impendia, em ordem à anulação das liquidações em causa, nos termos do artigo 74.°, n.°3 da LGT, o que terá de determinar, a nosso ver a procedência do presente recurso, a revogação da decisão recorrida e a improcedência da impugnação judicial.

10. ª Por outro lado, a Douta Sentença aqui recorrida ao conhecer que o critério utilizado para as correcções realizadas à matéria tributável, não foi devidamente fundamentado, tal como era ónus da Autoridade Tributária, dá como provados, factos meramente alegados na petição inicial, sem qualquer tipo de prova dos mesmos, e decidindo como decidiu, a sentença recorrida violou, flagrantemente, todas as regras relativas à produção de prova, do mesmo passo que, postergou o que se dispõe na LGT, na parte relativa à avaliação da matéria tributável, nomeadamente os seus artigos 87.°, 88.° e 90.°.
Em conclusão de tudo o anteriormente exposto, com a devida vénia entende a Fazenda Pública que a Douta Sentença aqui sob recurso, padece de erro de julgamento quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito.

Nestes termos, e nos mais que serão por Vossas Excelências Doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo Justiça.(…)”.

A Recorrida apresentou não apresentou contra-alegações.

O Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual concluiu pela improcedência do recurso.

Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF e atendendo à situação atual de pandemia, com o seu consentimento, dispensa-se os vistos do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, submetendo-se à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações de recurso nos termos dos artigos 635.º, nº4 e 639.º CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, sendo as de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento de direito, por errada aplicação da lei, mormente o disposto no n.º 3 do art.° 74° da LGT, ao considerar que o critério de quantificação utilizada não se encontrava devidamente fundamentado.

3. JULGAMENTO DE FACTO
3.1. No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:”(...)

1. A Impugnante exerce a atividade de criação e engoda de frangos.
Cfr. fls. do PA anexo aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o mesmo se dizendo para todos os que infra se descrevem.

2. Nos termos da Ordem de Serviço n.º 22952, de 20/10/1998, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção Distrital de Finanças de Viseu, procederam a uma ação de inspeção à Impugnante, relativa ao exercício do ano de 1996.
- Cfr. fls. do PA anexo aos autos.

3. Desta ação de inspeção resultou um Relatório de Inspeção Tributária, do qual consta com interesse para a decisão, o seguinte:
"I - CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA
Do exame e diligências efectuadas à escrita do S.P. foram detectadas irregularidades, como sejam: não registo contabilístico da conta "bancos", não obstante a utilização de cheques, daí que a contabilidade não espelha os movimentos financeiros efectuados pela empresa; a conta compras encontra-se empolada, influenciando assim os resultados líquidos da empresa; inexistência de inventários, quer inicial quer final, assim, como omissão aos proveitos.
Verificando-se que há empolamento dos custos declarados e omissão aos proveitos, e não sendo possível a quantificação directa dos resultados omitidos, de modo a determinar com exactidão a matéria colectável de harmonia com as disposições do C.I.R.C., a determinação da mesma tem de ser determinada através de métodos indiciários nos termos da alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do art.° 51.° do CIRC.
Assim, o resultado fiscal será efectuado de harmonia com o art.° 52.° do CIRC:

Determinação do Resultado Fiscal:
PropostoDeclaradoDiferença
Venda de produtos33.724.334$0033.724.334$000$00
venda de estrume63.750$0045.000$0018.750$00
O/ Proveitos161. 032 $00161.032 $000$00
Total dos Proveitos33.949.116$0033.930.366$0018.750$00
Total dos Custos31.881.694$0034.240.886$00- 2.359.192$00
Resultado Líquido2.067.422$00(310.520$00)2.377.942$00
(...)
II - OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA
(...)
IV- MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
1- Disponibilidades
O sujeito passivo não possui qualquer conta corrente, quer de caixa quer de bancos, apenas apresenta no balanço final (a 31/12/96) a conta caixa com os seguintes movimentos: a débito o valor de 37.187.013$90, a crédito de 36.625.828$50 e um saldo devedor de 561.185 $40.
2 - Existências
Não me foi apresentado qualquer inventário formalizado, pelo que se desconhece a origem dos valores inscrito como existências. Questionado o contabilista sobre a origem dos mesmos, este referiu que os valores resultaram da diferença entre as compras e as vendas, não tendo para o efeito elaborado nenhum documento, desconhecendo, inclusive, como elaborar um inventário.
No inicio de 1996 existe a venda de um bando que só pode ter sido adquirido em Dezembro de 1995, no entanto o valor declarado em 31/12/1995 (existência - 452.000$00) não comporta este bando. Não se consegue determinar com exactidão o valor das existências, pois incluem não só o pinto mas também o consumo da ração e outros até 31/12/1995.
O valor declarado em 31/12/1996 é de 1.259.782$00. Também se desconhece a origem deste valor, pois o último bando adquirido em 1996 foi vendido neste exercício, assim como a ração e medicamentos sobrantes são reenviadas através de nota de crédito ao fornecedor "C., S.A", pelo que a existência seria nula.
3 - Compras e Vendas
Nestas contas não existe qualquer Conta corrente.
3.1 - Compras
O fornecedor de pintos, ração e alguns medicamentos é, exclusivamente, a firma C.s, S.A..
Foi feito um controlo, através dos documentos arquivados, das quantidades e valores das matérias primas utilizadas na produção e que se resume no quadro seguinte:
Resumo das Compras:
DesignaçãoQuantidadeValor
Pintos107.100 un5.890.500$
Ração426.070 Kg20.612.350$
Medicam. + vitam. 65.904$
Serradura + fitas 1.020.102$
TOTAL 27.588.856$

Existe diferença, entre os valores contabilizados e o que resulta do somatório dos documentos arquivados respeitantes a este exercício, sendo o valor declarado de 33.190.924$00 e o resultante do somatório dos documentos de 27.588.856$00.
Os documentos das compras são emitidos por um único fornecedor "C., S.A ", não havendo divergências entre o valor do extracto de conta corrente solicitado e os documentos arquivados na contabilidade.
Um dos motivos desta divergência é a contabilização de documentos de 1995.
3.2. - Vendas
Através dos documentos (facturas) arquivados foi feito o resumo das vendas efectuadas, que totalizam o montante de 33.724.334$00 de venda de frangos vivos e de 63.750$00 resultante de vendas de estrume a terceiros.
No que concerne às vendas efectuadas a C., S.A., de frangos vivos, estas conferem com o extracto da conta corrente solicitado à referida empresa.
Resumo das Vendas (frango vivo):
1996
Quart. (Kg)Valor
213.47033.724.334,00

Resumo das Vendas de estrume:
Valor apuradoValor declaradoDiferença
63.750,0045.000,0018.750,00

Destas divergências, constata-se que, os proveitos não reflectem a actividade da empresa, não oferecendo por isso credibilidade.
4- PRODUÇÃO
Foi efectuado um controlo dos bandos entrados e saídos. Há um bando vendido em Janeiro de 1996 que não transitou em inventário e que foi adquirido em 1995.
A análise do extracto de conta corrente do fornecedor C., S.A, não indica a entrada de outros bandos para além dos registados. No entanto através dos documentos extra-contabilísticos (fichas de controlo emitidas por "C., S.A.) fornecidas pelo sujeito passivo verifica-se que depois de retirados todos os custos da exploração (CMVMC) e despesas gerais de funcionamento), o resultado apurado é de 3.700.384$00.

Dados retirados das fichas de controlo emitidas por "C.s, S.A":

Ficha deBando Data Liquid.CréditoDébitoGanho
n.° 8517835416-01-19961.149.615,00170.120,00979.495,00
n.°8760858825-03-1996817.807,50.417.807,50400.000,00
n°9025882904-06-1996985.105,60685.105,60300.000,00
n.°9246908431-07-1996914.646,30264.646,30650.000,00
n.° 9507934327-09-1996759. 402, 1083. 560,00675.842,10
n°9757958706-12-1996812.409,50117.362,50695.047,00
5.438.986,001.738.601,903.700.384,10

V - CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDICIARIOS
Do exame e diligências efectuadas à escrita do contribuinte foram detectadas anomalias e irregularidades, que se podem resumir do seguinte modo:
- Não existem quaisquer contas-correntes. A conta "bancos" não é movimentada, demonstrando este facto que, a contabilidade não espelha os movimentos financeiros efectuados pela empresa, pelo que, estes são efectuados à margem da escrita;
- A conta de compras está empolada, influenciando assim os resultados líquidos da empresa;
- Não existe, formalizado, qualquer inventário, quer final quer inicial, desconhecendo-se assim a proveniência do valor inscrito como existências;
- Omissão aos proveitos.
Em face destas anomalias e incorrecções da contabilidade, e verificando-se que há empolamento dos custos declarados e omissão aos proveitos, não sendo possível a quantificação directa dos resultados omitidos, de modo a determinar com exactidão a matéria colectável de harmonia com as disposições do CIRC., a determinação da mesma tem de ser determinada através de métodos indiciários nos termos da alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do art.º 51.° do CIRC.
Assim, o resultado fiscal será efectuado de harmonia com o art.° 52.º do CIRC:
- Conforme ponto 3.2 do presente relatório, ir-se-á adicionar aos proveitos declarados o valor de 18.750$00, resultante da diferença entre o valor declarado (45.000$00) e o apurado através dos documentos que se encontravam arquivados (63.750$00);
- Uma vez que não se consegue apurar com exactidão o C.M.V.M.C. tendo em conta as irregularidades apontadas nas existências inicial e final e, com base no resultado bruto apurado através das fichas de controlo emitidas por "C., S.A." fornecidas pelo S.P., propõe-se seja determinado o CMVMC corrigido da seguinte forma:
1Vendas declaradas de frango33.724.334$
2Resultado bruto - frangoa) 3.700.384$
(1-2)C MV.MC. corrigido30.023.950$

a) Resultado bruto apurado nas fichas de produção.
Determinação do Resultado Fiscal:
PropostoDeclaradoDiferença
Venda de produtos33.724.334$0033.724.334$000$00
venda de estrume63.750$0045.000$0018.750$00
O/ Proveitos161.032$00161.032$000$00
Total dos Proveitos33.949.116$0033.930.366$0018.750$00
CMVMC30.023.950$0032.383.142$00- 2.359.192$00
F.SE. 's1.040.582$001.040.582$000$00
Amortizações817.162$00817.162$000$00
Total dos Custos31.881.694$0034.240.886$00- 2.359.192$00
Resultado Líquido2.067.422$00(310.520$00)2.377.942$00

O resultado fiscal apurado por métodos indiciários foi superior ao declarado, pelo que será levantado auto de notícia e preenchimento dos respectivos modelos com o seu apuramento (De 22 e ML).
(…)"
- cfr. fls. do PA anexo aos autos.
4. Em 23/11/1999, teve lugar a reunião da Comissão Distrital a que se refere o artigo 85.° do CPT, com a presença do represente da impugnante, não tendo logrado acordo e em face do que o Presidente da Comissão decidiu manter os valores fixados para efeitos de IRC com referência ao exercício de 1996.
- cfr. fls. 61 a 67 do PA anexo aos autos.
5. Em 08/12/1999, foi emitida a liquidação adicional de IRC com o n.º8310021017, no montante de 1.045.692$ (€ 5.215,89) de IRC, cuja data limite de pagamento era 26/01/2000.
- cfr. fls. do PA anexo aos autos.

b) Factos não provados:
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.

c) Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos, (artigo 76.°, da Lei geral Tributária e artigo 362.° e sgs. do Código Civil).
A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito, não tendo a Impugnante logrado comprovar o alegado, tal como resulta da prova testemunhal produzida… (…)”

3.2. Aditamento oficioso à decisão sobre a matéria de facto

Ao abrigo do disposto no artigo 712.º do CPC, (atual art.º 662.º), ex vi artigo 2º, alínea e) e 281.º do CPPT, importa aditar oficiosamente ao probatório a seguinte matéria que igualmente se encontra provada nos autos:

6. Em 28.04.2000 a Impugnante reclamou graciosamente, nos termos do art.º 68.º a 70.º do CPPT alegando no essencial a ilegalidade da decisão do recurso a métodos indiretos; ausência de fundamentação legal exigida; ilegalidade dos elementos de contabilidade e inexistência de facto tributário e errónea quantificação da matéria tributável (fls. Cfr. 2/9 do processo de reclamação apensão aos autos.)

7. Em 19.07.2001 foi elaborada informação n.º 77/2001, sobre a qual recaiu a seguinte despacho, em 08.08.2001: “Concordo.
Tendo por bons os fundamentos da pressente informação e parecer, indefiro o pedido por extemporâneo.
Embora o direito de audição pudesse ser dispensado (art.º 56, n.º 2, b) da Lei Geral Tributária, cumpra-se o art. 60. da referida Lei. “Cfr. 34/36 do processo de reclamação apensos aos autos.

8. Através do ofício n.º 013680 foi a Impugnante, na pessoa do seu mandatário notificada para exercer o direito de audição, não tendo exercido o respetivo direito. Cfr. 34/36 do processo de reclamação apensos aos autos.

9. Em 18.09.2001 pelo Diretor Finanças Adjunto foi proferido o seguinte despacho Depois de ter sido concedido ao reclamante o direito de participação/audição no procedimento tributário, conforme determina a alínea b) do artigo 60.º da Lei Geral tributária e não tendo exercido tal direito, ratifico a minha proposta de decisão INDEFERINDO a presente reclamação.
NOTIFIQUE. . Cfr. 38 do processo de reclamação apenso aos autos.

10. Em 23.10.2001 o Impugnante interpôs recurso hierárquico insurgindo-se contra a decisão alegando a tempestividade da reclamação graciosa e insistindo nos demais vícios alegados na reclamação graciosa (ilegalidade da decisão do recurso a métodos indiretos; ausência de fundamentação legal exigida; ilegalidade dos elementos de contabilidade e inexistência de facto tributário e errónea quantificação da matéria tributável). cfr. 2/3 do processo do recurso Hierárquico apenso aos autos.

11. Na sequência da interposição do recurso hierárquico foi prestada informação em 06.11.2001 pela Direção de Finanças de Viseu, sustentada com o seguinte despacho:
“Concordo.
Face á informação subjacente é meu parecer que o presente recurso deve ser considerado improcedente. Cfr. 7/9 do processo de recurso Hierárquico apenso aos autos.

12. Em 13.02.2003, a Direção Geral de Impostos, proferiu informação/parecer, na qual consta:
(…)
“ A Recorrente, vem interpor recurso hierárquico relativamente ao indeferimento do processo de reclamação n.º 38/2000….., com os seguintes argumentos:
· Tempestividade da reclamação….
· Na reclamação apenas foram analisados os itens “vícios de forma por preterição de formalidade essencial, resultante da falta de fundamentação” e “inexistência de facto tributário.”.
· Naquela reclamação foram denunciados cinco vícios tendo apenas sido apreciados os dois em cima mencionados.
(…)
Face às situações anteriormente referidas que de uma forma clara e objectiva constam do citado relatório, afigura-se ter sido o procedimento correto, (...)

6. PARECER DO RECURSO HIERÁQUICO PELA D.S.I.R.C.

“(…)
Não estando em causa qualquer questão de direito, na qualificação de custos ou de proveitos, dispensa-se a audição de interessados nos termos da alínea a) do n.º3 da circular n.º13 de 08/07/99.
É meu parecer, não se ter verificado por parte dos Serviços da Administração Fiscal, a ocorrência de qualquer dos vícios apontados na petição do recorrente, pelo que a liquidação adicional de € 5 215, 89 (1 045 692$00 ) é de manter. (…).” Cfr. 1 a 8 do processo de recurso hierárquico apenso aos autos.

13. Por despacho do Sub-Diretor Geral, em 28.03.2003, foi decidido “Concordo com os fundamentos constantes na presente informação e pareceres, pelo que nego provimento ao recurso, conforme proposto.(…)” Cfr. 1 a 8 do processo de recurso hierárquico apenso aos autos.

4. JULGAMENTO DE DIREITO

4.1 Importa esclarecer que nos presentes autos está em causa facto tributário referente ao ano de 1996, cuja correção foi efetuada por recurso a métodos indiciários. O relatório de inspeção teve por suporte a Ordem de Serviço n.º 22592 de 20.10.1998, no entanto a inspeção terminou em 09.03.1999. Nesta data estava em vigor a Lei Geral Tributária, regime que lhe era aplicável, sem prejuízo o contribuinte ter a possibilidade de optar pelo regime previsto no art.º 84.º do CPT em detrimento do art.º 91.º da LGT, salvaguardado expressamente pelo n.º 2 do art.º 3.º do Dec-lei n.º 398/98 de 17.12.

A Recorrida reclamou em 05.08.1999, nos termos do art.º 84.º do CPT, da liquidação efetuada por recurso a métodos indiretos, realizou-se a reunião da comissão de revisão não tendo havido acordo.

Da liquidação efetuada, foram interpostos reclamação graciosa e recurso hierárquico os quais foram indeferidos.

Nos termos do princípio tempus regit actum aplica-se ao caso em apreço o Código do Rendimento de Pessoas Singulares (art.º 51.º e 52.º) e a Lei Geral Tributária.

A questão a decidir nos presente autos é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por errada aplicação da lei, mormente o disposto no n.º 3 do art.° 74° da LGT, ao considerar que o critério de quantificação utilizada não se encontrava devidamente fundamentado, o que conduziu à anulação da liquidação impugnada.

Vejamos:
O n. º4 do art.º 77.º da LGT, preceitua que “A decisão da tributação por métodos indiretos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exatas da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objetivos da atividade base científica, e indicará os critérios utilizados na sua determinação.

Assim, o n.º 4 do art.º 77.º da LGT obriga a Administração quando recorre à tributação por métodos indiretos, nos casos e com os fundamentos previstos na lei, a especificar os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicar os critérios utilizados na sua determinação.

Por sua vez, art.º 90.º da LGT, sob a epigrafe “Determinação da matéria tributável por métodos indiretos” previa que: “1 - Em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, a determinação da matéria tributável por métodos indirectos poderá ter em conta os seguintes elementos:
a) As margens médias do lucro líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos de serviços de terceiros;
b) As taxas médias de rentabilidade de capital investido;
c) O coeficiente técnico de consumos ou utilização de matérias-primas e outros custos directos;
d) Os elementos e informações declaradas à administração tributária, incluindo os relativos a outros impostos e, bem assim, os relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte;
e) A localização e dimensão da actividade exercida;
f) Os custos presumidos em função das condições concretas do exercício da actividade;
g) A matéria tributável do ano ou anos mais próximos que se encontre determinada pela administração tributária.
h) O valor de mercado dos bens ou serviços tributados;
i) Uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte. (…)”

O art.º 90.º da LGT, enuncia a título meramente exemplificativo, os factores a atender na determinação da matéria tributável por impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável.

A avaliação indireta propriamente dita integra a escolha de um dos métodos de quantificação enunciados no artigo 90.º, n.º 1, da LGT ou outro que, em concreto, se revele mais adequado a uma efetiva aproximação à verdadeira situação tributária do sujeito passivo. Tem-se entendido que os factores quantitativos propostos nesse normativo não têm carácter taxativo, pois ali se diz que a determinação da matéria tributável por métodos indiretos não sendo obrigatório atender a todos os factores mas recorrer-se apenas aos que, em cada caso, se afigurem como mais seguros para permitir com maior rigor aquele desiderato.

O erro sobre a escolha do método de quantificação ou sobre a sua aplicação que conduza a um excesso de quantificação pode gerar, portanto, o vício de violação de lei, por erro na quantificação.

A Fazenda Pública no seu recurso entende que o critério utilizado está explicitado, e encontra-se devidamente fundamentado.

Alega a Recorrente que, face às irregularidades verificadas foi efetuada a correção à matéria tributável relativamente ao ano de 1996, com recurso a métodos indiretos, e para cálculo do mesmo, procedeu a técnica da Autoridade Tributária à correção do CMVMC (custos de mercadorias vendidas e mercadorias consumidas) de acordo com os critérios referidos no Capitulo V do relatório de inspeção.

Sendo de referir que, uma vez que não era possível controlar a produção, dado que não existiam inventários quer iniciais quer finais, e dadas as divergências verificadas em sede de custos, partindo do valor dos proveitos corrigidos, procedeu-se à determinação do CMVMC (custos de mercadorias vendidas e mercadorias consumidas) mediante o retirar dos ganhos efetivos da impugnante o valor das vendas, corrigindo assim o volume de negócios referente ao ano de 1996.

E que a Inspeção procedeu à devida identificação de todas as correções e apuramentos, e devida explicação dos procedimentos realizados, conforme pontos 2, 3 e 4 capítulo IV do relatório de inspeção, pelo que é incompreensível como se pode entender que existe falta de fundamentação do critério utilizado para correção da matéria tributável.
Entende que outra conclusão, não poderá resultar de que a fundamentação das correções existe, e que cumpriu a Autoridade Tributária o ónus que sob si impendia.

No que concerne ao erro na determinação da matéria coletável a sentença recorrida reconhece que face ao decidido anteriormentre que o relatório de inspeção esta devidamente fundamentado no que “tange à especificação dos motivos da impossiblidade da comprovação e quantificação direta e exata da materia tributável e do recurso a métodos indiciários, indicando quais os critérios utilizados na determinação daquela materia.”

E mais à frente refere que. “(…) Ora alega a impugnante que a inspeção tributária na determinação da matéria coletável não relevou nos cálculos que efetuou os custos com os desperdícios por efeito da morte dos pintos.
Ora é notório o facto, inclusive pelas regras de experiência de vida, a que não somos alheios, que na atividade de criação e engorda de pintos tais perdas ocorrem com regularidade.
O relatório de inspeção nada refere a este propósito, concluindo pelo rendimento corrigido em resultado do valor das compras (custos) e das vendas nos seguintes termos:
Resumo das Compras:
DesignaçãoQuantidadeValor
Pintos107.100 un5.890.500$
Ração426.070 Kg20.612.350$
Medicam. + vitam. 65.904$
Serradura + fitas 1.020.102$
TOTAL 27.588.856$

(…)
Prossegue a sentença recorrida que “Olvidando, por completo as perdas resultantes deste tipo de atividade, mesmos que por mera estimativa, o que inquina a veracidade dos cálculos da determinação da matéria tributável.
Ou seja, assiste razão à impugnante quando refere que a AT tributária não levou em consideração quaisquer perdas, nomeadamente com a morte dos pintos.
Assim, verifica-se que, consoante supra narrado, que a AT não cumpriu os requisitos legais da sua atuação - ao concluir-se que ocorreu erro na quantificação da matéria coletável, derivada da ausência de consideração de perdas ou mesmo a referência a elas, o que não faz, considerando-se assim, que a impugnante provou que a quantificação da matéria coletável padece de erro de cálculo. (…)

Após prosseguir a fundamentação refere que “analisadas as normas, jurisprudência e o probatório, o relatório de inspeção não está devidamente fundamentado, porquanto dele não se extraí a razão pela qual não é referenciada a razão pela qual seriam consideradas perdas, nomeadamente com a morte dos pintos, natural neste tipo de exploração (ponto 2 do probatório).
Deste modo, a impugnante não entendeu as razões e percurso lógico de quantificação da matéria resultante do relatório de inspetivo, alias. Um qualquer homem comum, medianamente inteligente e diligente, sagaz e experiente, colocado nessas mesmas circunstâncias do caso concreto, com certeza que não alcançaria a motivação para a quantificação obtida em face de elementos utilizados pela inspeção tributária, nomeadamente pela ausência qualquer especificação quanto às perdas, normais nesta atividade. (…)”

O juizo expendido na sentença recorrida encontra-se enviesado, e parece confundir falta de fundamentação (formal e substancial) com o ónus da prova.

Analisando detalhadamente o relatório de inspeção o qual se encontra parcialmente transcrito no facto provado em 2, - no item V – CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDICIARIOS - encontra-se a descrição e respetiva fundamentação dos critérios de quantificação.

Aí se referindo que “(…) Assim, o resultado fiscal será efectuado de harmonia com o art.° 52.º do CIRC:
- Conforme ponto 3.2 do presente relatório, ir-se-á adicionar aos proveitos declarados o valor de 18.750$00, resultante da diferença entre o valor declarado (45.000$00) e o apurado através dos documentos que se encontravam arquivados (63.750$00);
- Uma vez que não se consegue apurar com exactidão o CMVMC. tendo em conta as irregularidades apontadas nas existências inicial e final e, com base no resultado bruto apurado através das fichas de controlo emitidas por "C., S.A." fornecidas pelo S.P., propõe-se seja determinado o CMVMC corrigido da seguinte forma:
1Vendas declaradas de frango33.724.334$
2Resultado bruto - frangoa) 3.700.384$
(1-2)C MV.MC. corrigido30.023.950$

a) Resultado bruto apurado nas fichas de produção.
(…)”

Como decorre do artigo 90.º da LGT supra transcrito, na determinação da matéria tributável por métodos indiciários deve ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é essencial que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, ou extraídos de parâmetros gerais e comuns ao setor, adequados à situação do sujeito passivo.

A Administração Tributária deve utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em conta as especificidades próprias da atividade do sujeito passivo, conduzam à aproximação da realidade que se procura alcançar.

A Administração Tributária deve indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, de modo a que o contribuinte deles fique ciente e habilitado a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e ou inadmissíveis para a sua atividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.
Perante esta realidade, então passará a caber, por força do n.º 3 do art.º 74.º da LGT, ao contribuinte demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria coletável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão.

Dispõe, o n.º 3 do art.º 74.º da LGT, a propósito do ónus da prova, que “ Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação.”

Decorre da interpretação conjugada do n.º 4 do art.º 77.º e do n.º 3 do art.º 74.º da LGT que compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, bem como o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários.

Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.

Face ao exposto, a fundamentação do ato tributário, por recursos a métodos indiciários, explanado no item V do relatório de inspeção, indica e explana quais os critérios utilizados na determinação daquela materia coletável.

Cumprindo assim, as exigências do n.º 4 do art.º 77.º da LGT que obriga a Administração quando recorre à tributação por métodos indiretos a indicar os critérios utilizados na sua determinação, aliás exigência que também estava prevista no art.º 81.º do CPT.
A questão de saber se a AT levou ou não em consideração as perdas ou desperdícios, nomeadamente, com a morte de pintos é uma questão que contende com vício de violação de lei, recaindo o ónus probatório sobre a Recorrida, como melhor infra se verá.

Pelo supra exposto, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao considerar que o critério de quantificação utilizada não se encontrava devidamente fundamentado, pelo que o recurso merece provimento, não podendo a sentença recorrida manter-se na ordem jurídica.

Importa conhecer por razões de precedência lógica decorrente do supra decidido, o vício de violação de lei por errónea quantificação da matéria tributável.

A Recorrida na sua petição – pontos 97.º a 119.º - refere que na sua atividade ocorrem quebras inevitáveis de morte de alguns pintos, designadamente nas primeiras idades, o que não foi ponderado. O relatório de inspeção ao incluir rendimentos no ano de 1996 não podia deixar de ter um efeito compensatório em 1995, o que se impõem concluir por erro de quantificação em 1996 uma vez que em 1995 são gerados custos não considerados.

E que tal procedimento viola os princípios da especialização dos exercícios bem substância sobre a forma. A inspeção não logrou estabelecer um nexo de causalidade entre os valores que apurou a atividade exercida.

Como supra se disse nos critérios de quantificação a Administração Tributária, face à impossibilidade de apuramento da matéria coletável, procedeu à sua correção adicionando aos proveitos declarados o valor de 18.750$00, resultante da diferença entre o valor declarado (45.000$00) e o apurado através dos documentos que se encontravam arquivados (63.750$00).

E que não conseguindo apurar com exatidão o CMVMC. tendo em conta as irregularidades apontadas nas existências inicial e final e, com base no resultado bruto apurado através das fichas de controlo emitidas por "C., S.A." determinou o CMVMC corrigido da seguinte forma: Vendas declaradas de frango no valor de 33.724.334$00, Resultado bruto – frango de 3.700.384$00 (resultado bruto apurado nas fichas de produção) e concluindo que o CMVMC. Corrigido era de 30.023.950$00.

Face a este apuramento recaia sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.

Na petição inicial o Recorrente limita-se a referir que na sua atividade ocorrem quebras inevitáveis de morte de alguns pintos, designadamente nas primeiras idades, o que não foi ponderado, no entanto, não avança com qualquer valor nem faz prova que ocorreram perdas ou desperdícios ou qualquer percentagem.

E por isso não competia à Administração Tributária estabelecer qualquer nexo de causalidade entre os valores que apurou e atividade exercida, competindo-lhe somente, indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, de modo a que o contribuinte deles fique ciente e habilitado a discutir a valorimetria aplicada.

Analisada a petição inicial bem como a matéria de facto provada dela não resulta alegado nem provado que em 1996, ocorreram perdas ou desperdícios e como tal era excessiva a quantificação.

Consequentemente, não tendo a Recorrida/Impugnante demonstrado que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada a sua pretensão terá de improceder.

4.2. A sentença recorrida deu como prejudicados as questões equacionadas pelo Recorrida/Impugnante, nomeadamente (i) preterição de audição antes da decisão do recurso hierárquico; (ii) ilegalidade rejeição dos elementos da contabilidade e da declaração do contribuinte (iii) inexistência de facto tributário.

Face ao disposto no art.º 665º do CPC cabe a este tribunal conhecer do mérito dessa parte, em substituição, se os autos fornecerem os necessários elementos.

Com efeito o n.º 2 art.º 665.º do CPC prevê a hipótese de o TCA se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha de elementos necessários.

Existindo nos autos, elementos necessários para decidir em substituição, impõe-se a sua decisão, em conformidade com o estatuído no art.º 124º do CPPT.

4.3. Na sua petição – pontos 7.º a 15.º - alega a preterição da audição do contribuinte previamente à decisão do recurso hierárquico.
Alega que não foi suscitada a sua audição antes do indeferimento do recurso, pelo que é manifesto a violação dos art.ºs 56.º, 60.º , n.º1 alínea b) do n. 2 e do o art.º 1, 5, 6 e 7 do CPA.

Tendo em conta que a decisão do recurso hierárquico ocorreu em 28.03.2003, conforme consta da matéria de facto aditada neste acórdão no ponto n.º 13, estava em vigor o art.º 60.º na redação dada pela Lei n.º 16-A/2002 de 31 de maio, a qual no seu art.º 13.º alterou o n.º 3 do art.º 60.º da LGT e no n.º 2 do citado normativo atribui-lhe caracter interpretativo.

O artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) na redação à data dos factos, previa o seguinte: “(…) 1- A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2 - É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado (…)».

Decorre da interpretação do n.º 1 e 3 do art.º 60.º da LGT que a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, podendo, no entanto, ser dispensada a audição no caso do contribuinte, ter sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.

Decorre da matéria de facto provada espelhada nos pontos 7.º a 13.º, neste acórdão aditados, que em sede de reclamação graciosa, através do oficio n.º 013680 foi a Impugnante, na pessoa do seu mandatário notificada para exercer o direito de audição, não tendo exercido o respetivo direito.

Em 18.09.2001 pelo Diretor Finanças Adjunto foi proferido o seguinte despacho Depois de ter sido concedido ao reclamante o direito de participação/audição no procedimento tributário, conforme determina a alínea b) do artigo 60.º da Lei Geral tributária e não tendo exercido tal direito, ratifico a minha proposta de decisão INDEFERINDO a presente reclamação”

Do indeferimento da reclamação graciosa, a Impugnante interpôs recurso hierárquico insurgindo-se contra a decisão alegando a tempestividade da reclamação graciosa e insistindo dos demais vícios alegados na reclamação graciosa (ilegalidade da decisão do recurso a métodos indiretos; ausência de fundamentação legal exigida; ilegalidade dos elementos de contabilidade e inexistência de facto tributário e errónea quantificação da matéria tributável).

Em 13.02.2003, a Direção Geral de Impostos, proferiu informação/parecer, na qual são analisadas as questões invocadas, no que concerne à tempestividade da reclamação graciosa foi dado razão à Impugnante e nos demais fundamentos mantém a linha de decisão da reclamação graciosa.

E é proposta a dispensa da audição de interessados por não estar em causa qualquer questão de direito, na qualificação de custos ou de proveitos, nos termos da alínea a) do n.º 3 da circular n.º13 de 08/07/99.

O despacho do Sub-Diretor Geral, em 28.03.2003, concordou com os fundamentos constantes da referida informação e parecer, negou provimento ao recurso.

Nesta conformidade não se vislumbra, nem a Impugnante alega, qual necessidade de proceder ao direito de audição, uma vez, que já tinha sido ouvida antes do indeferimento da reclamação graciosa, pese embora não tenha exercido o direito, e em sede de recurso hierárquico foi dispensada a sua realização, e não foram invocados factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.

Acresce ainda referir que tem entendido a jurisprudência que a ocorrência de vício de forma em momento posterior à efetivação da liquidação, consubstanciado na preterição da audição, não projeta efeitos anulatórios sobre o ato tributário de liquidação, antes conduzindo à anulação da respetiva decisão de indeferimento do recurso hierárquico.

Nesta conformidade, uma vez que estamos no âmbito de um procedimento de 2.º grau, e não tendo sido invocados factos novos sobre os quais a Impugnante ainda se não tenha pronunciado, não se vislumbra a violação art.ºs 56.º 60.º , n.º1 alínea b) do n. 2 e do o art.º 1, 5, 6 e 7 do CPA pelo que improcede o vicio alegado.

4.4. A Impugnante na sua petição – pontos 120.º a 135.º - alega ilegalidade da rejeição dos elementos da contabilidade e da declaração do contribuinte.

Alega que pelos elementos da contabilidade da Impugnante era possível determinar a matéria coletável, uma vez que do relatório da inspeção não resultam erros, inexatidões ou irregularidades suscetíveis de provocar a rejeição da contabilidade, o que representa a violação do princípio da legalidade que Administração Tributária está obrigada a respeitar.

Vejamos:
O n.º 1 do art.º 75.º do Lei Geral Tributária (LGT) determina que “Presumem-se verdadeiras de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estes tiverem organizada de acordo com a lei comercial e fiscal.”

Determina o n.º 2 do mesmo preceito (tal como o art.º 78.º do CPT) que tal presunção não se verifica no caso de a contabilidade revelar omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
Assim, o artigo 75.º da LGT consagra o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei fiscal e comercial.

Esta presunção vincula a administração fiscal à realização da liquidação com base nas declarações dos contribuintes, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, ao controlo dos factos declarados.

Decorre da análise do relatório de inspeção que a Administração, recorreu a métodos indiciários, sustentada na alínea a) do n.º 1 do art.º 51.º do CIRC, na qual se previa que a determinação do lucro tributável por métodos indiciários verificar-se-á sempre que ocorra “ Inexistência de contabilidade, falta ou atraso de escrituração dos seus livros e registos e, bem assim irregularidades na sua organização ou execução.”

Acresce que a inspeção, nos pontos 2, 3, 4 do Capítulo IV do relatório de inspeção, descreve irregularidades que justificaram o recurso a métodos indiretos, as quais se resumem em:
- à inexistência de contas correntes,
- inexistência contabilística da conta bancos apesar da utilização de cheques, o que leva a concluir que a contabilidade não reflete todos os movimentos financeiros,
- inexistência de inventários quer iniciais quer finais,
- omissão de proveitos,
- e registos/lançamentos na conta de compras sem estarem devidamente suportados por documentos, valores que não tendo uma correspondência real influenciam negativamente o resultado liquido.

Nesta conformidade a Administração Fiscal atuou em obediência à lei, não verificando a violação dos art.ºs 16.º n.º, 17.º n.º 1 e 3, 98.º do CIRC e 75.º da LGT.

Nesta conformidade improcede o vício alegado.

4.5. Por fim a Impugnante alega que – nos pontos 136.º a 140.º da petição inicial- vício de violação de lei por inexistência do facto tributário, no entendimento que, o ato tributário gerou-se com violação do art.º 58.º da LGT, 6.º do RCPIT e n.º 1 do 100.º do CPT.

Vejamos:
O art.º 58.º da LGT prevê que. “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.”
O artigo 6.º do RCPIT prevê que “O procedimento de inspeção visa descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objetivo.”

O artigo 100.º do CPPT sobre a epigrafe “Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indiretos” prevê que:
1. Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.
2. Em caso da quantificação da matéria tributável por métodos indiretos não se considera existir dúvida fundada, para efeitos do número anterior, se o fundamento da aplicação daqueles consistir na inexistência ou desconhecimento, por recusa de exibição, da contabilidade ou escrita e demais documentos legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou destruição ainda que os contribuintes invoquem razões acidentais.
3. O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de na impugnação judicial o impugnante demonstrar erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada”.

Decorre do n.º 1 do art.º 36.º da LGT que a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário.
O ato tributário tem na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstrata e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto.
E essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal.

As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objetivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efetuada.

Como supra se disse a Administração Fiscal, procedeu ao apuramento da matéria tributável por recurso a métodos indiciários apurando imposto superior ao liquidado pela Impugnante, verificando-se assim, o facto tributário.

Acresce ainda referir relativamente à alegada aplicabilidade do n.º 1 do art.º 100.º do CPPT, que tendo no caso em apreço, a Administração Fiscal, recorrido ao recurso a métodos indiciários, por irregularidades verificadas na contabilidade da Impugnante, para a fixação da matéria tributária, por força do n.º 2 do art.º 100.º não se aplica o referido preceito.

Nesta conformidade, a Administração Fiscal, na sua atuação agiu em cumprimento da lei e com respeito pelo art.º 58.º da LGT e do artigo 6.º do RCPIT e art.º 100.º do CPPT, pelo que não se verifica o alegado vicio de lei.

4.6. E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário:

I. Decorre da interpretação conjugada do n.º 4 do art.º 77.º e do n.º 3 do art.º 74.º da LGT que compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, bem como o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários.

II. Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.

III. Decorre da interpretação do n.º 1 e 3 do art.º 60.º da LGT que a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, podendo, no entanto, ser dispensada a audição no caso do contribuinte, ter sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.

5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso interposto revogar a sentença recorrida no segmento impugnado e em substituição julgar improcedente a impugnação judicial.
*
Custas pela Recorrida.
*
Porto, 23 de junho de 2021


Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Paulo Moura