Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01540/05.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/10/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:OPOSIÇÃO
DÉFICE INSTRUTÓRIO
NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:D...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

D..., contribuinte n.º 1…, residente na Rua…, Fânzeres, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 20/02/2013, que julgou parcialmente procedente a Oposição deduzida contra a execução fiscal n.º 3514200401036760, instaurada pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 2 contra a sociedade “D… Unipessoal Lda.”, para cobrança coerciva da quantia global de € 43.241,69 (quarenta e três mil e duzentos e quarenta e um euros e sessenta e nove cêntimos), referente a IVA do ano de 2004 e coimas fiscais do ano de 2002.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1ª. Na douta sentença recorrida, o Tribunal a quo não se pronunciou, como data venia lhe cumpria, sobre as questões deduzidas pelo Recorrente elencadas em 2 supra e que aqui se dão por reproduzidas;
2ª. Como tal, a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia e, por isso, é nula - cfr., arts. 668º, nº 1, al. d) e 660º, nº 2, todos do Cód. Proc. Civil;
3ª. A sentença recorrida julgou incorrectamente a matéria fáctica ao não considerar provado que o recorrente sempre residiu na Rua…, Fânzeres, Gondomar, ininterruptamente desde 1988 e até à presente data e, mais concretamente, nas datas em que lhe terão sido remetidas as notificações para o exercício do direito de audição referidas em B. e D. da matéria de facto dada como provada.
4ª. A apreciação crítica das provas produzidas, nomeadamente da reapreciação da prova gravada correspondente ao depoimento gravado, na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 31 de Março de 2011 da testemunha R… (depoimento gravado em sistema digital Cicero Plus dos 00:00 até aos 02:50 conforme acta de fls. 116) e da testemunha T… (depoimento gravado em sistema digital Cicero Plus dos 15:49 até aos 33:06 conforme acta de fls. 117), depoimentos que o Tribunal considerou credíveis, determina que se deva considerar como provado o facto referido na conclusão anterior, tudo como vai melhor identificado em 3 supra;
5ª. Com interesse para a boa decisão da impugnação, e em face do depoimento das testemunhas B… (depoimento gravado em sistema digital Cicero Plus dos 02:52 aos 15:49, conforme acta de fls. 117) e T.. (depoimento gravado em sistema digital Cicero Plus dos 15:49 aos 33:06, conforme acta de fls. 117), impõe-se ainda dar como provado que a primitiva executada, a sociedade D..., Unipessoal, Lda., estava em plena laboração e a gerar rendimentos à data em que foi decretada contra o recorrente a reversão dos autos executivos em causa nos presentes autos de oposição, tudo como vai melhor identificado em 4 supra;
6ª. O Tribunal ad quem é um órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, cabendo-lhe decidir sobre a matéria de facto submetida à sua apreciação com base numa valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão, podendo, in casu devendo, alterar a decisão do Tribunal recorrido sobre a matéria de facto, de acordo com o disposto no art. 712º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Cód. Proc. Civil, com base nos meios de prova supra referidos, mais a mais quando cotejada, de modo cuidado e atento, com a prova documental junta aos autos e de ambas com as regras da experiência comum - cfr., 685º-B, nº 1 e nº 2 e 712º, n.ºs 1, al. a), e 2, do CPC;
7ª. O recorrente não foi notificado nem tomou conhecimento do projecto de decisão de reversão dos presentes autos executivos com vista ao exercício do direito de audição: (i) não recepcionou qualquer carta registada com vista à notificação para o exercício do direito de audição, (ii) não se recusou a receber qualquer notificação (antes as mesmas foram devolvidas com a indicação (errada) “Mudou-se”), (iii) não lhe foi deixado no seu receptáculo de correio (ou noutro sítio qualquer) um aviso postal para proceder ao levantamento na estação dos correios de qualquer carta registada (com ou sem aviso de recepção) que lhe tivesse sido dirigida para o efeito por qualquer órgão da administração tributária;
8ª. Sendo que, à luz do disposto no art. 36º, nº 1, do CPPT, os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados - vd., tb., art. 77º, nº 6 da LGT e art. 268º, nº 3, da CRP;
9ª. Admitindo, sem prescindir, que tenha sido remetida ao recorrente pelo competente órgão da administração tributária carta registada com vista ao cumprimento do disposto no art. 24º, nº 4 da LGT (e art. 60º, nº 1da LGT), o certo é que a mesma foi devolvida ao remetente com a indicação (errada) de que o recorrente já não habitava naquele local pelo que, como tal, a administração tributária tomou conhecimento que o domicílio do recorrente se tinha alterado, que aquela carta não foi por ele recepcionada e não chegou ao seu conhecimento e que, assim, qualquer outra comunicação que remetesse para o mesmo local, uma vez que o recorrente (supostamente e de acordo com a informação prestada pelos CTT) já lá não residia, não iria chegar (de novo) ao seu conhecimento;
10ª. Cabendo-lhe, desse modo, diligenciar no sentido de apurar qual o seu novo domicílio para, entre o mais, lhe dirigir uma nova carta ou diligenciar por um contacto pessoal com vista à sua notificação, o que não foi feito;
11ª. Tendo em conta que o recorrente não recepcionou qualquer uma das cartas que lhe terão sido dirigidas com vista à sua notificação para o exercício do direito de audição, como não as recusou, nem foi colocado no seu receptáculo de correio qualquer aviso postal que indicasse aqueles envios e que lhe comunicasse que as mesmas podiam ser levantadas numa qualquer estação dos correios, fica afastada a possibilidade de, ao abrigo do art. 39º, nº 6, do CPPT, se presumir a recepção e o conhecimento da notificação que terá sido dirigida ao recorrente com vista ao exercício do direito de audição em momento prévio à decisão de reversão contra o recorrente dos autos executivos aqui em causa;
12ª. À luz do que antecede, mostra-se incumprido pela Administração Fiscal o dever que sobre ela recaía de proceder à audiência prévia do recorrente antes de se decidir pela reversão contra si dos autos executivos aqui em causa - cfr., art. 23º, nº 4 e 60º, nº 1, da LGT
13ª. Por falta de audição prévia do recorrente e, assim, por vício no procedimento que levou à tomada da decisão final de reverter contra o recorrente os autos executivos aqui em causa, deverá a mesma ser anulada;
14ª. A decisão de reversão padece de falta de fundamentação pois dela não constam as razões de facto e de direito que a motivaram mormente (i) a alegação de que o oponente era gerente da primitiva executada e os factos demonstrativos de que exerceu funções de gestão na primitiva executada, (ii) os factos susceptíveis de, se e quando provados, alicerçarem um juízo normativo de culpa do aqui recorrente na falta de bens da primitiva executada para responderem pela quantia exequenda e/ou no não pagamento por aquela das dívidas dadas à execução, (iii) os factos demonstrativos da suposta inexistência de bens do devedor originário para responder pela dívida exequenda, limitando-se a administração fiscal a proferir a este propósito um mero juízo conclusivo - cfr., art. 77º da LGT.
15ª. Falta de fundamentação do despacho de reversão que deverá conduzir à sua anulação, com todas as legais consequências - cfr., art. 23º, nº 4, 77º da LGT, 124º, 125º, 133º do CPA, 268º, nº 3 da CRP.
16ª. A reversão contra o requerente da execução instaurada contra a sociedade D..., Unipessoal, Lda, aqui em causa, foi decidida (no dia 3 de Maio de 2005) antes mesmo da citação daquela sociedade para a execução (que ocorreu no dia 27 de Maio de 2005);
17ª. E, por maioria de razão, antes de esgotado, entre o mais, o prazo consignado no art. 203º, nº 1, do CPPT para a primitiva executada proceder ao pagamento da quantia exequenda, requerer o seu pagamento em prestações, propor uma dação em pagamento e, finalmente, deduzir oposição à execução com base nos fundamentos prescritos no art. 204º do CPPT;
18ª. Sendo que a penhora dos bens do executado só poderá ocorrer findo o prazo acima assinalado - cfr., art. 215º do CPPT -, na sequência do que ou são, efectivamente, penhorados bens do executado originário ou é documentado, no âmbito do cumprimento dessa diligência, de que inexistem bens suficientes para garantir o pagamento da dívida exequenda.
19ª. Deste modo, é apodítico que a decisão de reversão e a própria citação do revertido para a execução não podem ocorrer em momento anterior à citação da primitiva executada e ao cumprimento da diligência de penhora que se segue ao termo do prazo de oposição fixado na lei processual tributária.
20ª. Decorrendo da própria lógica inerente ao instituto da reversão que só tem cabimento decidir-se a reversão da execução contra o responsável subsidiário depois de, entre o mais, o primitivo executado, citado para a mesma, não tiver efectuado o pagamento da quantia exequenda ou deduzido oposição no prazo estabelecido no art. 203º do CPPT.
21ª. E nunca antes de cumprida a diligência de penhora sem que tenham sido penhorados bens suficientes para responder pela dívida exequenda
22ª. À luz do que antecede, é ilegal o despacho de reversão proferido nos presentes autos, o que, por vício de procedimento, deverá conduzir à anulação da reversão da execução contra o recorrente - cfr., art. 23º, nº 1, nº 2 e nº 3 da LGT e art. 153º do CPPT;
23ª. Não só não está documentado nos presentes autos que a devedora originária não tinha bens suficientes para responderem pela dívida dada à execução, como sai demonstrado da prova produzida em audiência de julgamento que, à data do despacho de reversão e posteriormente, a devedora originária estava em plena laboração, tinha uma carteira de clientes relevante e um volume de encomendas significativo e que do giro normal e da sua actividade comercial desenvolvida entre 2005 e 2008 resultaram rendimentos e proveitos para a primitiva executada, susceptíveis de responderem pela quantia exequenda.
24ª. O encerramento da primitiva executada prendeu-se, no essencial, com a venda - ao desbarato - em processo de execução fiscal de todas as máquinas e equipamentos essenciais à manutenção da sua actividade e, paralelamente, com a grave situação clínica do recorrente que o impediu de, nos últimos anos de actividade da empresa, a acompanhar devidamente, sem prejuízo de, enquanto se manteve à frente da mesma tudo ter feito para a manter em actividade zelando sempre pela boa condução dos negócios sociais;
25ª. O que, tudo, coloca em crise a reversão efectuada, seja porque à data da reversão a sociedade D..., Unipessoal, Lda., estava a gerar rendimentos susceptíveis de fazer face à quantia exequenda, seja porque não foi por culpa do oponente que o património da primitiva executada não foi suficiente para a liquidar;
26ª. Mais a mais quando todo o seu património foi penhorado pela própria administração fiscal que, em processos de execução fiscal, promoveu a sua venda pelos preços que bem entendeu;
27ª. Existindo um manifesto abuso de direito da Fazenda Nacional ao pretender fazer o recorrente responder pela quantia exequenda ao abrigo do instituto da reversão quando ela própria, ao vender ao desbarato o património da sociedade, contribuiu para que o produto da sua venda não fosse suficiente para fazer face à quantia exequenda - cfr., art. 334º, do Cód. Civil.
28ª. Na decisão recorrida, violaram-se as disposições legais supra citadas. Termos em que, na procedência do recurso, requer-se a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida, com todas as legais consequências, considerando-se integralmente procedente a oposição deduzida pelo recorrente.
****
Não foram apresentadas contra-alegações.
****
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
****
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
****
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, e se enferma de erro de julgamento de facto, por não ter considerado provado que o Recorrente sempre residiu na Rua…, Fânzeres, em Gondomar e, consequentemente, de direito, por violação do direito de audição prévia à decisão de reversão, por esta padecer de falta de fundamentação e por não se verificarem os pressupostos da reversão.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos Provados:
A. A execução fiscal nº 3514200401036760 foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 2 contra a sociedade “D... Unipessoal Lda.” para cobrança coerciva da quantia global de € 43.241,69 (quarenta e três mil e duzentos e quarenta e um euros e sessenta e nove cêntimos) referente a IVA do ano de 2004 e coimas fiscais do ano de 2002;
B. Pelo ofício 7178 datado de 15 de Abril de 2005 enviado para a Rua… 4510-638 Fânzeres, Gondomar, foi o Oponente notificado para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia – cfr. fls. 31;
C. A notificação referida em B), foi devolvida com a indicação “Mudou-se” – cfr. fls. 33;
D. Pelo ofício 7779 datado de 26 de Abril de 2005 enviado para a Rua… 4510-638 Fânzeres, Gondomar, foi o Oponente notificado para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia – cfr fls. 34;
E. A notificação referida em D), foi devolvida com a indicação “Mudou-se” – cfr. fls. 36;
F. O domicílio fiscal do oponente era a 04 de Julho de 2005 na Rua… 4510-638 Fânzeres, Gondomar – cfr. fls. 40;
G. A 03 de Maio de 2005 foi proferido despacho de reversão, cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido e no qual consta no segmento “Fundamentação” “Insuficiência de bens penhoráveis pertencentes à devedora originária, estando reunidos os requisitos previstos no artº 23º/2 da LGT, reverto a execução contra o gerente supra identificado, na qualidade de responsável subsidiário, nos termos do artº 24º/1. al/b) da LGT quanto ao IVA dado ter exercido essas funções no prazo para cobrança legal e nos termos do artº 8 do RGIT (…) as coimas, dado as infracções terem sido cometidas durante esse período. Suspendo os autos após decorrido o prazo de oposição até à excussão total dos bens”– cfr. fls. 37;
H. O oponente foi citado por reversão a 27 de Maio de 2005 – cfr. fls. 39;
I. A 15 de Abril de 2005, foi proferida informação no processo executivo referido em A), com o seguinte teor “todos os bens conhecidos da executada encontram-se penhorados nos PEF Nºs 3514200401036769 e 3514200401002708, tendo-lhes sido atribuído o valor de € 18.000,00; Atendendo a que o montante em dívida da executada, nesta data e por este Serviço de Finanças é de € 110692,00 acrescido de juros de mora e custas do processo, verifica-se que o valor dos bens penhorados é manifestamente inferior ao valor da dívida e acrescido. Dado a insuficiência de bens penhoráveis da executada, verifica-se que se encontram reunidos os pressupostos para chamamento à execução dos responsáveis subsidiários identificados a fls. 12 dos autos.”
J. O Oponente consta da certidão da Conservatório do Registo Comercial do Porto como único sócio da sociedade devedora originária – cfr. fls. 22;
K. A devedora originária declarou no Modelo 22 de IRC de 2005, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido, um total de imposto a pagar de € 1.028,84 (mil e vinte e oito euros e oitenta e quatro cêntimos);
L. A devedora originária declarou no Modelo 22 de IRC de 2006, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido, um total de imposto a recuperar no valor de € 373,59 (trezentos e setenta e três euros e cinquenta e nove cêntimos);
M. A devedora originária declarou no Modelo 22 de IRC de 2007, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido, um total de imposto a pagar no valor de € 604,77 (seiscentos e quatro euros e setenta e sete cêntimos);
N. A devedora originária declarou no Modelo 22 de IRC de 2008, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido, um total de imposto a pagar no valor de € 18.964,15 (dezoito mil e novecentos e sessenta e quatro euros e quinze cêntimos);
O. O oponente foi sujeito a internamento hospitalar em Abril de 2007 – conforme resulta do depoimento da última testemunha;
P. Os presentes autos deram entrada a 27 de Junho de 2005.
*
Factos não provados
*
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou.
*
Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas inquiridas em Tribunal.
Assim, R..., genro do oponente, confirmou que o oponente reside na Rua…, em Fânzeres. O seu depoimento, de nenhuma importância para a solução jurídica a dar à presente situação, foi considerado credível uma vez que resulta de conhecimento pessoal, transparecendo do seu depoimento que tal correspondia à verdade.
B…, declarou ser trabalhadora na sociedade devedora originária desde 1995 até ao seu encerramento. Apesar de ter referido que o Oponente ficou doente, tendo estado doente pelo menos meio ano, a verdade é que não conseguiu referir em que período de tempo tal situação ocorreu. Nada referiu com relevância quanto à existência de máquinas de propriedade devedora originária, uma vez que desconhecia se as mesmas tinham sido adquiridas ou eram emprestadas.
T…, mulher do oponente, referiu que o Oponente foi internado em Abril de 2007, não conseguindo precisar em que data deixou a sociedade devedora originária de cumprir com as suas obrigações fiscais.
Os depoimentos ouvidos foram considerados à luz das regras da experiência globalmente credíveis atenta a forma escorreita e aparentemente desinteressada (apesar do grau de parentesco com o oponente da primeira e última testemunha) com que foram realizados.”

2. O Direito

O Recorrente insurge-se apenas contra a parte da sentença recorrida que lhe é desfavorável, dado que a oposição foi julgada procedente quanto às coimas fiscais relativas a 2002.
Nesta conformidade, está somente em causa apreciar a legalidade da decisão de reversão do processo de execução fiscal e apensos relativos à cobrança coerciva de dívidas de IVA, referentes ao ano de 2004.
Contudo, começamos por nos debruçar sobre a imputação de nulidade à sentença recorrida, por omissão de pronúncia, por o Tribunal “a quo” não se ter pronunciado acerca das questões a seguir sumariadas:
· a reversão da execução foi decidida antes mesmo da citação da primitiva executada para a mesma;
· o oponente foi citado para a execução antes de esgotado, entre o mais, o prazo consignado no art. 203º, nº 1, do CPPT para a primitiva executada proceder ao pagamento da quantia exequenda, requerer o seu pagamento em prestações, propor uma dação em pagamento ou, finalmente, deduzir oposição à execução com base nos fundamentos prescritos no art. 204º do CPPT;
· a decisão de reversão e a própria citação do revertido para a execução não podem ocorrer em momento anterior à citação da primitiva executada e ao cumprimento da diligência de penhora que se segue ao termo do prazo de oposição fixado na lei processual tributária;
· só tem cabimento decidir-se a reversão da execução contra o responsável subsidiário depois de, entre o mais, o primitivo executado, citado para a mesma, não tiver efectuado o pagamento da quantia exequenda ou deduzido oposição no prazo estabelecido no art. 203º do CPPT e nunca antes de cumprida a diligência de penhora sem que tenham sido penhorados bens suficientes para responder pela dívida exequenda;
· a reversão contra os responsáveis subsidiários só deverá ser determinada no curso dos autos de execução e depois de citado o executado, de lhe ter sido conferida a possibilidade de pagar o que lhe é reclamado e, no caso de não o ter feito, se inexistirem bem suficientes para o efeito a determinar nas diligências de penhora levadas a cabo nos autos executivos;
· a reversão da execução contra o responsável subsidiário antes de excutido o património do devedor originário e antes de se saber qual a medida exacta da insuficiência dos seus bens para o pagamento da dívida tributária reclamada, é inconstitucional - cfr., arts. 17º, 18º, nº 2, 62º, nº 1 da CRP;
· era ilegal o despacho de reversão proferido nos autos executivos aqui em causa o que deveria conduzir à anulação da reversão da execução contra o oponente - cfr., art. 23º, nº 1, nº 2 e nº 3 da LGT e art. 153º do CPPT;
· que o despacho de reversão padecia de falta de fundamentação por dele não constar (i) a invocação de quaisquer factos susceptíveis de, se e quando provados, alicerçarem um juízo normativo de culpa do aqui recorrente na falta de bens da primitiva executada para responderem pela quantia exequenda, (ii) nem a suposta inexistência de bens do devedor originário para responder pela dívida exequenda, limitando-se a administração fiscal a proferir a este propósito um mero juízo conclusivo.
A sentença/decisão pode padecer de vícios de duas ordens:
Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
Por outro lado, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º, do Código de Processo Civil (CPC), na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26/6, correspondente ao anterior artigo 668.º do CPC.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 660.º, n.º 2 do CPC (actual artigo 608.º, n.º 2), que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
Não residem dúvidas que o Recorrente pretendeu impugnar nos presentes autos o acto de reversão, apontando-lhe vários vícios, designadamente violação do direito de audição prévia à reversão e falta de fundamentação do acto, e afirmando não estarem reunidos os pressupostos para operar a reversão.
A este propósito, percorrendo a sentença recorrida, verificamos que o Tribunal “a quo” se pronunciou expressamente sobre o direito de audição prévia à reversão, acerca dos pressupostos da responsabilidade subsidiária e da sua falta na fundamentação do despacho de reversão, por fim, analisou, do ponto de vista material ou substancial do acto, a verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária e da culpa do oponente.
Nesta conformidade, o tribunal recorrido apreciou todas as questões colocadas, podendo ter deixado de se referir a alguns argumentos utilizados pelo oponente para demonstrar que a reversão foi efectuada ilegalmente, o que não consubstancia nulidade, mas eventual erro de julgamento.
Não obstante o tribunal “a quo” não se ter referido expressamente ao facto de a executada originária ainda não ter sido citada para a execução quando foi decidida a reversão, adiantou que o processo de execução fiscal constitui o processo executivo especial com vista à cobrança coerciva das dívidas tributárias, a instaurar, por isso, sempre e quando se não verifique o pagamento voluntário destas. Todavia, pode suceder que aquele a quem foi, num primeiro momento, pedido que saldasse voluntariamente uma dívida tributária, não disponha de bens que permitam, pelo produto da sua venda, assegurar a entrada do valor dessa dívida nos cofres da Fazenda Pública.
É para obstar que tais créditos tributários fiquem por satisfazer que legalmente se configura a existência de terceiros responsáveis pelo seu pagamento que, todavia e via de regra, apenas a título subsidiário responderão pelas dívidas em questão. É o que claramente resulta do artigo 22°, nº 3, da LGT: “A responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária”.
Ora, esta abordagem na sentença recorrida aponta precisamente para a natureza subsidiária da responsabilidade tributária por dívidas de outrem e, de seguida, abordaram-se os requisitos específicos para efectivar a reversão, que se consideraram preenchidos.
Reiteramos que a apontada nulidade por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.
In casu, o tribunal não seleccionou matéria de facto para a decisão da causa referente à citação da devedora originária. Mas tal opção e a deficiência de que possa eventualmente enfermar a decisão da matéria de facto coloca-se ao nível do erro de julgamento (questão que se situa no domínio da validade substancial da sentença, e não da sua validade formal), não podendo dizer-se que ocorre a invocada nulidade.

De todo o modo, não estando este tribunal sujeito à qualificação jurídica apontada pelas partes, avançaremos para a sua análise do ponto de vista do eventual erro de julgamento.
Relembramos que está unicamente em apreciação a reversão da execução na parte referente à cobrança coerciva das dívidas de IVA.
Acentuamos esta circunstância, uma vez que a sociedade devedora originária terá sido citada em momentos diferentes para as execuções relativas às coimas fiscais e para as execuções que visavam a cobrança coerciva das dívidas concernentes a IVA de 2004.
Invocou o oponente na sua petição de oposição ter sido a primitiva executada citada para a execução em 27/05/2005. Acrescentou que ele próprio, na qualidade de responsável subsidiário, foi, de igual modo, citado para a execução na mesma data, na sequência do despacho de reversão prolatado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos – 2 em 03/05/2005.
Perante esta factualidade, pretende alertar para a ilegalidade do acto de reversão, que terá sido proferido antes mesmo da citação da primitiva executada para a mesma, inviabilizando que a sociedade originária se opusesse à execução (artigos 203.º e 204.º do CPPT), que pudesse pagar a quantia exequenda no prazo de 30 dias contados da citação e, só se não procedesse ao pagamento, poderia a tramitação legal prosseguir para efeitos de penhora de bens e demais diligências prescritas no CPPT.
Relembramos que a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa – cfr. artigo 219.º do CPC e artigo 35.º do CPPT.
Conforme invocado pelo oponente, agora Recorrente, consta da decisão da matéria de facto que, em 03/05/2005, foi proferido despacho de reversão [cfr. alínea G)] e que o oponente foi citado por reversão a 27 de Maio de 2005 [cfr. alínea H)].
No entanto, nada se mostra apurado relativamente à citação da sociedade devedora originária.
Apensa aos presentes autos encontra-se uma cópia autenticada do processo de execução fiscal que, como veremos, aparentemente, não reproduzirá integralmente o original.
Dos documentos ínsitos neste apenso, podemos observar que, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3514200401036769, instaurado contra Confecção D... Unipessoal, Lda. em 08/10/2004, foi enviada carta registada em 13/10/2004, contendo formulário com vista a citação deste executado, mostrando-se identificada a dívida em cobrança coerciva, através da certidão de dívida e do tributo – Coima – e do valor da dívida, que perfazia €2.758,97 – cfr. fls. 2, 3 e 4 do processo apenso.
Constatamos, ainda, que, para cobrança de dívidas de IVA (que são unicamente as que agora nos interessam), foram instaurados os seguintes processos de execução fiscal e apensados ao referido n.º 3514200401036769: n.º 3514200501001418, n.º 3514200501002775 e n.º 3514200401046594.
Em 14/04/2005, no âmbito do mesmo processo de execução fiscal, mas também dos processos apensos n.º 3514200501001418, n.º 3514200501002775 e n.º 3514200401046594, foi emitido mandado de citação do executado Confecção D... Unipessoal, Lda., mostrando-se identificada a proveniência da dívida em cobrança coerciva como sendo de IVA – cfr. fls. 13 do processo apenso.
Verifica-se, ainda, dos elementos ínsitos nas cópias autenticadas, que, em 27/05/2005, pelas 18 horas, foi emitida certidão de citação do referido executado originário, com indicação de que lhe foi entregue a respectiva nota de citação nesse acto – cfr. fls. 13, 14, 15 e 16 do processo apenso.
Podemos, ainda, observar que existe uma pasta anexa, designada por “Apensos”, que também serão fotocópias autenticadas – cfr. capa do processo apenso aos autos.
Nessa pasta, existem documentos que nos levam a concluir que no âmbito do processo apenso n.º 3514200501002775, relativo a cobrança coerciva de IVA, no montante de €6.091,04, do período 11/2004, foi efectuada uma citação anterior a 27/05/2005, por carta registada em 01/03/2005, da devedora originária.
No entanto, relativamente ao apenso n.º 3514200501001418 somente se mostra ínsita na pasta a autuação e a respectiva certidão de dívida e no que tange ao apenso n.º 3514200401046594 nenhum documento se encontra anexo.
Ora, estes elementos fazem-nos suspeitar que poderão ter sido efectivadas citações para os processos de execução fiscal respeitantes a cobrança do IVA de 2004 anteriores a 27/05/2005.
Na verdade, o apuramento de tais factos é essencial, dado serem pressupostos da invocada ilegalidade do despacho de reversão; na medida em que, conforme jurisprudência dos tribunais superiores, somente relevará, designadamente para os efeitos invocados pelo Recorrente, a primeira citação (desconhecendo-se se foram realizadas duas citações para todos os processos de execução fiscal relativos ao IVA em apreço).
Assim, mostrando-se imperioso descobrir a data da citação da devedora originária para os processos executivos para cobrança coerciva das dívidas referentes a IVA, do ano de 2004; deparamo-nos, agora, com défice de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação.
Deste modo, não podendo sufragar-se, sem mais, o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, a sentença, na parte recorrida, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, sejam efectivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, do aspecto apontado como deficitariamente instruído.

Conclusão/Sumário

Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença na parte recorrida e ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí ser proferida nova decisão onde se supram os apontados vícios, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica.
Custas a cargo da Recorrida, que não inclui a taxa de justiça uma vez que não contra-alegou.
Porto, 10 de Maio de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro