Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00171/06.2BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Tiago Miranda
Descritores:REQUERIMENTO DE REFORMA DE ACÓRDÃO.
Sumário:I – Se não decorre, em concreto, do alegado lapso, invocado nos termos e para os efeitos do artigo 616º nº 2 alª b) do CPC, que a sua percepção pelo Tribunal implicaria logicamente uma decisão diferente da tomada no acórdão a reformar, deve indeferir-se o pedido de reforma.

II – O Direito fundamental a uma tutela jurisdicional efectiva não é único e absoluto, tem de coexistir e por vezes ceder terreno a princípios estruturantes do Estado de Direito, com o da segurança jurídica, posto que estes não o atinjam no seu núcleo essencial, o que, seguramente, não ocorre in casu, em que o Impugnante, por lapso, alegou factos e junta documentos relevantes para outra acção que não a presente.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Indeferir o pedido de reforma do acórdão
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do indeferimento do pedido.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I - Relatório

A. e mulher, A. residentes na AVª (…), notificados do acórdão emitido em 25/06/2015, que indeferiu o pedido de reforma do acórdão emitido em 29 de Janeiro de 2015, vêm requerer a reforma daquele.

Invocam o artigo 616º nºs 1 e 2 alª b), ex vi artigo 666º, do CPC e requerem a reforma do acórdão no sentido de ser aceite como prova documental deste processo aquela que dizem ter expedido com a PI, por correio, aquando da sua apresentação.

Alegam, para tanto, que o tribunal errou manifestamente em matéria de facto, por óbvio lapso, ao indeferir a reforma do acórdão de Janeiro de 2015 no expresso pressuposto de que os Impugnantes erraram na PI, na alegação dos factos, designadamente na identificação da viatura comprada pela B., Lda, na factura e no preço, ao aproveitarem a PI elaborada para o processo 173/06.9BEMDL em que era impugnada uma liquidação adicional de IRS, também, mas relativa ao exercício de 2002 e envolvendo a aquisição de outro automóvel, quando, na verdade, o que ocorrera fora uma troca dos documentos juntos a estes autos com os juntos ao processo de impugnação nº 173/06, troca que teria ocorrido na recepção das peças na secretaria e estaria revelado na comparação da cópia do material expedido pelos requerentes (que juntam como documento nº 1) com o recebido pela secretaria, bem como pela evidente falta de relação entre o alegado na PI e e os documentos.

Mais alegam que a reforma requerida será a única via de terem acesso à tutela jurisdicional efectiva.

A Recorrida, notificada, nada veio dizer.

O MP emitiu douto parecer no sentido do indeferimento do pedido.

II- Apreciação do Requerimento

Cumpre começar por deixar claro que a decisão a reformar é a de Setembro de 2015, quer porque é essa a interpretação directa do texto do pedido, quer porque só o referido acórdão é, em abstracto, susceptível do pedido de reforma, pois quanto ao de Janeiro está esgotado o poder jurisdicional, mesmo em termos de reforma.

A norma invocada como fundamento do pedido de reforma reza assim:
Reforma da sentença
1 - A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3.
2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:
a) (…) ;
b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

É, portanto, necessário que, por lapso evidente, o Juiz não se tenha apercebido da existência, no processo, de documentos dotados de força probatória plena, que impunham uma decisão diversa da tomada.
In casu, a decisão tomada consistiu no indeferimento do pedido de reforma da sentença.

O alegado erro consistiu em não se ter, o colectivo de juízes, apercebido de que a causa das aporias encontradas na PI e na sua relação com os documentos não estava em erros na alegação dos factos mas sim em erro na junção dos documentos.

Porém, tal alegado “modus” do lapso é tudo menos evidente, pois, apesar de a liquidação indicada como impugnada na PI ser a de 2003, nos artigos 9 e seguintes são alegados sistematicamente factos de 2002.
Depois, que a troca de documentos tenha ocorrido na secretaria não era nem é uma evidência…

Consequentemente, não se pode dizer que esse “lapso”, do Colectivo, de se não ter apercebido da troca de documentos, a ter ocorrido, é revelado por documentos integrantes do processo ao tempo da emissão do acórdão.

Acresce que nada permite deduzir desse eventual erro dos pressupostos do acórdão reformando, que a sua percepção pelo colectivo de juízes implicaria decisão diversa da que foi tomada, de indeferimento do pedido de reforma do acórdão de Janeiro de 2015.

Com efeito, é inquestionável que os Requerentes construíram o recurso apreciado pelo acórdão inicial (de Janeiro de 2015) na base de factos que não constavam da PI submetida no SITAF, em vez de logo invocarem uma troca de documentos ou papeis. Ora, o que quer que tenha acontecido (troca de PIs, troca de partes de PIs e ou troca de documentos – pela secretaria ou pelo escritório da ilustre mandatária dos Requerentes – já era ou, pelo menos, devia ser evidente para os ora Requerentes, quer aquando do recurso quer aquando do primeiro requerimento de reforma.

Aliás, essa mesma valoração é aflorada logo no primeiro acórdão, o qual já refere haver o lapso (posto que na modalidade de erro na elaboração da PI, ao aproveitar a peça do processo 173/06) mas nem por isso julga procedente o recurso.
«Tal situação tem origem no facto de os Recorrentes terem impugnado as liquidações de IRS de 2002 (Proc. n° 173/06.9BEMDL - decidido na sessão anterior de 15-01 pelo mesmo Colectivo que aprecia este processo nesta data) e terem mantido no corpo das respectivas petições a mesma alegação, sendo que estavam em causa liquidações respeitantes a anos diferentes (2002 e 2003).
Ora, os factos que agora são apontados no âmbito das presentes alegações de recurso não são aqueles que foram alegados em sede de petição inicial, não contendo a lei fundamento para admitir uma tal alteração da causa de pedir, além de que não se trata de um mero lapso, sendo ainda de notar que o processo n° 173/06.9BEMDL permite ainda dizer que os Recorrentes foram alertados para a situação e não tomaram em tempo útil qualquer posição no sentido de ultrapassar a questão (…).

Depois, umã decisão diferente da reformanda, isto é, no sentido de na primeira página da PI se ler 2002 onde está 2003, com consideração dos documentos juntos ao processo 173/06, buliria com a autoridade do caso julgado formada entre as partes pelo acórdão transitado nesse outro processo, designadamente com o aí decidido relativamente a IRS de 2002.

Alegam, os Requerentes, que a reforma requerida será a única via de terem acesso à tutela jurisdicional efectiva.

O Direito fundamental a uma tutela jurisdicional efectiva não é único e absoluto, tem de coexistir e por vezes ceder terreno a princípios estruturantes do Estado de Direito, com o da segurança jurídica, posto que estes não o atinjam no seu núcleo essencial, o que, seguramente, não ocorre in casu, em que os Impugnantes, mesmo que tenha havido troca de papéis ou documentos da PI, no mandatário ou na secretaria, só depois de notificados do acórdão da segunda instância vêm invocar tal, como fundamento para um pedido de reforma do mesmo, sendo certo que, para eles, a alegada troca era perceptível desde pelo menos a notificação da sentença recorrida.

Como assim, o pedido de reforma do acórdão há-de improceder.

III - Dispositivo

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em indeferir o pedido de reforma do acórdão de 25 de Junho de 2015.
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Custas do incidente pela Recorrente, fixando-se a Taxa de Justiça em 3 UCs (tabela II do RCP).
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Porto, 23/6/2021

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento