Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00147/14.6BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:RECURSO CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE INSUPRÍVEL
IVA
Sumário:I – A redacção dada ao artigo 114.º, n.º 5, alínea a), do RGIT, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, ao fazer equivaler à falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega total ou parcial do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, teve como objectivo alargar a previsão legal de molde a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens ou serviços.
II – O artigo 79.º, n.º 1, do RGIT exige que a decisão de aplicação da coima contenha ou observe determinados requisitos, entre os quais, a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, com vista a assegurar aos arguidos a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, o que só poderá ser alcançado se os mesmos tiverem conhecimento efectivo dos factos que lhe são imputados e das normas legais em que se enquadram.
III – A decisão administrativa de aplicação da coima que se limita a indicar como normas violadas/punitivas as constantes dos artigos 114.º, n.º 2, do RGIT, e 26.º, n.º 4, do CIVA, omitindo qualquer referência ao artigo 114.º, n.º 5, alínea a), do RGIT, não dá cumprimento às exigências do artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, pondo em causa os direitos de defesa do arguido, pelo que enferma de nulidade insuprível, nos termos do disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT.
IV - Verificada, em processo judicial de contra-ordenação tributária, a nulidade decorrente da falta de descrição dos factos e da indicação das normas violadas e punitivas [cfr. artigos 79.º, n.º 1, alínea b), e 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT], há lugar à anulação da decisão administrativa e remessa dos autos à entidade administrativa, tendo em vista a possível renovação do acto sancionatório.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:N..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

N..., S.A., pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Rua…, Gondomar, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 14/05/2014, que julgou improcedente o recurso de Contra-ordenação que a condenou na coima de €14.398,41, acrescida das custas do processo no valor de €76,50, pela infracção prevista e punida pelos artigos 27.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, 114.º, n.º 2, e 26.º, n.º 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. É objecto do presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente o recurso da decisão de aplicação de coima proferida no âmbito do Processo de Contra-Ordenação n.º 0060201206004059, que determinou a fixação de coima por falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo.
B. A referida decisão encontra-se ferida de nulidade insuprível nos termos da alínea d), do n.° 1, do artigo 63.°, do RGIT, por violação do artigo 79.°, n.° 1 do mesmo diploma.
C. Com efeito, a norma punitiva invocada pela Autoridade Tributária é o artigo 114.°, n.° 2 do RGIT, sendo que, actualmente, é jurisprudência pacífica que a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui pressuposto essencial daquele preceito.
D. Assim sendo, não tendo a Autoridade Tributária logrado provar o integral recebimento do IVA, a Recorrente considera que não se encontra preenchido o tipo legal de contra-ordenação previsto e punido por aquele preceito.
E. Pelo que, nada constando da descrição dos factos justificativos da decisão de aplicação da coima, é inequívoco que não foi observada uma das exigências impostas pelo artigo 79.°, n.° 1, alínea b) do RGIT, o que acarreta, necessariamente, a nulidade da decisão administrativa de aplicação de coima, nos termos do artigo 63.°, n.° 1, alínea d) daquele diploma.
F. De acordo com o disposto no n.° 5 do artigo 63.° do RGIT, a nulidade invocada é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até à decisão se tomar definitiva, pelo que o facto de não ter sido invocada em sede administrativa ou aquando do recurso de aplicação da coima, não pode obstar ao facto de dever ser conhecida oficiosamente por este Tribunal, visto a decisão ainda não se dever considerar definitiva por não ter transitado em julgado.
G. Acresce que, não pode igualmente obstar à apreciação da nulidade invocada o facto de a mesma não ter sido apreciada em sede da decisão de que ora se recorre, uma vez que o objecto do recurso não se deve limitar às questões apreciadas pelo tribunal de 1ª instância.
H. Ademais, e ainda que se argumente que a situação é, porventura, enquadrável na alínea a), do n.° 5, do artigo 114.º do RGIT, sempre se dirá que a decisão administrativa de aplicação de coima omite qualquer referência àquele preceito, incumprindo também, deste modo, as exigências impostas pela alínea b), do n.° 1, ao artigo 79.° do RGIT, pelo que seria igualmente nula, de acordo com a alínea d), do n.° 1, do artigo 63.° do RGIT.
I. Caso se considere que o processo de contra-ordenação não padece da nulidade supra referida - o que por mero dever de patrocínio se invoca, mas sempre sem conceder - a Recorrente considera que a coima aplicada deve ser substituída por uma admoestação, uma vez que, atentas as circunstâncias concretas, a mesma é suficiente para salvaguardar as necessidades de prevenção visadas pela punição pela não entrega atempada do imposto.
J. Com efeito, a Recorrente considera que a utilização do conceito de “contra-ordenação grave” previsto no artigo 23.° do RGIT para efeitos de possibilidade, ou não, da aplicação da admoestação, constitui, neste caso, uma clara violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade, porquanto onerar o atraso de 1 dia útil no pagamento do imposto com uma coima no valor de €14.398,41 é claramente excessivo e violador daqueles princípios.
K. Pelo que, perante a factualidade dada como provada nos presentes autos, bem como o entendimento jurisprudencial do STA em situação idêntica, a Recorrente considera que, sem prejuízo da nulidade insanável acima descrita, a qual se invoca para todos os efeitos legais, estão reunidas as condições para a aplicação da admoestação, sob pena de violação dos princípios acima enunciados.
Nestes termos e nos mais de Direito, se requer a V. Exa. se digne julgar procedente o presente recurso, por provado, e, em consequência revogar a Sentença recorrida e substituí-la por Acórdão que:
a) Revogue a decisão de aplicação de coima ora sindicada, por a mesma padecer de nulidade insuprível, nos termos conjugados dos artigos 79.º, n.º 1, alínea b) e do artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT; ou, subsidiariamente e sem prescindir,
b) Substitua a coima aplicada por uma admoestação, por se verificarem as circunstâncias atenuantes previstas no artigo 51.° do RGCO.

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O Digno Magistrado do Ministério Público junto do TAF de Penafiel respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso, tendo concluído da seguinte forma:
1ª. - A manutenção da decisão de aplicação de coima da AT, quanto à imputação ao/à arguido/a/recorrente da prática da contra-ordenação em questão, ficou a dever-se, em síntese, atenta a matéria de facto provada e respectiva fundamentação/motivação e subsequente análise/enquadramento jurídica/o, à conclusão da respectiva efectiva prática pelo/a arguido/a/recorrente, nas circunstâncias de tempo, lugar e modo constantes dos autos, à gravidade da contra-ordenação em causa e à culpa.
2ª. - Quer na decisão da AT (DECISÃO DA FIXAÇÃO DA COIMA e respectivo/a Anexo ao Despacho de Fixação de coima de fls. 14 a 16), quer na douta sentença ora em recurso consta o cumprimento da obrigação fiscal em causa.
3ª. - Acresce a tese apresentada pelo/a ora recorrente no exercício do direito de defesa, nos termos dos art°. 71° do RGIT a fls. 7 a 10 e parcialmente repetida no recurso da decisão da AT, da qual resulta que, diferentemente do que ora pretende o/a recorrente, o IVA constante das facturas teria então já sido recebido.
4ª. - As alegações do/a recorrente consubstanciam verdadeiro venire contra factum proprium.
5ª. - A conclusão/pretensão do/a recorrente de não ter sido “.../... observada uma das exigências impostas pelo artigo 79º, n.° 1, alínea b) do RGIT, o que acarreta necessariamente, a nulidade da decisão administrativa de aplicação de coima, nos termos do artigo 63. °, n.° 1, alínea d) daquele diploma.” (sic) é, além de ilógica, inaceitável.
6ª. - Não se verificando a invocada nulidade, resulta despiciendo analisar o subsequentemente alegado pelo/a recorrente quanto à possibilidade de conhecimento oficioso, ora pelo Venerando TCAN, da mesma.
7ª. - Face à argumentação constante do Anexo ao Despacho de Fixação de coima que se dá por reproduzida, a decisão da AT sub judice mostra-se válida e contém todos os requisitos legalmente exigíveis nos termos do disposto no art°. 79º, nº 1, do RGIT, mormente o previsto na respectiva al. b), cujas exigências o/a recorrente pretende não terem sido observadas.
8ª. - Na questão “Da nulidade insuprível de indicação da norma legal aplicável” continua o/a recorrente a partir do errado pressuposto de que na descrição dos factos tinha que constar, ora então, o não recebimento do imposto em causa.
9ª. - Sendo a questão basicamente a mesma, o alegado nesta parte perde todavia eficácia e utilidade face à conclusão supra no sentido da validade da decisão recorrida.
10ª. - Considera-se integrada e reproduzida a douta argumentação expendida na sentença ora em recurso sobre a problemática “Da suficiência da admoestação” com a qual se concorda.
11ª. - “A aplicação da admoestação está inviabilizada por não estarem verificados os pressupostos legais do art. 51.º do RGIMOS.” (sic sentença recorrida).
12ª. - A decisão de aplicação de coima da AT não enferma do alegado vício - nulidade insuprível -, nem aliás de qualquer outro.
NESTES TERMOS e nos demais que V. EXCIAS doutamente suprirão, deve a douta decisão/sentença recorrida ser confirmada/mantida, negando-se provimento ao interposto recurso.
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A entidade recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se a fls. 94 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

No artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.
Não obstante, este tribunal apreciará e decidirá as questões colocadas pela Recorrente, sendo que importa apreciar as invocadas nulidades insupríveis, por omissão na descrição dos factos e de indicação da norma legal aplicável; bem como o erro de julgamento na decisão que considerou não estarem verificados os pressupostos legais do artigo 51.º do RGIMOS para aplicação de admoestação em substituição da coima de €14.398,41.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância, com relevância para a decisão da causa, foram considerados provados os seguintes factos:
“(…)

A. À recorrente foi aplicada, por decisão de 06/02/2013, uma coima de €14.398,41, acrescida das custas do processo de contra-ordenação no valor de €76,50, pela infração praticada em 10/02/2012, por falta de entrega da prestação tributária no prazo legal, conforme melhor consta da decisão de fls. 18 a 20 verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

B. A recorrente procedeu à entrega da prestação tributária em falta em 13/02/2012 (fls. 20 verso).

3.1.1) Motivação.

A matéria de facto provada resultou da convicção do Tribunal fundada nos documentos constantes dos autos, juntos pelo recorrente e pela entidade administrativa, que não foram impugnados.”

2. O Direito

Iniciando a análise, importa apreciar e decidir se a decisão de aplicação de coima violou os artigos 79.º, n.º 1, alínea b) e 63.º, n.º 1, alínea d), ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), na medida em que, segundo a Recorrente, a decisão de aplicação da coima padece de nulidade insuprível, por omissão na descrição dos factos e por omissão de indicação de norma legal aplicável.
A decisão refere que a infracção consistiu na falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo, punível pelo artigo 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT.
O citado artigo 114.º do RGIT prevê a aplicação de coima nas seguintes situações:
“1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido. (Redacção dada pelo artigo 155.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
3 - Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja.
4 - As coimas previstas nos números anteriores são também aplicáveis em qualquer caso de não entrega, dolosa ou negligente, da prestação tributária que, embora não tenha sido deduzida, o devesse ser nos termos da lei.
5 - Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:
a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais; (Redacção dada pelo artigo 113.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro)
b) A falta de pedido de liquidação do imposto que deva preceder a alienação ou aquisição de bens;
c) A falta de pedido de liquidação do imposto que deva ter lugar em prazo posterior à aquisição de bens;
d) A alienação de quaisquer bens ou o pedido de levantamento, registo, depósito ou pagamento de valores ou títulos que devam ser precedidos do pagamento de impostos; e) A falta de liquidação, do pagamento ou da entrega nos cofres do Estado do imposto que recaia autonomamente sobre documentos, livros, papéis e actos;
f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta.
6 - O pagamento do imposto por forma diferente da legalmente prevista é punível com coima de (euro) 75 a (euro) 2000. (Redacção dada pelo artigo 155.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).”
Sustenta a Recorrente que a norma citada não pode ser aplicada ao presente caso, porquanto não consta dos autos que o IVA constante das facturas tenha sido integralmente recebido, afirmando tal não acontecer. Acrescentando ser jurisprudência pacífica que a prévia dedução da prestação tributária não entregue constituir pressuposto essencial de aplicação do artigo 114.º, n.º 2 do RGIT. Pelo que, nos casos em que não se verificou o recebimento do imposto, não se encontra preenchido o tipo legal de contra-ordenação previsto e punido por aquele preceito.
Vejamos, então.
Dispõe o artigo 63.º, nºs 1, al. d) e 3 do RGIT que:
“1 - Constituem nulidades insupríveis no processo de contra-ordenação tributário:
(…)
d) A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido.
(…)
3 - As nulidades dos actos referidos no n.º 1 têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos.”
Dispõe o artigo 79.º do RGIT, sob a epígrafe “Requisitos da decisão que aplica a coima”, o seguinte:
“1 - A decisão que aplica a coima contém:
a) A identificação do infractor e eventuais comparticipantes;
b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;
c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infractor tiver entretanto melhorado de forma sensível;
e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f) A condenação em custas.
2 - A notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de 20 dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva.
3 - A notificação referida no número anterior é sempre da competência do serviço tributário referido no artigo 67.º”

O teor da decisão de fixação da coima de fls. 18 a 20 verso (que foi dado por reproduzido na sentença recorrida) consta dos factos provados.
Ora, quanto à exigência relativa à descrição sumária dos factos pode afirmar-se que da decisão de aplicação da coima consta o montante de imposto exigível (€95.989,45), referente ao mês de Dezembro de 2011, que esta prestação tributária foi integralmente entregue em 13/02/2012, mas que tinha como prazo para cumprimento da obrigação 10/02/2012. Acrescenta-se que, porque a arguida não entregou nos cofres do Estado o IVA relativo ao mês de Dezembro de 2011, dentro do respectivo prazo legal, que terminou em 10/02/2012, só o vindo a fazer em 13/02/2012, ocasionou, com a sua conduta, prejuízo na execução da despesa orçamentada por parte do Estado.
Há que dizer, ainda, que a decisão sancionatória não faz qualquer referência ao facto da arguida, ora Recorrente, ter recebido e deduzido o IVA em data anterior à entrega da declaração periódica e do respectivo pagamento. Se este facto constitui um elemento constitutivo do ilícito contra-ordenacional previsto e punido nos nºs 1 e 2 do artigo 114º do RGIT, então não se pode dizer que a decisão que aplicou a coima contenha a descrição sumária dos factos.
Contudo, a partir da nova redacção dada à alínea a) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que passou a cominar como contra-ordenação, consubstanciada na falta de entrega da prestação tributária, “A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais”, o efectivo recebimento do imposto deixou de ser elemento do tipo legal da contra-ordenação.
Segundo a redacção anterior, o preceito limitava-se a prever, para efeitos contra-ordenacionais, como falta de entrega da prestação tributária: “a falta de liquidação, liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais.”
Como se refere no Acórdão do STA, de 16/05/2012, proferido no âmbito do processo n.º 0160/12, mencionado pela Recorrente, “(…) cotejando a letra dos dois preceitos, não podemos deixar de aceitar que de facto se verificou um alargamento da previsão legal, pois ao fazer equivaler à falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega, total ou parcial, do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, afigura-se de facto que se retoma a redacção do anterior art. 95.º do CIVA.
Concorda-se (…) que o referido preceito teve como objectivo alargar a previsão legal de molde a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens ou serviços (…)”.
Aqui chegados, mostra-se irrelevante, actualmente, constar na descrição dos factos o circunstancialismo do recebimento, ou não, do IVA, pois o efectivo recebimento do imposto deixou de ser elemento do tipo legal da contra-ordenação.
Assim, o facto de, em nenhum momento anterior, que não agora nesta sede de recurso, a Recorrente sequer ter aflorado essa circunstância, não apresenta a pertinência apontada pelo Ministério Público. Aliás, este aventa mesmo observar-se um “venire contra factum próprio”, atenta a postura adoptada em fase de recurso. Na verdade, aquando da apresentação da sua defesa escrita, a Recorrente afirma ter diligenciado pelo pagamento dentro do prazo legal junto do Banco e que, por circunstâncias que lhe foram alheias, o Banco somente efectuou o pagamento no dia útil seguinte ao termo do prazo. Acentuando nunca ter considerado não ser devida a prestação em falta. Reiterando o mesmo circunstancialismo subjacente ao pagamento do imposto em sede de recurso de contra-ordenação.
Logo, atento o disposto no artigo 114.º, n.º 5, alínea a) do RGIT, a factualidade sumariamente descrita na decisão de aplicação de coima é suficiente para enquadramento do caso concreto (de um dia útil de atraso na entrega do IVA), mostrando-se, nesta parte, cumprido o disposto no artigo 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte do RGIT.
Efectivamente, o artigo 79.º, n.º 1, do RGIT exige que a decisão de aplicação da coima contenha ou observe determinados requisitos, entre os quais, a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas. O objectivo de tal exigência prende-se com assegurar aos arguidos a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, o que só poderá ser alcançado se o mesmo tiver conhecimento efectivo dos factos que lhe são imputados e das normas legais em que se enquadram. Neste sentido, as exigências do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT “devem considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício do direito de defesa, isto é, a decisão deverá conter os elementos necessários para afastar quaisquer dúvidas fundadas do arguido sobre todos os pontos do acto que o afecta (…), sendo que “é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (cfr. artigo 32.º, n.º 10, da CRP) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT” - cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, Áreas Editora, 2.ª edição, página 517.
É que, como bem se entende, a exigência legal de a decisão de fixação da coima conter os elementos assinalados na alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, para além de visar dar ao arguido todos os elementos necessários à sua defesa, assume um outro objectivo, no contexto da actuação da entidade administrativa que fixa a coima, qual seja o de assegurar que, no momento de decidir, essa entidade esteja na posse de todos os elementos relevantes para, com ponderação, aplicar e fixar a coima.
A exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade de racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada.
In casu, através da fundamentação, verifica-se que foi ponderada a possibilidade de dispensa da coima, considerando tratar-se de um único dia útil de atraso na entrega do IVA, mas entendeu-se não estarem preenchidos os requisitos previstos no artigo 32.º, n.º 1 do RGIT, por a sua conduta ter ocasionado prejuízo na execução da despesa orçamentada por parte do Estado (está em causa a falta de cumprimento de uma prestação tributária).
Acontece que, no caso dos autos, a decisão administrativa de aplicação da coima limita-se a indicar como normas violadas as constantes do artigo 27.º, n.º 1 e do artigo 41.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA e como normas punitivas as do artigo 114.º, n.º 2 e do artigo 26.º, n.º 4 do RGIT.
Ao omitir qualquer referência ao artigo 114.º, n.º 5, alínea a), do RGIT, a decisão administrativa de aplicação da coima não está a dar cumprimento às exigências do artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, pondo em causa os direitos de defesa do arguido. Se as normas que enquadram as condutas consideradas ilícitas não são correctamente referenciadas ou são omitidas, fica desta forma impossibilitado o arguido de dirigir a sua defesa contra tais preceitos – cfr. o referido Acórdão do STA, de 16/05/2012, proferido no âmbito do processo n.º 0160/12.
Assim sendo, na linha da segunda nulidade arguida pela Recorrente, não pode ter-se como adequadamente cumprido o requisito a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT in fine (indicação das normas violadas e punitivas), por falta de indicação do artigo 114.º, n.º 5, alínea a) do RGIT, omissão essa que constitui nulidade insuprível, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT.
Nestes termos, face ao que vem dito, impõe-se declarar a nulidade insuprível, decorrente da falta de requisitos legais, da decisão que aplicou a coima impugnada, sendo, também, de anular a decisão recorrida.
Nesta conformidade, fica, naturalmente, prejudicado o conhecimento da última questão acima autonomizada respeitante à viabilidade de substituição da coima por uma admoestação, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC ex vi artigo 663.º, n.º 2 do CPC.

Apenas uma última referência relativa à renovação do acto de fixação da coima.
Como uniformemente os Tribunais Superiores têm vindo a entender, “decretada em processo judicial de contra-ordenação a nulidade insuprível da decisão administrativa de aplicação da coima, há lugar à baixa dos autos à autoridade tributária que aplicou a coima para eventual renovação do acto sancionatório.
A razão de ser deste entendimento encontra-se claramente espelhada, entre muitos outros, no Acórdão deste Tribunal de 3 de Junho de 2009 (rec. n.º 444/09), para o qual se remete no que à fundamentação jurídica da decisão agora tomada respeita.
Aí se deixou expresso o seguinte entendimento, igualmente válido no caso dos autos:
«Nos termos dos n.ºs 3 e 5 do citado artigo 63.º do RGIT, a nulidade referida no n.º 1 do mesmo preceito, que é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até a decisão se tornar definitiva, tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto inquinado dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças processuais úteis ao apuramento dos factos.
Ora, como se tem vindo a dizer em inúmeros acórdãos desta Secção (v. Acs. de 6/11/02, 18/2/04, 22/9/04, 11/4/07, 20/6/07 e 31/10/07, nos processos 1507/02, 1747/03, 531/04, 204/07, 411/07, e 754/07, respectivamente), a qualificação dessa nulidade como insuprível não significa que ela não possa ser sanada, mas antes que o decurso do tempo não tem esse efeito, pelo que a sanação respectiva só pode concretizar-se com a supressão da deficiência ou irregularidade, designadamente com a prática, de acordo com a lei, do acto omitido ou da irregularidade praticada.
Assim, a nulidade por falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima não impede que venha a ser proferida nova decisão em substituição da anulada desde que prolatada até ao trânsito em julgado da decisão final, tanto na fase administrativa como na judicial” – cfr., entre muitos outros, o acórdão do STA, de 28/04/10, proferido no âmbito do processo n.º 270/10.

Portanto, e como se determinará, após baixa dos autos ao tribunal recorrido, deverá este remeter os mesmos à autoridade tributária que aplicou a coima, no sentido de eventual renovação do acto sancionatório – não perdendo de vista os princípios da adequação e da proporcionalidade.

Conclusão/Sumário

I – A redacção dada ao artigo 114.º, n.º 5, alínea a), do RGIT, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, ao fazer equivaler à falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega total ou parcial do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, teve como objectivo alargar a previsão legal de molde a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens ou serviços.
II – O artigo 79.º, n.º 1, do RGIT exige que a decisão de aplicação da coima contenha ou observe determinados requisitos, entre os quais, a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, com vista a assegurar aos arguidos a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, o que só poderá ser alcançado se os mesmos tiverem conhecimento efectivo dos factos que lhe são imputados e das normas legais em que se enquadram.
III – A decisão administrativa de aplicação da coima que se limita a indicar como normas violadas/punitivas as constantes dos artigos 114.º, n.º 2, do RGIT, e 26.º, n.º 4, do CIVA, omitindo qualquer referência ao artigo 114.º, n.º 5, alínea a), do RGIT, não dá cumprimento às exigências do artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, pondo em causa os direitos de defesa do arguido, pelo que enferma de nulidade insuprível, nos termos do disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT.
IV - Verificada, em processo judicial de contra-ordenação tributária, a nulidade decorrente da falta de descrição dos factos e da indicação das normas violadas e punitivas [cfr. artigos 79.º, n.º 1, alínea b), e 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT], há lugar à anulação da decisão administrativa e remessa dos autos à entidade administrativa, tendo em vista a possível renovação do acto sancionatório.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anulando-se todo o processado subsequente à decisão de fixação da coima, por enfermar de nulidade insuprível, incluindo a decisão recorrida, devendo o processo baixar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, para que este o remeta à autoridade tributária que aplicou a coima, com vista a eventual renovação do acto sancionatório.
Sem custas, pois que o Ministério Público delas está isento e a entidade recorrida não contra-alegou.

D.N.

Porto, 12 de Fevereiro de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves