Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00481/14.5BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/20/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:APOIO JUDICIÁRIO. DESISTÊNCIA DO PEDIDO. RATIFICAÇÃO.
Sumário:I) – No âmbito do apoio judiciário o patrono nomeado tem apenas poderes gerais forenses.
II) – Pode a parte recusar ratificar desistência do pedido apresentada por patrono sem poderes para tanto, mesmo que antes essa tenha correspondido à sua vontade; fora dos casos em que o Direito dita de outro modo [como no paradigma do negócio jurídico], não existe um princípio geral de proibição do comportamento contraditório que impeça liberdade ao indivíduo em mudar de opinião e de conduta.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JMFRC
Recorrido 1:Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento.
1
Decisão Texto Integral:JMFRC (Estabelecimento Prisional de B…), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Penafiel, em acção administrativa especial intentada contra Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais ().

O recorrente formula as seguintes conclusões:
1. Se analisarmos correctamente a situação factica e jurídica em causa, estamos indubitavelmente, perante uma decisão que padece de erro de direito e erro na fundamentação jurídica.

2. Pelo que, através do presente recurso se pretende a sua reponderação.

3. A decisão subjudice, incorreu em erro de direito por violação frontal do Art. 291°, n.º 3 do CPC.

4. Efectivamente, o juiz a quo, descurou que, no caso concreto, estava perante um direito do A. e, desse modo pôs em causa legítimas expectativas, direitos e interesses legalmente protegidos.

5. Contudo, mesmo por mera hipótese académica, se assim não o entendesse, deveria ter dado cumprimento ao poder-dever que sobre ele impende ao julgar, de proceder ao convite da parte para o esclarecimento acerca da pronúncia efectuada - esclarecê-la, fundamentá-la.

6. Esse convite constitui um poder-dever, imposto pelos princípios antiforrnalista, pro actione e in dubio pro habilitate instantiae - que enformam o art.º 508.º do CPC e o art.° 7.° do CPTA - os quais impõem que se privilegie a interpretação mais favorável ao acesso à justiça e à emissão de pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas.

7. Ou seja, não resulta de uma mera faculdade, mas sim um poder-dever que é conferido ao julgador.

8. E como vem sendo decidido por esse Venerando Tribunal «solução contrária constituiria uma restrição excessiva e desproporcional do princípio da plenitude da garantia judiciária...» AC. TCA/N, de 20/1/2005 e de 6/4/2006, in Proc. 98/04 e 299/04.

9. Efectivamente, com a decisão, objecto do presente recurso, o Juiz a quo desconsiderou os princípios supra referidos, na exacta medida em que o Requerente, pode "aproveitar" os presentes autos para assegurar a tutela dos seus direitos e não ter que propor uma outra, ou que se forme caso julgado, o que obsta à propositura de nova acção para acautelar o mesmo direito.

10. É nisto que consiste os princípios da tutela jurisdicional efectiva, antiformalista, pro actione e in dubiopro habilitae instantiae.

11. Pelo que, urge, efectivamente, uma reponderação sobre o caso sub iudice, já que da forma como a sentença a quo aplicou o direito, não acautelou ou assegurou uma justa e completa solução do litígio e bem assim assegurou direitos, interesses e expectativas legalmente protegidos do Requerente postos em causa pelo Recorrido, como melhor vertido na p.i..

A recorrida, para além de vir dar resposta para os termos da causa, contra-alegou o recurso, nesta parte concluindo não existir erro de julgamento, dando por esgotado o poder jurisdicional com a sentença homologatória da desistência.


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A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, notificada para efeitos do art.º 146º do CPTA, deu Parecer de não provimento do recurso.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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A questão a decidir reconduz-se, em síntese, a saber se desistência do pedido apresentada pelo autor/recorrente, pode, ou não, ter-se como ratificada.
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Os factos, que podemos ter como assentes:
1º) - O ora recorrente/autor (representado por patrona nomeada, no âmbito do apoio judiciário) instaurou acção administrativa especial, na qual peticionou a anulação do ato que determinou a sua transferência do Estabelecimento Prisional de PF para o Estabelecimento Prisional de B... – cfr. p. i. e ofício de nomeação, proc. físico.
2º) - Por requerimento subscrito pela patrona nomeada, em 30/06/2014, veio aos autos desistir do pedido - cfr. fls. 28, proc. físico.
3º) - Ao que o tribunal “a quo”, em 04.07.2014, proferiu decisão julgando válida a desistência, determinando notificação do autor “nos termos e para os afeitos do estatuído no artigo 291º nº 3 do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA” - cfr. fls. 30/1, proc. físico.
4º) - Do que foi notificado em 04.07.2014 - cfr. fls. 38, proc. físico.
5º) - Ao que veio dizer, por missiva enviada aos autos em 15.07.2014 - cfr. fls. 39, proc. físico.:
«1. Não obstante o pedido de desistência ter sido por mim solicitado, porquanto houve um pedido de transferência interno, para eu poder sair deste E.P., a verdade é que até ao dia de hoje ainda qui estou.
2. Significa então que mantenho a minha pretensão da ação acima referida a prosseguir contra a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de modo a ser tomada decisão judicial pelo T.A.F. competente.
3. Desta feita, venho junto de V.Ex.ª requerer:
Se dê sem efeito o pedido de desistência e que a ação principal e a ação cautelar prossigam os termos legais, uma vez que ainda continuo recluso no E.P. de B... (...)»
6º) - Ao foi dada seguinte decisão, de 02/09/2014 - cfr. fls. 49, proc. físico:
«Requerimento a fls. 39 do processo físico:
Na sequência da respectiva notificação nos termos e para os efeitos do artigo 291.º' n. º 3 do Código de Processo Civil (C.P.C), veio o autor requerer seja o pedido de desistência por si formulado dado sem efeito, e em consequência, prossigam os autos os seus termos, com a maior celeridade possível.
Nos termos do citado n.º 3, do artigo 291.º C.P.C., o mandante, se quiser opor-se ao ato do mandatário, não carece de interpor recurso, para o que, em princípio, teria de constituir novo advogado; basta-lhe declarar, por termo no processo ou através de requerimento por si subscrito, que não ratifica o ato do mandatário, desde que o faça nos dez dias seguintes à notificação pessoal da sentença homologatória.
Ora, no caso dos autos, na sequência da aludida notificação veio o autor afirmar que o pedido de desistência foi por si solicitado- embora o pretendesse, agora, dar sem efeito- do que deriva uma inequívoca ratificação do ato (desistência) praticado pela sua mandatária, o qual produziu, assim, os seus efeitos.
Nestes termos, com a prolação da sentença homologatória da desistência do pedido- cfr. fls. 30 e 31 do processo físico- e atenta, ainda, a sobredita produção de efeitos do ato de desistência, encontra-se esgotado o poder jurisdicional, termos em que improcede o requerido a folhas 39 do processo fisico.
(…)»
*
O direito:
A decisão recorrida é a por último enuciada supra em 6º) do elenco fáctico.
Podemos assinalar que tudo sucede em igualdade de incidências e discurso com o que em paralelo se passou em sede de tutela cautelar, no proc. nº 481/14.5BEPNF-A.
Também aí, vivida mesma situação, o tribunal “a quo” teve igual entendimento, motivando recurso para este TCAN, que por Ac. de 20-11-2014 ponderou :

«(…)
O Tribunal a quo entendeu que tendo o aqui Recorrente, em sede de resposta à notificação que lhe foi dirigida para efeitos do disposto no n.°3 do artigo 291.° do CPC, declarado expressamente que a desistência do pedido foi por si solicitado, embora o pretendesse agora dar sem efeito, daí deriva uma inequívoca ratificação do ato (desistência do pedido) praticado pela sua mandatária, o qual, assim, produziu os seus efeitos, pelo que, com a prolação da sentença homologatória da desistência do pedido e a produção de efeitos do ato de desistência, encontra-se esgotado o poder jurisdicional do tribunal nos referidos autos, assim improcedendo o requerido pelo Recorrente a folhas 45 e 61 a 64 do processo físico.
Este entendimento foi também secundado pelo Ministério Público no parecer de fls. 132, onde aduz que o requerente cautelar, ora Recorrente «não podia vir aos autos declarar que não ratifica o ato da sua mandatária, na sequência da sua notificação da sentença liomologatária, quando é ele próprio que declara que o pedido de desistência foi por si solicitado. Daí que tenha havido uma clara ratificação do ato de desistência praticado pela sua mandatária, produzindo, assim, os seus efeitos».
Para bem decidirmos esta questão importa, primo, ter presente o conceito de mandato forense e as disposições pelas quais o mesmo se rege, e, bem assim, o que se entende por ratificação
Conforme é sabido, o mandato forense é uma sub-espécie do contrato de mandato, definido no art°. 1157° do Código Civil, como aquele pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra.
O mandato forense é, na definição de João Lopes Reis, in "Representação Forense e Arbitragem", pág. 43, «o contrato pelo qual um advogado (ou um advogado estagiário ou um solicitador) se obriga afazer a gestão jurídica dos interesses cuja defesa lhe é confiada, através da prática, em nome e por conta do mandante, de actos jurídicos próprios da sua profissão”.
O contrato existente entre o advogado e o cliente é o de mandato com representação, quer haja ou não procuração constante de instrumento, o qual só é indispensável nos termos do artigo 262°, no. 2, do Código Civil, quando tenha de revestir a forma exigida para o negócio que o procurador tenha de realizar - Ac. da R.P. de 01/06/2006, proferido no Proc. 0631913.
Por sua vez, a procuração é definida no art.° 262°, no. 1, do mesmo código como ato pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos.
Conforme se afirma impressivamente no Acórdão da Relação do Porto, de 27/04/2006, tirado no processo n.° 0631945, disponível em www,dpsi.pt ,o mandato e a procuração não se confundem, podem coexistir ou andar dissociados: aquele sem esta, esta sem aquele.
Ainda segundo a jurisprudência veiculada pelo Ac. do STJ, de 16/04/96, in C.J., T.2, pág. 22, o poder de praticar os atos é conferido ao mandatário, pelo mandante, através do mandato; a procuração apenas representa a exteriorização desses poderes.
Há, no entanto, especiais exigências de forma quanto ao modo como se confere o mandato judicial em processo civil, constantes do artigo 43.° do C.P.C., onde se prevê que o mandato judicial pode ser conferido por instrumento público ou por documento particular, nos termos do Código do Notariado e da legislação especial (al a) ou por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo (al b).
Outros modos de exteriorização do mandato judicial não são admissíveis em processo civil.
A característica fundamental da representação é a produção de efeitos na esfera jurídica de uma pessoa distinta da que manifesta a vontade negocial.
Assim, é essencial a existência de legitimação representativa, só podendo o representante atuar em nome do representado, vinculando-o às consequências do ato praticado, se dispuser de poderes para tal.
Não existindo o necessário poder de representação, apenas a ratificação do representado torna o negócio eficaz na sua esfera jurídica.
Neste sentido, estabelece o artigo 268.°, n.°l do CC : “O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado ".
Na representação voluntária, como é o caso do mandato forense, os poderes do representante procedem da vontade do representado, exteriorizada numa declaração negocial designada por procuração (cfr. artigo 261.º do CC).
Nos termos do artigo 262.º, n.º2 do CC “Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar pelo que, a procuração pode ser verbal ou escrita, consoante os negócios a concluir sejam consensuais ou requeiram a forma escrita.
Na síntese de Antunes Varela e Pires de Lima, in C.C. Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 244, referindo-se ao n.°2 do art.º 262.° do C. C., afirmam que "É no entanto, uma regra geral de aplicação certa nos casos em que se exija para o acto apena a forma escrita. Quando assim seja, a procuração deve igualmente ser passada por escrito. Em relação a actos para os quais não se exija sequer a forma escrita valerá a procuração verbal".
Sendo assim, claro se torna que a procuração para efeitos da atribuição do mandato forense, tem de revestir a forma escrita.
Por outro lado, nos termos do disposto no n.°l do art.° 44.º do CPC "O mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os atos e termos do processo principal e respetivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores, sem prejuízo das disposições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante”.
Uma dessas disposições,é precisamente a do n.°2 do artigo 45.º do CPC, onde se estabelece que "Os mandatários judiciais só podem confessar a ação, transigir sobre o seu objeto e desistir da instância quando estejam munidos de procuração que os autorize expressamente a praticar qualquer desses actos”.
Isto dito, na situação dos autos verifica-se que o Recorrente outorgou procuração escrita à sua mandatária, pela qual lhe atribuiu, apenas, poderes forenses gerais e que, sem lhe ter sido outorgada procuração com poderes especiais para o efeito, a mesma subscreveu requerimento de desistência do pedido em nome do seu constituinte, o ora Recorrente.
A lei não impede os mandatários judiciais que não sejam portadores de procuração atributiva de poderes especiais, de poderem confessar, desistir ou transigir em nome dos seus constituintes, mas comina a decisão homologatória proferida pelo tribunal de nulidade, caso o mandante, após notificação, não ratifique a desistência apresentada pelo mandatário.
De acordo com o disposto no nº1 do artigo 268.° do C.Civil, a ratificação é a declaração de vontade pela qual alguém faz seu, ou chama a si, o ato jurídico realizado por outrem em seu nome, mas sem poderes de representação -cfr. neste sentido AntunesVarela, "Das Obrigações em geral", Vol. 1, 5ª ed., pág. 417.].
Pretende-se, através da exigência da ratificação, proteger os interesses do mandante a fim de obstar a que uma intervenção processual sem poderes para o efeito ou exercida em termos deficientes possa prejudicar a sua posição substancial na relação jurídica litigada [Em abono vide Antunes Varela " Manual de Processo Civil", 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 189 e ss( 194 e nota 1), Castro Mendes, Manual de Processo Civil, 1980, II, pág. 150, nota 1, José Lebre de Freitas et alia, "Código de Processo Civil Anotado" 1° Vol., Coimbra editora, 1999, pág. 81/82, nota 2 ao artigo 40]].
Nos termos do n.°3 do artigo 291.º do CPC " Quando a nulidade provenha unicamente da falia de poderes do mandatário judicial ou da irregularidade do mandato, a sentença homologatória é notificada pessoalmente ao mandante, com a cominação de, nada dizendo, o ato ser havido por ratificado e a nulidade suprida; se declarar que não ratifica o ato do mandatário, este não produz quanto a si qualquer efeito".
Ora, para efeitos da ratificação da desistência do pedido, apresentada por mandatário judicial sem poderes especiais para o efeito, a lei não exige que seja junta uma procuração escrita na qual se ateste que foram atribuídos poderes especiais ao mandatário para que o ato por si praticado seja eficaz, sequer que o mandante venha aos autos informar, por escrito, que ratifica o ato praticado pelo seu mandatário sem poderes especiais para o efeito, bastando-se, pois, com o silêncio do mandante, desde que o mesmo tenha sido notificado com a advertência de que nada dizendo o ato se teria por ratificado e a nulidade suprida.
Porém, estabelece a lei que se o mandante declarar que não ratifica o ato praticado pelo seu mandatário, este não produz quanto a si qualquer efeito.
Ora, a questão que agora se nos coloca é exatamente a de saber se a resposta apresentada pelo mandante, na sequência da notificação que lhe foi efetuada pelo tribunal a quo, para efeitos do n.°3 do artigo 291.º do CPC vale como ratificação ou, se ao invés, dela se tem de extrair o sentido duma não ratificação do ato praticado pela sua mandatária.
O teor literal da resposta enviada pelo mandante na sequência da notificação que lhe foi dirigida pelo tribunal para efeitos do n.°3 do artigo 291.º do CPC é o seguinte:
"Eu, JMFRCC,… após ter sido notificado do conteúdo da desistência, venho junto de VExa informar o seguinte:
1-Não obstante ao pedido de desistência ter sido por mim solicitado, porquanto houve um pedido de transferência interno, para eu poder sair deste E.P., a verdade é que até ao dia de hoje ainda aqui estou.
2- Significa então que, mantenho a minha pretensão da ação acima referida prosseguir contra a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de modo a ser tomada decisão judicial pelo TAF competente.
3-Desta feita, venho junto de V.Ex.ª requerer que:
Se dê sem efeito o pedido de desistência e que a ação cautelar e ação principal prossiga os termos legais, uma vez que ainda continuo recluso no EP de B...".
Destas declarações do Recorrente, resulta que aquando da apresentação do pedido de desistência por parte da sua mandatária, a sua vontade coincidia com o ato que foi praticado pela mesma, tendo aliás esse pedido de desistência sido solicitado por si à sua mandatária, conforme o mesmo expressamente confessou.
Porém, nesse momento, o mesmo não outorgou à sua mandatária procuração com poderes especiais que a habilitassem a praticar o referido ato, de tal modo que, aquela desistência fosse eficaz em relação a si e não fosse necessário, para obstar à nulidade da decisão homologatória, a sua notificação nos termos e para os efeitos do disposto no n°3 do artigo 291.º do CPC.
Por outro lado, pese embora o Recorrente afirme que solicitou á sua mandatária a pratica do ato em causa, a verdade insofismável é que no momento em que é notificado para se pronunciar sobre se ratifica ou não aquele ato, ou seja, no momento em que a exteriorização da sua vontade em sentido concordante com o ato praticado assume relevância para os termos do n°3 do artigo 291.º do CPC, aquele veio declarar não querer desistir do pedido, e pretender que a ação prossiga.
Com essa declaração, o que pode concluir-se é que o Recorrente não ratificou a desistência do pedido apresentado pela sua mandatária. É que, de contrário o mesmo ter-se-ia conformado com o mesmo e com as consequências dai decorrentes e, claramente, como informam os autos, não foi isso que sucedeu.
Sendo assim, só pode concluir-se que no momento em que o mandante, ora Recorrente, é chamado a pronunciar-se sobre se aceita a desistência do pedido e a sentença homologatória, o mesmo declarou expressamente pretender que os autos prossigam.
A correta interpretação da vontade do mandante, in casu, do Recorrente, só pode ser no sentido de que o mesmo, com a declaração que apresentou em resposta à notificação que lhe foi dirigida pelo Tribunal a quo para efeitos do n.°3 do artigo 291.º do CPC, afirmou claramente não ratificar a desistência do pedido apresentada pela sua mandatária.
Nessa conformidade, impõe-se ordenar a revogação da decisão recorrida e, em sua substituição, proferir decisão que ordene o prosseguimento dos autos, por tal desistência não produzir qualquer efeito em relação ao Recorrente.
(…)».

No caso, cumpria sujeitar a desistência à ratificação.
Por tal caminho enveredou o tribunal “a quo”, e assim foi também considerado no no pretérito aresto deste TCAN, supra transcrito.
Não divergindo esta formação, adoptando mesma linha de fundamentação, pois «o patrocínio oficioso por parte de Advogado segue o paradigma do mandato; pressupõe uma vinculação do Advogado perante o seu patrocinado, por força do disposto no EOA, em termos de exercício vulgar dos seus serviços profissionais, podendo e devendo exercer os poderes forenses com os mesmos direitos e deveres que assistem a um Advogado mandatado. Tal não exclui, contudo, que o âmbito de representação conferido ao Advogado nomeado oficiosamente apenas se situe no plano da representação com poderes gerais, excluídos que estão, por conseguinte, os poderes especiais para transigir, confessar ou desistir da instância. Nem nada na lei permite que se entenda de forma diversa.» (Parecer da AO, CDL, n.º 10/2004, de 10 de Março de 2004).
Ao tribunal “a quo” impressionou a admissão feita pelo autor/recorrente de que “o pedido de desistência foi por si solicitado- embora o pretendesse, agora, dar sem efeito” tirando daqui “uma inequívoca ratificação do ato (desistência) praticado pela sua mandatária, o qual produziu, assim, os seus efeitos”.
Todavia, não foi por mão do próprio que tal desistência foi apresentada.
Antes por patrono sem poderes para tanto.
Sempre a lei processual a sujeita à ratificação, expressa no processo; mesmo que possa até ter-se como pressuposto o que por princípio se espera do patrono, que ao expressar tal desistência, não o seja, pelo menos, em desconformidade com presumível vontade do representado; mesmo até que possa obter-se conhecimento de ter sido essa a vontade efectiva.
Nada impede posterior mudança.
Fora dos casos em que o Direito dita de outro modo [como no paradigma do negócio jurídico], não existe um princípio geral de proibição do comportamento contraditório que impeça liberdade ao indivíduo em mudar de opinião e de conduta [de encontro a este sentido, veja-se Paulo Mota Pinto, in Sobre a Proibição do Comportamento Contraditório (Venire Contra Factum Proprium) no Direito Civil, BFDUC, Volume Comemorativo (2003), pág. 276)].
A sujeição à ratificação dá relevo à vontade última e decisiva da parte.
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Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte em, concedendo provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, antes julgando não ratificada a desistência do pedido.
Sem custas.

Porto, 20 de Maio de 2016.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins