Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00033/14.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/18/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Vital Lopes
Descritores:DISPENSA DE GARANTIA.
NOTIFICAÇÃO DO REQUERENTE PARA JUNÇÃO DE ELEMENTOS INSTRUTÓRIOS DO PEDIDO.
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL.
Sumário:1. A suspensão da execução fiscal apenas pode ter lugar nos casos expressamente previstos na lei – art.º85.º, n.º3, do CPPT;
2. A notificação do executado para juntar elementos que habilitem a Administração tributária a fixar o valor da garantia adicional, a pedido daquele, não tem virtualidade para suspender os efeitos de anterior despacho ordenando o prosseguimento da execução fiscal para penhora de bens por insuficiência da garantia apresentada;
3. Como assim, a penhora pode concretizar-se em bens do executado de que a Administração tributária venha a ter conhecimento na pendência de apreciação de um pedido do executado de fixação do valor da garantia adicional.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:I..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

I... Investimentos Imobiliários, S.A., melhor identificada nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a reclamação apresentada do acto de penhora de créditos praticado na execução fiscal n.º319020101005634, dela interpôs recurso para este Tribunal Central Administrativo, concluindo assim as suas alegações:

«I. Sem prejuízo da Recorrente reiterar todo o anteriormente exposto em sede de petição inicial da reclamação do ato do órgão de execução fiscal, importa salientar o seguinte:
II. A decisão recorrida aqui em apreço concluiu que o processo de execução fiscal não se encontrava suspenso porque o despacho que determinou o prosseguimento da execução fiscal em apreço não foi anulado judicialmente nos autos n.° 117/11.6 BEPRT e, por conseguinte, a execução fiscal retomou a sua tramitação com o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 12 de janeiro de 2012;
III. E o facto de a Recorrente ter apresentado, em 12 de novembro de 2013, um requerimento a solicitar a indicação do valor do reforço da garantia não gera qualquer expetativa legítima, merecedora de tutela jurídica, de que a execução fiscal em apreço ficasse suspensa até à notificação desse valor;
IV. Na opinião da Recorrente, os factos aqui em apreço impunham uma decisão diversa da recorrida;
V. A este respeito, cumpre sublinhar que foi a Recorrente que tomou a livre iniciativa de se dirigir à AT e solicitar o montante certo e exato da garantia a reforçar:
VI. E a Recorrente solicitou a notificação do montante certo e exato, para poder se dirigir aos bancos e tentar obter uma garantia bancária ou equivalente, dado que já tinha oferecidos todos os bens que tinha;
VII. A conduta da Recorrente não merece, pois, qualquer censura, uma vez que foi a Recorrente que reativou o procedimento, ao solicitar o montante certo e exato da garantia a reforçar;
VIII. Não houve, pois, qualquer intuito dilatório ou ato de má4é por parte da Recorrente que retire ao pedido de notificação do montante certo e exato da garantia a reforçar a virtualidade de suspender o processo de execução fiscal, sobretudo se tivermos em conta a conduta da AT;
IX. Após a Recorrente ter, por sua iniciativa, solicitado o montante e exato da garantia a reforçar, o órgão de execução fiscal notificou a Recorrente, em 20 de novembro de 2013 (decorridos 8 dias após a entrada do referido pedido), e solicitou-lhe elementos para poder apreciar a suficiência da garantia a reforçar;
X. O órgão de execução fiscal aproveitou ainda a vigência do RERD, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 151-A12013, de 31 de outubro, para informar a Recorrente dos benefícios pelo pagamento da dívida exequenda, até 20 de dezembro de 2013;
XI. Ora, como reação à iniciativa da I..., a AT criou a legítima expetativa do desenrolar normal dos atos no processo, não só quando solicita elementos para apurar o valor certo e exato da garantia a reforçar, mas também quando possibilita a possibilidade de pagar, ao abrigo do RERD, cujo prazo de pagamento terminava em 20 de dezembro de 2013;
XII. Tal situação provocou a normal e legítima expetativa de que, tendo a I... prestados todos os bens do seu ativo, como sabia e bem a AT, e tendo solicitado, por sua iniciativa, o montante da garantia a reforçar, a AT estaria legitimamente a possibilitar o reforço da garantia ou o pagamento ao abrigo do RERD;
XIII. Perante a situação concreta, com o ato de penhora, apenas dois depois da notificação da AT do pedido de elementos e do pagamento através do RERD, verificou-se uma frustração e defraudaram-se as legítimas expetativas da Recorrente, que estava legitimamente à espera de que o processo retomasse a sua marcha, sobretudo tendo em conta a notificação da AT de 20 de novembro de 2013;
XIV. A atuação da AT é merecedora de censura, ao (i) responder ao requerimento da Recorrente criando a expetativa de que o procedimento vai ser retomado com a tramitação normal e de que vai ter a possibilidade de reforçar a garantia, e, de seguida, ao (ii) penhorar de surpresa os seus créditos;
XV. A AT ao atuar como atuou, após ter sido a própria Recorrente a “retomar” o procedimento com o seu requerimento, e após a resposta que deu em 20 de novembro de 2013, está claramente a violar o princípio da justiça e da boa-fé ao ter procedido à penhora dos créditos da Recorrente, nos termos em que o fez;
XVI. E deste modo viciou o ato de penhora, por violação do princípio da justiça e da boa-fé (artigo 266°, n.° 2, da CRP, e artigo 55° da LGT);
XVII. A atuação da AT configura um autêntico venire contra factum proprium, na medida em que se afasta do ato favorável que criou, ou pelo menos da aparência de que a Recorrente iria ter a possibilidade de reforçar a garantia;
XVIII. Deste modo, podemos concluir que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, pois o Tribunal a quo não fez uma correta interpretação e aplicação dos artigos 169° e 199°, ambos do CPPT;
XIX. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, e, em consequência, o pedido subjacente à reclamação do ato do órgão de execução fiscal interposta pela Recorrente deve ser julgado procedente, com todas as consequências legais.
Pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente, não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, e, consequentemente, a reclamação do ato do órgão de execução fiscal apresentada pela Recorrente deve ser julgada procedente, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!».

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo.

A recorrida não apresentou contra-alegações.

Remetidos os autos a este tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta suscitou a questão da incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal Central Administrativo para conhecer do objecto do recurso que, a seu ver, tem por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo competente para dele conhecer o Supremo Tribunal Administrativo.

Ouvidas as partes sobre a suscitada questão de incompetência, respondeu a Recorrente sustentando a competência deste Tribunal Central Administrativo para conhecer do objecto do recurso, o qual, diz, versa também questão de facto, “…pois o tribunal a quo julgou incorrectamente concretos pontos de facto (vide artigo 7.º do presente recurso com alegações)”.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente, são as seguintes as questões que importa decidir: se a Recorrente incorreu em erro de julgamento de facto, impondo a matéria assente no probatório decisão diversa da recorrida; se a sentença incorreu em erro de julgamento por incorrecta aplicação do disposto nos artigos 169.º e 199.º, do CPPT; se o reclamado acto de penhora viola os princípios constitucionais da justiça e da boa fé.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

A) Em 28/01/2010, foi instaurado contra a ora Reclamante o processo de execução fiscal n.º 319020101005634, por dívida de IRC e de juros compensatórios, referente ao exercício de 2005, no valor global de € 857 027,96 – cfr. fls. 4 e 5 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT, apenso aos autos, no qual se encontra incorporado o processo de execução fiscal n.º 319020101005634.
B) Em 15/03/2010, a ora Reclamante deduziu impugnação judicial contra a liquidação de IRC mencionada na alínea antecedente e requereu ao órgão de execução fiscal a notificação do valor da garantia a prestar para suspender o processo executivo – cfr. fls. 17 dos autos e fls. 6 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT, apenso aos autos.
C) Em 19/03/2010, a ora Reclamante foi notificada para, no prazo de 15 dias, prestar garantia no valor de € 1 114 377,10, para suspender o processo de execução fiscal n.º 319020101005634 – cfr. fls. 11 e 12 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT, apenso aos autos.
D) Em 26/03/2010, a aqui Reclamante ofereceu como garantia para suspender a execução fiscal o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Massarelos sob o artigo n.º 1…, solicitando que o seu valor fosse determinado de acordo com a fórmula de avaliação prevista no art.º 38º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – cfr. fls. 13 a 16 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT, apenso aos autos.
E) O prédio mencionado na alínea antecedente estava onerado com duas hipotecas voluntárias, registadas em 22/07/2003 e 14/04/2010, constituídas a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., com os montantes máximos assegurados de € 676 575,00 e € 442 194,64, respetivamente – cfr. fls. 21 a 23 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT, apenso aos autos
F) Em 26/04/2010, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 319020101005634, foi efetuada a penhora do prédio urbano mencionado na alínea D) supra, com um valor patrimonial tributário de € 274 820,00 – cfr. fls. 21 a 23 e 31 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT, apenso aos autos.
G) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças Porto 5, datado de 08/09/2010, foi determinado o prosseguimento do processo de execução fiscal n.º 319020101005634 para penhora de quaisquer outros bens da executada, uma vez que o prédio urbano penhorado nos autos não garantia a dívida exequenda e o acrescido – cfr. fls. 32 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT, apenso aos autos.
H) Em 20/09/2010, a ora Reclamante requereu ao Chefe do Serviço de Finanças Porto 5 que fossem aceites como garantia suficiente para suspender o processo de execução fiscal n.º 319020101005634 as penhoras do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Massarelos sob o artigo n.º 1… e das frações CC, BW, BX, BN, BO, BP e G do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Cedofeita sob o artigo n.º 1… – cfr. fls. 35 a 39 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT, apenso aos autos.
I) Em 24/09/2010, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 319020101005634, foram penhoradas as frações CC, BW, BX, BN, BO, BP e G do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Cedofeita sob o artigo n.º 1…, cujo valor patrimonial tributário global é de € 182 690,00 – cfr. fls. 86 e 87 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT, apenso aos autos.
J) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças Porto 5, datado de 07/12/2010, foi determinado o prosseguimento do processo de execução fiscal n.º 319020101005634 para penhora imediata de quaisquer outros bens da executada, uma vez que os imóveis penhorados nos autos não garantiam a dívida exequenda e o acrescido – cfr. fls. 86 e 87 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT, apenso aos autos.
L) Em 27/12/2010, a ora Reclamante apresentou reclamação, nos termos do art.º 276º do CPPT, do despacho mencionado na alínea antecedente, sustentando que a garantia oferecida era suficiente para efeitos de suspensão do processo executivo – cfr. fls. 95 a 116 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT, apenso aos autos.
M) Por sentença datada de 06/10/2011, proferida no processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT, foi julgada improcedente a reclamação mencionada na alínea antecedente, tendo-se entendido que o valor (valor patrimonial tributário) dos imóveis penhorados no processo de execução fiscal n.º 319020101005634 era insuficiente para garantir a dívida exequenda e o acrescido – cfr. fls. 201 a 219 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT, apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
N) A sentença mencionada na alínea antecedente foi objeto de recurso, ao qual foi negado provimento por acórdão do TCA Norte de 12/01/2012 – cfr. fls. 287 a 305 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT (2.º volume), apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
O) Em 12/11/2013, a ora Reclamante veio junto do Chefe do Serviço de Finanças Porto 5 “(…) solicitar o montante da garantia a reforçar, nos termos e para os efeitos dos artigos 169º e 199º, ambos do CPPT” – cfr. fls. 232 e 233 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT (1.º volume), apenso aos autos.
P) Em 20/11/2013, na sequência do requerimento mencionado na alínea antecedente, a aqui Reclamante foi notificada pelo Serviço de Finanças Porto 5 para, no prazo de 15 dias, remeter certidão atualizada do registo predial dos imóveis penhorados nos autos de execução fiscal, tendo em vista a apreciação da suficiência da garantia a apresentar – cfr. fls. 236 e 237 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT (1.º volume), apenso aos autos.
Q) Em 22/11/2013, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 319020101005634, foi penhorado à ora Reclamante o crédito de € 15 331,28, que esta detinha sobre a sociedade “M…, Lda.” – ato reclamado – cfr. fls. 16 dos autos.
R) Em 03/12/2013, a aqui Reclamante remeteu ao Serviço de Finanças Porto 5 as chaves de acesso às certidões permanentes dos imóveis penhorados no processo de execução fiscal n.º 319020101005634 – cfr. fls. 240 e 241 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT (1.º volume), apenso aos autos.
S) Em data posterior a 07/12/2013, a aqui Reclamante foi notificada da penhora de créditos mencionada na alínea Q) supra – cfr. fls. 16 dos autos.
T) Em 20/12/2013, foi a ora Reclamante notificada para, em 15 dias, constituir garantia adicional no processo de execução fiscal n.º 319020101005634 no valor de € 1 236 059,00 – cfr. fls. 257 a 260 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT (1.º volume), apenso aos autos.
U) A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças Porto 5 em 23/12/2013, tendo sido remetida por correio com registo postal efetivado em 20/12/2013 – cfr. fls. 4 e 125 dos autos.
V) Em 07/01/2014, a aqui Reclamante requereu a dispensa de prestação de garantia para suspender a execução fiscal n.º 319020101005634 – cfr. fls. 261 a 275 do processo de reclamação n.º 117/11.6BEPRT (1.º volume), apenso aos autos».

E mais se deixou consignado na sentença recorrida:


«FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem, com interesse para a decisão.

Motivação:
A convicção do tribunal na consideração dos factos provados alicerçou-se no teor dos documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Antes de mais, importa resolver a questão colocada pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta de incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal Central Administrativo.

A competência em razão da hierarquia integra pressuposto processual relativo ao Tribunal, constituindo requisito de interesse e ordem pública, devendo, por isso mesmo, o seu conhecimento preceder o de qualquer outra matéria – cf. artigos 16º n.º 1 e 2 do CPPT e 13º do CPTA.

Nos termos do disposto no art.º38.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que compete à Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo conhecer: alínea a): “Dos recursos de decisões dos tribunais tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º”.

Decorre do disposto naquela alínea b) do art.º26.º do ETAF, que compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer: “Dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito”.

Dispõe o n.º1 do art.º280.º, do CPPT que “Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”.

Resulta do acervo normativo citado que aos Tribunais Centrais Administrativos compete conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, salvo com exclusivo fundamento em matéria de direito, caso em que é competente o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos da referida alínea b) do n.º 1, do citado art.º26.º do ETAF.

Como se salienta no recente Acórdão do STA, de 12/03/2014, proferido no proc.º0186/14, «A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a entender que na delimitação da competência do Supremo Tribunal Administrativo em relação à do Tribunal Central Administrativo deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, desde que estes, em abstracto, não sejam indiferentes para serem ponderados no julgamento da causa - vide neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20.05.2009, recurso 18/09, de 03.10.2007, recurso 373/07, de 31.01.2007, recurso 1027/06 e de 17.01.2007, recurso 962/06, todos in www.dgsi.pt.
O recurso não tem assim exclusivamente por fundamento matéria de direito se nas respectivas conclusões se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos».

Ora, no recurso, a Recorrente manifesta a sua discordância com a decisão de facto, alegando nomeadamente nas conclusões – que unicamente importa ter em conta na delimitação do objecto do recurso – que “…foi a Recorrente que tomou a livre iniciativa de se dirigir à AT e solicitar o montante certo e exacto da garantia a reforçar” e “…a Recorrente solicitou a notificação do montante certo e exacto, para poder se dirigir aos bancos e tentar obter uma garantia bancária ou equivalente, dado que já tinha oferecido todos os bens que tinha” (cf. Conclusões IV a VI), factos dos quais pretende extrair como consequência jurídica a censura do acto de penhora reclamado, bem como a violação dos princípios constitucionais da justiça e da boa fé.

Como se vê e salvo o devido respeito, as questões controvertidas não se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, antes passam pela necessidade de dirimir questões de facto que a sentença recorrida não levou ao probatório, nem valorou e que na óptica da Recorrente foram relevantes na decisão da causa.

E assim sendo, a competência para conhecer do recurso é deste Tribunal Central Administrativo, nos termos do disposto no art.º38º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, em conjugação com o disposto no art.º26º alínea b) do mesmo Estatuto.

Passa-se ao conhecimento do mérito do recurso.

Invoca a Recorrente erro de julgamento de facto na medida em que a sentença recorrida não relevou no probatório que “…foi a Recorrente que tomou a livre iniciativa de se dirigir à AT e solicitar o montante certo e exacto da garantia a reforçar” e “…a Recorrente solicitou a notificação do montante certo e exacto, para poder se dirigir aos bancos e tentar obter uma garantia bancária ou equivalente, dado que já tinha oferecido todos os bens que tinha”.

Estatui o art.º640.º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

Não especifica a Recorrente nas conclusões da alegação quais os concretos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que determinam a decisão alternativa que, em seu entender, deverá ser proferida por este tribunal de recurso.

O que significa que não cumpriu o ónus de alegação que a lei lhe impõe, pelo que o recurso improcede neste segmento.

Vejamos agora se a sentença incorreu em erro de julgamento de direito.

A Recorrente reclama do acto de penhora, pedindo a sua anulação, sustentando para o efeito e, por um lado, que o mesmo viola o disposto nos artigos 169.º e 199.º, do CPPT, bem como os princípios constitucionais da justiça e da boa fé.

Na óptica da Recorrente, a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que o seu requerimento dirigido à execução em 12/11/2013, solicitando a indicação do valor do reforço da garantia, não gera qualquer expectativa legítima merecedora de tutela jurídica de que a execução ficasse suspensa até notificação desse valor.

Tal como ressalta do probatório e é salientado na sentença recorrida, a Recorrente, após ter impugnado a dívida exequenda, foi notificada do valor da garantia a prestar, no montante de 1.114.377,10€, para suspender a execução. Na sequência dessa notificação, a Recorrente apresentou como garantia imóveis de valor insuficiente para garantir a totalidade da dívida exequenda, tendo o Sr. Chefe de Finanças, por despacho de 07/12/2010, determinado o prosseguimento da execução para penhora imediata de quaisquer outros bens da executada, aqui Recorrente.

Desse despacho, a executada deduziu reclamação judicial, que correu termos com o n.º117/11.6BEPRT e que foi julgada improcedente por decisão transitada em julgado, no entendimento de que o valor patrimonial tributário dos imóveis penhorados, que era o atendível para efeitos de garantia, era de montante insuficiente para garantir a dívida exequenda e o acrescido.

A execução não estava, por conseguinte, suspensa quando a Recorrente, posteriormente ao trânsito em julgado da sentença, em 12/11/2013, solicitou no processo informação “sobre o montante da garantia a reforçar, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 169.º e 199.º, do CPPT”.

É certo que em 20/11/2013, a Recorrente foi notificada em resposta ao pedido antes referido para remeter ao processo, no prazo de 15 dias, certidão actualizada do registo predial dos imóveis penhorados na execução “…ou, em alternativa, chave de acesso à certidão permanente”, com vista à apreciação do montante da garantia a reforçar.

Todavia, esta notificação para instrução complementar não tem virtualidade para suspender os termos da execução ou obstar ao seu prosseguimento.

A suspensão da execução está sujeita ao princípio da legalidade, não sendo admissível fora dos casos expressamente previstos na lei – cf. art.º85.º, n.º3, do CPPT.

Nessa medida, não enferma de ilegalidade o acto de penhora que ocorre na pendência do prazo concedido à Recorrente para instrução complementar do pedido para apreciação do montante da garantia a reforçar.

Argumenta a Recorrente que tal actuação fere as suas expectativas legítimas e consubstancia um venire contra factum proprium.

Tal locução latina traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente.

Porém, no caso vertente, não se vislumbra onde radique a actuação contraditória do órgão da execução fiscal atentatória das expectativas legítimas da Recorrente e dos princípios constitucionais da justiça e da boa fé na vertente da protecção da confiança, ou seja e no fundo, não se alcança o que, com surpresa, decidiu o órgão da execução fiscal em contrário daquilo que a Recorrente podia razoavelmente esperar da notificação para instrução complementar do pedido de reforço da garantia.

É que, tal como se salienta na sentença recorrida, o que está fundamentalmente em causa é uma penhora de créditos efectuada em 22/11/2013, no seguimento do despacho executivo de 07/12/2010 que ordenou o prosseguimento do processo para penhora de bens da executada em vista da insuficiente garantia apresentada no seguimento de notificação para o efeito em 19/03/2010, despacho executivo esse que decisão judicial transitada em julgado no processo de reclamação n.º117/11.6BEPRT dele deduzido, manteve na ordem jurídica.
Como assim, aquele acto executivo que ordenou a penhora de bens da executada mantém-se válido, sendo insustentável qualquer expectativa legítima da Recorrente quanto à suspensão dos efeitos daquele acto assente unicamente na circunstância de ter pedido informação sobre o montante do adicional da garantia a prestar e ter sido notificada pela Administração tributária para instrução complementar desse pedido.

Na verdade, um pedido dirigido à execução para determinação do montante da garantia adicional a prestar nem sequer compromete o requerente perante a Administração tributária quanto à efectiva prestação da mesma; apenas significa, num quadro presuntivo de boa fé (cf. art.º59.º, n.º2, da Lei Geral Tributária), que ele pretende ponderar se tem condições de a prestar nos termos que vierem a ser fixados.

Como não compromete a posição da Administração tributária em nada a notificação para juntar elementos, a não ser numa decisão quanto à indicação do valor da garantia a reforçar o que significa que, para além disso, a confiança da Recorrente se apresenta excessiva e sem tutela jurídica.

Tanto assim é que, como se retira do probatório, a Recorrente depois de notificada pelo órgão da execução fiscal, em 20/12/2013, do valor da garantia adicional a prestar logo em 07/01/2014 se apresentou a requerer a dispensa de garantia.

E se afinal não tinha meios para garantir a totalidade da dívida (1.236.059,00€) deduzido o montante da penhora reclamada (15.331,28€), menos por certo o teria para garantir a dívida se incluído aquele montante penhorado de 15.331,28€.

De qualquer modo, estando a suspensão da execução sujeita ao princípio da legalidade, como decorre do disposto no citado n.º3 do art.º85.º, do CPPT, a única solução legalmente possível e que se impunha à Administração tributária era dar sequência ao despacho de 07/12/2010, “validado” judicialmente, que ordenara o prosseguimento da execução para penhora de bens, e nem podia ela deixar de valorar, no processo decisório, o interesse público ínsito na cobrança do crédito penhorado de que veio a ter conhecimento na pendência da apreciação do pedido de fixação do montante da garantia a reforçar, nem o prejuízo que para aquele interesse adviria da suspensão do processo.

A sentença fez, pois, correcta subsunção dos factos às normas jurídicas aplicáveis, não tendo incorrido no erro de julgamento de direito que lhe vem assacado.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 18 de Dezembro de 2014
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro