Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01920/09.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/26/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Vital Lopes
Descritores:OPOSIÇÃO
REVERSÃO
CULPA
ÓNUS DA PROVA
Sumário:1. No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).
2. Não logra fazer tal prova o oponente que se limita a demonstrar que intentou diversas acções com vista à recuperação de créditos resultantes do incumprimento de clientes, mas nada demonstra a respeito da situação económica da sociedade no momento em que ocorreram os prazos de pagamento ou entrega dos impostos exequendos nem que esforços empreendeu, se alguns, para ultrapassar as dificuldades financeira que a empresa alegadamente atravessava por virtude de tais factores exógenos, nomeadamente diligenciando pela obtenção dos fundos necessários ao pagamento das dívidas, ainda que sem sucesso.
3. O artigo 8º do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa e, portanto, é sobre a AT que recai o ónus de demonstrar a culpa do revertido pela insuficiência do património social da devedora originária, cabendo-lhe alegar e provar a culpa do gerente por essa insuficiência como pressuposto necessário da efectivação da sua responsabilidade subsidiária.
4. Estabelece o artigo 153º, n.º2 do CPPT que o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
5. Não fica afastada a situação de insuficiência fundada se o revertido/oponente se limita a demonstrar, já em sede de oposição à execução, a existência de créditos da sociedade sobre clientes não referenciados no procedimento de reversão, sem nada demonstrar quanto à qualidade desses créditos e, nomeadamente, que não se tratam de créditos incobráveis por recaírem sobre clientes insolventes ou juridicamente desaparecidos (como até reconhece existirem).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:C...
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a oposição deduzida por C… à execução fiscal n.º1783200701005936 e apensos, contra ele revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “Q…, Lda.”, por dívidas de IVA, IRC, IRS e Coimas fiscais, relativas aos anos de 2005, 2006 e 2007, no montante de 23.617,10€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.289).

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

A. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera que a factualidade fixada na douta sentença é manifestamente insuficiente para afastar a culpa do oponente no não pagamento dos impostos em dívida.

Assim,
B. O oponente exerceu as funções de gerente de facto e de direito da devedora originária no período em que ocorreu o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, pelo que o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento das quantias exequendas recai sobre ele.

C. No caso em apreço e ressalvado o devido respeito por diferente entendimento, não cremos que tenha sido feita a prova da inexistência de culpa do oponente pelo não pagamento de tais dívidas, contrariamente ao doutamente decidido.

D. Em sede de petição inicial o oponente afirmou nunca ter alienado ou dissipado qualquer elemento do património social da devedora originária. Porém , inexistindo nos autos qualquer prova documental do facto, mas apenas prova testemunhal.

E. Na mesma peça, o oponente alegou ainda a existência de créditos sobre clientes da devedora originária, no montante estimado em 190.000,00€, e que estavam judicialmente accionados, conforme cópias [5 documentos] dos documentos juntos aos autos.

Vejamos,
F. Resultou provado nos autos que o valor mais significativo das dívidas em reversão [20.186,56€] é relativo a IVA do ano de 2006. Assim,

G. A acção ordinária que correu termos pela 1.ª secção da 2ª Vara, Varas Cíveis do Porto sob o n.º 3924/07.0TVPRT, intentada pela devedora originária e pelo oponente contra o BANIF respeita a um pedido de indemnização por factos ocorridos em 2004 [facto provado sob o n.º 4], não resultando da decisão qual o valor devido pelo Banif à sociedade devedora originária. Sabe-se apenas que ao ora oponente foi atribuído o valor de 500,00€.

H. Este facto, porém, não pode assumir a expressão pretendida de prova da falta de culpa do oponente, pois não se trata de uma dívida de um cliente e é anterior às dívidas tributárias em discussão nos autos.

I. Quanto à dívida a que se refere a acção de condenação instaurada pela sociedade devedora originária contra a firma D…, Lda que correu termos no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar sob o n.º 2929/10.9TBGDM [facto provado sob o n.º 7] a mesma refere-se a uma dívida com origem em Fevereiro/Março de 2007 [factura n.º 919, 22.02.2007] mas cuja demanda judicial apenas foi promovida em 2010 (ano de instauração do processo).

J. À semelhança do facto provado no n.º 4, afigura-se-nos que também este [n.º 7] não tem grande relevância nesta sede, porquanto se desconhece qual o montante efectivamente em dívida pelo cliente e qual a representatividade que o crédito/cliente tinha no giro comercial da empresa.

K. Impunha-se, pelo menos, que o oponente tivesse junto aos autos os extractos de conta corrente do cliente, através dos quais fossem apurados os montantes pagos e os montantes em dívida relativamente ao citado fornecimento de equipamentos.

L. O mesmo argumento é válido, com as necessárias adaptações, para o requerimento de injunção que a devedora originária intentou contra o cliente “Piscinas…”. O requerimento foi apresentado em 2011 [facto provado sob o n.º 5], bem como para o requerimento executivo intentado contra o cliente M…, Lda, pois a dívida ter-se-á constituído em 2005.

M. A dívida referente ao processo n.º 2718/04.TAGDM [facto provado sob o n.º 8] foi constituída em 2004, ou seja, em momento anterior às dívidas executivas em discussão nos presentes autos, pelo que não tem a desejada relevância.

N. O requerimento executivo intentado contra o cliente M…, Lda, sob o n.º 131051/08.0YIPRT, a dívida ter-se-á constituído em 2005, no valor global de 15.330,90€ [facto provado sob o n.º 6], pelo que, respeita a um período anterior à constituição da dívida executiva.

O. As dívidas de clientes invocadas pelo oponente e documentalmente provadas não se reportam, na sua maioria, aos períodos a que respeitam as dívidas exequendas, pelo que, não lhes pode ser atribuída relevância para afastar a culpa do gestor.

Acresce ainda,
P. Que o oponente não demostrou nem provou qual o modelo de organização e funcionamento da empresa [devedora originária], designadamente, o tipo de negócio, a matéria prima necessária, a existência de stocks, a mão de obra, etc.

Q. Importava também avaliar, no contexto empresarial, quais os principais fornecedores e clientes e sua representatividade no volume de negócios anual, quais as dívidas de clientes e respectiva expressão quantitativa versus volume de negócios.

R. Pois só a partir desses elementos é que o Tribunal poderá aferir, em concreto, da existência ou inexistência de culpa no não pagamento dos impostos em dívida.

S. Não obstante e ainda que se possa aceitar que o oponente não tem culpa pelo não pagamento das dívidas exequendas e que foi um gestor cuidadoso, não nos parece haver nos autos elementos suficientes para o efeito.

T. De salientar que, no caso em apreço, os montantes advêm de impostos legalmente repercutidos a terceiros e apurados nas declarações/guias enviadas pela sociedade devedora originária aos serviços fiscais desacompanhadas dos respectivos meios de pagamento e que terão entrado na esfera jurídica da devedora originária, mas que não foram entregues ao Estado.

U. Ressalvado o devido respeito por melhor opinião, tal como foi exposto supra, as diligências efectuadas no sentido de cobrar os créditos existentes, não permitem afastar o comportamento culposo por parte do oponente no não pagamento dos créditos fiscais,

V. pelo que, decidindo em sentido contrário, a douta sentença recorrida violou o disposto na al. b), do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, devendo ser revogada e substituída por outra que declare a acção improcedente e ordene a prossecução dos processos de execução fiscal.

Termos em que,
deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as devidas consequências legais».

O Recorrido apresentou contra-alegações do seguinte teor:
«Apesar do muito respeito e apreço pelas doutas alegações do Representante da Fazenda Pública, afigura-se que o recurso não merece provimento.
1. A douta sentença em recurso fundamenta adequadamente quer sob o ponto de vista de facto quer sob o ponto de vista de direito a solução do litígio:
a) Sob o ponto de vista de facto, ao contrário do recorrente, teve em conta que não é possível, a prova de facto negativo (inexistência de culpa),
b) O dever de cuidado e diligência do recorrido está claramente demonstrado;
c) A visão diacrónica dos factos provados é absolutamente correta, por parte da sentença recorrida;
d) A visão sincrónica dos factos com o toque de desconstrutivismo ao jeito de J. Derrida, não é adequado ao padrão do “bonus pater famílias” ou “homem médio”, o que faz o recorrente;
As metodologias e princípios gnoseológicos da sentença afiguram-se corretíssimos, ao contrário das conclusões do recurso de que são as balizas.
Obviamente que antes de demandar quem quer que fosse, o recorrido, através do originário devedor, fez diligência no sentido da cobrança... acabando por ter de lançar mão dos meios judiciais.
2. Não merece, pois, qualquer censura a sentença recorrida.
Termos em que, na improcedência das conclusões da alegação, deve improceder o recurso».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto neste tribunal emitiu mui douto parecer em que conclui dever ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente, a questão que importa resolver reconduz-se a saber se o oponente fez prova da ausência de culpa na insuficiência de bens da devedora originária para pagamento das dívidas exequendas.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:

«Factos Provados
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1) O Serviço de Finanças de Gondomar 1º instaurou em 2007 o processo de execução fiscal n.º 1783200701005936 em nome de Q…, Lda., NIPC 5…, por dívidas de IRC do exercício de 2005 no valor de €1.617,73 – cfr. fls. 13 dos autos.
2) Ao processo de execução fiscal a que se alude em 1) foi apenso o processo de execução fiscal n.º 1783200801003968 por dívida de IVA no valor de €20.186,56, n.º 1783200701007190 por dívida de IRS no montante de €172,24, n.º 178320070101011510 por divida de IRS no montante de €144,06, n.º 1783200701011510 por dívida de IRS no montante de €74,25, n.º 1783200701040456 por divida de IRS no valor de €33,00, n.º 1783200701007041 por dívida de Coimas no valor de €891,40, n.º 1783200701031457 por divida de Coima no valor de €136,26, n.º
1783200701033093 por divida de Coima no valor de €109,20, n.º 1783200701033093 por dívida de coima no valor de €252,40 - cfr. fls. 14 a 32, 255 e 256 dos autos.
3) No âmbito dos processos de execução fiscal descritos em 1) e 2) o Serviço de Finanças de Gondomar 1 proferiu em 15.05.2009 despacho com o seguinte teor: “(…) Assim, estando concretizada a audição e verificadas as condições previstas no n.º 2 do artigo 153.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra, (…) C… (…), ambos na qualidade de responsáveis subsidiários pela dívida a exigir nos presentes autos, proveniente de IVA do ano de 2006 no valor de 20 186,56€, IRC e juros do ano de 2005, no valor de 1 617,73€, IRS (retenções) dos anos de 2006 e 2007, no valor de 423,55€ e coimas fiscais do ano de 2007 no valor de 1389,26€, tudo num total de 23 617,10€ (…)” – cfr. fls. 266 dos autos.
4) Q…, Lda. e C… intentaram acção ordinária contra Banif – Banco Internacional do Funchal, SA peticionando indemnização na ordem dos €140.000,00 que veio a ser julgada parcialmente procedente por sentença de 31.07.2009, condenando a ré no pagamento de €500,00 – cfr. fls. 106 a 126 dos autos.
5) Em 17.10.2011 Q…, Lda. intentou contra Piscinas… injunção para pagamento da quantia de €13.845,28 – cfr. fls. 129 e 130 dos autos.
6) Q…, Lda. intentou contra M…, Lda. acção executiva para pagamento da quantia de €15.330,99 – cfr. fls. 130 a 133 dos autos.
7) Q…, Lda. intentou contra D…u, Lda. acção de condenação para pagamento da quantia de €16.807,87, que correu termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar sob o n.º2929/10.9TBGDM, que veio a ser julgada parcialmente procedente por sentença de 10.01.2012, condenando a ré no pagamento de €12.940,36 – cfr. fls. 137 a 156 dos autos.
8) Q…, Lda. constitui-se assistente no âmbito do processo que correu termos no Circulo Judicial de Gondomar sob o n.º 2718/04.0TAGDM peticionando a condenação dos arguidos no pagamento do montante de €54.165,23, sendo os arguidos condenados no pagamento de €54.165,23 – cfr. fls. 157 a 213 dos autos.
9) C… nunca alienou, dissipou ou malbaratou património da sociedade Q…, Lda. – cfr. testemunho de M…, P…a e de J….
10) A sociedade Q…, Lda. dispõe de créditos sobre os seus clientes – cfr. depoimento de M…, P… e de J….
11) O valor de tais créditos rondará os €150.000,00 – cfr. depoimento de J….

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Factos não provados
Não se mostram provados quaisquer outros factos invocados e não relevantes para a decisão dos presentes autos.
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Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados, cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária, também são corroborados pelos documentos juntos, conforme predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil, assim como a prova testemunhal produzida.
Com efeito, foi a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova que à luz da experiência sedimentaram a convicção do Tribunal.
Os depoimentos foram livremente apreciados pelo Tribunal, nos termos do que dispõe o artigo 396.º do Código Civil, atendendo para tal efeito, à razão de ciência apresentada por cada uma das testemunhas inquiridas e ainda à coerência das afirmações proferidas por todas as testemunhas inquiridas.
M…, técnica oficial de contas, foi TOC da Q…, Lda. entre 2008 e 2010.
Foi questionada a toda a matéria de facto constante da petição inicial, excepcionando os artigos 12º e 13º.
O seu depoimento mostrou-se firme, coerente e sério.
P…a, técnico de manutenção, trabalhou com o Oponente em empresa anterior à constituição da Q…, Lda., conhecendo-o há mais de 20 anos. Trabalha na Q… desde 2003 até à presente data.
Questionado a toda a matéria de facto ínsita no articulado inicial, fê-lo com seriedade e coerência, mostrando-se firme nas respostas apresentadas, mostrando ter conhecimento directo dos factos a que foi questionado.
J…, encarregado da construção civil, trabalhou na sociedade B…, Lda. entre 2005 e 2010, sociedade que trabalhava com a Q…, Lda.
Depôs aos factos artigos 12º e 13º da petição inicial.
Afirmou que a devedora originária tinha problemas financeiros, decorrente da falta de pagamento por parte dos clientes porque a sociedade em que trabalhava, também tinha problemas com essas mesmas empresas, tendo inclusive identificado alguns dos clientes de que a sociedade é credora.
J…, sócio gerente da sociedade E… e da Q…, Lda., trabalhou desde 1992 noutra empresa com o Oponente.
Foi questionado a toda a matéria de facto do articulado inicial.
Atendendo ao facto de ser sócio gerente da devedora originária, tinha conhecimento de todos os factos a que foi questionado.
Apesar do seu envolvimento nos destinos da devedora originária, por força do seu cargo de gerente, depôs de forma coerente e credível, tendo as suas afirmações sido reiteradas pelas demais testemunhas».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso do Tribunal – artigos 635.º, n.º4 e 639.º, n.º1, do CPC.

Alega a Recorrente, em suma, que a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito na medida em que a factualidade assente não permite concluir pela inexistência de culpa do oponente pelo não pagamento das dívidas revertidas e que a matéria vertida no ponto 9) teve por base meios de prova que a não suportam, tendo sido violado o disposto no art.º24.º, n.º1 alínea b), da LGT. Vejamos.

Antes de mais, e começando pelo apontado erro de facto, consta do ponto 9) da matéria assente que, «C… nunca alienou, dissipou ou malbaratou património da sociedade Q…u, Lda. – cfr. testemunho de M…, P… e de J… ».

Desde logo impõe-se uma decomposição factual. Na verdade, afirmar que o oponente nunca dissipou ou malbaratou património da sociedade encerra um juízo conclusivo a extrair de realidades factuais que, para tal, tivessem sido consideradas assentes pelo tribunal. Não pode, pois, constituir matéria de facto, nem ser objecto de prova (art.º607.º, n.º3 do CPC).

Como a jurisprudência civil e fiscal o tem salientado em inúmeros arestos, a matéria dada como provada e a matéria dada como não provada deve constar expurgada de factos ou juízos conclusivos que, a constarem, se consideram não escritos.

Considera-se o ponto de facto não escrito nessa parte.

Por outro lado, o depoimento de testemunhas desacompanhado de qualquer elemento de prova documental é manifestamente insuficiente para dar por assente que o oponente nunca alienou património da sociedade. Para o tribunal formar convicção a tal respeito era, no mínimo, necessário que tivesse sido apresentada a declaração fiscal e contabilística do imobilizado, reportada ao período em causa, de que não constassem operações de venda (ou saídas a qualquer título) de bens do activo imobilizado da empresa, o que não foi feito.

Assim, pelas indicadas razões, suprime-se o ponto 9) do probatório.
Estabilizado o probatório, importa passar à apreciação jurídica dos pressupostos da responsabilidade subsidiária dos gerentes.

Em cobrança estão dívidas provenientes de impostos e coimas dos anos de 2005, 2006 e 2007.

No que concerne à dívida de impostos, aplica-se o regime decorrente do artigo 24.º da LGT, por ser este o regime que vigorava à data de constituição das dívidas – nesse sentido pode ver-se o acórdão do STA de 29/06/2011, tirado no proc.º0368/11: «A responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos».

O artigo 24.º da LGT estabelece o seguinte:

«1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, no regime em causa, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente, facto este que no caso em apreço não é controvertido.

A alínea b) do n.º1 do art.º24.º da LGT é aplicável quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, o que significa que está aqui abrangida a situação, que é a dos autos, em que nesse período concorrem o facto constitutivo e a cobrança.

E, nestes casos, e como resulta da expressão “quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”, o ónus da prova cabe aos gerentes ou administradores, ou seja, como se refere no acórdão do STA de 29/09/2009, proferido no proc.º0498/10, «…no caso da alínea b), constituindo o pagamento da prestação tributária uma obrigação do gerente ou administrador, não sendo aquela satisfeita, cabe aqueles provar que a falta de pagamento não lhes é imputável, podendo, nomeadamente, provar que os gerentes ou administradores que exerceram o cargo durante o período do nascimento da dívida praticaram actos lesivos do património da executada que impedem o pagamento por falta das verbas necessárias».

Ou seja, quanto às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária. “Esta presunção, apesar de contrária à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no art. 487.º do Código Civil (CC), compreende-se neste caso, pois se o gestor não tiver culpa pela falta de pagamento ou de entrega do imposto ocorrida no período em que exerceu funções, ser-lhe-á fácil prová-lo (cf. Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado”, II volume, anotação 32 ao art. 204º, pág. 356.). Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida” – nesse sentido pode ver-se o acórdão deste TCAN, de 29/10/2009, tirado no proc.º 00228/07.2.BEBRG.

Tendo em conta o regime legal aplicável, importa agora apurar se o gerente/oponente e ora Recorrido logrou demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias lhe não era imputável.

Na sentença recorrida, ponderou-se, nomeadamente e a propósito, o seguinte:

«Vejamos então se o Oponente logrou comprovar que não teve culpa pela falta do pagamento das quantias exequendas aqui em questão.
No que concerne à culpa, a culpa relevante, não é apenas a que respeite ao incumprimento da obrigação de pagamento do imposto relaxado, mas aquela que se reporte substantivamente ao incumprimento das disposições legais destinadas à protecção dos credores, quando esse incumprimento resulte, em nexo de causalidade adequada, da insuficiência do património da sociedade para a satisfação dos créditos fiscais.
Age sempre com culpa, aquele que não observa o essencial dever de cuidado e de diligência a que está obrigado (pelo contrato social, na realização do seu objecto) e de que é capaz, mas também aquele que se conforma, aceitando os resultados decorrentes da sua acção ou omissão.
Neste contexto, há-de constatar-se uma inobservância negligente ou dolosa das disposições contratuais e normativas destinadas à protecção dos credores sociais, quando, havendo de cumprir obrigações emergentes dos estatutos da sociedade e de outra origem interna e obrigações de variados preceitos legais, tendo o dever de administrar a empresa de modo a que ela subsista e cresça, não se desenvolva os negócios adequados; e não se oriente a demais actividade daquela, no cumprimento dos contratos celebrados, por forma a pagar as dívidas da sociedade e cobrar os seus créditos e sempre de molde a evitar que o património social se torne insuficiente para a satisfação das dívidas da empresa.
Acresce que, prefigurando-se existir risco do património social se tornar insuficiente para pagamento do passivo da sociedade, têm ainda os responsáveis a obrigação de pedir em Tribunal a convocação dos credores para que seja decidido o destino da empresa (cfr. artigos 18º e 19 do CIRE). Como resultou provado da instrução dos autos e coligido no acervo probatório, ponto 10) e 11), a devedora originária dispõe de créditos sobre os seus clientes que ascendem a €150.000,00.
Na tentativa de cobrar tais montantes e como coligido no probatório, pontos 4) a 8), a sociedade intentou acções judiciais por forma a recuperar o montante total de €240.149,37.
Ora, atendendo a que a devedora originária é uma pequena empresa, conforme resulta de facto instrumental enunciado na instrução da causa, por referência ao testemunho de J… e de P…, a falta de pagamento por parte dos clientes na ordem dos €240.000 será determinante nos destinos financeiros da sociedade, colocando-a numa posição deficitária.
Tal ilação é permitida ao julgador, na medida em que de um facto conhecido pode-se firmar um facto desconhecido, são as denominadas presunções, previstas no artigo 349.º do Código Civil, servindo-se o julgador, para esse fim, de regras da experiência da vida, segundo o padrão do "homem médio".
As presunções judiciais representam assim processos mentais do julgador, numa dedução decorrente de factos conhecidos e "são afinal o produto das regras de experiência: o juiz, valendo-se de certo facto e de regras de experiência conclui que aquele denuncia a existência doutro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência da vida, da qual resulta que um facto é consequência de outro" (cfr. A. Lopes Cardoso, in Revista dos Tribunais, 86.º-112).
Acresce que, tal qual afirmaram as testemunhas ouvidas, o Oponente nunca alienou, dissipou ou malbaratou património da devedora originária (cfr. ponto 9) da factualidade assente)
Como tal, as diligências efectuadas no sentido de cobrar os créditos existentes, aliada à conservação do património da sociedade, permite ao Tribunal concluir que a falta do pagamento das quantias exequendas em questão nos presentes autos não resultou da omissão ou comportamento negligente por parte do Oponente, não lhe assistindo qualquer culpa pelo não pagamento dos créditos fiscais.
Pelo exposto procede a pretensão formulada».

Não concordamos com este modo de ver, avançamos já.

Com efeito, o oponente limitou-se a alegar e provar a existência de algumas dívidas por parte de clientes, mas não alegou nem demonstrou o que era verdadeiramente decisivo e que era a expressão que tais incumprimentos de clientes tiveram nas receitas operacionais da devedora originária nos anos em que ocorreram e subsequentes e que a sociedade atravessava dificuldades económicas nas datas de pagamento e entrega do imposto provocada por tais motivos exógenos e que o gerente se esforçou por as ultrapassar, embora sem sucesso.

De concreto, o Recorrente só trouxe a existência de dívidas cobradas contenciosamente a alguns clientes, como resulta do probatório, mas qual a representatividade dessas dívidas no valor global das vendas e/ ou serviços contabilizados, o tribunal desconhece e nem sequer foi alegado. E também não conhece o tribunal os valores que a sociedade apurou nas principais contas dos anos em que tais dívidas se venceram, nem tal foi alegado. E sem a alegação de tais factos não é possível ajuizar da dimensão, na organização empresarial, dos pretensos problemas financeiros gerados pelo incumprimento de clientes e da sua relação de causalidade com o incumprimento das obrigações fiscais.

Na verdade, não se alcançam no probatório, suprimido o ponto 9) da matéria assente, factos que possam levar o tribunal a concluir pela falta de fundos necessários ao pagamento ou entrega do imposto e que tal se ficou a dever unicamente ao incumprimento de clientes e que o oponente, enquanto gerente, nenhuma actuação teve na situação de incumprimento das obrigações fiscais para que a empresa resvalou, tendo tomado as iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia, nas circunstâncias adversas que alega, com vista à satisfação das dívidas fiscais.

Concluímos, pois, que não há nos autos prova suficiente que demonstre que a falta de pagamento das dívidas de imposto não seja imputável ao oponente, aqui Recorrente. E nada se demonstrando a tal respeito, deve ele responder pelas mesmas ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º24.º, da LGT.

A sentença recorrida, que diferentemente decidiu no que respeita às dívidas tributárias, incorreu em erro de julgamento, tal como aponta a Recorrente.

No que em particular concerne à reversão por coimas, acompanhamos a sentença recorrida.

Dispõe o art.º8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º15/2001, de 5 de Junho, no segmento pertinente para os autos:

«1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento».

Como se alcança da letra do preceito citado, a Administração tributária não tem a seu favor qualquer presunção legal de culpa do revertido, de que se possa prevalecer, nos termos do disposto no n.º1 do art.º350.º do Código Civil.

Isto significa que no domínio da reversão por coimas cabe à Fazenda Pública o ónus da prova no que diz respeito à demonstração dos pressupostos constitutivos da culpa do revertido na insuficiência do património social ou na falta de pagamento da coima, nos termos gerais de direito decorrentes do art.º74.º, n.º1 da LGT e 342.º, n.º1, do Código Civil.

Ora, nada consta do probatório que permita concluir pela culpabilidade do oponente na insuficiência patrimonial da pessoa colectiva, pelo que quanto às dívidas provenientes de coimas fiscais, ocorre fundamento de ilegitimidade do oponente/Recorrente para a execução.

Nem se diga que o tribunal deu por verificados os pressupostos da responsabilidade subsidiária do oponente por dívidas tributárias no quadro da reversão operada nos termos do n.º1 alínea b), do art.º24.º da LGT, pois esse preceito consagra uma presunção legal de culpa dos gerentes que o art.º8.º do RGIT não contempla, salientando-se que da matéria assente nada se pode concluir quanto à culpa da oponente.

Como lapidarmente se consigna no Acórdão do STA, de 09/04/2014, tirado no proc.º0341/13,

«Analisado o teor do art. 8º do RGIT, verifica-se que este, ao contrário do art. 24º, nº 1, alínea b), da LGT, não prevê qualquer presunção de culpa no que concerne à insuficiência do património da originária devedora de que possa prevalecer-se a administração fiscal, pelo que lhe cabia alegar, em sede de acto de reversão, a culpa do gerente por essa insuficiência como pressuposto necessário da efectivação da sua responsabilidade subsidiária. O que não fez.

Dito de outro modo, o art. 8º do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do acto de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social, tendo em conta o disposto no preceito, segundo o qual «Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento» (sublinhado nosso). E, ainda assim, sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no artº 74º nº 1 da LGT, segundo o qual «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».

No caso vertente, nada foi alegado pela administração quanto à culpa do revertido na insuficiência do património da sociedade devedora ou na falta de pagamento das coimas que constituem a dívida exequenda, o que colocou a Fazenda Pública na impossibilidade de fazer a prova da culpa no processo de oposição.

Por outro lado, o facto de o oponente não ter conseguido ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia pela insuficiência do património social para pagamento das dívidas de IVA e de IRS – única questão respeitante à culpa analisada e julgada pelo tribunal a quo em face do fundamento da reversão destas dívidas, constante da alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT – não contende com o ónus que recaía sobre a administração fiscal de alegar, logo no acto de reversão, a factualidade demonstrativa da culpa do oponente pela insuficiência do património social para satisfação das dívidas de coimas.

Desde logo, porque a factualidade que o oponente alegou com vista a provar que não teve culpa na insuficiência do património social para pagamento das dívidas de IVA e IRS (dada a presunção de culpa contida na al. b) do art. 24º da LGT) e que não conseguiu provar, não contende, de forma alguma, com a factualidade que a administração devia ter positivado no acto de reversão para evidenciar (e depois poder provar) que aquele tinha tido culpa nessa insuficiência, como pressuposto necessário da efectivação da sua responsabilidade à luz do art.º8º do RGIT, tendo em conta que, nesta matéria, a administração não dispõe de presunção legal de culpa para efectivar essa responsabilidade.

Não tendo a administração alegado qualquer factualidade nesse sentido, e tendo o revertido suscitado essa questão em sede de oposição, ficou imediatamente patenteada a ilegitimidade do oponente para a execução no que se refere a estas dívidas.

Por outro lado, da resposta negativa dada no julgamento da matéria de facto à materialidade fáctica alegada pelo oponente para ilidir a presunção de culpa que sobre si impedia quanto à falta de pagamento das dívidas de IVA e IRS, apenas decorre não se ter provado o que ele alegara, nunca se podendo considerar como provada, a partir daí, a materialidade fáctica inversa; ou seja, não se pode julgar como provada a factualidade constante dos “Factos não provados” nem concluir, por essa via, que o oponente teve culpa na insuficiência do património social para pagamento das dívidas provenientes de coimas» (fim de cit.).

Em suma, porque à luz da factualidade provada se verifica que nada ficou demonstrado quanto à eventual culpa do oponente pela falta de património social para pagamento das dívidas provenientes de coimas, e porque competia à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos para essa responsabilização subsidiária, há que valorar essa falta de prova contra si.

O que significa que o recurso da Fazenda Pública improcede no que respeita à reversão por coimas.

Como se alcança dos autos, o tribunal a quo deu por prejudicado, face à procedência da oposição, a invocada questão da existência de património da devedora originária enquanto factos impeditivo da reversão.

Diz o n.º2 do art.º665.º do CPC: «Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários».

Impõe-se, pois, a este tribunal conhecer da questão, em substituição.

De acordo com o disposto no artigo 23º, nºs 1 e 2 da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal e está dependente da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal (e dos responsáveis solidários), sem prejuízo do benefício da excussão. De acordo com o nº4 do referido artigo 23º, a reversão, mesmo nos casos de presunção de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação (artigo 23º, nº 4 da LGT).

Por seu turno, estabelece o artigo 153º, n.º2 do CPPT que o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.

Como se refere no Acórdão de 19/06/2006, proferido no processo nº 00032/05.2 BEPNF, “cabe à A. Fiscal o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários pela dívida exequenda, revertendo a execução contra eles, cabe-lhe o ónus de provar que se verificam os pressupostos legais dos quais depende essa reversão, pela demonstração de que não existem bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles são fundadamente insuficientes para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.

Ou seja, o ónus de averiguação e prova dos requisitos constitutivos do direito à reversão da execução, designadamente quanto à inexistência ou insuficiência dos bens do executado originário, não cabe ao responsável subsidiário mas, antes e em primeira linha, à A. Fiscal. E só ulteriormente, caso esta faça prova da verificação desses pressupostos, caberá ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens no património da devedora originária de que não haja conhecimento no processo, fazendo, assim, prova da ilegitimidade do acto”.

Não sofre dúvidas que a lei, ao lançar mão do conceito indeterminado “insuficiência” de bens, exigindo até que tal insuficiência seja “fundada”, obriga a que o órgão da execução fiscal faça uma investigação aturada sobre a existência de bens no património do devedor originário ou dos responsáveis solidários - neste sentido, vd. o acórdão do STA, de 12/04/2012, tirado no proc.º257/12.

Vertendo aos autos, consta do probatório que a devedora originária detém créditos sobre clientes a rondar os 150.000 Euros.

Todavia, da informação oficial constante de fls.10/12, levada ao conhecimento do oponente, não consta a existência de créditos penhoráveis desse montante e cuja existência tenha sido reconhecida pelos devedores – cf. art.º224.º, n.º1, do CPPT.

Apenas ali se referem créditos reconhecidos pelos devedores de valor diminuto face ao da dívida exequenda e acrescido.

Ora, pese embora o oponente tenha alegado na oposição e demonstrado nos autos a existência de créditos sobre clientes de valor superior ao da dívida, a verdade é que nada vem alegado e menos vem demonstrado no que respeita à situação dos aludidos créditos, ou seja, se se tratam de créditos penhoráveis reconhecidos pelos devedores, cumprindo salientar que o próprio oponente alega na petição inicial o desaparecimento de clientes a quem terá efectuado fornecimentos e serviços, relativamente aos quais não há qualquer garantia de cobrança.

Como está bem de ver, não basta alegar a existência de créditos sobre clientes, sendo necessário e decisivo demonstrar que tais créditos apresentam um mínimo de cobrabilidade ou alguma garantia de cobrança, o que não resulta minimamente evidenciado nos autos, não se sabendo se os afirmados créditos afinal não respeitam a clientes insolventes ou desaparecidos, no fundo, se tratam de créditos incobráveis.

É claro que se tais créditos tivessem sido invocados no procedimento de reversão, à AT sob pena de violação do inquisitório, caberia averiguar da qualidade de tais créditos, como o fez relativamente a créditos sobre 40 clientes da devedora originária (cf. cit. informação oficial); tendo sido invocados já em sede de oposição a existência de créditos sobre clientes até então desconhecidos no processo, ao oponente cabe demonstrar a situação desses créditos e que não se tratam de créditos incobráveis, o que nem sequer foi alegado, de modo a que o tribunal pudesse exercer o inquisitório sobre tal matéria, nos termos do disposto no art.º13.º, n.º1, do CPPT.

Não podemos pois acompanhar o oponente quando afirma não se verificar, como pressuposto da reversão, a inexistência ou insuficiência de bens no património da devedora originária.

Por este fundamento, a oposição não merece procedência.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
1. Conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte em que julgou a oposição procedente quanto à reversão por dívidas tributárias.
2. No mais, negar provimento ao recurso.
3. Conhecendo em substituição, julgar a oposição improcedente quanto à reversão por dívidas tribtárias, devendo a execução prosseguir quanto a estas.
Custas na proporção do decaimento (o oponente litiga com apoio judiciário).
Porto, 26 de Outubro de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro