Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02979/11.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/14/2013
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL; GARANTIA; PENHORA; IDONEIDADE
Sumário:I. Para efeito do disposto nos artigos 169º e 199º do CPPT, garantia idónea é aquela que é adequada a assegurar o pagamento da totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos.
II. A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo e visa garantir não só o capital, como também os acessórios do crédito que constem do registo [artigo 693º, nº 1 do CC], nomeadamente as despesas, juros e cláusula penal.
III. Resultando dos autos que o valor patrimonial do bem imóvel, sobre o qual recai a penhora que o executado pretende que valha como garantia para suspender a execução fiscal, ascende a € 80.590,00, já se encontra onerado com hipoteca e penhoras anteriormente registadas para garantir outros créditos de valor superior àquele, não se afigura ilegal o despacho da autoridade tributária que não considerou tal garantia idónea para suspender a execução fiscal.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1.Relatório

José…, NIF 1…, residente na Praceta…, Rio Tinto, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a reclamação à execução fiscal com o nº 1783200601026178 e apensos que contra si foi revertida e que corre termos no Serviço de Finanças de Gondomar 1.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

1 - A sentença em crise andou mal ao defender que a bondade do acto de indeferimento que motivou a reclamação deve ser aferida com base nos elementos existentes à data do proferimento da decisão administrativa e não com base em elementos que nessa data não constavam dos autos.

2 - Na verdade, a ocorrência dos factos modificativos, impeditivos ou extintivos dos fundamentos do acto de indeferimento pode e deve ser objecto de apreciação judicial.

3 - Nessa senda, e pela sua pertinência, cita-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (recurso jurisdicional no processo n.º 2517/11.2BEPRT da Unidade Orgânica 4 do TAF do Porto), que apreciando recurso interposto pelo aqui Recorrente motivado por falta de produção de diligências de prova tendentes a demonstrar que as dívidas constantes das inscrições prediais da fracção autónoma (hipoteca e penhoras) eram inferiores aos valores aí constantes, decidiu que: "com efeito, na economia do processo, ressalta evidente a relevância da matéria de facto a apurar através das requeridas diligências de prova, pois que, como bem salienta o EMMP junto deste tribunal, a "confirmar-se a redução dos valores dos créditos, por cujo pagamento está onerado o bem penhorado, desenha-se a possibilidade de concluir pelo mérito da pretensão deduzida pelo ora recorrente, desde que a redução de valor dos créditos em foco se confirme em montantes que, acrescido do valor da garantia a prestar no PEF dos autos, não ultrapassem o valor do bem penhorado".

4 - Reconhecido aquele erro na apreciação do direito, importa depois apurar se em face das dívidas que oneram a fracção autónoma há ou não suficiência do bem pretendido (fracção autónoma) para garantir a dívida, como defende a sentença.

5 - Também nesta parte o Tribunal a quo andou mal.

6 - Por um lado, impõe-se a reapreciação da prova atinente com a factualidade enumerada como provada nos itens 13 e 14.

7 - Relativamente ao ponto 13 da matéria de facto provada, impõe-se a sua correcção por forma a que proceda à eliminação da referência a um empréstimo de € 34.000,00.

8 - Na verdade, tal crédito não goza de inscrição hipotecária (cfr. a Ap. 8, no valor de capital de € 89.200,00, cuja dívida de acordo com informação prestada pela CGD era de € 71.370,49).

9 - Relativamente ao ponto 14 da matéria de facto provada, impõe-se a correcção do valor de € 2.131,55 aí constantes para € 1.206,53 em conformidade com informação prestada pelo Condomínio Varandas do Sol a fls. 246.

10 - Por outro lado, há que ter em conta que por sentença de 22/06/2012 proferida no processo n.º 476/11.0BEPRT da Unidade Orgânica 3 do TAF do Porto, foi julgada extinta a execução revertida contra o oponente por dívidas de coimas de 2006, no montante de € 4.301,16 (PEF n.º 2006010159).

11 - Tal execução é aquela a que se refere a Ap. 5781, a qual não poderá, pois, ser atendida para a questão da suficiência ou não da garantia oferecida.

12 - Assim, das inscrições de ónus e encargos constantes na certidão predial junta aos autos apenas se deverá atender aos seguintes valores:

a) CGD - € 71.370,49

b) Condomínio Varandas do Sol - € 1.206,53

c) Sofinloc - € 6.799,42

d) Serviço de Finanças de Gondomar - € 6.574,10

13 - o que tudo perfaz € 85.950,54.

14 - Como o valor patrimonial da fracção autónoma é de € 89.200,00, parece-nos evidente a falta de razão da sentença quanto se pronuncia pela manifesta insuficiência da garantia.

Não houve contra-alegações.

A Exma. Magistrada Ministério Público junto deste tribunal teve vista dos autos.

Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (cf. artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do Código do Processo e do Procedimento Tributário (CPPT)].

Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

As questões a apreciar, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nº s 3 e 4 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT), são as seguintes: (i) saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto quanto ao teor dos factos dados como provados nos pontos 13 e 14 do probatório; (ii) saber se a sentença recorrida errou ao considerar que o valor do imóvel dado como garantia era insuficiente para assegurar a dívida exequenda.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

2.1.1. O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma:

1. Em 6/6/2006, no Serviço de Finanças de Gondomar, foi instaurado contra “Fernando…, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, o Processo de Execução Fiscal nº 1783200601026178, com vista à cobrança de créditos de IRS, IRC, coimas e encargos, no montante global de € 4.507,65.

2. Por despacho de 23 de Julho de 2010, lavrado no Processo de Execução Fiscal identificado em 1, que consta a fls. 15/16 e se dá por reproduzido, foi revertida a execução contra o reclamante.

3. A Administração Tributária remeteu ao reclamante, mediante carta registada com aviso de recepção, o ofício nº 7147, de 27/7/2010, que consta a fls. 17 e se dá por reproduzido.

4. O reclamante foi citado, na qualidade de responsável subsidiário, em 27/12/2010.

5. Dá-se por reproduzido o auto de penhora que consta a fls. 30, lavrado no Processo de Execução Fiscal identificado em 1, em 21/10/2010, relativo à fracção designada pela letra “B”, sita na Praceta…, em Rio Tinto, inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo nº 1…- fracção B, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº 4…- fracção B, com o valor patrimonial de € 80.590,00.

6. O reclamante deduziu oposição à execução fiscal identificada em 1, em 26 de Janeiro de 2011.

7. Em 8/9/2011, no Processo de Execução Fiscal identificado em 1, foi lavrado despacho que determinou a notificação do oponente para, em 15 dias, prestar garantia no valor de € 2.907,34, nos termos do disposto no artigo 199º, nº 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com fundamento em que a penhora identificada em 5 não garante a dívida exequenda e acrescido, dado que a hipoteca e penhoras garantem uma importância superior a € 150.000,00.

8. A Administração Tributária remeteu ao reclamante, mediante carta registada com aviso de recepção, o ofício nº 8253, de 9/9/2011, que consta a fls. 74 e se dá por reproduzido.

9. Em 21/9/2011, o reclamante apresentou no Processo de Execução Fiscal identificado em 1, o requerimento que consta a fls. 78, que se dá por reproduzido, donde consta, além do mais, que a fracção penhorada tem o valor patrimonial de € 80.590,00, manifestamente superior ao valor a garantir nos autos.

10. No âmbito do Processo de Execução Fiscal identificado em 1, em 23/9/2011, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira de Gondomar foi lavrado despacho que reiterou o decidido no despacho identificado em 7, que indeferiu a pretensão do reclamante especificada em 9, porque considerou que o imóvel penhorado não constitui garantia idónea.

11. Dá-se por reproduzida a certidão que se encontra a fls. 59/69, relativa ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº 4…/19970528, freguesia de Rio Tinto, da qual consta que sobre aquele imóvel incidem as seguintes hipotecas e penhoras com registo lavrado pelas seguintes apresentações:

Ap. 8 de 2002/03/19, hipoteca voluntária, que assegura o montante máximo de € 129.011,74, sendo sujeito activo “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”.

Ap. 2885 de 2009/11/18, penhora que assegura a quantia exequenda de € 4.513,08, sendo sujeito activo “Condomínio Edifício Varandas do Sol”.

Ap. 4767 de 2010/02/26, penhora que assegura a quantia exequenda de € 6.799,42, sendo sujeito activo “Sofinloc - Instituição Financeira de Crédito, S.A.”.

Ap. 5730 de 2010/10/29, penhora que assegura a quantia exequenda de € 4.507,65, sendo sujeito activo o Serviço de Finanças de Gondomar 1.

Ap. 5781 de 2010/10/29, penhora que assegura a quantia exequenda de € 4.302,16, sendo sujeito activo o Serviço de Finanças de Gondomar 1.

Ap. 5804 de 2010/10/29, penhora que assegura a quantia exequenda de € 5.097,51, sendo sujeito activo o Serviço de Finanças de Gondomar 1.

Ap. 5839 de 2010/10/29, penhora que assegura a quantia exequenda de € 1.101,80, sendo sujeito activo o Serviço de Finanças de Gondomar 1.

12. Dá-se por reproduzido o “print” que consta a fls. 166/167, relativo à tramitação do processo de execução fiscal nº 1783200601031147 e apensos.

13. Dá-se por reproduzida a informação que consta a fls. 180/187, prestada pela Caixa Geral de Depósitos, donde consta, além do mais, que do montante do empréstimo efectuado ao reclamante em 26/4/2002, no total de € 89.200,00, se encontra em dívida € 71.370,49, e do montante do empréstimo efectuado ao reclamante em 26/4/2002, no total de € 34.000,00, se encontra em dívida € 27.168,38.

14. Dá-se por reproduzida a informação que consta a fls. 208/210, prestada por “Nova atitude, Lda.”, Administradora do “Condomínio Varandas do Sol”, donde consta, além do mais, que a dívida do condómino José…, ora reclamante, ascende a € 2.131,55, existindo acordo de pagamento.

15. Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 220/232.

16. Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 233/244.

17. A presente reclamação foi apresentada em 29/9/2011.


*

FACTOS NÃO PROVADOS

Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito.


*

A convicção do tribunal resultou da análise crítica da prova documental junta aos autos, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 514º Código de Processo Civil.


2.2. O direito

No âmbito do processo de execução fiscal a que se reportam os presentes autos, o Recorrente requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar 1 que a penhora já realizada nos autos do identificado imóvel valesse como garantia, com vista à suspensão da execução fiscal, alegando que o imóvel tem o valor patrimonial de € 80.590,00, manifestamente superior ao valor a garantir na execução fiscal em causa.

O órgão de execução fiscal decidiu pelo indeferimento da pretensão do Recorrente com o fundamento de que o imóvel em causa se encontrava onerado por valores substancialmente superiores ao valor patrimonial do mesmo. Ou seja, o acto reclamado de indeferimento de que valesse como garantia a penhora realizada nos autos sobre o identificado imóvel fundamentou-se na falta de idoneidade da garantia oferecida.

Na sequência da apresentação de reclamação contra esse despacho de indeferimento ao abrigo do disposto no artigo 276º e seguintes do CPPT, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto concluiu que tal despacho não estava eivado de qualquer ilegalidade e, consequentemente, julgou improcedente a reclamação.

O Recorrente insurge-se contra o assim decidido, sustentando que o Tribunal recorrido fez um errado julgamento da matéria de facto e errou ao considerar que o valor do imóvel dado como garantia era insuficiente para garantir a dívida exequenda.

Importa, pois, começar por conhecer do alegado errado julgamento de facto, com vista à fixação do necessário quadro factual e posterior aplicação do direito devido.

2.2.1. Nas conclusões 6 a 11 das alegações de recurso, questiona o Recorrente a factualidade dada como provada nos itens 13 e 14 do probatório, sustentando que se impõe a reapreciação da prova atinente a essa factualidade e ainda o aditamento de um ponto nos factos provados quanto à extinção da execução do PEF nº 2006010159.

Vejamos.

No item 13 dos factos provados registou-se o seguinte: “Dá-se por reproduzida a informação que consta a fls. 180/187, prestada pela Caixa Geral de Depósitos, donde consta, além do mais, que do montante do empréstimo efectuado ao reclamante em 26/4/2002, no total de € 89.200,00, se encontra em dívida € 71.370,49, e do montante do empréstimo efectuado ao reclamante em 26/4/2002, no total de € 34.000,00, se encontra em dívida € 27.168,38.”

Diz o Recorrente que a referência ao empréstimo de € 34.000,00 deve ser eliminada, porquanto tal crédito não goza de inscrição hipotecária sobre o prédio em causa nos autos. Ora, neste item apenas se transcreve a informação prestada pela Caixa Geral de Depósitos, não vindo referido em lado algum que este empréstimo goza de inscrição hipotecária.

No entanto, dado que no item 11 dos factos provados, onde estão discriminados os ónus (hipoteca e penhoras) que recaem sobre o imóvel, consta expressamente o registo da hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos para assegurar o montante máximo de € 129.011,74, sem que se mostre identificado o empréstimo a que se reporta e, como tal, passível de originar eventuais equívocos e dada a irrelevância de tal matéria para a decisão dos autos, procede-se à pretendida correcção do item 13, o qual passará a ter a redacção abaixo indicada.

Pretende ainda o Recorrente a correcção do item 14 dos factos provados, de modo a que aí passe a constar que o valor em dívida ao Condomínio é de € 1.206,53 e não de € 2.131,55, como aí consta, em conformidade com a informação prestada pelo Condomínio Varandas do Sol, junta a fls. 246 dos autos.

Tem razão o Recorrente, já que, posteriormente à informação referida no ponto 14 dos factos provados, foi prestada nova informação, onde consta que o valor da dívida ascende a € 1.206,53, pelo que se impõe a pretendida alteração.

Por último, pretende ainda o Recorrente que fique consignado na sentença recorrida e seja levado em consideração pelo tribunal na análise da suficiência do bem oferecido para garantia, que por sentença proferida no âmbito do processo nº 476/11.0BEPRT, foi julgada extinta a execução fiscal nº 2006010159, que tinha revertido contra si.

Ora, considerando que na Conservatória do Registo Predial se encontra inscrita a penhora do imóvel em causa para garantia do valor da dívida em causa naqueles autos [no valor de € 4.302,16 - ap.5781 de 2010/10/29] e que tal execução já foi declarada extinta, por sentença transitada em julgado, adita-se ao probatório, por se mostrar relevante para a decisão, o facto abaixo indicado sob o nº 15.

Face ao que vimos de dizer, procede-se à alteração aos itens 13 e 14 dos factos provados e ao aditamento do item 15, nos seguintes termos:

13. Dá-se por reproduzida a informação que consta a fls. 180/187, prestada pela Caixa Geral de Depósitos, donde consta, além do mais, que do montante do empréstimo efectuado ao reclamante em 26/4/2002, no total de € 89.200,00, se encontra em dívida € 71.370,49”.

14. Dá-se por reproduzida a informação datada de 24 de Maio de 2012, que consta a fls. 246 dos autos, prestada pela administração do “Condomínio Varandas do Sol”, donde consta, além do mais, que a dívida do condómino José…, ora reclamante, ascende a € 1.999,60.”.

15. Por sentença proferida no âmbito do processo nº 476/11.0BEPRT, transitada em julgado, foi declarada extinta a execução fiscal nº 2006010159, revertida contra o oponente por dívidas de coimas de 2006, no valor de € 4.301,16, garantida pela penhora do imóvel identificado em 5) (ap. 5781 de 29/10/2010)

2.2.2. O Recorrente invoca nas conclusões 1 a 3 das alegações de recurso que a sentença recorrida andou mal ao defender que a reclamação deve ser aferida com base nos elementos existentes à data da prolação da decisão administrativa e não com base nos elementos que nessa data não constavam dos autos.

Ora, apesar de o tribunal recorrido ter afirmado que “a bondade do acto de indeferimento deve ser ponderada com base nos elementos existentes nos autos à data em que o despacho foi proferido, e não com base em elementos que à data não constavam dos autos”, certo é que, na apreciação que fez, em concreto, da garantia oferecida, não deixou de atender e relevar (quer na decisão de facto, quer na decisão de direito) os factos ocorridos posteriormente à data da prolacção do despacho reclamado.

Com efeito, a esse propósito, vem referido na sentença recorrida: “Acresce que o reclamante, só posteriormente, em sede de reclamação veio dar conta de que já tinha pago parcialmente as quantias em questão. Todavia, ainda que se considere a factualidade posteriormente alegada e apurada no decurso dos autos, o despacho reclamado não merece reparo. Com efeito, mesmo tendo em conta que o montante da dívida hipotecária actualmente ascende a € 71.370,49, e considerandos os pagamentos parcelares efetuados no âmbito dos processos de execução identificados em 11, o imóvel é manifestamente insuficiente para garantir a dívida em causa. (…) ”.

Tendo o tribunal recorrido, como vimos, ponderado na sua decisão os factos ocorridos posteriormente à data da prolação do despacho reclamado que pudessem relevar e interferir no mérito da reclamação, ficou prejudicada a apreciação por este tribunal da questão de saber se a bondade do acto de indeferimento que motivou a reclamação deve ser aferida com base nos elementos existentes à data em que o despacho foi proferido e não com base em elementos que nessa data não constavam dos autos.

Porém, mesmo considerando esses factos ocorridos posteriormente, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a reclamação deduzida contra o despacho que indeferiu o pedido de que valesse como garantia “a penhora já realizada nos autos” incidente sobre a fracção designada pela letra “B”, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 4521 da freguesia de Rio Tinto, com o valor patrimonial de 80.590,00 euros, visando a suspensão da execução fiscal que reverteu contra o Reclamante (ora Recorrente) para cobrança da dívida no montante de 4.507,65 euros, por ter concluído pela legalidade do acto reclamado, em virtude da insuficiência do imóvel penhorado para garantir essa dívida.

Para o efeito, concluiu o tribunal recorrido que “o crédito hipotecário, integrado pela quantia em dívida, despesas, juros de mora e acrescidos, bem como as custas da execução hipotecária, em caso de venda do imóvel, são graduados com prioridade face à quantia exequenda nestes autos por força do disposto no artigo 686º, nº 1 do Código de Processo Civil. O mesmo sucede com os créditos do “Condomínio Edifício Varandas do Sol” e da sociedade comercial “Sofinloc - Instituição Financeira de Crédito, S.A” garantidos por penhora que beneficia de registo anterior à penhora fiscal.”

Ou seja, a hipoteca e as penhoras anteriormente registadas sobre o prédio em causa conferiam a esses credores o direito de serem pagos preferencialmente e, considerando que o valor desses ónus (hipoteca e penhoras anteriores) é superior ao valor patrimonial do imóvel, impediria a exequente, em caso de execução da garantia agora oferecida, de assegurar a satisfação do seu crédito.

O Recorrente insurge-se contra o assim decidido, invocando a falta de razão da sentença quando se pronuncia pela manifesta insuficiência da garantia.

Vejamos.

Estabelece o artigo 52º da Lei Geral Tributária (LGT):

1. A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem nº 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre as empresas associadas de diferentes estados.

2. A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias. (…) ”.

Por outro lado, a norma do artigo 169º, nº 1 do CPPT, preceitua o seguinte: “A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda (…), desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195º ou prestada nos termos do artigo 199º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente”.

A “garantia idónea” a prestar pelo executado consistirá, nos termos resultantes da norma do artigo 199º do CPPT (ex vi artigo 169º, nº 1 do mesmo diploma legal), em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente (nº1), podendo ainda consistir a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária (nº2).

E, nos termos do nº 4 do mesmo normativo, vale como garantia para efeitos do nº 1 a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido.

Da conjugação destes normativos resulta que a idoneidade da garantia se afere pela capacidade de esta, em caso de incumprimento do devedor, ser ou não susceptível de assegurar o cumprimento dos créditos do exequente.

Por conseguinte, garantia idónea há - de ser a garantia adequada a assegurar o pagamento da totalidade do crédito exequendo e do acrescido - assim, entre muitos, acórdãos do STA de 21/9/2011, Processo 0786/11, de 11/7/2012, Processo 730/12, de 10/10/2012, Processo 916/12 e de 30/1/2013, Processo 034/13 e, bem assim, Rui Duarte Morais, in A Execução Fiscal, pág. 77 e Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, Volume III, pág. 412.

O que importa então apurar é se a garantia oferecida no caso em apreço, mediante a penhora do imóvel identificado nos autos, era suficiente para, em caso de incumprimento do executado, assegurar a cobrança da dívida exequenda e acrescido.

Como já vimos, a administração tributária não aceitou a garantia oferecida porque considerou que a soma dos valores das garantias reais que incidem sobre o imóvel oferecido como garantia é de valor superior ao valor patrimonial do mesmo e, por tal motivo, concluiu pela falta de idoneidade dessa garantia para assegurar o crédito exequendo.

Tal entendimento como já supra referimos, foi acolhido na sentença recorrida.

Nas conclusões 12 a 14 do recurso, o Recorrente estriba a sua posição no argumento de que das inscrições de ónus e encargos constantes da certidão predial junta aos autos apenas deverá ser atendido aos seguintes valores: (i) crédito da Caixa Geral de Depósitos - € 71.370,49; (ii) crédito do Condomínio Varandas do Sol - € 1.206,53; (iii) crédito da sociedade Sofinloc - € 6.799,42; (iv) crédito do Serviço de Finanças de Gondomar - € 6.574, 10 -, os quais perfazem o montante global de € 85.950,54, sendo este valor inferior ao valor patrimonial do imóvel em causa, de € 89,200,00.

O equívoco em que o Recorrente labora é evidente. Como está consignado nos factos provados, e foi mesmo invocado pelo próprio Recorrente no decurso do processo, o valor patrimonial do imóvel oferecido como garantia não é de € 89,200,00 (como erradamente, refere o Recorrente) mas sim de € 80.590,00 [cf. item 5) dos factos provados].

Deste modo, não tem qualquer razão o Recorrente quando diz que o valor dos créditos garantidos pelo imóvel em causa (€ 85.950,54) é inferior ao valor patrimonial desse imóvel (€ 80.590,00).

Ademais, importa referir que o valor do crédito da Caixa Geral de Depósitos garantido por hipoteca inscrita no registo não é apenas no montante de € 71.370,49, como alega o Recorrente. É que, embora o capital em dívida (relativo ao empréstimo concedido por aquele banco e garantido pela hipoteca) fosse, à data da prolação da sentença recorrida, no valor de € 71.370,49, a hipoteca sobre o imóvel visa garantir não só o capital, como também os acessórios do crédito que constem do registo [artigo 693º, nº 1 do CC], nomeadamente, as despesas, juros moratórios e remuneratórios e cláusula penal a que se reporta o artigo 810º do CC. E daí que no respectivo registo, além de constar o valor do capital garantido, venha também referido o montante máximo que aquela hipoteca visa garantir e que, neste caso, ascende ao valor de € 129,011,74 [cf. item 11) do probatório].

Do que vimos de referir resulta que a sentença recorrida, ao concluir pela insuficiência do imóvel penhorado para garantir a quantia exequenda nestes autos, julgou bem e que, por isso, deverá ser mantida, assim improcedendo o presente recurso.

3. Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 14 de Março de 2013

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Aragão Seia

Ass. Irene Neves