Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00509/20.0BEPNF-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR – PERICULUM IN MORA - MATÉRIA DE FACTO CONTROVERTIDA - PRODUÇÃO DE PROVA
Sumário:I- Sendo a disponibilidade económica efetiva da Requerente suscetível de indiciar uma situação de grave carência económica, que põe em risco a satisfação de necessidades pessoais elementares, ou que determina um drástico abaixamento do nível de vida do requerente e seu agregado familiar, justifica-se a verificação do requisito de periculum in mora.

II- A situação de refutação da validade existencial da materialidade adquirida no procedimento administrativo - que consubstancia na plena invocação de erro nos pressupostos de facto que estribaram a decisão administrativa - traduz a existência de materialidade controvertida no processo judicial em curso impositiva de produção de prova.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:E.
Recorrido 1:INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DE AGRICULTURA E PESCAS, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

E., devidamente identificada nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela promanada no âmbito da presente Providência Cautelar de Suspensão de Eficácia de Ato Administrativo por si intentada contra o INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DE AGRICULTURA E PESCAS, I.P., igualmente identificado nos autos, que, em 30.03.2021, julgou “(…) totalmente improcedente o presente processo cautelar, com a consequente absolvição do Requerido do pedido (…)”.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

I - A sentença recorrida deu como provado que a Recorrente aufere um rendimento mensal e de pensões do valor de 1.519,63 euros.
II - E de despesas mensais suporta um total de 1.403,84 euros, acrescido das despesas com vestuário e alimentação para si e para os seus filhos.
III - Este quadro revela que a Recorrente tem uma grande debilidade financeira, pelo que o pagamento do valor pedido pelo IFAP causar-lhe-á lesão iminente grave e dificilmente reparável da sua situação financeira.
IV - Mas mesmo que se leve em consideração o rendimento do apiário do valor de 1.117,78 euros no ano de 2020, a verdade é que este não chega para cobrir as despesas que a sentença desconsiderou indevidamente, ou seja, a quantia mensal de 128,94 euros, correspondente ao 2° crédito de habitação, constante do documento n° 17 e o custo mensal com combustíveis que a Recorrente gasta na sua deslocação diária do Porto para Aveiro a fim de trabalhar.
V - Tal quadro revela uma evidente e grave debilidade financeira da Recorrente, que a eventual execução da alegada divida ao IFAP agravará, causando-lhe lesão grave, iminente e de difícil reparação.
VI - Pelo que se verifica no caso concreto a existência do requisito “periculum in mora”.
VII - A Recorrente outorgou com o IFAP, em 27-12-2012 um contrato de financiamento com o n° 02024830/0.
VIII- O contrato teria o seu termo em 07-12-2014 e o termo da operação verificar-se-ia em 30-06- 2018.
IX - A Recorrente recebeu um total de 64.854,69 euros, sendo a 1ª verba paga em 30-01-2013, no valor de 27.889,08 euros.
X - Em 12-06-2015 o IFAP vistoriou o empreendimento para verificação física dos investimentos.
XI - O Técnico responsável concluiu nessa data que apesar de não cumprir o plano empresarial, as alterações verificadas não comprometeriam a viabilidade da operação, não sendo assim anotada qualquer irregularidade nem concedido prazo para suprir fosse o que fosse.
XII - Em 21-08-2018, já após o termo da operação, a Recorrente foi convocada para estar presente no dia 06-09-2018 na sede da Junta de Freguesia de Paradança a fim de facultar a visita à exploração.
XIII - Porque a Recorrente não compareceu, tendo em vista o termo do prazo da operação, o IFAP determinou que a Recorrente devolvesse o valor dos apoios concedidos.
XIV - A Recorrente investiu na operação um total de 71.510,16 euros, sendo para si gravemente penalizador a obrigação de restituição do valor dos apoios.
XV - O IFAP só invocou em sede de audiência prévia como fundamento para a restituição das ajudas a impossibilidade de verificação da operação, confirmando assim que nenhuma outra irregularidade ocorrera.
XVI - Pelo que a decisão final não podia fundamentar-se noutros motivos, para além desse.
XVII - Ocorreu entre 30-01-2013 e 17-04-2020 um prazo superior a sete anos, sem qualquer interrupção, pelo que o direito à restituição dos apoios prescreveu, nos termos do n° 1 do artigo 3° do Regulamento (CE) n° 1260/99 do Conselho de 21-6.
XVIII - O IFAP não resolveu até à presente data o contrato que celebrou com a Recorrente.
SEM PRESCINDIR
XIX - A Recorrente pretende, de qualquer modo, reverter a decisão do IFAP, tendo-lhe comunicado que pretende que este proceda à verificação da operação e consequente revogação da sua decisão para restituição do valor dos apiários.
XX - A decisão recorrida violou, pois, o disposto, entre outros no artigo 112° do CPTA (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(…)

A. A Recorrente não concretizou no que é medianamente possível o perigo que a devolução do financiamento lhe virá a causar, para o que se exigiria, nomeadamente, eventuais certidões da Autoridade Tributária e Aduaneira indicando que não é titular de rendimentos ou proprietária de outros bens móveis ou imóveis.
B. O periculum in mora está verificado sempre que haja fundado receio de que, quando a ação judicial finde, a sentença proferida já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
C. A Recorrente tinha que invocar e comprovar, o que não fez, factos que levassem o Tribunal a concluir que seria provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se, apenas aí, a concessão da providência solicitada.
D. Nem no requerimento da providência cautelar, nem nas alegações de recurso, foram trazidos para os autos elementos probatórios cabalmente demonstrativos da existência de prejuízos de difícil reparação.
E. Assistia à Recorrente o ónus de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, nos termos dos artigos 342.° do Código Civil, 114.°, n.° 3, al. g), 118° e 120°, todos do CPTA e 365.°, n.° 1, do Código de Processo Civil.
F. O preenchimento do periculum in mora não se basta com um mero juízo de probabilidade de perigo, sendo indispensável a existência de um receio realmente fundado e de uma situação de perigo atual, no momento em que é requerida a providência, e não meramente hipotético ou futuro, de difícil ou impossível reparação para os interesses que se visam assegurar no processo principal e que a jurisprudência tem qualificado de “danos qualificados".
G. A ora Recorrente não identificou a existência de um perigo de lesão iminente, grave ou dificilmente reparável da sua situação financeira, passível de colocar em causa a sua subsistência, mas sim, no máximo, um “eventual desconforto financeiro ou uma menor eventual liquidez para satisfação dos seus encargos", o que nem adjetiva como uma situação de periculum in mora.
H. Outra decisão diferente não poderia ser tomada pelo Tribunal a quo senão a de concluir não serem bastantes os factos invocados pela ora Recorrente para se dar por verificado o requisito do periculum in mora (…)”.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação de “(…) entre outros no artigo 112° do CPTA (…)”.
Assim sendo, esta será a questão a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO

O quadro fáctico [positivo, negativo e respetiva motivação] apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…)
1. Em 27.12.2012, foi celebrado, entre a Requerente e o Requerido, no âmbito da ação “Instalação de Jovens Agricultores” do Programa de Desenvolvimento Rural, doravante PRODER, o contrato de financiamento n.° 02024830/0, referente à operação n.° 020000031723 - Apicultura, a que Requerente se candidatou, nele se prevendo a atribuição dos seguintes apoios:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. doc. 1 junto com o requerimento inicial (r.i) cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. No identificado contrato, encontra-se estipulado, entre o mais, o seguinte:
(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. doc. 1 junto com o requerimento inicial (r.i)
3. Em 12.06.2015, foi efetuada, pela Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte (DRAP-N), uma ação de verificação física ao local da exploração da Requerente, da qual resultou a elaboração de Relatório datado de 18.06.2015 - cfr. doc. 3 junto com o r.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Em 4.04.2018, foi remetido, à Requerente, pela DRAP-N, mensagem de correio eletrónico, através da qual foi solicitado o envio de elementos para efeitos de avaliação do cumprimento do plano empresarial do jovem agricultor e conclusão do projeto de investimento, nos seguintes termos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. doc. 2 junto com a oposição cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. Em resposta, foi apresentada, pela Requerente, junto da DRAP-N, com registo de entrada datado de 2.05.2018, formulário de avaliação do plano empresarial do jovem agricultor, acompanhado de uma exposição contendo factos atinentes à execução da operação, à qual juntou elementos documentais. - cfr. doc. 3 junto com a oposição cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. Em 4.05.2018, foi elaborada informação técnica com o n.° 797/2018, que mereceu despacho do Chefe da Divisão de Investimento de Trás-os-Montes da DRAP-N no sentido da realização de uma visita à exploração, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. doc. 4 junto com a oposição.
7. Foi remetido à Requerente, pela DRAP-N, ofício datado de 21.08.2018, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. doc. 6 junto com o r.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Foi remetido à Requerente, pela DRAP-N, ofício datado de 10.09.2018, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. fls. 16 do processo administrativo junto à ação principal.
9. Foi remetida, pela Requerente, à DRAP-N, a seguinte exposição datada de 27.09.2018:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. doc. 7 junto com o r.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10. Não foi possível realizar a visita de controlo à exploração objeto dos ofícios identificados nos pontos 7 e 8 por ausência da Requerente. - acordo
11. Foi remetido, pela DRAP-N, à Requerente, para efeitos de exercício do direito de audiência prévia, o ofício com a ref.ª n.º 001830/2019 DAI-UREC, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. doc. 7 junto com o r.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12. A Requerente exerceu o seu direito de audiência prévia, relativamente à intenção de ser determinada a reposição das ajudas recebidas, através de exposição datada de 28.07.2020, remetida ao Presidente do Conselho Diretivo do IFAP, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. doc. 12 junto com o r.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13. Em 18.10.2018, foi elaborado, pelo IFAP, Relatório de Avaliação do Cumprimento do Plano Empresarial da Requerente com o n.° 10475, no qual consta, entre o mais, o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. doc. 1 junto com a oposição cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14. Foi proferida, pelo Presidente do Conselho Diretivo do IFAF, decisão de imposição de reposição das quantias recebidas pela Requerente no âmbito da operação identificada no ponto 1, constante de ofício com a ref.ª 002649/2020 DAI-UREC, recebido pela Requerente em 17.04.2020, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- - cfr. doc. 9 junto com o r.i. e confissão.
15. Da “Ficha de Identificação de Operação” identificada no ponto 1 consta, designadamente, o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. doc. 1 junto com o r.i.
16. A Requerente aufere, como docente na Escola Artística (…), em (…), um vencimento mensal líquido de € 1069,63 e recebe uma pensão de alimentos dos seus dois filhos paga pelo pai destes no valor de €450, 00. - cfr. doc. 14 junto com o r.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido e confissão.
17. A Requerente adquiriu, com P., em 2009, em comum e partes iguais, uma habitação T3, sita na Rua (…), descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° 1938/2003/0627 da freguesia de (…), tendo para o efeito sido contraídos dois empréstimos bancários no montante global de € 240 000,00, com constituição das respetivas hipotecas voluntária de igual valor sobre o prédio em causa. - cfr. docs. 15, 16 e 17 junto com o r.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
18. A Requerente despende mensalmente € 238,49 com crédito automóvel, € 378,18, com crédito habitação, € 195,99, com crédito pessoal e € 49,07 com seguro automóvel. - cfr. docs. 18, 19 e 20 junto com o r.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
19. A Requerente tem, ainda, as seguintes, despesas mensais: € 387,75 de mensalidade do colégio de R., € 95,00 de quota de condomínio, € 20,00 de consumo de água, € 34,36 de consumo luz, € 5,00 de consumo de gás e despesas gerais com vestuário e alimentação com os dois filhos a seu cargo. - cfr. docs. 21, 22 e 23 junto com o r.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido e acordo.
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Nada mais se provou com relevo para a decisão a proferir.
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Motivação:
A delimitação da matéria de facto relevante para a decisão da causa resultou da análise dos documentos constantes dos autos, e da alegação factual expendida nos articulados, na parte em que não se mostrou controvertida, conforme discriminadamente indicado ao longo do elenco de factos provados (…)”.
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III.2 - DO DIREITO

Cumpre decidir, sendo que a questão que ora se mostra controversa e objeto do presente recurso jurisdicional consiste em saber, como se adiantou em II), se a sentença recorrida, ao julgar “(…) totalmente improcedente o presente processo cautelar, com a consequente absolvição do Requerido do pedido (…)”, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação de “(…) entre outros no artigo 112° do CPTA (…)”.
Vejamos, sublinhando, desde já, que, escrutinada a fundamentação de direito vertida na decisão judicial recorrida, logo se constata que o juízo de improcedência da presente providência cautelar mostra-se arrimado na inverificação do pressuposto de periculum in mora emergente da consideração da inexistência (i) de uma situação de facto consumado e, bem assim, (ii) de prejuízos de difícil reparação.
Ora, a Recorrente insurge-se contra a inverificação do aludido requisito aferido na vertente da inexistência de prejuízos de difícil reparação, por manter a firme convicção de que o Tribunal a quo incorreu em erro ao referir-se ao valor das despesas mensais da Requerente com sendo apenas de € 1.156,35, já que se mostra provado que esta apresenta as despesas mensais descritas nos artigos 18º a 19º do probatório coligido, num total de € 1.403,84, o que, no seu entender, basta para se julgar verificado o requisito de periculum in mora, por se situar a Recorrente já não numa situação de mero desconforto económico (…) mas sim de verdadeiro perigo para a sua subsistência e a dos seus filhos, caso seja obrigada a repor de imediato o valor peticionado pelo IFAP, I.P (…)”.

Mas mesmo que se leve em consideração o rendimento do apiário do valor de 1.117,78 euros no ano de 2020, entende ainda a Recorrente que ainda assim é de julgar o demonstrado o periculum in mora, pois este não chega para cobrir as despesas que o julgador a quo desconsiderou, ou seja, “(…) a quantia mensal de 128,94 euros, correspondente ao 2º crédito de habitação, constante do documento nº 17 e o custo mensal com combustíveis que a Recorrente gasta na sua deslocação diária do Porto para Aveiro a fim de trabalhar (…)”.

Adiante-se, desde já, que o presente recurso irá proceder.

Expliquemos pormenorizadamente esta nossa convicção.

A Requerente, por intermédio da presente providência cautelar, pretende obter a suspensão de eficácia do “(…) ato do Presidente do respetivo Conselho Diretivo de 17.04.2020, através do qual foi determinada a devolução do montante de € 64 854, 69, recebido a título de incentivo financeiro e prémio à instalação de jovem agricultor, através do contrato de financiamento n.º 02024830/0 celebrado no âmbito da ação “Instalação de Jovens Agricultores” do Programa de Desenvolvimento Rural (…)”.

Para estribar a sua pretensão suspensiva, a Recorrente alega que o acto suspendendo enferma de diversos vícios, que elencou, e que o não decretamento da providência requerida originará uma situação de facto consumado e, bem assim, prejuízos de difícil reparação prejuízos, que aduziu serem de menor dimensão, com o decretamento da providência requerida, para o interesse público.

Concretamente, e com reporte ao periculum in mora aferido na vertente da existência de prejuízos de difícil reparação prejuízos, vem invocada, desde logo, a existência de uma situação de grave carência económica emergente da execução do acto suspendendo.

De acordo com esta substanciação, revela-se fundamental o conhecimento da situação económica do associado da Requerente, designadamente, os seus rendimentos e as despesas.

Neste domínio, cabe notar que dimana do probatório coligido nos autos que o rendimento da Requerente resume-se ao seu (i) vencimento mensal líquido de € 1,069,63 e a (ii) uma pensão de alimentos dos seus dois filhos paga pelo pai destes no valor de € 450,00.
Tudo o que perfaz o total de € 1,519,63.
Mais cabe notar que se mostra provado que a Requerente suporta as seguintes encargos financeiros: (i) 238,49 com crédito automóvel; (ii) € 378,18, com crédito habitação; (iii) € 195,99, com crédito pessoal; (iv) € 49,07 com seguro automóvel; (v) € 387,75 de mensalidade do colégio de Rodrigo Santiago Loução Gonçalves; (vi) 95,00 de quota de condomínio; (vii) € 20,00 de consumo de água; (viii) € 34,36 de consumo luz; (ix) € 5,00 de consumo de gás.

Tudo o que perfaz o total de € 1,403,84, e não de € 1.156,35, como considerado na decisão judicial recorrida, que, neste particular, incorreu em manifesto lapso aritmético.

Ora, estes factos por si só são suscetíveis de indiciar uma situação de grave carência económica, que põe em risco a satisfação de necessidades pessoais elementares, ou que determina um drástico abaixamento do nível de vida do requerente e seu agregado familiar [cfr. Ac. STA de 27.02.02, rec. 174/02, de 13.01.05, rec. 1273/04, de 6/02/97, rec. 41.453, de ac. de 30/10/96, rec. 40.915, de 11.7.02, rec. 955/02-11, de 16.5.95, rec. 37542, de 1.6.95, 37630, de 12.10.95, rec. 38552A e 6.2.97, rec. 41453], que justifica a verificação do requisito de periculum in mora.

De facto, a disponibilidade económica efetiva da Requerente [€ 1,519,63 (€ 1.069,63 + € 450,00) - € 1,403,84 = € 115,79] é em molde a determinar que o prolongamento da situação em crise possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis, pois o rendimento efetivo ao dispor da Requerente [€ 115,79] não permitirá, certamente, satisfazer as suas necessidades básicas e elementares do seu agregado familiar, garantindo, assim, o mínimo de subsistência do mesmo.

Tais factos derivam das regras da experiência comum, constituindo presunção judicial ou se assim não se entendam sempre deveriam ser considerados factos notórios, que não carecem de prova, nos termos dos artigos 514º, n.º 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 1º do C.P.T.A. – cf. artigos 349º e 351º do Código Civil (CC).

Destarte, e ponderando o esgrimido, é inevitável concluir que a Requerente demonstra, adequada e suficientemente, que se encontra numa situação de grave carência económica, e que o prolongamento dessa situação acarreta consequências graves e dificilmente reparáveis, pois que, ainda que a situação da Requerente seja favoravelmente revertida a breve trecho, a verdade é que já nada conseguirá apagar ou desfazer a situação de carência e dificuldade já vivenciada.

Portanto, por tudo o quanto ficou exposto, deve considerar-se considerado verificado o requisito do “periculum in mora”.

Razão pela qual mal andou o Tribunal a quo, que, ao decidir como decidir, interpretou mal e violou o disposto no artigo 120º do C.P.T.A.

Uma vez alterado o julgamento quanto a esta matéria de direito, cumpriria a este Tribunal Superior, em cumprimento do disposto no nº.2 do artigo 149º do C.P.T.A., proferir decisão sobre o requisito referente ao fumus boni iuris não conhecido na decisão recorrida não fora a circunstância [obstativa de tal conhecimento substitutivo] de se nos afigurar que a factualidade dada como assente na sentença recorrida é manifestamente exígua para se conhecer em substituição.

De facto, perlustrando o requerimento inicial, assoma evidente, de entre outras realidades, que a Requerente opôs-se frontalmente à imputação [no âmbito do procedimento administrativo visado nos autos] de que não facultou a visita de controlo por parte do Requerido à sua exploração com vista a observar e comprovar a implantação dos apiários [fundamento no qual se arrimou o ato impugnado].

Efetivamente, a versão da Requerente é de que nunca impossibilitou a realização de qualquer visita de controle à sua exploração, antes informou que apenas não compareceria à mesma.

Ora, se é apodítico que, regra geral, a infirmação por parte do Réu dos factos alegados pelo Autor traduz a existência de materialidade controvertida, não se pode afirmar que assim também não seja nas situações em que a própria Requerente, em sede de requerimento inicial, entibece os pressupostos fácticos em que a Administração ancorou o ato suspendendo.

De facto, também a situação de refutação da validade existencial da materialidade adquirida no procedimento administrativo - que consubstancia na plena invocação de erro nos pressupostos de facto que estribaram a decisão administrativa - traduz a existência de materialidade controvertida no processo judicial em curso.
E, sendo este tecido fáctico essencial à boa decisão da causa e controvertido, ou seja, necessitado de prova, impõe-se concluir que a factualidade que se encontra apurada é insuficiente para que se possa decidir em substituição.

Assim deriva, naturalmente, que se impõe conceder provimento ao presente recurso, devendo ser ordenada a baixa dos autos a fim de ser determinada a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, e, após, prolação de nova decisão, da qual deverá constar o julgamento dessa matéria de facto.

Ao que se provirá no dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar a sentença recorrida, e ordenar a baixa dos autos a fim de ser determinada a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, e, após, prolação de nova decisão, da qual deverá constar o julgamento dessa matéria de facto.
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Custas pela parte vencida a final.
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Registe e Notifique-se.
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Porto, 15 de julho de 2021,


Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro