Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00900/10.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/29/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, TABELA NACIONAL DE INCAPACIDADES, JUNTA MÉDICA, DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA DA ADMINISTRAÇÃO
Sumário:I- As deliberações das comissões são actos médicos, produzidos ao abrigo da discricionariedade técnica, e são relativamente insindicáveis pelo Tribunal, que só pode controlar os aspectos externos e formais do acto sob pena de violar as competências próprias dos médicos e assim, o princípio da separação de poderes;

I.1-o Tribunal só pode sindicar um vício de procedimento, por exemplo a falta de algum requisito formal, como um erro na comunicação ou na informação ao beneficiário, a falta ou deficiente fundamentação, ou a existência de erro grosseiro;

I.2-não se verificando nenhum destes vícios (pois a nenhum deles se refere a sentença) não poderia o Tribunal substituir-se à Administração e formular juízos de natureza médica;

I.3-a tecnicidade e especialização dos conhecimentos aplicados conduz a que a fiscalização jurisdicional sobre o conteúdo das soluções se restrinja a casos - limite, a situações excepcionais em que se torna patente, mesmo a um leigo, o carácter grosseiramente erróneo dos resultados que a Administração afirma estarem fundados em regras técnicas. Só nestes casos extremos, de erros e desacertos manifestos, critérios ou juízos ostensivamente inconsistentes ou arbitrários, é que o Tribunal se imiscuirá no exercício da discricionariedade técnica da Administração. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Ministério da Saúde e Outro
Recorrido 1:F.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
F., residente na Avenida (…), (…), (…), instaurou ação administrativa especial contra o Ministério da Saúde, com sede na Avenida (…), (…), tendo ainda identificado como Contra interessado o Presidente da Junta Médica da Administração Regional de Saúde do Norte, delegação de Saúde do Concelho de (...), com sede na (…), (…), (…), formulando os seguintes pedidos:
“…Deve a Ré ser condenada à prática do acto legalmente devido, decidindo o recurso hierárquico interposto no sentido de reconhecer-se a ilegalidade do acto que fixou a incapacidade da A. em coeficiente de 0,25 por falta de fundamentação, nos termos do disposto nos artigos 123º, 124º e 125º do CPA e por violação do art.º 4º do Decreto-Lei nº 202/96 de 23 de outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 291/2009 de 12 de outubro, e de atribuir-se à aqui A. uma incapacidade de 80%.
Deve, ainda, a Ré ser condenada na emissão do respectivo e devido atestado médico.”
Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi decido assim:
a) Anulo o ato sob impugnação, da autoria da Junta médica constituída no seio do 2.º Réu, datada de 03 de maio de 2010, na parte em que fixou à Autora uma incapacidade de 25%, e nesses termos lhe veio a emitir o Atestado médico;
b) Tendo subjacente o disposto no artigo 71.º, n.º 2 do CPTA, e bem assim, o disposto nos artigos 1.º e 4.º, n.ºs 7, 8 e 9 do Decreto-Lei n.º 202/96 de 23 de Outubro [já com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 174/97, de 19 de julho], que em parte consubstancia alteração legislativa introduzida pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de Outubro, condeno o Réu Administração Regional de Saúde do Norte, IP, com referência à Junta médica constituída em 03 de maio e 2010, a proceder à sua reconstituição, e que a mesma [Junta médica], procedendo à avaliação em torno de qual dos graus [de incapacidade] é mais favorável à Autora, emita novo Atestado médico.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Administração Regional de Saúde do Norte, IP formulou as seguintes conclusões:

As normas do artigo 95º do CPTA obstam a que o Tribunal profira uma decisão que invada a esfera própria da intervenção da Administração, designadamente em matéria de avaliação de uma Junta Médica;

E deixa de ser subsumível a essa limitação a circunstância de a decisão judicial que se limite a condenar a «... à avaliação em torno de qual dos graus [de incapacidade] é mais favorável à Autora, emita novo atestado médico».

Seria aceitável - conforme à legalidade processual - uma decisão de anulação e a estipulação de um prazo para a emissão de novo acto (de avaliação pela Junta Médica) com parâmetros de actuação administrativa, mas já não nos termos em que a sentença adopta;

A interpretação da norma do art 4º nº 7 do Dec. Lei nº 202/96, de 23-10 (republicação do DL 291/2009, de 12-10) não pode inconsiderar a norma do nº 1 que a prejudica, prevalecendo, nem pode alargar o âmbito de aplicação da norma;

As normas do art 4º em análise acolhem tanto as situações em que é emitido um atestado médico temporário, a rever no futuro por efeito do regime MAS a que se aplicará a norma do nº 7 do artigo QUANDO A PATOLOGIA seja a mesma não se tendo alterado e a alteração / diferença resulte apenas da nova norma do Tabela Nacional de Incapacidades, como as situações - já anteriormente previstas para uma revisão futura, por efeito da própria patologia - em que a evolução intrínseca da patologia implica uma modificação da percentagem de incapacidade;

Uma patologia oncológica revertida, transformada em doença crónica, como a medicina tem demonstrado acontecer, ficaria FORA DAQUELA EQUAÇÃO e, por conseguinte, pode reduzir, ou aumentar, não sendo subsumível à previsão daquela norma do nº 7 do art 4º;

É a diferença normativa entre proteger um doente da evolução, para si desfavorável, do direito traduzido em nova Tabela Nacional de Incapacidades, por relação ao momento em que foi avaliado por uma Junta Médica, e favorecer um doente cuja patologia passa de um estado de saúde a outro mais favorável que o direito não quis tutelar.

Ao ter decidido como o fez, violou a decisão recorrida aquelas normas do art 95º do CPTA, por invadir área de discricionariedade técnica da Administração e da área médica, da junta médica, bem como as normas do artigo 4º do Dec. Lei nº 202/96, de 23-10 (republicação do DL 291/2009, de 12-10), por ter inconsiderado a real situação subjacente ao estado de saúde da autora, conforme à avaliação médica.
Termos em que, e nos melhores da ponderação, na atendibilidade das enunciadas conclusões, e no seu objecto, deve proferir-se acórdão que revogue a decisão recorrida, com as legais consequências.
Assim se fazendo JUSTIÇA!

A Autora não juntou contra-alegações.

O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
1 - Por requerimento da Autora, datado de 06 de novembro de 2006, dirigido ao Adjunto do Delegado Regional de Saúde, a mesma requereu a sua submissão a Junta médica para entre o mais, ser avaliada a sua incapacidade, tendo informado que se faria acompanhar de toda a informação clínica - Cfr. fls. 1ª do Processo Administrativo;
2 – Por ofício datado de 29 de novembro de 2006, essa Junta médica foi agendada para o dia 11 de dezembro de 2006 - Cfr. fls. 1c do Processo Administrativo;
3 – Com data de 07 de novembro de 2006, a Médica S., do Centro de Saúde de (...), emitiu declaração respeitante à situação clínica da Autora - Cfr. fls. 1b do Processo Administrativo -, que por facilidade, para aqui se extrai como segue:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

4 – Com data de 07 de dezembro de 2006, o Médico A., emitiu relatório clínico respeitante à situação clínica da Autora, de onde se extrai, em suma, que a mesma não apresenta evidência de doença oncológica e que mantinha vigilância na sua consulta - Cfr. fls. 1d do Processo Administrativo;
5 – A Junta Médica reuniu no dia 11 de dezembro de 2006, sendo que da ficha clínica de avaliação de incapacidade, em sede do resumo da história, extrai-se que foi atribuído à Autora uma incapacidade de 80%, tendo subjacente o Cap. XVI-IV.3, com reavaliação no ano de 2009 - Cfr. fls. 1 e 1 verso do Processo Administrativo -,
6 – Nessa data, a Junta médica emitiu à Autora o Atestado médico de incapacidade Multiuso, registo 1130/06 - Cfr. fls. 1h do Processo Administrativo -, que por facilidade, para aqui se extrai como segue:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

7 - Por requerimento da Autora, datado de 19 de junho de 2009, dirigido ao Adjunto do Delegado Regional de Saúde na ARS do Norte, a mesma requereu a sua submissão a Junta médica para entre o mais, por reavaliação, ser avaliada a sua incapacidade, e emitido Atestado médico de incapacidade Multiuso, tendo informado que se faria acompanhar de toda a informação clínica - Cfr. fls. 2a do Processo Administrativo;
8 – Por ofício datado de 19 de agosto de 2009, essa Junta médica foi agendada para o dia 21 de setembro de 2009 - Cfr. fls. 2c do Processo Administrativo;
9 – Com data de 19 de maio de 2009, a Médica S., do Centro de Saúde de (...), emitiu atestado médico respeitante à situação clínica da Autora - Cfr. fls. 2b do Processo Administrativo -, que por facilidade, para aqui se extrai como segue:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

10 – A Junta Médica reuniu no dia 21 de setembro de 2009, sendo que da ficha clínica de avaliação de incapacidade, em sede do resumo da história, extrai-se que foi atribuído à Autora uma incapacidade de 25%, tendo subjacente o Cap. XVI-IV.2, - Cfr. fls. 2 e 2 verso do Processo Administrativo -, e ainda o que, por interesse, para aqui se extrai como segue:
21/09/09 [...] Actualmente não apresenta evidência da sua doença oncológica.
[...]
13/11/09 Informar a doente do resultado da J. M. [...]“
11 – Nessa data, a Junta médica emitiu à Autora o Atestado médico de incapacidade Multiuso, registo 203575/09 - Cfr. fls. do Processo Administrativo -, que por facilidade, para aqui se extrai como segue:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

12 – Por ofício do Réu ARS do Norte, datado de 07 de dezembro de 2009, foi remetido à Autora o Atestado médico de incapacidade Multiusos, que a mesma recebeu em 10 de dezembro de 2009 - Cfr. fls. do Processo Administrativo;
13 - Por não concordar com a incapacidade que lhe foi atribuída, a Autora deduziu recurso hierárquico necessário da avaliação da incapacidade, dirigido ao Diretor Geral da Saúde - Cfr. fls. 9a do Processo Administrativo;
14 – Nessa sequência, o Presidente da Junta Médica, por ofício datado de 12 de abril de 2010, notificou a Autora de que, na sequência do recurso de Junta Médica, e ao abrigo do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de outubro, deve requerer nova Junta médica, a fim de ser submetida a avaliação e emissão de novo atestado médico nos termos da nova legislação - Cfr. fls. 12 do Processo Administrativo;
15 - Por requerimento da Autora, datado de 21 de abril de 2010, dirigido ao Adjunto do Delegado Regional de Saúde na ARS do Norte, a mesma requereu a sua submissão a Junta médica para entre o mais, por reavaliação, ser avaliada a sua incapacidade, e emitido Atestado médico de incapacidade Multiuso tendo informado que se faria acompanhar de toda a informação clínica - Cfr. fls. 14c do Processo Administrativo;
16 – Por requerimento da Autora, datado de 22 de abril de 2010, dirigido ao Réu ARS do Norte, IP, a mesma requereu a sua submissão a Junta médica com a maior brevidade possível, por se estar a esgotar o prazo para a apresentação da declaração de IRS - Cfr. fls. 12 do Processo Administrativo;
17 – A Junta Médica reuniu no dia 03 de maio de 2010, sendo que do Atestado Médico emitido, extrai-se que foi atribuído à Autora uma incapacidade de 25%, tendo subjacente o Cap. XVI-IV.2, e que foi declarado [no âmbito do disposto no Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de outubro, mormente, pelo disposto no seu artigo 4.º, n.º 7], que a Autora “...é portadora de deficiência que de acordo com os documentos arquivados neste serviço lhe conferiram em 11/12/2006 pela TNI aprovada pelo Decreto Lei n.º 341/93, de 30.09.1993, o grau de incapacidade de 80%“ - Cfr. fls. 96 dos autos em suporte físico;
18 – Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai o referido Atestado médico de incapacidade Multiuso - Cfr. fls. 96 dos autos em suporte físico, como segue:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

19 – A Petição inicial que motivou a presente acção administrativa especial foi remetida a este Tribunal, em 30 de março de 2010 - Cfr. fls. 2 dos autos em suporte físico.
O Tribunal consignou:
Os factos dados como assentes supra, sob os pontos 1 a 18, tiveram por base os documentos constantes do Processo Administrativo junto aos autos pelo Réu Ministério da Saúde, ou constantes dos autos, e quanto ao facto 19, por decorrência da tramitação dos autos.
*
Dão-se aqui por integralmente enunciados os documentos referidos supra na matéria de facto assente.
*
Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado, ou não provado.

DE DIREITO
Está posta em causa a sentença que acolheu a leitura da Autora.
Atente-se no seu discurso fundamentador:
Constitui objecto da presente acção, a apreciação da validade dos dois atos administrativos consubstanciados nas deliberações das Juntas Médicas realizadas no seio do Réu ARS do Norte, em 21 de Setembro de 2009, e em 03 de maio de 2010, referentes à avaliação da capacidade física da Autora, para efeitos de emissão de atestado médico Multiuso, para os fins determinados pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro, e assim também, como requerido pela Autora, o pedido de condenação à prática do acto legalmente devido, no sentido de lhe ser atribuída uma incapacidade de 80%, com a consequente emissão do atestado médico.

Com a entrada em vigor do CPTA, a impugnação do ato e a sua apreciação pelos Tribunais deixou de ter em vista unicamente esse ato, mas também e principalmente a pretensão formulada, neste caso pela Autora, que a final requer que o Réu seja condenado a emitir o atestado médico, em conformidade com o disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96 de 23 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de Outubro, atribuindo-lhe uma incapacidade de 80%.

Decorre do contencioso administrativo, resultante da aprovação do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) pela Lei n.º 15/2002, de 19 de fevereiro, alterada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, que os atos administrativos de indeferimento expresso deixam de ser objecto de processos de estrita impugnação judicial destinados a obter a sua anulação ou declaração de nulidade, para passarem a ser objecto de processos de condenação à prática de acto administrativo devido – é o que resulta dos artigos 66.º n.º 2, 67.º n.º 1 alínea b), 71.º n.º 1 e 51.º n.º 4, todos do CPTA.

O artigo 51.º n.º 4 do CPTA dispõe que “se contra um acto de indeferimento for deduzido um pedido de estrita anulação, o tribunal convida o autor a substituir a petição, para o efeito de formular o adequado pedido de condenação à prática do acto administrativo pedido”. Porém, a Autora formula em cumulação com aquela pretensão impugnatória, um pedido de condenação do Réu numa prestação de facto – a emissão de atestado médico.

Atento o disposto no artigo 66.º n.º 2 do CPTA, o qual estatui que “ainda que a prática do acto devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória”, pelo que não há lugar ao cumprimento do artigo 51.º n.º 4 do CPTA, nem está em causa o conhecimento do estrito pedido de anulação do acto.

É que com a reforma do contencioso administrativo, operada pela aprovação do Código de Processo nos Tribunais Administrativo, concretizou-se o principio constitucionalmente consagrado da plenitude da jurisdição e da tutela jurisdicional efectiva, e sobretudo, deixa de ser um contencioso centrado no acto administrativo, um contencioso de ataque ao acto, para ser um contencioso centrado na relação jurídica administrativa.

As acções administrativas deixam, por conseguinte, de ter como objecto (típico) o acto administrativo e os seus vícios, passando o seu objecto a decorrer das pretensões (materiais) formuladas pelo demandante.

Se para o pedido de anulação de acto administrativo é pressuposto processual a existência de acto administrativo (impugnável), ele já não constitui pressuposto processual para os restantes pedidos.

O objecto do processo de condenação não se definirá assim por referência ao acto de indeferimento (expresso ou tácito) mas à posição subjectiva de conteúdo pretensivo do autor [Veja-se neste sentido, Mário Aroso de Almeida – O objecto do processo no novo contencioso administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº. 36, Nov/Dez 2002, pág. 9].

Posto isto.

Atento o estado a que chegou a instrução dos autos, mormente, no que neles se conheceu que foi praticado pelos Réus [fora dos autos], mormente, que depois de a Autora ter interposto recurso hierárquico necessário visando a deliberação da Junta médica realizada no dia 21 de Setembro de 2009, para o Diretor Geral da Saúde, veio a ser submetida a nova junta médica, importa estabilizar a questão controvertida.

Ou seja, não se sabendo, é certo, quanto ao pedido constante do recurso apresentado pela Autora junto do Diretor Geral da Saúde visando a deliberação da Junta médica realizada no dia 21 de Setembro de 2009, se o mesmo foi expressamente deferido, o que resultou provado é que, nesse âmbito, o Presidente da Junta médica remeteu à Autora o ofício datado de 12 de abril de 2010, informando-a de que, na sequência do recurso devia requerer nova junta médica a fim de ser submetida a avaliação e emissão de novo atestado médico, nos termos da nova legislação [a saber, o Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de outubro].

Neste patamar, como julgamos, face à atuação administrativa empreendida pelo 2.º Réu, julgamos que, pelo menos implicitamente, o pedido constante do recurso hierárquico apresentado pela Autora, foi deferido pelo 1.º Réu, ainda que de forma tácita ou implícita, pois que na pendência desse recurso, o Presidente da Junta médica procede à sua notificação para que requeira nova junta médica.

E neste conspecto, na medida em que o 1.º Réu intervinha nos autos por ser a entidade para quem havia sido interposto recurso hierárquico visando o 1.º ato administrativo sob impugnação – a deliberação da Junta médica datada de 21 de Setembro de 2009 - , na medida em que a Autora veio a ser notificada para realizar outra junta médica, em 03 de maio de 2010, fica agora prejudicada a apreciação nestes autos, de qualquer atuação com desvalor, assacável ao Réu Ministério da Saúde [por não ter apreciado expressamente o recurso hierárquico] pois que, tendo já sido emitido novo Atestado Médico [em 03 de maio de 2010], é o resultado dessa avaliação, por parte do 2.º Réu, a ARS do Norte, IP, que está sob sindicância.

Aqui chegados.

Em face do que resultou provado, a Autora foi submetida a uma junta médica em 11 de dezembro de 2006, para efeitos de emissão de atestado multiuso e para importação de veículo, na qual lhe veio a ser fixada uma incapacidade de 80%, incapacidade esta que devia ser sujeita a reavaliação em 2009, o que foi prosseguido, quer pela Autora quer pelo 2.ª Réu, no que veio a derivar a fixação de uma incapacidade de 25%, com fundamento em suma, no facto de à data de 21 de Setembro de 2009, ter então sido avaliado que a Autora já não apresentava evidência da sua doença oncológica, o que demandava a fixação dessa incapacidade, por esta razão, face ao disposto no Capítulo XVI, ponto IV, n.º 2 da TNI.

Tendo o resultado da Junta médica realizada à Autora em 21 de Setembro de 2009 sido posto em causa, incluindo pelo próprio 2.º Réu, pois que tornou a convocar a Autora para nova reunião, daí resulta que, entre o resultado da Junta médica realizada em 03 de maio de 2010 [a mais actual], e a Junta médica anterior, com avaliação da incapacidade da Autora validamente fixada, que foi realizada em 11 de dezembro de 2006, atenta a superveniência das alterações introduzidas ao Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de outubro, e em face do que subsiste apreciar nos autos em torno do teor do 2.º ato administrativo, e das invalidades que a Autora lhe assaca, julgamos que assiste razão à Autora.

Vejamos como.

Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai o Decreto-Lei n.º 202/96 de 23 de Outubro [com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 174/97, de 19 de julho e pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de Outubro], como segue:

Artigo 1.º
Objecto e âmbito de aplicação
O presente decreto-lei estabelece o regime de avaliação das incapacidades das pessoas com deficiência, tal como definido no artigo 2.º da Lei n.º 38/2004, de 18 de Agosto, para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei para facilitar a sua plena participação na comunidade. [sublinhado nosso]
[...]
Artigo 4.º
Avaliação de incapacidade
1 - A avaliação da incapacidade é calculada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, tendo por base o seguinte:
a) Na avaliação da incapacidade das pessoas com deficiência, de acordo com o definido no artigo 2.º da Lei n.º 38/2004, de 18 de Agosto, devem ser observadas as instruções gerais constantes do anexo i ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante, bem como em tudo o que não as contrarie, as instruções específicas constantes de cada capítulo ou número daquela tabela;
b) Não se aplicam, no âmbito desta avaliação de incapacidade, as instruções gerais constantes daquela Tabela.
2 - Findo o exame, o presidente da junta médica emite, por via informática ou manual, o respectivo atestado médico de incapacidade multiuso, o qual obedece ao modelo aprovado por despacho do director-geral da Saúde, em que se indica expressamente qual a percentagem de incapacidade do avaliado.
3 - Quando o grau de incapacidade arbitrado for susceptível de variação futura a junta deve indicar a data do novo exame, levando em consideração o previsto na Tabela Nacional de Incapacidades ou na fundamentação clínica que lhe tenha sido presente.
4 - Sempre que a lei faça depender a atribuição de benefícios de determinados requisitos específicos, o atestado de incapacidade deve indicar o fim a que se destina e respectivos efeitos e condições legais, bem como a natureza das deficiências e os condicionalismos relevantes para a concessão do benefício.
5 - Sempre que a junta médica entender ser necessário esclarecimento adicional no âmbito de especialidade médico-cirúrgica, deverá o presidente solicitar exames complementares, técnicos ou de especialidade, cujo relatório deve ser apresentado no prazo de 30 dias.
6 - Os atestados de incapacidade podem ser utilizados para todos os fins legalmente previstos, adquirindo uma função multiuso, devendo todas as entidades públicas ou privadas, perante quem sejam exibidos, devolvê-los aos interessados ou seus representantes após anotação de conformidade com o original, aposta em fotocópias simples.
7 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, nos processos de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais vigente à data da avaliação ou da última reavaliação é mantido sempre que, de acordo com declaração da junta médica, se mostre mais favorável ao avaliado. [sublinhado nosso]
8 - Para os efeitos do número anterior, considera-se que o grau de incapacidade é desfavorável ao avaliado quando a alteração do grau de incapacidade resultante de revisão ou reavaliação implique a perda de direitos que o mesmo já esteja a exercer ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos. [sublinhado nosso]
9 - No processo de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais mantém-se inalterado sempre que resulte num grau de incapacidade inferior ao grau determinado à data da avaliação ou última reavaliação.”. [sublinhado nosso]

Face ao que deixamos extraído supra, e ao que resultou provado, isto é, que a Junta médica que fixou uma incapacidade à Autora, em data antecedente à Junta médica realizada em 03 de maio de 2010, ocorreu em 11 de dezembro de 2006, por força da entrada em vigor, em 17 de outubro de 2009, das alterações ao introduzidas ao Decreto-Lei n.º 202/96 de 23 de Outubro [já com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 174/97, de 19 de julho], pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de Outubro], mormente, pelo que o legislador veio a dispor sob os n.ºs 7, 8 e 9 do respectivo artigo 4.º, na medida em que a Junta médica reunida em 03 de maio de 2010 deliberou que a Autora apenas padecia de 25% de incapacidade, estando essa incapacidade indexada ao disposto no Capítulo XVI, ponto IV, n.º 2 da TNI [aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro], ou seja, que por padecer [ter padecido] a Autora de doença oncológica crónica, isto é, tumor maligno com estabilização clínica, à Autora foi atribuído o grau de maior incapacidade previsto nesse normativo.

É que, não podia outra classificação/incapacidade ser atribuída à Autora, pois que, como de resto assim vinha atestado pela médica do seu Centro de Saúde de (...), S., em 19 de maio de 2009, nessa data, a Autora [utente] “… não apresenta evidencia da sua doença oncológica, tendo tido alta do Instituto Português de Oncologia do Porto.[…].

Assim, porque em 11 de dezembro de 2006 foi fixada à Autora uma incapacidade de 80%, na única anterior junta médica com resultados válidos, e porque a Junta médica seguinte, com resultados válidos, apenas se veio a realizar em 03 de maio de 2010, e sendo essa declarada incapacidade de apenas 25%, atento o disposto no artigo 4.º, n.ºs 7, 8 e 9 do Decreto-Lei n.º 202/96 de 23 de Outubro [já com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 174/97, de 19 de julho], que consubstancia alteração legislativa introduzida pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de Outubro, o 2.º Réu devia emitir o Atestado médico, com menção daquela incapacidade de 80%.

Com efeito, tratando a Junta médica realizada em 03 de maio de 2010 de um processo de revisão ou reavaliação do grau de incapacidade anteriormente apurado na Junta médica anterior, realizada em 11 de dezembro de 2006, resultante da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais vigente à data dessa avaliação, pese embora em 03 de maio de 2010 ter sido fixada a incapacidade de 25%, e sendo a anterior de 80%, logo por mero cálculo aritmético se constata que é mais favorável à Autora a manutenção daquela anterior incapacidade de 80%, o que assim devia ter sido fixado, e previamente declarado pela Junta médica constituída.

Assim não tendo sido prosseguido pela Junta médica realizada em 03 de maio de 2010, a deliberação constante do Atestado médico dessa data, que fixou à Autora uma incapacidade de 25%, padece de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, e por este fundamento procedo à sua anulação, o que assim decidimos nos termos e para efeitos do disposto no artigo 71.º, n.º 2 do CPTA. Efetivamente, o vício de violação de lei é aquele vício do acto administrativo que consiste na desconformidade entre os pressupostos e/ou o conteúdo do acto concreto e a previsão de situação e/ou o comando contidos em norma imperativa [cfr. Sérvulo Correia, in Noções de Direito Administrativo, página 463], ou seja, é o vício de que enferma o acto administrativo cujo conteúdo, incluindo os respectivos pressupostos, contrarie as normas jurídicas com as quais se devia conformar, integrando tal vício quer o erro na interpretação ou indevida aplicação da regra de direito (erro de direito), quer o erro baseado em factos materialmente inexistentes ou apreciados erroneamente (erro de facto) – cfr. Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, vol. I, página 501.

De maneira que, pelos fundamentos enunciados supra, a presente acção tem de proceder.
X
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
No caso é imputado à sentença erro de julgamento de direito.
Cremos que tem razão o Recorrente.
Vejamos, então, em síntese, o teor da fundamentação da sentença: Ou seja, “... pese embora em 03 de maio de 2010 ter sido fixada a incapacidade de 25% e sendo a anterior de 80%, logo por mero cálculo aritmético se constata que é mais favorável à Autora a manutenção daquela anterior incapacidade de 80%, o que assim devia ter sido fixado, e previamente declarado pela Junta médica constituída.
Assim não tendo sido prosseguido pela Junta médica realizada em 03 de maio de 2010, a deliberação constante do Atestado médico dessa data, que fixou à Autora uma incapacidade de 25%, padece de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, e por esse fundamento procedo à sua anulação...”.
O ora Recorrente na sua contestação havia sustentado:
... mostra-se da p.i. que a Autora impugna o sentido da Deliberação da Junta Médica e pede a condenação da Administração, naturalmente a Direcção Geral da Saúde, “à prática do acto administrativo devido” de decisão do recurso hierárquico (do pedido), isto é, a decisão do recurso hierárquico que interpôs (artºs 2º e 29º), actos totalmente estranhos às atribuições do Réu, actos que correspondem ao exercício de atribuições específicas próprias, que, como se verá ter sucedido no caso em apreço, acabam por ser confirmadas por médicos especialistas e também como sucedeu no caso sub judice, veio já a ser proferida nova decisão de Junta Médica de recurso confirmatória, da agora impugnada judicialmente.
De salientar que os ilícitos imputados ao acto antecedente ao acto impugnado (acto omissivo da decisão do recurso hierárquico), de vício de ilegalidade do acto, de vício de forma por falta de fundamentação, não procedem.
Com efeito, a Autora atribui à ‘declaração’ inicial que lhe estabeleceu uma incapacidade de 80% uma definitividade que real e efectivamente a declaração não comporta e interpreta, em consequência daquela definitividade, inadequadamente a norma do artigo 4º nº 7 do DL 202/96, de 23/10, na republicação do DL 291/2009, de 12/10.
Na verdade, a entidade demandada, o Ministério da Saúde - Direcção Geral de Saúde - Delegação Regional de Saúde de (...) instruíram e fundamentaram devidamente a sua deliberação,
Sendo a Deliberação da Junta Médica de recurso, realizada após solicitação da Autora, concretamente a 3 de maio de 2010, confirmativa da anterior deliberação, em contrário à pretensão da aqui Recorrida. Ou seja, com os critérios clínicos ponderados em face dos elementos clínicos e de diagnósticos disponíveis, a nova Junta Médica deliberou atribuir à Autora a incapacidade fixada no documento nº 3 junto com a p.i..
Acresce não assistir substantiva e materialmente razão à Autora:
A incapacidade fixada à Recorrida, estabelecida no documento nº 4 junto com a p.i., consagra ele próprio que “Esta situação verifica-se desde Outubro de 2004. Deverá ser reavaliada no ano de 2009”, que foi exactamente o que ocorreu.
Tendo-se constatado, como se mostra dos documentos instrutórios, que a situação clínica da Autora já não é a mesma. Como se vê dos documentos nºs 5 e 6 (documentação clínica) juntos pela própria Autora, ou seja, actualmente, a Autora está curada.
Em face dos elementos clínicos do processo e respectivos exames complementares, que se mostram suficientes, a Junta Médica contra a qual a Autora se insurge, bem como a realizada a 3 de maio de 2010, já referida, confirmam essa nova situação e actualizam a situação já prevista na Junta Médica inicial.
Entendeu o Júri da Junta Médica atribuir 25% de incapacidade a este quadro clínico, com a fundamentação clínica apresentada, sem embargo de, por relação aos anos anteriores, confirmar que em 2006 lhe foi deferida a incapacidade de 80%.
Não há assim qualquer erro de avaliação por inconsideração de qualquer dos elementos juntos, bem como não se verifica qualquer vício que afecte o procedimento.”
Neste seguimento o aqui Recorrente discorda do decidido interrogando-se:
1º Pode uma decisão judicial impor a uma Junta Médica que avalie e conclua com um sentido predefinido pelo Tribunal?
2º Deve a norma 'chave' constante do nº 7 do art 4º do Dec. Lei nº 202/96, de 23-10, na republicação do DL 291/2009, de 12-10 ser interpretada como consta da sentença recorrida?
Vejamos a 1ª questão:
A reforma do CPTA veio adiantar algumas normas que permitem clarificar as zonas de contiguidade entre o poder judicial e o poder administrativo, em particular aquele que se reveste de elevada tecnicidade e domínio próprio como sucede com a medicina e as juntas médicas.
Importa, assim, atentar nas normas do artigo 95º onde, sob a epígrafe 'limites e objecto da decisão' se estabelece que:
“4 - Nas sentenças que condenem à emissão de atos administrativos ou normas ou imponham o cumprimento de outros tipos de deveres à Administração, o tribunal tem o poder de fixar oficiosamente um prazo para o respetivo cumprimento, que, em casos justificados, pode ser prorrogado, bem como, quando tal se justifique, o poder de impor sanção pecuniária compulsória, destinada a prevenir o incumprimento, segundo o disposto no artigo 169.º
5 - Quando no processo tenha sido deduzido pedido de condenação da Administração à adoção de atos jurídicos ou comportamentos que envolvam a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, sem que a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma atuação como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do ato jurídico ou do comportamento a adotar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração.
6 - Quando, na hipótese prevista no número anterior, o quadro normativo permita ao tribunal especificar o conteúdo dos atos e operações a adotar, mas da instrução realizada não resultem elementos de facto suficientes para proceder a essa especificação, o tribunal notifica a Administração para apresentar, no prazo de 20 dias, proposta fundamentada sobre a matéria e ouve em seguida os demais intervenientes no processo, podendo ordenar as diligências complementares que considere necessárias antes de proferir a sentença.”
Ora, parece claro que uma norma destas obsta a que um Tribunal condene a Administração à prática, por uma junta médica, de um acto com um sentido determinado.
Objectar-se-á, contudo, que no caso em apreço a sentença recorrida não contende com essa esfera de reserva da Administração e da avaliação médica posto que se limita a condenar a “... procedendo à avaliação em torno de qual dos graus [de incapacidade] é mais favorável à Autora, emita novo atestado médico”.
Ainda assim, invade a sentença recorrida uma área que lhe está vedada.
Com efeito, seria aceitável - por conforme à legalidade processual - uma decisão de anulação, a estipulação de um prazo para a emissão de novo acto (de avaliação pela Junta Médica) e porventura, parâmetros de actuação, mas já não nos termos em que a sentença adopta.
E o que dizer da 2ª questão:
A norma invocada pode ser aplicada assim singelamente como o faz a sentença recorrida? É tão simples que a Junta Médica o não tenha percebido?
Vejamos:
A norma do nº 7 do artigo 4º Avaliação de incapacidade
1 –
(…)
3 - Quando o grau de incapacidade arbitrado for susceptível de variação futura a junta deve indicar a data do novo exame, levando em consideração o previsto na Tabela Nacional de Incapacidades ou na fundamentação clínica que lhe tenha sido presente.

(…)
7 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, nos processos de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais vigente à data da avaliação ou da última reavaliação é mantido sempre que, de acordo com declaração da junta médica, se mostre mais favorável ao avaliado.
referida não pode ser interpretada nos termos adoptados.
Com efeito, é necessário atentar no teor da locução de início da norma, a qual, ao consagrar que “sem prejuízo do disposto no nº 1” pretende, precisamente, salvaguardar o regime aí consagrado, o qual é enunciado não só no nº 1 mas ainda nas normas que lhe estão associadas, vg. a do nº 3.
Na verdade, o atestado médico originário de que a autora beneficiou previu logo a sua transitoriedade, como o aqui Recorrente assinalou na sua contestação e está abundantemente documentado nos autos.
Ora, parece poder depreender-se do regime legal aplicável que aquela norma do nº 4 está vocacionada para as situações em que o paciente vê a sua situação alterar-se apenas por efeito da nova Tabela Nacional de Incapacidades, relevando aí que não deva ser prejudicado pelo facto dessa alteração normativa.
Mas já não quando é a sua própria situação intrínseca de saúde que se altera.
Ora, foi precisamente isso que a Junta Médica quis assinalar, sublinhando que ficava inalterada a situação passada da incapacidade de 80% mas não podia projectá-la do mesmo modo para o futuro atenta a alteração do estado de saúde da paciente.
Com efeito, entende o Recorrente, e bem, que as normas do artigo 4º em análise acolhem tanto as situações em que é emitido um atestado médico revisto mais tarde por efeito do regime MAS a que se aplicará a norma do nº 7 do artigo quando a patologia não se haja alterado e a diferença resulte apenas da nova norma do Tabela Nacional de Incapacidades, como as situações - já anteriormente previstas para uma revisão futura, por efeito da própria patologia - em que a evolução da patologia implica uma modificação da percentagem de incapacidade.
Na verdade, as patologias são todas diferentes e são as Juntas Médicas que têm o know how e a diferenciação para aplicarem as várias soluções a submeter ao direito aplicável.
Como alegado, uma patologia oncológica revertida, transformada em doença crónica, como a medicina tem demonstrado acontecer, ficaria fora daquela equação e, por conseguinte, pode reduzir, ou aumentar, não se colocando como subsumível à previsão daquela norma do nº 7.
No fundo, é a diferença entre proteger um doente da evolução, para si desfavorável, do direito traduzido em nova Tabela Nacional de Incapacidades, por relação ao momento em que foi avaliado por uma Junta Médica, e favorecer um doente cuja patologia passa de um estado de saúde a outro e que o direito não quis tutelar - lê-se nas alegações e aqui corrobora-se. Ademais, as deliberações das comissões são actos médicos, produzidos ao abrigo da discricionariedade técnica, e são relativamente insindicáveis pelo tribunal, que só pode controlar os aspectos externos e formais do acto sob pena de violar as competências próprias dos médicos e assim, o princípio da separação de poderes. Na verdade, o tribunal só pode sindicar um vício de procedimento, por exemplo a falta de algum requisito formal, como um erro na comunicação ou na informação ao beneficiário, a falta ou deficiente fundamentação, ou a existência de erro grosseiro. Assim, não se verificando nenhum destes vícios (pois a nenhum deles se refere a sentença) não poderia o Tribunal substituir-se à Administração e formular juízos de natureza médica. A tecnicidade e especialização dos conhecimentos aplicados conduz a que a fiscalização jurisdicional sobre o conteúdo das soluções se restrinja a casos - limite, a situações excepcionais em que se torna patente, mesmo a um leigo, o carácter grosseiramente erróneo dos resultados que a Administração afirma estarem fundados em regras técnicas. Só nestes casos extremos, de erros e desacertos manifestos, critérios ou juízos ostensivamente inconsistentes ou arbitrários, é que o Tribunal se imiscuirá no exercício da discricionariedade técnica da Administração.

Em suma, os pareceres elaborados pelas Comissões Médicas são insindicáveis, situando-se no domínio da “discricionariedade técnica”, não podendo o tribunal substituir-se aos peritos médicos, a não ser que se verifique um erro grosseiro ou manifesto. Além disso, como se refere no Acórdão do STA de 07/03/2002, proc. nº 048335, “os pareceres médicos constituem juízos periciais complexos, expressos em linguagem ultrasintética, precisa e de carácter técnico (...) sendo adequada a fundamentação que para eles remeta, mesmo que o concreto destinatário do acto os não entenda, mas desde que as respectivas conclusões possam ser conferidas por especialistas na matéria”. Também assim decidimos em 03/6/2016 no âmbito do proc. 1485/09.5BEPRT com alguma similitude com o dos autos.
Procedem, pois, todas as conclusões da alegação.
Efetivamente, ao ter decidido como o fez, a decisão recorrida violou aquelas normas do artigo 95º do CPTA, por invadir área de discricionariedade técnica da Administração e da área médica, da junta médica, bem como as normas do artigo 4º do DL 202/96, de 23/10 (republicação do DL 291/2009, de 12/10), por ter inconsiderado a real situação subjacente ao estado de saúde da Autora, conforme à avaliação médica.

DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença e julga-se improcedente a acção.

Custas pela Autora/Recorrida e, nesta sede, sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.

Notifique e DN.

Porto, 29/5/2020

Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas