Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00164/02 - PENAFIEL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/23/2009
Relator:Moisés Rodrigues
Descritores:IRS – AQUISIÇÕES INTRACOMUNITÁRIAS – FALTA FIXAÇÃO DO PROBATÓRIO
Sumário:I - Tendo sido apresentados vários documentos, quer pelos Impugnantes, ora Recorridos, com a sua petição inicial, quer pelos serviços da administração fiscal, e tendo ainda sido produzida prova testemunhal, impunha-se, pois, à Senhora Juiz o dever de cumprir o estabelecido no art. 653° n° 2 do CPC (aplicável ao processo judicial tributário por força do disposto no art. 2° al. e) do CPPT), declarando quais os factos que julgava provados em face de toda a prova que foi produzida nos autos, cuja análise crítica também se lhe impunha por forma a permitir a este Tribunal de 2a instância aferir da razoabilidade da sua convicção.
II - Importa ainda que no tribunal a quo se enfrente, após a fixação da matéria de facto, uma questão essencial à boa decisão deste pleito, qual seja a da titularidade do ónus da prova acerca da qualidade de “particular” do vendedor, com intervenção em transmissão de veículos automóveis usados, a partir de outro Estado membro.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I
A Representante da Fazenda Pública (adiante Recorrente), não se conformando com a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou procedente a presente impugnação judicial deduzida por Henrique e mulher, Maria Amélia , NIF e , respectivamente, contra a liquidação adicional de IRS, dos anos de 1994 e 1995, no montante global de Esc. 5 263 704$00, ou seja, € 26 255,24, dela veio recorrer, concluindo, em sede de alegações:
1° - A Representação da Fazenda Pública, não se conformando com a douta decisão "a quo", vem recorrer da mesma, por entender que, salvo melhor opinião, não foi feita prova susceptível de colocar em causa as Liquidações de IRS respeitantes aos anos de 1994 e 1995, em causa;
2° - Na verdade entendeu a douta decisão que: «Através dos elementos de prova juntos aos presentes autos, o Tribunal considerou que o impugnante fez prova de que efectivamente adquiriu os veículos automóveis nos países da Comunidade Europeia a particulares....Deste modo as aquisições realizadas pelo impugnante saiem do âmbito de aplicação do art.° 3° do RITI....», concluindo pela anulação das liquidações efectuadas no estrito cumprimento da lei;
3° - Contudo, da leitura dos documentos «..2, 3, 4 e 5...», que serviram de base à douta decisão, resulta provado por confissão escrita e assinada pelo impugnante que: «...não tinha contabilizado e consequentemente demonstrado a aquisição de veículos usados..,»;
4° - Acresce que, do teor de fls. 61 dos presentes autos resulta a prova de que, a Administração Fiscal notificou pessoalmente o impugnante, em Julho de 1996, para apresentar os livros de escrita, as facturas de aquisição de viaturas em outros Estados Membros, bem como prova dos meios de pagamento utilizados;
5° - No entanto, conforme consta dos documentos que servem de base à douta decisão, não foram apresentados documentos susceptíveis de identificarem os vendedores e as formas de pagamento utilizadas. Os documentos apresentados como exemplo - articulado 9 - mais não são do que meras DVL e documentos de venda em território Nacional, apresentados estes a título de «exemplo», como ressalta do teor dos articulados VI e III das reclamações que constituem os documentos 2 e 3;
6° - A prova testemunhal reconheceu perante o Tribunal que « ...a importação de veículos é igual para todos, e feita em conformidade com as regras do Decreto-Lei n." 40/93, e por cada importação há um processo na Alfândega, onde estão todos os documentos, e onde é fácil de ver se os documentos foram emitidos por um particular, ou não.»;
7° - De acordo com os requerimentos ditados para a Acta, constantes de fls. 211 a 212 v.°, o próprio impugnante reconhece a insubsistência dos documentos apresentados para demonstração da sua causa de pedir, sendo de realçar que, em sede de alegações, nada mais junta, optando pela defesa dos documentos apresentados em sede de reclamações graciosas;
8° - A Administração Fiscal demonstrou pelos factos dados como provados e assentes em sede de relatório da Inspecção tributária, que o impugnante, no pleno exercício da sua actividade, comprava carros usados na Alemanha para vender em Portugal, sem que declarasse os seus rendimentos ou mesmo fizesse qualquer entrega de IVA nos cofres do Estado;
9° - Na verdade, o impugnante não apresentou o livrete inicial dos veículos, emitido pelas autoridades alemãs onde se referiria que o proprietário do veículo era uma pessoa singular. Livrete esse, que, juntamente com a declaração de venda dos pretensos particulares, permitiria ao impugnante obter junto das autoridades alemãs a emissão de um livrete internacional, habilitando o transporte e a circulação desses automóveis, o qual só é emitido se, conjuntamente o veículo dispuser de um seguro que cubra os riscos da sua circulação durante um certo período de tempo, de modo a permitir a saída dos veículos da Alemanha rumo a Portugal, como era o caso;
10° - Regendo aqui o princípio geral estatuído no art.° 342° n.° l do Código Civil, a parte que invoca o direito é onerada com a prova dos respectivos factos constitutivos - na medida em que a reacção contra o acto tributário para a apreciação da sua correspondência com a lei no momento em que foi praticado é da iniciativa de quem exerce o direito de acção, ou seja, do autor da causa;
11° - A parte que deve exercer a actividade probatória relativamente aos factos que servem de fundamento à acção, de acordo com o princípio do dispositivo e sob pena de correr o risco de ver repelida a pretensão que deduziu em Juízo - Art.º 516° do Código de Processo Civil - é, precisamente, a parte que exerce esse direito de acção, no caso, o impugnante, e, como ressalta dos factos constantes dos autos, atrás elencados, não é produzida prova contraditória dos factos determinativos da tributação em IRS;
12° - Pelo que, resultando dos autos, declarações do próprio impugnante a reconhecer a insuficiência dos documentos apresentados e da falta de motivo que obstasse à sua apresentação, cfr. se retira da matéria dos articulados: 4; 7 e 11, das presentes alegações, a decisão "a quo " enferma de erro de julgamento na apreciação dos factos constantes dos autos, redundando assim, em erro de julgamento na subsunção legal da matéria.
Pela douta sentença foram violadas as seguintes normas legais: Art° 3° do RITI; al. a) do n.° 1 do art.° 1° e do n.° 1 do art.° 8° do RITI; art.° 17° do RITI; art.° 38° do CIRS; art.° 19°; 21°; 77º e 82° do Código de Processo Tributário.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

Foram produzidas contra-alegações, a fls. 355 a 371 nas quais se concluiu no sentido de se negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

A magistrada do M. Público neste TCAN pronuncia-se no mesmo sentido de se negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

II
É a seguinte a factualidade declarada provada na 1ª instância, que aqui se reproduz ipsis verbis:
“A- Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa:
1- O impugnante dedica-se à actividade de compra e venda de veículos automóveis.
2- Entre 01.10.97 e 23.10.97, o impugnante foi objecto de uma inspecção por parte dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças do Porto, tendo esta incidido sobre os exercícios de 1994 e 1995, relativamente ao IVA e IRS.
3- Na sequência da qual foi elaborado o relatório que fundamenta a liquidação ora impugnada.
4- O relatório conclui que o impugnante não adquiriu os veículos a particulares, mas sim a outros sujeitos passivos.
5- O impugnante adquiriu os veículos automóveis a particulares em países da Comunidade Europeia - cfr. docs. 2, 3, 4 e 5 juntos aos autos.
6- A Administração Fiscal considerou que as aquisições de veículos feitas pela impugnante nos Estados Membros da Comunidade Europeia, foram aquisições intracomunitárias de bens, tendo procedido à tributação de IVA relativamente às mesmas.
7- A Administração Fiscal presumiu que o impugnante obteve um lucro de 17% na venda de cada uma das viaturas automóveis.
8- O impugnante apresentou reclamação graciosa.
9- Tendo a mesma sido indeferida.
B- Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
Inexistem. As demais asserções ínsitas na p. i. constituem meras considerações e conclusões de facto e/ou direito, pelo que não incumbe pronúncia nesta sede.

III
As questões sob recurso, suscitadas e delimitadas pelas conclusões da Recorrente, são as de saber se a sentença recorrida enferma de errado julgamento da matéria de facto e, em consequência, erro de julgamento na subsunção legal da matéria.
Mais especificamente, maxime das conclusões 3º a 7º, coloca-se em causa o constante como provado sob 5-, ou seja:
5- O impugnante adquiriu os veículos automóveis a particulares em países da Comunidade Europeia - cfr. docs. 2, 3, 4 e 5 juntos aos autos.
Vejamos.
Antes de mais importa dizer que os presentes autos foram constituídos por fotocópia certificada dos autos nº 244/2001.TFPRT.32, por se ter oficiosamente entendido verificar-se cumulação indevida de pedidos – cfr. fls. 196 dos autos.
Assim, nos presentes autos estão em causa as liquidações adicionais relativas a IRS dos anos de 1994 e 1995 e, naqueles outros, o IVA referente a esses mesmos anos.
Face ao ora constatado, não conseguimos vislumbrar que interesse existe para o julgamento destes autos o facto dado como provado sob o item 6- do probatório fixado em 1ª instância, só sendo compreensível pela “excessiva” celeridade imposta pela Juiz titular.
Por isso, entendemos retirar do probatório a matéria que dele consta sob o nº 6-.
Prosseguindo.
Compulsados os autos, que nenhum apenso mostram, em lado algum surge referência a uma reclamação graciosa. Surge, antes, referência a duas reclamações dirigidas à comissão de revisão, nos termos do art. 84º do CPT, no articulado 6º a 9º da petição inicial e que se mostra documentado a fls. 149 a 156 dos autos, constituindo o que os Impugnantes, ora Recorridos, designaram como docs. 4 e 5. Estes documentos são apenas o articulado das reclamações.
Assim, não se pode manter os factos dados como provados nos itens 8- e 9- do probatório fixado em 1ª instância, que ora se retira do probatório.
Continuando, diremos que o levado ao referido probatório e se denominou item 4-, é, manifestamente, uma conclusão, como aliás resulta expressamente do emprego do termo “conclui”, importando antes, perscrutar o referido relatório de inspecção (fls. 20 a 39 e seus anexos de fls. 40 a 67) e dele retirar a identificação dos veículos automóveis em causa, bem como o ali exposto quanto à questão de se concluir pela aquisição desses veículos a “particulares”; retiramos, igualmente, o denominado item 4- do probatório.
Passando à análise do questionado, pela ora Recorrente, item 5- do probatório, diremos que dos docs. 4 e 5, que como já acima deixámos referido constituem os articulados das reclamações, se não pode retirar prova para se fixar que “o impugnante adquiriu os veículos automóveis a particulares …
Os docs. 2 e 3, constituem o articulado das reclamações dirigidas à comissão de revisão, quanto ao IVA de 1994 (fls. 68 a 71) e ao IVA de 1995 (fls. 95 a 98), verificando-se ainda que fls. 72 a 94 e fls. 99 a 148 constituem fotocópia de DVL’s (declarações de veículo ligeiro), de facturas de venda por parte dos Impugnantes, em território luso e ainda documentos em língua alemã e não traduzidos para a língua lusa. Da sua análise, não vislumbramos, para já, como é possível assentar qualquer facto com relação à qualidade do vendedor de cada um dos veículos automóveis envolvidos. A identificação do vendedor, talvez possa resultar, após tradução, dos documentos juntos em língua alemã, mas, tal, será insuficiente para comprovar o que importa: a condição de particular, actuando nessa qualidade, do vendedor do veículo usado e no espaço da Comunidade Europeia.
Pelo exposto, importa dar razão à Recorrente, Fazenda Pública e, em consequência, retiramos do probatório o denominado item 5- do probatório.
Aqui chegados, fica-nos o constante dos itens 1- a 3-, meras referências de enquadramento aos actos de liquidação ora impugnados e o item 7-.
Ora, tendo sido apresentados vários documentos, quer pelos Impugnantes, ora Recorridos, com a sua petição inicial, quer pelos serviços da administração fiscal, a fls. 252 a 267 e tendo ainda sido produzida prova testemunhal (fls. 211 e 212), impunha-se, pois, à Senhora Juiz o dever de cumprir o estabelecido no art. 653° n° 2 do CPC (aplicável ao processo judicial tributário por força do disposto no art. 2° al. e) do CPPT), declarando quais os factos que julgava provados em face de toda a prova que foi produzida nos autos, cuja análise crítica também se lhe impunha por forma a permitir a este Tribunal de 2a instância aferir da razoabilidade da sua convicção.
Importa ainda que no tribunal a quo se enfrente, após a fixação da matéria de facto, uma questão essencial à boa decisão deste pleito, qual seja a da titularidade do ónus da prova acerca da qualidade de “particular” do vendedor, com intervenção em transmissão de veículos automóveis usados, a partir de outro Estado membro.
Assim sendo, impõe-se a volta do processo à 1.a Instância para ali se elencarem, motivarem e fundamentarem os factos pertinentes à decisão da causa, no que toca ao fundamento da legalidade/ilegalidade das correcções efectuadas e fixação do rendimento colectável em sede de IRS, sabido que a competência conferida à 2.a Instância para reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar, em via de substituição, o julgado em 1.a Instância, pressupõe, naturalmente, que essa matéria de facto se encontre fixada, motivada e fundamentada.

IV
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, ordenando a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão, com preliminar fixação, motivação e fundamentação da matéria de facto.
Sem custas.
Notifique e registe.
Porto, 23 de Julho de 2009.
Ass. Moisés Moura Rodrigues
Ass. Francisco António Areal Rothes
Ass. Aníbal Augusto Ruivo Ferraz