Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00711/11.5BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/03/2012
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
SUBIDA IMEDIATA
PENHORA DE REEMBOLSO DE IRS
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - Cabendo a ordem de penhora de um reembolso de IRS, efectuada no âmbito da execução fiscal, na categoria de “decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária”, a sindicância da mesma há-de ser feita através de reclamação para o juiz do tribunal tributário de 1ª instância competente, sem prévia dependência de requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal para que aprecie este acto (sem prejuízo da possibilidade conferida ao autor do acto praticado na execução fiscal de revogar o acto reclamado, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 277º do CPPT).
II - Como a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem reiteradamente entendido, a enumeração do nº 3 do artigo 278º do CPPT não é taxativa. Assim, para além das situações de subida imediata da reclamação contempladas no nº 3, este regime de subida terá de aplicar-se igualmente em todas aquelas situações em que, com a subida diferida, a reclamação perde toda a sua utilidade, independentemente da eventual lesão irreparável.
III - Decorre da conjugação dos artigos 6 e 7 do artigo 169º do CPPT que, mesmo não estando prestada garantia, a dedução de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, ou a interposição de recurso judicial, tem um efeito suspensivo provisório, que abrange o período até ao termo do prazo de 15 dias que está previsto para o executado prestar a garantia a que alude o nº1 do mesmo preceito. A apresentação de oposição tem o mesmo efeito suspensivo provisório da execução (cfr. artigo 169º, nº 9 e nº 1 do artigo 52º da LGT).
IV - Verificando a exequente que não havia garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou que os bens penhorados não garantiam a totalidade da dívida exequenda e acrescido (artigo 169º, nº 6 do CPPT), devia, antes do mais, ter ordenado a notificação do executado para a prestar, fixando-lhe, para tal, o prazo de 15 dias. Só após, e não se mostrando prestada a garantia, podia (e devia) ter procedido à imediata penhora (artigo169º, nº7 do CPPT).*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social
Recorrido 1:A...
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
1- RELATÓRIO
O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, dizendo-se inconformado com a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que, julgando procedente a reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), anulou a penhora de um reembolso de IRS, veio interpor o presente recurso jurisdicional.
Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“O presente recurso interposto da douta sentença de fls.., proferida nos autos de Reclamação Judicial supra identificados, resulta da não conformação do Recorrente com o sentido e entendimento vertidos naquela.
1. A douta sentença recorrida errou na interpretação e aplicação que fez do artigo 276° do Código do Procedimento e Processo Tributário, ao não considerar que a executada primeiramente deveria ter reclamado para o órgão de execução do ato por este praticado, e só depois, em caso de eventual decisão desfavorável, poder haver lugar a reclamação para o Tribunal.
Na realidade, as questões relativas à garantia e sua validade, suficiência, dispensa, reforço, redução ou levantamento devem, antes de mais, ser suscitadas no processo de execução fiscal, devendo ser apreciadas pelo órgão que dirige a execução (conforme é entendimento de jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, que acolhemos), porque estruturalmente dependentes do processo de execução, devendo, assim, ser conhecidas como seu incidente.
A reclamação judicial não pode, pois, ser entendida como um meio genérico de sindicância de todos os atos de execução.
Como refere o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (no seu “Código de Procedimento e Processo Tributário - Anotado e Comentado”), “(...)as nulidades do processo de execução fiscal, que devem ser arguidas no próprio processo” (pág.370), e mais adiante, “relativamente a omissões de actos não será possível em princípio reclamar imediatamente para o juiz, pelo que o interessado deverá fazer a respectiva arguição de nulidades perante o órgão de execução fiscal e só da decisão deste que não satisfaça a sua pretensão poderá reclamar” (pág.648).
A douta sentença recorrida deveria ter decidido que o reclamante teria de, previamente, ter arguido junto do órgão de execução fiscal eventuais nulidades, e apenas da eventual decisão desfavorável caberia reclamação para o Tribunal.
2. A douta sentença recorrida errou na interpretação factual que fez da informação existente nos autos de execução de ter já sido ordenada uma penhora, porquanto a mesma não produziu ainda nenhum efeito. Na realidade, não houve lugar a qualquer transferência de valores cativos. O montante que se encontra cativo na conta bancária do executado não será transferido (nem o poderia ser!) enquanto se encontrar a correr os competentes termos judiciais a oposição deduzida, que apenas poderá produzir efeitos se e apenas quando, transitada em julgado a sentença que puser termo ao processo, a mesma for favorável ao aqui Recorrente,
3. pelo que igualmente errou a douto sentença recorrido ao considerar que o aqui Recorrente lançou de um meio agressivo de coerção ao pagamento, quando na realidade tal ato apenas se consubstanciou num meio legal de assegurar a obrigação que se encontra a ser discutida em sede judicial, se a decisão lhe for favorável.
4. Errou igualmente a douta sentença recorrida ao considerar ter o aqui Recorrente procedido de imediato à penhora, quando tal apenas sucedeu volvido um ano após a oposição deduzida.
5. A douta sentença recorrida errou na interpretação que fez do n°6 do artigo 169° do Código do Procedimento e Processo Tributário, ao considerar que do mesmo decorre expressa e inelutavelmente a obrigação que o órgão de execução fiscal tinha de notificar o executado para, apresentada a oposição, vir, em ato contínuo, aos autos de execução prestar garantia.
A ratio legis subjacente ao artigo em apreço tem inerente a faculdade de o executado, vindo espontaneamente aos autos de execução prestar garantia, evitar uma eventual atuação mais assertiva e potencialmente mais agressiva por parte da administração fiscal, como forma de assegurar o seu crédito (que não pode ficar temporalmente condicionada a uma eventual atuação, positiva ou negativa, do executado). A constituição voluntária de garantia, aproveita, pois, e antes de mais, ao executado, que tem todo o interesse processual em agir.
O comando que dimana do n°6 do artigo 169° do CPPT deve, pois, ser interpretado como um procedimento a adoptar (para os casos em que ainda não exista penhora constituída), e não como um comando imperativo (como foi entendimento da sentença a quo), uma vez que o verdadeiro ónus existente para a administração fiscal é o de notificar o executado do montante de garantia a prestar quando lho é solicitado.
6. Assim, errou igualmente a douta sentença recorrida quando considerou ter ocorrido vício de violação de formalidade legal, porquanto, não resultando o mesmo nem do artigo 169° do CPPT, nem de outro normativo fiscal, inexistindo o ónus de a administração fiscal notificar o executado do valor de garantia a constituir, sem que para tal fosse previamente interpelada, tal vício nunca se verificou.
7. Sem prescindir, a considerar-se ter existido um eventual vício de violação de formalidade legal, a douto sentença recorrida errou ainda quando não o considerou sanado (como deveria), nos termos do artigo 137° do Código do Procedimento Administrativo. Com efeito, não se subsumindo, como não subsume, essa irregularidade, no elenco das nulidades insanáveis (previstas nos artigos 98° e 165° do Código do Procedimento e Processo Tributário), a ter-se verificado, deveria ter sido declarada sanado com a prática do acto devido, ou seja, com a notificação efectuada ao executado para vir constituir garantia nos autos de execução.
8. A douta sentença recorrida errou na qualificação e apreciação que fez dos factos verificados e ocorridos, quando considera não ter o órgão de execução diligenciado pela notificação do executado para constituir a competente garantia. Na realidade, essa notificação sucedeu, na qual era igual e expressamente afirmado que a apresentação de garantia voluntária operaria a extinção da já existente (ordenando-se o levantamento da penhora).
9. A douta sentença recorrida errou na qualificação e interpretação que fez do n°3 do artigo 278° do Código do Procedimento e Processo Tributário, ao considerar ter-se verificado prejuízo irreparável, porquanto o Reclamante não alegou factos que consubstanciem o prejuízo irreparável exigido pela norma em questão, não bastando um “juízo de prognose póstumo que advirá da prática e execução da decisão reclamado” (conforme vertido na sentença a quo), não se subsumindo, igualmente, a penhora em concreto efetuada em nenhuma das alíneas do artigo, porquanto se consubstancia num meio idóneo, proporcional e adequado.
10. Na ausência de factualidade concreta reveladora da verificação do alegado prejuízo irreparável, não podia a sentença de que se recorre concluir pela verificação desse prejuízo.
11. A sentença a quo errou ao qualificar e considerar verificado o prejuízo irreparável, presumindo-o, apenas e só pelo montante que se encontra penhorado, esquecendo-se de que o mesmo ainda se encontra na esfera jurídica do executado, podendo este, a todo o tempo, vir aos autos prestar outra garantia (conforme já notificado), libertando, dessa forma, o valor cativo.
12. A sentença a quo errou ao considerar verificado o prejuízo irreparável com a atuação da administração fiscal “que advirá da execução da decisão tomada”. Ora, a administração fiscal não pode executar a decisão tomada enquanto não transitar em julgado a sentença que ponha termo ao processo que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (referente à oposição deduzida), e apenas se tal decisão lhe for favorável com a não procedência da oposição. Assim, desconhecendo as partes o sentido da decisão que será proferida, não pode o Juiz a quo fundamentar nesse argumento a qualificação como prejuízo irreparável a mera cativação da verba penhorada.
13. Errou ainda a sentença de que se recorre ao qualificar como prejuízo irreparável a penhora efetuada (sem, conforme já amplamente afirmado, ter havido qualquer transferência de valor para o Recorrente) sem atender aos factos ocorridos no processo, que demonstram claramente que esse presuntivo “prejuízo” nunca se terá verificado: deduzida oposição em 2010/04/15, não mais cuidou o executado de se interessar pelo andamento normal do processo (não desconhecendo que o efeito suspensivo só poderia produzir efeitos com a associação de garantia aos autos de execução. Mais sabendo que a administração fiscal poderia promover a penhora de bens, conformou-se com essa possibilidade, não cuidando de a constituir e associar ao processo de execução); notificado, conforme requerido, para vir prestar garantia (com a expressa informação de que outra garantia operaria a revogação do acto de penhora e consequente levantamento da mesma), nada aquele fez.
14. Esta actuação omissa, atento o fundamento de prejuízo irreparável invocado, tem de fazer presumir que o mesmo nunca existiu, pois se assim fosse, teria o executado vindo aos autos de execução apresentar nova garantia, dado que sabia (porque lho havia sido notificado) que essa actuação motivaria o levantamento da penhora solicitada.
15. O que, e em consequência, permite presuntivamente levar a admitir que o mesmo nunca teve intenção de constituir qualquer garantia, independentemente da existência de notificação para o efeito, ou, sequer, do momento dessa mesma notificação.
TERMOS EM QUE e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser admitido e as alegações e conclusões que o enformam serem dadas como provadas, devendo, em conformidade, ser revogada a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro e substituída por uma outra que se coadune com as pretensões expostas, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Neste Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza urgente do processo [artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do CPPT], cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.
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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso, são as seguintes:
(i) Saber se a sentença recorrida errou ao não ter considerado que, previamente à apresentação da reclamação ao abrigo do disposto no artigo 276º do CPPT, o executado, ora Recorrido, deveria ter “reclamado para o órgão de execução do ato por este praticado, e só depois, em caso de eventual decisão desfavorável, podia haver lugar a reclamação para o Tribunal” conclusão 1;
(ii) Saber se a sentença recorrida errou ao determinar a anulação do acto reclamado por julgar que o mesmo é ilegal por violar o disposto no artigo 169º do CPPT conclusões 2 a 8;
(iii) Saber se a sentença recorrida errou ao reconhecer o prejuízo irreparável alegado pelo Reclamante e, consequentemente, ao determinar a apreciação imediata da reclamação, violando, assim, o disposto no nº3 do artigo 278º do CPPT – conclusões 9 a 15.
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2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
É a seguinte a matéria de facto fixada em 1ª instância:
“Resultam dos autos os seguintes factos, suficientes para conhecimento do mérito, factos que resultam da matéria alegada e não contestada, da prova documental junta aos autos, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 514º Código de Processo Civil.
FACTOS PROVADOS
1. O “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.”, em 10/3/2006, instaurou contra “B…– Sistemas de Informática, S.A.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, o Processo de Execução Fiscal nº 0101200601094203, com vista à cobrança de Contribuições para a Segurança Social, referentes a 2003 a 2005, no montante global de € 37.705,63.
2. No processo de execução fiscal aludido em 1, por carta registada de 18/2/2010, foi determinada a notificação do oponente para exercer o direito de audição prévia em relação ao projecto de reversão, conforme documento de fls. 45 que se dá por reproduzido.
3. O oponente, em 2/3/2010, apresentou no IGFSS o requerimento que consta a fls. 46/56 que se dá por reproduzido.
4. No processo de execução fiscal aludido em 1, em 15/3/2010, foi emitida a “Resposta ao exercício de Audição Prévia” que se encontra a fls. 54/55 e se dá por reproduzida.
5. O Oponente foi citado, na qualidade de devedor subsidiário, por ofício de 15/3/2010, no âmbito do Processo de Execução Fiscal aludido em 1, conforme documento de fls. 60/68, que se dá por reproduzido.
6. Em 15/4/2010, o oponente deduziu oposição judicial em relação ao Processo de Execução Fiscal identificado em 1, conforme documento de fls. 66/83, que se dá por reproduzido.
7. Dá-se por integralmente reproduzido o documento de fls. 93, datado de 10/3/2011, que consubstancia a notificação ao reclamante da penhora de contas bancárias.
8. Dá-se por integralmente reproduzido o documento de fls. 94/95, datado de 15/3/2011.
9. Por ofício datado de 22/3/2011, que consta a fls. 100 e se dá por reproduzido, foi o oponente notificado que “no âmbito do processo de execução fiscal supra indicado foi penhorado o crédito relativo a reembolso de IRS até ao montante de € 25.200,25”.
10. Dá-se por reproduzido o teor dos ofícios de 11/4/2011, constantes de fls. 134/136, remetidos ao reclamante e ao seu mandatário, donde consta o montante a garantir (€ 40.906,55), correspondente ao valor da dívida exequenda, a efectuar no prazo de 10 dias.
11. A presente reclamação foi apresentada em 5/4/2011.
FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito”.*
Ao abrigo do disposto no artigo 712º do CPC, dada a sua relevância para a decisão da causa, adita-se a seguinte matéria de facto, que também resulta provada documentalmente:
12 – Através de requerimento dirigido ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, em 15/03/11 (o mesmo a que alude o ponto 8 supra), o executado, A…, solicitou que lhe fosse notificado o valor da garantia a prestar no âmbito do processo de execução fiscal nº 0101200601094203, uma vez que, estando pendente oposição à execução, pretendia prestar garanta bancária a fim de suspender a referida execução – cfr. fls. 94 e 95 dos autos.
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2.2. O direito
Estabilizada a matéria de facto, passemos à análise do direito.
Em primeiro lugar, surge colocada a este Tribunal a questão de saber se o executado, ora Recorrido, podia, ou não, ter lançado mão da presente reclamação, deduzida ao abrigo do artigo 276º do CPPT, sem que previamente tivesse contestado o acto aqui reclamado junto do próprio órgão da execução fiscal.
Com efeito, para a Recorrente, “as questões relativas à garantia e sua validade, suficiência, dispensa, reforço, redução ou levantamento devem, antes de mais, ser suscitadas no processo de execução fiscal, devendo ser apreciadas pelo órgão que dirige a execução (conforme é entendimento de jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, que acolhemos), porque estruturalmente dependentes do processo de execução, devendo, assim, ser conhecidas como seu incidente”.
Vejamos, desde já se adiantando que a Recorrente carece, em absoluto, de razão.
Em primeiro lugar, importa deixar claro que o objecto da presente reclamação é o acto que ordenou a penhora de um reembolso de IRS, acto este praticado no âmbito da execução fiscal nº 0101200601094203, que, nos termos da p.i, o Recorrido reputa de ilegal e que, nessa medida, pretendeu ver anulado.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 276º do CPPT, “as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de l.ª instância” (sublinhado e negrito nossos).
Apesar de alguma confusão que a denominação “reclamação” possa gerar, não sofre dúvidas que o artigo citado prevê a possibilidade de as decisões ali contempladas serem objecto de impugnação dirigida ao juiz do tribunal tributário de lª instância competente (ou, na terminologia do artigo 103º, nº2 da LGT, “de reclamação para o juiz”).
Portanto, a reclamação, apresentada ao abrigo do artigo 276º do CPPT, é dirigida ao tribunal, ou seja, ao juiz, sem que tenha que ser pedida previamente, ao órgão da execução fiscal, a apreciação da questão sobre a qual a reclamação versa (neste sentido, o acórdão do STA, de 20/04/04, proferido no processo nºs 124/04 – “O despacho do chefe de repartição de finanças que, na execução fiscal, ordena a penhora, é imediatamente reclamável perante o tribunal, sem necessidade de, antes de tal reclamação, ser pedida ao mesmo chefe a respectiva reapreciação” - e, ainda, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, Vol. IV, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 268).
Ora, recuperando o caso concreto, cabendo a ordem de penhora de um reembolso de IRS, efectuada no âmbito da execução fiscal, na categoria de “decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária”, é evidente que a sindicância da mesma há-de ser feita através de reclamação para o juiz do tribunal tributário de 1ª instância competente, sem prévia dependência de requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal para que aprecie este acto (isto é assim sem prejuízo, claro está, da possibilidade conferida ao autor do acto praticado na execução fiscal de revogar o acto reclamado, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 277º do CPPT).
Salvo o devido respeito, a Recorrente confunde a situação aqui analisada com aquela outra que consiste na arguição de nulidades de actos processuais praticados pela Administração Tributária no processo de execução fiscal. Neste caso, tal arguição deverá ser efectuada perante o órgão da execução fiscal, cabendo reclamação, a apresentar nos termos do artigo 276º do CPPT, da decisão que venha a ser proferida na sequência de tal arguição.
Porém, como já deixámos dito, essa não é a situação dos autos, pois que está aqui em causa a reclamação apresentada contra o acto consubstanciado na penhora de um reembolso de IRS, efectuada no âmbito do processo de execução fiscal nº 0101200601094203.
Termos em que, sem necessidade de mais e maiores considerações, improcede a conclusão 1 da alegação de recurso.
Prosseguindo a análise, passamos a apreciar a questão que enunciámos supra (ponto iii) referente à subida imediata da presente reclamação: importa saber se a sentença recorrida errou ao determinar a apreciação imediata da reclamação, violando, assim, o disposto no nº 3 do artigo 278º do CPPT.
Para a Recorrente, a sentença recorrida errou na qualificação e interpretação que fez do n°3 do artigo 278° do Código do Procedimento e Processo Tributário, ao considerar ter-se verificado prejuízo irreparável, porquanto o Reclamante não alegou factos que consubstanciem o prejuízo irreparável exigido pela norma em questão, não bastando um “juízo de prognose póstumo que advirá da prática e execução da decisão reclamada” (conforme vertido na sentença a quo), não se subsumindo, igualmente, a penhora em concreto efetuada em nenhuma das alíneas do artigo, porquanto se consubstancia num meio idóneo, proporcional e adequado”.
Efectivamente, na p.i, o Reclamante alegava que “as penhoras efectuadas estão a causar (…) um prejuízo irreparável na condução dos seus compromissos pessoais e profissionais”.
Debruçando-se sobre a subida imediata da reclamação apresentada, o Mmo. Juiz a quo, depois de discorrer sobre o conteúdo e alcance do artigo 278º do CPPT, concluiu que, no caso, se justificava a subida imediata da reclamação, já que “o deferimento dessa pretensão (leia-se, da anulação da penhora reclamada), em momento posterior, faz perder o efeito útil da reclamação”.
Vejamos, então.
O artigo 278º, n.º 1, do CPPT estabelece que «o tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final». É esta, pois, a regra. Porém, o nº 3 do mesmo artigo estabelece que «o disposto no n.º 1 não se aplica quando a reclamação se fundamentar em prejuízo irreparável causado por qualquer das seguintes ilegalidades: a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada; b) Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; c) Incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência; d) Determinação da prestação de garantia indevida ou superior à devida; e) Erro na verificação ou graduação de créditos”.
Portanto, temos que, apesar do nº 1 do artigo 278º do CPPT estabelecer a regra geral da subida diferida a tribunal das reclamações das decisões do órgão de execução fiscal, o nº 3 estabelece as excepções àquela regra, admitindo a subida imediata nas situações aí tipificadas.
Porém, como a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem reiteradamente entendido, a enumeração do nº 3 do artigo 278º do CPPT não é taxativa (vide neste sentido, entre muitos, os acórdãos do STA de 28/01/09, 25/05/11 e de 23/11/11, proferidos nos processos nºs 0986/08, 0444/11 e 0709/11, respectivamente). Assim, para além destas situações de subida imediata da reclamação contempladas no nº 3, este regime de subida terá de aplicar-se igualmente em todas aquelas situações em que, com a subida diferida, a reclamação perde toda a sua utilidade, independentemente da eventual lesão irreparável.
Como aponta Jorge Lopes de Sousa Vide, obra citada, pág. 307., “Se não se assegurasse a subida imediata das reclamações que, com subida diferida, perdem toda a sua utilidade, estar-se-ia a admitir situações em que, ao fim e ao cabo, não haveria possibilidade de reclamação de actos lesivos praticados no processo de execução fiscal, pois ela também não poderia ser admitida a final, quando já estivesse irremediavelmente comprometida a sua utilidade, atento o princípio geral do nosso direito processual de proibição da prática de actos inúteis (art.º 137º do CPC).
Por outro lado, a proibição de subida imediata em situações em que, com a subida diferida, a reclamação perderia todo o efeito útil, reconduzir-se-ia à impossibilidade prática de impugnação de actos lesivos praticados pela Administração, que seria materialmente inconstitucional, por violação do preceituado nos arts. 20º, n.º 1 e 268.º, n.º4, da CRP”.
Assim, recuperando o caso concreto, temos que o Reclamante, aqui Recorrido, pretendeu ver anulada a penhora de um reembolso de IRS (efectuada no âmbito da execução fiscal) que considera ilegal e que, na sua perspectiva, não deve manter-se.
Assim sendo, não podemos deixar de concordar com a decisão recorrida e com o juízo aí formulado de que a subida diferida da reclamação a tornaria inútil. De resto, foi este juízo quanto à perda de utilidade na subida diferida da reclamação que determinou o tribunal recorrido a decidir nos termos em que o fez, sendo evidente, como resulta dos termos do recurso, que a Recorrente não questionou a invocada perda de utilidade como razão determinante da subida imediata da presente reclamação.
Termos em que, improcedem as conclusões 9 a 15 da alegação de recurso.
Passemos, seguidamente, à última questão que nos resta apreciar: saber se a sentença recorrida errou ao determinar a anulação do acto reclamado, respeitante à penhora de reembolso de IRS, por julgar que o mesmo é ilegal por violar o disposto no artigo 169º do CPPT.
Vejamos por partes.
Na reclamação apresentada, o executado, ora Recorrido, defendeu a ilegalidade da penhora do reembolso do IRS por, no essencial, ter deduzido oposição e não ter sido notificado para prestar garantia, como se impunha à exequente; por outro lado, o próprio Reclamante requereu (no processo de execução) a sua notificação quanto ao valor da garantia a prestar, com vista a apresentar uma garantia bancária destinada a obter a suspensão da execução fiscal, sendo que a exequente, sem que a tal tenha dado resposta, penhorou o referido reembolso de IRS.
Na sentença recorrida, o Mmo. Juiz concluiu, invocando os artigos 52º da LGT e 169º do CPPT, pela ilegalidade da penhora do reembolso de IRS, determinando a sua anulação, para o que se apoiou na seguinte argumentação que, em parte, se recupera:
“Deste modo, importa conhecer apenas da oportunidade e legalidade da penhora do reembolso de IRS efectuada, sem que a exequente tivesse proferido decisão relativamente à pretensão do reclamante de prestação da garantia bancária prevista no artigo 169º, nº 1, do CPPT.
(…)
Compulsados os autos verifica-se que o reclamante deduziu oposição, que a exequente não desconhecia pois que deu entrada nos seus serviços, e apesar disso não diligenciou pela notificação do reclamante para prestar garantia, como determinado no artigo 169º, nº 1, 2 e 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Como decorre do probatório a exequente procedeu à penhora ora reclamada sem que antes tivesse fixado o montante e o prazo para o reclamante prestar a almejada garantia.
(…)
O reclamante, notificado da penhora de contas bancárias, em 15 de Março de 2011, declarou pretender prestar garantia em forma de caução bancária, e solicitou informação sobre o montante do valor a caucionar (fls. 94/95).
(…)
Ora, não foi isso que sucedeu “in casu”, pois que a exequente procedeu de imediato à penhora, sem previamente notificar o reclamante para prestar caução.
E não podia lançar mão dos meios agressivos de coerção ao pagamento tendo em conta a oposição deduzida. Outrossim, impunha-se a notificação do reclamante para prestar garantia por forma a suspender a execução, e só decorrido o prazo fixado sem que esta se mostrasse prestada poderia prosseguir a execução, nomeadamente com realização da penhora.
Destarte, a realização da penhora antes de efectuada a notificação a que alude o artigo 169º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, viola este normativo, o que consubstancia omissão de formalidade legal que, tempestivamente invocada, implica a anulação da penhora.
(…)”
Contra o assim decidido, insurge-se a Recorrente. Tal como resulta das alegações de recurso, entende a Recorrente que o artigo 169º, nº 6 do CPPT não impõe ao órgão da execução fiscal a obrigação de notificar o executado para, apresentada oposição, prestar garantia com vista a suspender a execução. Com efeito, defende a Recorrente que “O comando que dimana do n°6 do artigo 169° do CPPT deve, pois, ser interpretado como um procedimento a adoptar (para os casos em que ainda não exista penhora constituída), e não como um comando imperativo (como foi entendimento da sentença a quo), uma vez que o verdadeiro ónus existente para a administração fiscal é o de notificar o executado do montante de garantia a prestar quando lho é solicitado”.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 88º do CPPT, findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias e extraída a respectiva certidão de dívida, será de imediato instaurada a execução fiscal.
Por seu turno, o artigo 36º, nº3 da LGT proíbe a moratória no pagamento das dívidas fiscais, salvo nos casos expressamente previstos na lei; no mesmo sentido, dispõe o artigo 85º do CPPT.
Sobre a epígrafe “Suspensão da execução. Garantia”, dispõe o artigo 169º do CPPT (na redacção introduzida pela Lei nº 3-B/2010, de 28/04), naquilo que para o caso importa que:
“1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, (…), desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente.
(…)
6 - Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é ordenada a notificação do executado para prestar a garantia referida no n.º 1 dentro do prazo de 15 dias.
7 - Se a garantia não for prestada nos termos do número anterior procede-se de imediato à penhora.
8 - O executado que não der conhecimento da existência de processo que justifique a suspensão da execução responderá pelas custas relativas ao processado posterior à penhora
9 - Se for apresentada oposição à execução, aplica-se o disposto nos n.ºs 1 a 7.
(…)”
Por seu turno, estabelece o artigo 52º, nºs 1 e 2 da LGT, quanto à garantia de cobrança da prestação tributária, que:
“1 - A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros.
2 - A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
(…)”
Decorre da conjugação dos artigos 6 e 7 do artigo 169º do CPPT que, mesmo não estando prestada garantia, a dedução de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, ou a interposição de recurso judicial, tem um efeito suspensivo provisório A expressão é utilizada por Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, Volume III, 6ª edição, 2011, pág. 217., que abrange o período até ao termo do prazo de 15 dias que está previsto para o executado prestar a garantia a que alude o nº1 do mesmo preceito. Note-se que, como decorre dos termos do nº6, tal prazo de 15 dias tem o seu início a partir da notificação do executado para prestar a garantia, notificação esta que, naturalmente, há-de partir da exequente. Assim, volvido esse prazo de 15 dias sem que a garantia tenha sido prestada, o nº 7 prevê que se proceda à imediata penhora.
É certo que, no caso, foi deduzida oposição à execução (e não reclamação graciosa, ou impugnação judicial, ou recurso judicial, meios de defesa a que se refere expressamente o nº1 do artigo 169º do CPPT). Porém, tal não afasta a aplicação, em caso de oposição, do disposto nos nºs 1 a 7 do 169º do CPPT, como expressamente determina o nº 9 desse preceito - Se for apresentada oposição à execução, aplica-se o disposto nos n.ºs 1 a 7. Também o nº 1 do artigo 52º da LGT se refere expressamente à oposição à execução fiscal.
Não sofre dúvidas, portanto, que, mesmo não estando prestada garantia, a apresentação de oposição (cfr. artigo 169º, nº 9) tem o mesmo efeito suspensivo provisório da execução a que antes nos referimos.
Quer isto dizer, no caso, que a exequente, ora Recorrente, verificando que não havia garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou que os bens penhorados não garantiam a totalidade da dívida exequenda e acrescido (artigo 169º, nº 6 do CPPT), devia, antes do mais, ter ordenado a notificação do executado para a prestar, fixando-lhe, para tal, o prazo de 15 dias A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro alterou a redacção deste nº 6 do artigo 169º, do CPPT, dele passando a constar que “Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é disponibilizado no portal das finanças na Internet, mediante acesso restrito ao executado, ou através do órgão da execução fiscal, a informação relativa aos montantes da dívida exequenda e acrescido, bem como da garantia a prestar, apenas se suspendendo a execução quando da sua efectiva prestação”.. Só após, e não se mostrando prestada a garantia, podia (e devia) ter procedido à imediata penhora (artigo169º, nº7 do CPPT).
Ora, dos autos decorre que assim não sucedeu e que a penhora do reembolso de IRS – objecto da reclamação apresentada – foi efectuada sem que antes esta oportunidade, legalmente imposta, fosse concedida ao executado, aqui Recorrido. Não colhe, portanto, o entendimento da Recorrente quando afirma inexistir “o ónus de a administração fiscal notificar o executado do valor da garantia a constituir, sem que para tal fosse previamente interpelada”.
Portanto, a penhora em causa não pode deixar de se considerar ilegal, violadora do citado artigo 169º, nºs 6, 7 e 9, do CPPT.
Mas mais se deve acrescentar. É que, não tendo a Administração actuado como lhe era imposto, nos termos que já deixámos expostos, era-lhe exigível que o fizesse quando interpelada nesse sentido pelo executado, como aconteceu no caso. Com efeito, apesar da exequente não ter dado cumprimento ao disposto no artigo 169º, nº6 do CPPT, notificando o executado para prestar garantia no prazo de 15 dias, impunha-se, por maioria de razão, que o fizesse perante um pedido expresso nesse sentido e não, como sucedeu, que procedesse de imediato (e sem antes proferir decisão sobre o requerido) à penhora de um reembolso de IRS, no montante até € 25.200,25.
Face a tudo o que ficou dito, e sem necessidade de outros considerandos adicionais, se entende que, também quanto a este ponto de análise, a sentença recorrida fez um correcto julgamento da questão que lhe foi submetida, devendo ser mantida.
Improcedem, pois, todas as conclusões das alegações de recurso que vínhamos, por último, analisando.
3. Decisão
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCAN em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, em manter a decisão recorrida que, nos termos apontados, julgou a reclamação procedente e anulou a penhora do reembolso de IRS, nos termos em que foi sindicada.
Custas pela Recorrente.
Porto, 3 de Maio de 2012
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos
Ass. Irene Neves