Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02088/12.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/27/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
Sumário:I - Aos recursos jurisdicionais, no contencioso tributário, sobre meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária é aplicável o regime previsto no CPTA como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do artigo 2.º e no n.º 2 do artigo 279.º, ambos do CPPT.
II - O recurso per saltum para o STA previsto no artigo 151.º do CPTA só é admitido desde que se encontrem preenchidos os requisitos seguintes: (i) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (ii) o valor da causa, fixado segundo os critérios estabelecidos nos artigos 32.º e seguintes, seja superior a três milhões de euros ou seja indeterminável; (iii) incida sobre decisão de mérito (n.º 1 do artigo 151.º); (iv) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social (n.º 2 do artigo 151.º).
III - A tal não obsta o disposto nos artigos 26.º e 38.º do ETAF, pois, sendo certo que a repartição de competências entre o Supremo Tribunal Administrativo e os Tribunais Centrais Administrativos, em regra, se efectua nos termos daqueles preceitos, nada impede que outros preceitos, contidos em diploma legal com igual posição hierárquica, regulem de modo que conduza a resultado diverso (como sucede, v.g., no artigo 151.º do CPTA, quando aplicável no contencioso tributário por remissão do n.º 2 do artigo 279.º do CPPT).
IV - Do indeferimento do recurso hierárquico de indeferimento de reclamação graciosa que aprecie a legalidade do acto de liquidação cabe impugnação judicial e não acção administrativa especial, sendo o prazo para a sua interposição o de 90 dias contados da notificação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, segundo o disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 102.º do CPPT.
V - Não obstante a verificação de erro na forma do processo, o princípio da tutela jurisdicional efectiva não impõe que a pretensão da recorrente seja conhecida.
VI - A convolação justifica-se por razões de economia processual, pelo que só deve ser efectuada quando tiver alguma utilidade. Não deve operar-se, sob pena da prática de actos inúteis, proibida por lei, a convolação de uma acção administrativa especial em impugnação judicial, se a petição é intempestiva para o efeito.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:E..., S.A.
Recorrido 1:D. G. Impostos
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – Relatório

E…, S.A., NIPC 5…, intentou a presente acção administrativa especial, contra a decisão que indeferiu o recurso hierárquico interposto relativamente à decisão de improcedência proferida no processo de reclamação graciosa das liquidações adicionais de IVA dos anos de 2007 e 2008.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga foi proferida sentença, em 04/12/2013, que julgou verificado o erro na forma de processo, decisão com que a autora não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
A - Os termos da acção e do pedido formulado nos presentes autos, correspondem aos decorrentes da acção administrativa especial, destinada a obter a anulação de um acto administrativo praticado em sede de recurso hierárquico, sendo assim o meio próprio para o efeito;
B - Quando em sede de interpretação das regras dos Arts.° 97° n.° 1, e 98° n.° 4 do CPPT, o juiz ordene a convolação do processo para a forma devida, e não seja evidente que ocorreu fraude ao propor a acção na forma de processo da qual se ordena a convolação, as regras de caducidade a aferir são as decorrentes do tipo de acção devidamente intentada;
C - Intentada acção administrativa especial no prazo legal devido, mas que excede o prazo legal (ao tempo da entrada da acção) para o processo para o qual se ordena a convolação, não se pode concluir pela caducidade sem mais do direito de acção, dado que em tal caso a interpretação das regras dos Arts.° 97º n.° 1, e 98° n.° 4 do CPPT e 97° n.° 3 da LGT contendem com o disposto nos Artsº 268° nº 4 e 20º n° 4 da CRP.
Termos em que deve ao presente recurso ser concedido provimento como é de JUSTIÇA.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
I - Do elenco factual acima descrito, e tendo em conta a matéria controvertida nos autos, subjaz que a Recorrente, não se conformando com a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, que julgou verificada a excepção de erro na forma do processo e em consequência absolveu da instância a entidade demandada, interpôs recurso para o Venerando Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), alegando em síntese que:
• Os termos da acção e do pedido correspondem aos decorrentes da acção administrativa especial, destinada a obter a anulação de um acto administrativo praticado em sede de recurso hierárquico.
• De que as regras do Artº 97º n.º 1 e Artº 98º, nº 4 do CPPT, o juiz ordene a convolação para a forma devida de acordo com as regras de caducidades decorrentes do tipo de acção.
• Intentada a acção administrativa especial no prazo devido, mas que excede o prazo legal, para o processo de que se ordena a convolação, não se pode concluir sem mais pela caducidade do direito de acção atendendo ao disposto no Artº 97º nº 1 e Artº 98º nº 4 do CPPT, Art.º 268º e Artº 20º ambos da CRP.
II - Em sentido contrário, entende a entidade aqui Recorrida que o douto Tribunal “a quo” fez uma exacta apreciação dos factos e correcta aplicação do direito, maxime das normas legais aplicáveis, razão pela qual a douta sentença não merece censura, devendo a mesma ser mantida.
III - A Recorrente veio interpor recurso para o Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, arguindo a errada interpretação do Art.º 97º nº 1 e Artº 98º n.º 4 do CPPT, Art.º 268.° e Artº 20º ambos da CRP.
IV - Ora, das alegações e conclusões recursivas, extrai-se claramente que o objecto do recurso contende em aferir se existe errada interpretação e aplicação dos citados normativos legais, no que respeita à forma do processo e à possibilidade de convolação, ou seja, a vexatio quaestio sindicada pela Recorrente restringe-se exclusivamente, numa questão de direito.
V - A este propósito, determina o disposto na alínea b) do Art. 26º do ETAF que, “Compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer b) Dos recurso interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito;”.
VI - Logo, esgotando-se a questão sindicada (erro na forma do processo e a possibilidade de convolação), numa questão exclusivamente de direito, compete a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, conhecer do recurso.
VII - Pelo que, salvo douta opinião, afere-se que em face da questão suscitada em sede de recurso se reconduzir exclusivamente a uma questão de direito, o Tribunal Central Administrativo Norte, não é competente para conhecer da matéria do recurso, sendo competente a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
VIII - Entende a ora Recorrente que o meio processual é próprio na medida em que o pedido formulado contende com a condenação à prática de acto devido.
IX - Todavia, não lhe assiste razão, porquanto a Recorrente intentou uma acção administrativa especial, no seguimento da improcedência do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento da reclamação graciosa interposta das liquidações adicionais de IVA referentes aos períodos de 2007 e 2008.
X - Ora, nos termos do disposto no Artº 97.º n° 2 do CPPT (em conjugação com o disposto no Artº 2º do CPPT, aplicável por força do disposto no Art.º 1º do CPTA), “A todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”.
XI - Logo, o meio processual utilizado pela Recorrente não se subsume ao meio processual adequado a fazer valer a pretensão aduzida, assente no pedido e na causa de pedir.
XII - Em resultado do procedimento inspectivo nº OI2010052 foi a Recorrente notificada de liquidações adicionais de IVA, referentes a 2007 e 2008, tendo deduzido reclamação graciosa visando a anulação dos actos tributados a qual foi indeferida, tendo sido interposto recurso hierárquico, o qual, uma vez mais apreciando de mérito o peticionado, se concluiu pelo indeferimento expresso.
XIII - Tal decisão de indeferimento do recurso hierárquico foi notificada a Recorrente com o seguinte teor «Mais fica notificado que nos termos do nº 2 do art.º 75º do CPPT, a decisão é passível de recurso contencioso, nomeadamente impugnação judicial e que o prazo para apresentação da mesma é nos termos do nº 1 do art °102º do CPPT de 90 dias, a contar da assinatura do aviso de recepção que acompanha o presente ofício».
(destacado nosso)
XIV - Perscrutando a acção interposta pela ora Recorrente afere-se que a questão contende com a ilegalidade dos actos tributados das liquidações de IVA dos anos de 2007 e 2008, tendo de forma voluntária ignorado que o meio processual próprio para a discussão da legalidade do acto de liquidação tributaria é a impugnação.
XV - Resulta da alínea p) do Artº 97.° do CPPT que a acção administrativa especial constitui o meio processual adequado com vista a reagir contra os actos de indeferimento ou da revogação de isenções ou de benefícios fiscais, bem como quaisquer outros actos administrativos relativos a questões tributarias que não comportem a apreciação do acto de liquidação (a este propósito veja-se o entendimento perfilhado pelo insigne Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
XVI - Assim, o legislador delimitou a utilização da acção administrativa especial ou da impugnação judicial, o conteúdo do acto em crise e a natureza das questões que nele vem suscitadas, e mais concretamente se aquelas comportam a apreciação de um acto de liquidação.
XVII - Note-se que não obstante, a acção administrativa especial ter sido interposta no seguimento do recurso hierárquico, o objecto do processo não constitui o acto de indeferimento mas antes os próprios actos de liquidação por serem estes os actos tributários cuja legalidade se discute (a este propósito veja-se o Acórdão do STA, proferido no âmbito do Proc nº 0153/2010 de 02.06.2010), pelo que, e conforme bem andou a douta sentença a acção administrativa especial não configura o meio processual adequado, razão pela qual existe erro na forma do processo.
XVIII - Invoca ainda a Recorrente que intentada a acção administrativa especial no prazo devido, mas que excede o prazo legal, para o processo de que se ordena a convolação, não se pode concluir sem mais pela caducidade do direito de acção atendendo ao disposto no Artº 97º nº 1 e Art.° 98º n.° 4 do CPPT, Art.° 268º e Art.º 20º ambos da CRP.
XIX - Tais argumentos são manifestamente descabidos, desde logo porque à caducidade do direito de impugnar, é aplicável à determinação do prazo de impugnação, nos casos em que a decisão de recurso comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação, o disposto na alínea e) do nº 1 do Artº 102º do CPPT, sendo aplicável o prazo de 90 dias a contar da notificação (a este propósito veja-se Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol II, 6ª ed. 2011p. 153).
XX - Conforme se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo nº 03889/10, prolatado a 19-01-2011: «1. Indeferida a reclamação graciosa onde se pedia a anulação das liquidações, dessa decisão pode ser interposto recurso hierárquico, com natureza meramente facultativa e efeito devolutivo; 2. E da decisão proferida neste recurso, se desfavorável, cabe impugnação judicial tendo por objecto mediato tais liquidações, salvo se, com o mesmo objecto, já tiver sido deduzida tal impugnação; 3. O prazo para deduzir a mesma impugnação judicial é de 90 dias a contar da notificação do despacho de indeferimento proferido no mesmo recurso (destacado nosso).
XXI - Logo, tendo a Recorrente sido notificada do indeferimento do recurso hierárquico pelo ofício n.º 5698, de 13 de Setembro de 2012, através de carta registada com aviso de recepção (RM639109124PT), e que esta foi recebida a 14 de Setembro de 2012 o termo do prazo de 90 dias ocorria a 13 de Dezembro de 2012.
XXII - Tendo a acção administrativa especial sido apresentada no tribunal a quo em 14 de Dezembro de 2012, não pode a acção ser aproveitada atendendo à sua intempestividade.
XXIII - Logo, a douta sentença procedeu a correcta interpretação e aplicação das normas jurídicas, não merecendo qualquer censura.
Nestes termos e nos mais de direito que v. Ex.a doutamente suprirá, deve ser negado provimento ao presente recurso, devendo manter-se a douta sentença recorrida.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.

Atenta a questão suscitada pela autoridade recorrida, relativa à competência deste tribunal, foi ouvida a recorrente, pelo prazo de 10 (dez) dias, sem que tenha emitido qualquer pronúncia nesse prazo.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, que se prendem com o erro de julgamento que determinou a absolvição da instância por verificação de erro na forma do processo, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações; bem como a questão suscitada pela autoridade recorrida nas suas contra-alegações, referente à competência deste Tribunal Central Administrativo.


III – FUNDAMENTAÇÃO

1. O Tribunal a quo, com interesse para a apreciação da questão do erro na forma do processo, considerou provados os seguintes factos, em face dos documentos juntos aos autos, incluindo o processo administrativo (PA), e tendo presente a posição assumida pelas partes nos respectivos articulados:

1- Em 30.03.2011, a Autora deduziu reclamação graciosa contra as liquidações de IVA e juros compensatórios relativas aos anos de 2007 e 2008, no montante de €83.299,08 – cfr. fls. 440 e ss. do PA.
2- Por despacho de 07.06.2011, a reclamação graciosa foi indeferida, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 463/464 do PA.
3- Notificado do indeferimento, veio a Autora interpor recurso hierárquico, que deu entrada no Serviço de Finanças de Guimarães-2 em 04.08.2011 – cfr. fls. 2 e ss. do PA.
4- Através de carta registada, com aviso de recepção, recebida em 14.09.2012, a Autora foi notificada da decisão de improcedência do recurso hierárquico, bem como, de que “nos termos do nº 2 do art.º 76º do CPPT, a decisão é passível de recurso contencioso, nomeadamente impugnação judicial, e que, o prazo para apresentação da mesma é, nos termos do nº 1 do art.º 102º do CPPT, de 90 dias, a contar da assinatura do aviso de recepção que acompanha este ofício” – cfr. fls. 503/506 do PA.
5- A petição inicial da presente acção administrativa especial foi remetida a este Tribunal, via fax, em 14.12.2012 – cfr. fls. 2/3 dos autos.

2. O Direito

Tendo sido suscitada pela autoridade recorrida a questão da incompetência deste tribunal para apreciar o recurso, por não haver controvérsia factual a dirimir, importa conhecer de tal questão dado que a mesma merece imediata e prioritária apreciação face ao disposto nos artigos 16.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 13.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Na verdade, a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria – cfr. artigo 13.º do CPTA, ex vi artigo 2.º, alínea c), do CPPT.
A incompetência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. artigo 16.º do CPPT).
A declaração de incompetência em razão da hierarquia permite que o interessado requeira a remessa do processo ao tribunal competente, que deve ser indicado na decisão que a declare, para o que dispõe do prazo de 14 dias a contar da notificação daquela decisão (cfr. artigo 18.º, n.º 2, do CPPT).
Para apreciar a questão da competência deste tribunal em razão da hierarquia, vamos louvar-nos no acórdão do STA, de 14 de Janeiro de 2014, proferido no processo 1495/12.
A mesma posição foi também adoptada no acórdão do STA, de 12 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 1847/13, que passamos a reproduzir quase integralmente.
A acção administrativa especial é regulada pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 97.º do CPPT («O recurso contencioso dos actos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos».), sendo que, por força do disposto no artigo 191.º do CPTA («A partir da data da entrada em vigor deste Código, as remissões que, em lei especial, são feitas para o regime do recurso contencioso de anulação de actos administrativos consideram-se feitas para o regime da acção administrativa especial».), a remissão que nesta norma é feita para o regime do recurso contencioso tem de considerar-se feita para o regime da acção administrativa especial (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 4 ao artigo 97.º, pág. 35.).
O presente recurso é interposto da sentença proferida na acção administrativa especial instaurada contra decisão que indeferiu o recurso hierárquico interposto relativamente à decisão de improcedência proferida no processo de reclamação graciosa das liquidações adicionais de IVA dos anos de 2007 e 2008.
Ou seja, o presente recurso jurisdicional, interposto da decisão proferida no âmbito de uma acção administrativa especial, encontra-se sujeito às regras previstas no CPTA, como resulta do estatuído no n.º 2 do artigo 279.º do CPPT («Os recursos dos actos jurisdicionais sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos».).
Com efeito, a acção administrativa especial constitui um meio processual comum à jurisdição administrativa e tributária e do artigo 279.º do CPPT resulta inequivocamente que o regime de recursos que nele se encontra previsto só se aplica aos processos regulados nesse mesmo Código. Pelo que, na falta de indicação do regime de recursos jurisdicionais aplicável aos meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária, há que aplicar o regime previsto no CPTA como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do artigo 2.º do CPPT.
Aliás, o n.º 2 do artigo 97.º do CPPT impõe que se aplique às acções administrativas especiais (antigo recurso contencioso) o regime previsto nas normas sobre processo nos tribunais administrativos, e nesse regime inserem-se, naturalmente, as normas referentes aos recursos jurisdicionais que nesses processos sejam interpostos (Sobre esta matéria, cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 14 ao artigo 97.º, pág. 49, e IV volume, anotação 3 ao artigo 279.º, pág. 321.).
Neste contexto, importa ter em conta o disposto no artigo 151.º, n.º 1, do CPTA, segundo o qual o recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo só pode ocorrer «Quando o valor da causa seja superior a três milhões de euros ou seja indeterminável e as partes, nas suas alegações, suscitem apenas questões de direito (...)».
Como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativo, 3.ª edição, Almedina, 2010, anotação 1 ao artigo 151.º, pág. 999.), este recurso per saltum só é admitido desde que se encontrem preenchidos os seguintes requisitos: «(a) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (b) o valor da causa, fixado segundo os critérios estabelecidos nos artigos 32.º e seguintes, seja superior a três milhões de euros ou seja indeterminável (artigo 151.º, n.º 1); (c) incida sobre decisão de mérito; (d) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social (artigo 151.º, n.º 2)».
No caso, o valor da acção é de €83.299,08, tendo sido fixado no despacho saneador ora recorrido, atento o critério da utilidade económica imediata do pedido, previsto no artigo 31.º, n.º 1 do CPTA: “(…) dado que a pretensão material da A. consubstancia-se, em última análise, na anulação das liquidações cujo valor global perfaz aquele montante, sendo este a expressão monetária da utilidade económica do pedido.”
Assim sendo, atento o disposto no artigo 31.º, n.º 2, alínea c) do CPTA («2 - Atende-se ao valor da causa para determinar: […]
c) Se cabe recurso da sentença proferida em primeira instância e que tipo de recurso».) e no já citado n.º 1 do artigo 151.º do mesmo código, verificam-se duas circunstâncias (valor da causa e o recurso não incidir sobre decisão de mérito) que, desde logo, excluem que o recurso possa assumir-se como uma revista a dirigir ao Supremo Tribunal Administrativo.
Concluímos, portanto, pela competência, em razão da hierarquia, desta Secção do Tribunal Central Administrativo Norte para conhecer do presente recurso.
Nem se diga que ao caso não se aplica o disposto no artigo 151.º do CPTA por a distribuição da competência entre o Supremo Tribunal Administrativo e os Tribunais Centrais Administrativos, no que se refere ao contencioso tributário, dever ser a que resulta dos artigos 26.º e 38.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF], motivo por que sempre competiria à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito [cfr. artigo 26.º, alínea b) do ETAF] e à Secção de Contencioso Tributário dos tribunais centrais administrativos conhecer dos recursos de decisões dos tribunais tributários, salvo o disposto na referida alínea b) do artigo 26.º [cfr. artigo 38.º, alínea a) do ETAF].
Na verdade, sendo certo que a repartição de competências entre o Supremo Tribunal Administrativo e os Tribunais Centrais Administrativos, em regra, se efectua nos termos daqueles preceitos, nada obsta a que outros preceitos, contidos em diploma legal com igual posição hierárquica (apesar de o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ter sido aprovado por lei (Lei n.º 13/2002, de 15 de Fevereiro) e o Código de Procedimento e de Processo Tributário o ter sido por decreto-lei (Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro), entre a lei e o decreto-lei não existe relação de hierarquia. Para maior desenvolvimento, J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 166 e segs.), regulem de modo que conduza a resultado diverso noutras situações, como sucede, v.g., no artigo 151.º do CPTA, quando aplicável no contencioso tributário por remissão do n.º 2 do artigo 279.º do CPPT.
De todo o exposto decorre que o recurso interposto nos autos deve ser julgado como apelação neste Tribunal Central Administrativo Norte. Pelo que improcede a excepção de incompetência em razão da hierarquia invocada pela entidade recorrida.

Quanto à questão colocada na conclusão A) das alegações do presente recurso jurisdicional, a questão de saber se o meio adequado para reagir contra o acto que nega provimento a recurso hierárquico interposto na sequência de indeferimento de reclamação graciosa é a acção administrativa especial, como sustenta a recorrente, ou se, como vem decidido, é a impugnação judicial a interpor nos termos e prazo legal:
Como é sabido, é pelo pedido que se afere a adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (Cfr. Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição - reimpressão, págs. 288/289).
Neste caso, a autora lançou mão de acção administrativa especial, com vista à impugnação de acto administrativo, e formulou o seguinte pedido: “Termos, em que deve a presente acção ser julgada como devidamente provada e procedente, e em conformidade, ordenada a anulação do acto de indeferimento do Recurso Hierárquico, reconhecendo-se ter o contribuinte efectuado prova de que praticou operação isenta nos termos do Art. 14.º do RITI, e a final, reconhecendo-se o direito exercido em sede de reclamação graciosa e recurso hierárquico, e condenando-se a administração à prática do acto devido, de deferimento do recurso hierárquico interposto.”
Para tanto, a autora referiu, desde logo, na sua petição inicial, que a primeira questão colocada é a de saber se a operação pode ser caracterizada como sendo uma aquisição intracomunitária de bens, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.º do RITI.
Depois continua, por referência ao conceito de transporte comunitário de mercadorias, que se tem por verificado que houve transporte de mercadorias com início em Estado membro diferente do Estado de destino.
Concluiu que, no caso, se verificam os pressupostos do artigo 14.º do RITI, em especial, considerando o regime da Directiva 92/111/CEE de 14.12, devendo ainda considerar-se que a prova da expedição não depende apenas da apresentação do CMR, mas de todos os documentos a ela referentes, nomeadamente as facturas, notas de encomenda, instruções, etc. A documentação agora junta e devidamente reunida, permite demonstrar que se verificam os pressupostos do regime de isenção do artigo 14.º do RITI, sendo certo que, na fase de Recurso Hierárquico e anterior reclamação, logrou a Autora obter junto das demais entidades intervenientes nas operações em causa a documentação necessária para o efeito e que ora se junta.
Por último, pode, ainda, ler-se “é manifesto, que pela documentação, quer pelos actos praticados e explicados supra, que no caso vertente, sendo interpretadas as normas em causa com referência ao seu sentido económico, a operação se verificou de acordo nos termos do RITI, e que na apreciação do recurso hierárquico, ocorreu manifesto erro sobre os pressupostos.”
Já a reclamação graciosa e o recurso hierárquico tinham o mesmo conteúdo. Vejam-se, por extracto, as alegações do recurso hierárquico: “A reclamação graciosa presente pela Recorrente foi indeferida por terem os serviços entendido que não tinha demonstrado, nos documentos apresentados pela Recorrente, que esta tinha praticado operação isenta, e em particular, porque não tinha sido demonstrado a final a identidade do transportador da mercadoria, como sendo adquirente final da mercadoria. (…)” Terminando assim: “Termos, em que deve o presente recurso ser julgado como devidamente provado e procedente, e em conformidade, ordenada a anulação da liquidação, reconhecendo-se ter o contribuinte efectuado prova de que praticou operação isenta nos termos do art. 14.º do RITI.”
É neste circunstancialismo que se decide no saneador-sentença recorrido verificar-se erro na forma do processo:
“(…) Intenta a Autora a presente acção administrativa especial, no seguimento da decisão de improcedência do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra as liquidações adicionais de IVA dos anos de 2007 e 2008.
Do princípio da tipicidade das formas processuais resulta que a todo o direito corresponde um tipo de acção adequada à efectivação do direito em causa (artigo 2º do CPC).
Assim, a forma de processo escolhida pelo autor deve ser a adequada à pretensão que deduz e deve determinar-se pelo pedido que é formulado e, adjuvantemente, pela causa de pedir (Neste sentido, cfr. ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, I volume, 2.ª ed., Almedina, p. 280).
No âmbito do direito processual tributário, e como resulta da alínea p) do artigo 97º, nº 1, do CPPT, a Acção Administrativa Especial constitui o meio processualmente adequado para o interessado reagir contra actos de indeferimento ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação.
Pretendendo o contribuinte sindicar da eventual legalidade do acto de liquidação, constituirá, então, meio próprio o processo de impugnação judicial (artigo 97º, nº 1, alínea a) do CPPT), cuja tramitação se encontra regulada nos artigos 99º e seguintes do CPPT, por ter sido esta a específica forma processual eleita pelo legislador para dela conhecer.
Deste modo, o legislador convoca, para a delimitação da utilização de uma ou de outra destas formas de processo, o conteúdo do acto em crise e a natureza das questões tributárias que nele vieram suscitadas, e mais concretamente, se as mesmas comportam ou não a apreciação da legalidade de um acto de liquidação (Cfr., relativamente aos campos de aplicação destas duas formas de processo, em função do conteúdo do acto, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, volume II, 6.º edição, Áreas Editora, 2011, anotação 18 ao artigo 97.º, páginas 53 e 54).
No caso em apreço, a autora vem, no seguimento da decisão de improcedência do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra as liquidações adicionais de IVA dos anos de 2007 e 2008, sustentar a ilegalidade destas, alegando, em suma, que as transacções comerciais subjacentes às liquidações em causa configuram “uma operação de exportação, intracomunitária, triangulada” e, como tal, isenta nos termos conjugados dos artigos 8º (a contrario) e 14º, ambos do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI).
Em causa está, pois, a legalidade dos actos tributários de liquidação.
Daí que o acto contenciosamente atacado o devesse ser pela via da impugnação judicial, e não através da acção administrativa especial.
Com efeito, e não obstante a presente acção surgir no seguimento do recurso hierárquico interposto pela Autora, o objecto do processo não constitui o acto de indeferimento, mas antes os próprios actos de liquidação, por serem estes os actos tributários cuja legalidade se discute (vide, entre outros, o Ac. do STA, de 02.06.2010, Proc. nº 0153/2010, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Em face do supra exposto, o processo enferma de nulidade, por erro na forma de processo utilizada [cfr. artigo 98.º, n.º 4, do CPPT, inserido na secção relativa às nulidades do processo judicial tributário, e artigos 193.º e 198.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, também aplicáveis, por via subsidiária, ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT]. (…)”
Efectivamente, a decisão recorrida louva-se na doutrina, na jurisprudência, tem respaldo na lei e subsume correctamente a situação concreta aos normativos aplicáveis.
Neste contexto, tem-se convergentemente concluído que, se o acto administrativo em matéria tributária comporta a apreciação do acto de liquidação, a legalidade deste último, não obstante não ser ele o objecto imediato do recurso, é nele indirectamente apreciada pelo tribunal, justificando-se, por este motivo, a adopção do processo judicial de impugnação. E que, consequentemente, já se o acto administrativo não comporta a apreciação do de liquidação, não há razão para seguir a forma de processo de impugnação judicial, melhor cabendo a acção administrativa especial.
Assim, se o mesmo acto não aprecia a legalidade da liquidação, recusando fazê-lo, então, o tribunal só vai ver se a autoridade administrativa ao decidir desse modo, o fez, ou não, conforme a lei. E, como o tribunal, desempenhando esta tarefa, deixa intocada a liquidação, a forma processual é acção administrativa especial.
Mas não é o que resulta expresso, no caso concreto, dos meios graciosos utilizados, pois o acto de indeferimento assentou no facto de os serviços terem entendido que não tinha demonstrado, nos documentos apresentados pela recorrente, que esta tinha praticado operação isenta, e em particular, porque não tinha sido demonstrado a final a identidade do transportador da mercadoria, como sendo adquirente final da mercadoria; daí a recorrente imputar ao acto impugnado manifesto erro sobre os pressupostos.
In casu, não só foi questionada a legalidade da liquidação que agora se pretendia colocar em crise, como, esta questão, a da legalidade daquelas liquidações, integrou ou constituiu o acervo decisório da administração fiscal, quer em sede de reclamação graciosa, quer em sede de subsequente recurso hierárquico; sendo disso bem esclarecedores os respectivos termos, para os quais e sem mais, por economia, se remete.
Daí que não mereça censura este segmento decisório da decisão recorrida, confirmando-se enfermar o processo de nulidade, por verificação de erro na forma de processo utilizada.

Vejamos, agora, a questão colocada na Conclusão B) das alegações de recurso: “Quando em sede de interpretação das regras dos Arts.° 97° n.° 1, e 98° n.° 4 do CPPT, o juiz ordene a convolação do processo para a forma devida, e não seja evidente que ocorreu fraude ao propor a acção na forma de processo da qual se ordena a convolação, as regras de caducidade a aferir são as decorrentes do tipo de acção devidamente intentada”.
Reproduzimos, de seguida, o decidido pelo tribunal a quo, para mais fácil detecção de eventual erro de julgamento:
“(…) Ora, da conjugação do disposto no artigo 98º, nº 4 do CPPT, com o estatuído no artigo 97º, nº 3 da LGT, resulta que o juiz deve ordenar a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei, desde que o pedido formulado e a causa de pedir invocada se ajustem à forma adequada do processo, e a tal não obste a eventual caducidade do direito de acção.
Na situação vertente, e como já se adiantou, o pedido e a causa de pedir constantes da petição inicial, mostram-se, do ponto de vista substancial, adequados ao processo de Impugnação Judicial, pois que, pese embora a Autora não peça a anulação das liquidações, resulta claro que é sua intenção sindicar a legalidade das mesmas.
Relativamente à caducidade do direito de impugnar, perfilha-se o entendimento jurisprudencial que considera ser aplicável à determinação do termo inicial do prazo de impugnação, nos casos em que a decisão do recurso hierárquico comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação, o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, pelo que lhe é aplicável o prazo de 90 dias a contar da respectiva notificação (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, CPPT Anotado e Comentado, vol. II, 6ª ed. 2011, p. 153 e jurisprudência citada na nota 1), tal como, aliás, constava expressamente do teor da mesma [cfr. ponto 4) dos factos provados].
No caso dos autos, a Autora foi notificada da decisão de improcedência do recurso hierárquico em 14.09.2012, pelo que o termo do prazo de 90 dias ocorreu em 13.12.2012.
Tendo a presente acção administrativa especial sido apresentada em 14.12.2012, verifica-se a caducidade do direito de impugnar, o que obsta ao prosseguimento dos presentes autos como Impugnação Judicial.
Atento o exposto, não podendo os presentes autos ser aproveitados para prosseguirem sob a forma de processo determinada na lei, impõe-se a absolvição da entidade demandada da instância – artigos 278º nº 1 al. e), 576º, nº2 e 577º do C.P.C..
DECISÃO:
Pelo exposto, julgo verificado o erro na forma de processo, absolvendo a Entidade Demandada da instância. (…)”
Quanto ao dever de determinar a convolação processual, sempre que possível, tal prende-se com o princípio “pro actione”, no sentido de promover a celeridade processual sempre que não existam obstáculos que a impeçam (cfr. artigo 97.º da LGT), sendo que tem sido entendido que constituem obstáculos a essa mesma convolação, a inadequação do pedido formulado e a intempestividade, por referência à forma processual correcta, precisamente como foi decidido pelo tribunal a quo.
O prazo para deduzir impugnação judicial vem fixado no artigo 102.º do CPPT e a sua contagem processa-se de acordo com o preceituado no artigo 20.º, n.º 1 do CPPT.
Decorre da leitura destes normativos que o prazo de impugnação judicial é um prazo contínuo, de natureza substantiva e, como tal, peremptório.
Dai que a propositura de qualquer impugnação judicial fique dependente do cumprimento pontual desses prazos, não havendo possibilidade de prorrogação por vontade das partes ou mesmo do julgador.
Logo, a tempestividade da apresentação da acção administrativa especial não interfere de forma alguma com a evidenciada excepção da caducidade do direito de acção relativa à impugnação judicial.
A convolação justifica-se por razões de economia processual, pelo que só deve ser efectuada quando tiver alguma utilidade. Não deve operar-se, sob pena da prática de actos inúteis, proibida por lei, a convolação de uma acção administrativa especial em impugnação judicial, se a petição é intempestiva para o efeito – cfr. Acórdão do STA de 19/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 01140/13.
O facto de a acção administrativa especial ter sido tempestivamente apresentada não determina a tempestividade da impugnação judicial – cfr. Acórdão do STA, de 14/05/2014, proferido no âmbito do processo n.º 01236/13.
Daí que não mereça também qualquer censura o segmento decisório que, com esses pressupostos, considerou intempestiva a acção apresentada em juízo em 14/12/2012.

Por último, resta apreciar o conteúdo da Conclusão C) das alegações de recurso: “Intentada acção administrativa especial no prazo legal devido, mas que excede o prazo legal (ao tempo da entrada da acção) para o processo para o qual se ordena a convolação, não se pode concluir pela caducidade sem mais do direito de acção, dado que em tal caso a interpretação das regras dos Arts.° 97º n.° 1, e 98° n.° 4 do CPPT e 97° n.° 3 da LGT contendem com o disposto nos Artsº 268° nº 4 e 20º n° 4 da CRP”.
O pressuposto de que não existam obstáculos que impeçam a convolação, prende-se, como referimos, com a proibição da prática de actos inúteis no processo judicial, que estava prevista no artigo 137.º do CPC e que mantem a mesma limitação no actual artigo 130.º do CPC.
Efectivamente, seria destituído de fundamento apreciar a excepção de caducidade do direito de acção no âmbito do meio processual utilizado, quando, no sentido da celeridade e da economia processual, o tribunal se encontra num processo de convolação e de prossecução dos autos. Se, convolados os autos para a forma processual prevista legalmente, se constatar a verificação da excepção de caducidade do direito de acção, é ostensivo que o acto que determinou a convolação consubstancia um acto inútil, pois a sua intempestividade obsta ao conhecimento do objecto do processo.
Nem se vislumbra que efectuar este raciocínio ex ante, ou seja, antes de determinar a convolação do processo, que tal interpretação das regras dos artigos 97.º, n.° 1, e 98.°, n.° 4 do CPPT e 97.°, n.° 3 da LGT, contenda com o disposto nos artigos 268.°, n.º 4 e 20.º, n.° 4 da CRP.
Inexiste violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, prevista no n.º 4 do artigo 268.° da CRP, uma vez que a interpretação dos referidos artigos está em conformidade com o sistema fiscal e com a ilicitude da prática de actos inúteis. Na verdade, é mesmo ilógico corrigir um defeito de ordem processual quando subsiste outro defeito ao nível dos pressupostos processuais.
É nossa convicção que, não obstante esse erro na forma do processo, o princípio da tutela jurisdicional efectiva não impõe que a pretensão da recorrente seja conhecida.
Na verdade, esse princípio está consagrado na CRP (artigo 268.º, n.º 4), mas a sua efectivação não é anárquica, está sujeita a regras a estabelecer pelo legislador ordinário, tais como, por exemplo, a do uso do meio processual adequado, do estabelecimento de prazos para esse exercício, ou da necessidade de prévia utilização de meios graciosos.
A respeito do meio processual adequado, estabelece o artigo 2.º, n.º 2 do CPC que "A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção."
No âmbito do contencioso tributário, o meio processual adequado erigido pelo legislador ordinário para reagir contra decisão de recurso hierárquico que comporte a apreciação da legalidade de um acto de liquidação foi a impugnação judicial, só quando esse meio não assegurar a tutela jurisdicional efectiva dos direitos do contribuinte é legítimo o recurso a outros meios processuais.
Pelo que, tendo sido considerado, in casu, que o meio adequado era a impugnação judicial e que a forma utilizada era de todo inadequada para prosseguir como essa forma de processo, o recurso jurisdicional tem necessariamente de soçobrar.
Posição contrária, dado que o uso da acção administrativa especial tutelava eficazmente os direitos da recorrente, equivaleria à eliminação pura e simples do princípio do uso do meio processual adequado, o que não é de admitir, tanto mais que, na base dessa eliminação, estava o incumprimento de mais um princípio basilar do nosso contencioso administrativo e tributário - a existência de prazos para fazer uso do processo - com o que se pretende alcançar a segurança jurídica.
Ora, na situação em análise, manifestamente, a recorrente não fez uso do meio adequado ao seu dispor no sistema fiscal – a impugnação judicial – no prazo de 90 dias a contar da notificação do acto de indeferimento do recurso hierárquico – cfr. artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT.
Conclui-se, assim, que o direito à tutela judicial efectiva se mostra assegurado através de meio judicial próprio e adequado: a impugnação judicial; sendo imputável à recorrente o facto de não ter utilizado esse meio previsto legalmente de forma tempestiva.

Conclusões/Sumário

I - Aos recursos jurisdicionais, no contencioso tributário, sobre meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária é aplicável o regime previsto no CPTA como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do artigo 2.º e no n.º 2 do artigo 279.º, ambos do CPPT.
II - O recurso per saltum para o STA previsto no artigo 151.º do CPTA só é admitido desde que se encontrem preenchidos os requisitos seguintes: (i) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (ii) o valor da causa, fixado segundo os critérios estabelecidos nos artigos 32.º e seguintes, seja superior a três milhões de euros ou seja indeterminável; (iii) incida sobre decisão de mérito (n.º 1 do artigo 151.º); (iv) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social (n.º 2 do artigo 151.º).
III - A tal não obsta o disposto nos artigos 26.º e 38.º do ETAF, pois, sendo certo que a repartição de competências entre o Supremo Tribunal Administrativo e os Tribunais Centrais Administrativos, em regra, se efectua nos termos daqueles preceitos, nada impede que outros preceitos, contidos em diploma legal com igual posição hierárquica, regulem de modo que conduza a resultado diverso (como sucede, v.g., no artigo 151.º do CPTA, quando aplicável no contencioso tributário por remissão do n.º 2 do artigo 279.º do CPPT).
IV - Do indeferimento do recurso hierárquico de indeferimento de reclamação graciosa que aprecie a legalidade do acto de liquidação cabe impugnação judicial e não acção administrativa especial, sendo o prazo para a sua interposição o de 90 dias contados da notificação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, segundo o disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 102.º do CPPT.
V - Não obstante a verificação de erro na forma do processo, o princípio da tutela jurisdicional efectiva não impõe que a pretensão da recorrente seja conhecida.
VI - A convolação justifica-se por razões de economia processual, pelo que só deve ser efectuada quando tiver alguma utilidade. Não deve operar-se, sob pena da prática de actos inúteis, proibida por lei, a convolação de uma acção administrativa especial em impugnação judicial, se a petição é intempestiva para o efeito.

IV - Decisão

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

D.N.

Porto, 27 de Novembro de 2014
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves