Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00746/19.0BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/19/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:CODIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS – AUDIÊNCIA PRÉVIA DE INTERESSADOS – NOTIFICAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO
Sumário:I- Nos termos do nº.1 do artigo 148º do Códigos dos Contratos Públicos, uma vez efetivada a audiência prévia em matéria de relatório preliminar, o júri concursal elabora o Relatório Final, no qual pondera as “observações dos concorrentes” efetuadas ao abrigo do direito de audiência prévia.

II- “Ponderar as observações dos concorrentes”, como o próprio nome indica, não significa que o júri concursal tenha que “aceitar as observações dos concorrentes”, antes exprimindo a ideia de que impede sobre o júri concursal o dever de considerar as observações dos concorrentes no processo de formação de decisão, conferindo ou negando-lhe validade.

III- A notificação do ato administrativo, enquanto diligência subsequente à sua prática, não tem a virtualidade de produzir consequências quanto à legalidade intrínseca do ato administrativo, que lhe é prévio, mas, apenas, quanto à sua eficácia.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:H., SAS
Recorrido 1:CENTRO HOSPITALAR E UNIVERSITÁRIO DE (...), E.P.E.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *
I – RELATÓRIO
H., SAS, com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 02.03.2020, promanado no âmbito da Ação de Contencioso Pré-Contratual que a Recorrente intentou contra o CENTRO HOSPITALAR E UNIVERSITÁRIO DE (...), E.P.E., também com os sinais dos autos, que julgou improcedente a presente ação de contencioso pré-contratual e, em consequência, absolveu o Réu, aqui Recorrido do pedido.
Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“(…)
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que absolveu a R. do pedido formulado pela a A. no âmbito do processo de contencioso pré-contratual e no qual julgou improcedente a anulação do ato de adjudicação levado a cabo pela R. em virtude de violação de regras procedimentais.
2. A Douta sentença recorrida considerou provada, a matéria provada acima elencada.
3. Contudo, considera a ora Recorrente, salvo o devido respeito, que os factos constantes nos números 12) e 14) foram incorretamente dados como provados e em consequência, incorretamente julgados.
4. De acordo com a cronologia dos factos, a Recorrente, em 31 de julho de 2018, candidatou-se ao concurso publico promovido pela Recorrida CENTRO HOSPITALAR E UNIVERSITÁRIO DE (...), E.P.E- Concurso Publico é o N° 010000122018- Lote 4. Tendo sido notificada em 31 de agosto de 2018 do relatório preliminar elaborado pela Recorrida.
5. Face ao teor do referido relatório, a Recorrente deduziu ao abrigo do disposto nos art.° 147° e art.° 123° do Código dos Contratos Públicos, pronuncia tendo sido notificada do respectivo relatório final em 9 de outubro de 2018.
6. Em dezembro de 2018, concretamente, no dia 11 de novembro, a Recorrente é notificada do Relatório Final - Ata n° 4, já junto aos autos e no qual a Recorrida comunica a sua pretensão de excluir aquela e adjudicar a proposta a uma outra candidata.
7. Na sequência deste relatório final, consubstanciado na Ata n° 4 e não se conformando com o teor do mesmo, a Recorrente requereu ao abrigo do disposto no art.° 147° do CCP, Audiência Previa e Escrita.
8. Não tendo obtido qualquer resposta ou despacho relativamente aquela pronúncia exarada no âmbito do direito de audiência previa.
9. Face à total ausência de resposta, a ora Recorrente em 3 de outubro de 2019, elaborou na plataforma eletrónica dos Contratos Públicos e junto da entidade competente, pedido de informação sobre o processo concursal em curso.
10. Não obstante a Recorrida estar legalmente vinculada a responder ao abrigo do disposto nos arts. 65° do C.P.A e 266° e 268° da C.R.P, não o fez.
11. Tal conduta, forçou inevitavelmente o recurso à via judicial com vista à obtenção de informação procedimental através de uma intimação judicial para prestação de informações.
12. A Recorrida veio a confessar, que por lapso, não procedeu à notificação da ora Recorrente da decisão de adjudicação.
13. Não se vislumbra aqui, ao contrário do que refere o Tribunal a quo, o acordo quanto à existência do lapso. Tal facto, não foi nunca alegado pelas partes processuais como tendo sido acordada.
14. O lapso que ocorreu no decurso do procedimento concursal resultou da confissão expressa da ora recorrida prestada de forma coerciva no âmbito do processo de intimação judicial para prestação de informação.
15. Tanto mais, que a Recorrida só após a sua citação na supra referenciada ação de intimação administrativa para prestação de informação em 13. 11. 2019 veio em 25 de novembro de 2019, conforme resulta do elenco dos factos provados - vide ponto 14) a notificar a ora Recorrente do ato de adjudicação.
16. Assim não se compreende que a Mma Juiz a quo tenha considerado o facto constante no número 12) do supra referenciado elenco como provado por acordo e que, a Recorrida, em conformidade com o constante no numero 14) dos factos dados como provados, detetado o lapso, tenha procedido através da plataforma eletrónica à notificação da adjudicação à ora Recorrente de acordo com a lei.
17. Efetivamente este normativo - art° 85 n° 1 do CCP, dispõe que o órgão competente para a decisão de contratar notifica em simultâneo todos os concorrentes da apresentação dos documentos de habilitação pelo adjudicatário, indicando o dia em que ocorreu apresentação.
18. É, pois, uma formalidade essencial (cfr. Jorge Andrade da Silva, ob. cit. Pag. 331) que foi preterida. (sublinhado nosso)
19. O dever de notificação dos atos da administração pública com eficácia externa é uma das manifestações do princípio da transparência e é um dever que está constitucionalmente consagrado e que merece igualmente confirmação no art.° 98° do novo CPA.
20. Por isso, na concretização desse imperativo constitucional, o art.° 66° do CPA estabelece que devem ser notificados aos interessados os atos administrativos que decidam sobre quaisquer pretensões por eles formuladas, que imponham deveres, sujeições ou sanções, ou causem prejuízos, ou que criem, extingam, aumentem ou diminuam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afetem as condições do seu exercício
21. Deste modo, viola o princípio da concorrência e da transparência o ato de adjudicação praticado nas circunstâncias supra descritas.
22. Atendendo aos valores da transparência, igualdade e concorrência, que devem estar presentes nos concursos públicos, não devem ser aceites condutas como as que foram levadas a cabo pela Recorrida, mesmo que tal, o que não se concede, se tenha verificado por lapso. (sublinhado nosso)
23. Acresce que à omissão do ato de adjudicação, a Recorrida, no decurso do procedimento concursal não deduziu resposta à pronúncia apresentada pela Recorrente em sede da audiência previa de interessados.
24. Relativamente a esta matéria, considerou a douta sentença do Tribunal a quo, considerou que as exigências decorrentes do direito de audição, no que respeita a ponderação e apreciação, no terceiro Relatório Final, das pronúncias dos concorrentes sobre o teor do segundo Relatório Final (mormente, a pronúncia da A., teriam sido plenamente cumpridas pela Recorrida.
25. Com efeito, a audiência de interessados como figura geral do procedimento administrativo decisório de 1° grau, representa o cumprimento da diretiva constitucional de participação dos cidadãos na formação das decisões sou deliberações que lhes disserem respeito” - Cf. art.° 267 n° 5 da CRP, arts. ° 7 e 100° do C.P. A.
26. Esta garantia constitucional não estaria assegurada se vedássemos, cerceássemos a intervenção dos particulares, neste caso, dos concorrentes no procedimento “sub judice” o que se verificou” in casu”
27. Ressalve-se que no caso em apreço, a Recorrente na data de 14 de dezembro de 2018, apresentou pronuncia ao Segundo relatório final - Ata n° 4- já junta aos autos na sequência de uma nova e diferente argumentação por parte do júri do concurso.
28. Tendo a Recorrida alterado o reposicionamento dos concorrentes no concurso, ou seja, este ato administrativo consubstancia uma verdadeira reclassificação.
29. Tal circunstância de facto, a qual se encontra documentalmente provada nos autos, não foi atendida pelo Tribunal a quo quando decidiu, em concreto, nos termos acima consignados.
30. Neste enquadramento, impunha-se que a Recorrida, respondesse à pronúncia exercida no âmbito da Audiência Previa antes da decisão final de adjudicação.
31. Porquanto os fundamentos da reclamação/pronúncia e a falta de apreciação dos desta poderia conduzir a uma reordenação do resultado incumprindo deste modo, a ora recorrida, uma formalidade essencial prevista na lei - arts. 82°, 83° e 84° do CPA.
32. A deliberação de adjudicação levada a cabo pela Recorrida, padece deste apontado vício de forma e igualmente do vício de violação de lei, por desrespeito das normas dos arts. 147.° e 123.° CCP, nos arts. 100.° a 104.° CPA, art° 267.° e n.° 4 CRP.
33. Considerando os vícios de natureza formal em que incorre o ato de adjudicação, por falta de fundamentação e preterição de audiência prévia, deverá a Douta sentença ser revogada considerando-se procedente e em consequência anulando o ato sub judice.
(…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido não contra-alegou.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu o parecer a que se alude no nº.1 do artigo 146º do CPTA.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se o despacho saneador-sentença recorrido, ao julgar nos termos descritos no ponto I) do presente acórdão, incorreu em (i) erro de julgamento de facto, bem como em (ii) erro de julgamento de direito.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III – DE FACTO
O quadro fáctico [positivo e negativo e respetiva motivação] apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…)
1) Através do anúncio de procedimento n.° 4948/2018, publicado em Diário da República, 2.a Série, n.° 122, de 27/06/2018, foi publicitada a abertura do concurso público n.° 010000122018, lançado pelo R., para celebração do contrato de aquisição de reagentes, com colocação de equipamento, para o laboratório core do Serviço de Patologia Clínica, com o preço base de € 540.734,40 e dividido nos seguintes lotes:
- Lote 1: Imunoquímica;
- Lote 2: Anti-Mulleriana;
- Lote 3: Serologia Infeciosa;
- Lote 4: Hemoglobina Glicada - HbA1c
(cfr. processo administrativo).
2) Apresentaram proposta ao Lote 4 do concurso a ora A. e as contrainteressadas B., Lda. (doravante, B.) e M., Lda. (doravante M.) (cfr. processo administrativo).
3) Em 29/08/2018 o júri do concurso elaborou o Relatório Preliminar, no qual propôs a admissão das propostas da A. e da B. e a exclusão da proposta da M., bem como propôs, no que respeita ao Lote 4, a ordenação da A. em primeiro lugar e da B. em segundo lugar (cfr. doc. de fls. 9 a 13 do suporte físico do processo).
4) Em 07/09/2018 a A. apresentou, no exercício do direito de audiência prévia, pronúncia sobre o teor do Relatório Preliminar, pugnando pela exclusão da proposta da concorrente B. (cfr. processo administrativo).
5) Em 07/09/2018 a B. também apresentou, no exercício do direito de audiência prévia, pronúncia sobre o teor do Relatório Preliminar, contestando a pontuação técnica atribuída nas avaliações das propostas das duas concorrentes ao Lote 4 (cfr. processo administrativo).
6) Em 24/09/2018 o júri do concurso elaborou o Relatório Final, no qual apreciou as pronúncias da A. e da B., julgando-as improcedentes, e manteve o teor das conclusões do Relatório Preliminar quanto ao Lote 4, com a ordenação da A. em primeiro lugar e da B. em segundo lugar (cfr. processo administrativo).
7) Notificados para o efeito, os concorrentes ao Lote 4 não apresentaram pronúncia, em sede de audiência prévia, relativamente ao teor do Relatório Final que antecede (cfr. processo administrativo).
8) Em 23/11/2018 o júri do concurso elaborou o segundo Relatório Final, no qual propôs a exclusão da proposta da A., por não apresentar assinatura eletrónica qualificada em todos os documentos individuais que constituíam a sua proposta, mais propondo, em consequência, a adjudicação do Lote 4 à B. (cfr. processo administrativo).
9) Em 14/12/2018 a A. apresentou pronúncia, no exercício do direito de audiência prévia, sobre o teor do segundo Relatório Final, pedindo a anulação do ato de exclusão da sua proposta e a respetiva readmissão, bem como a exclusão da proposta da B. (cfr. processo administrativo).
10) Em 31/05/2019 o júri do concurso elaborou o terceiro Relatório Final, no qual procedeu à apreciação da pronúncia da A. e deliberou manter a exclusão da sua proposta, com a consequente adjudicação do Lote 4 à proposta da B., nos seguintes termos:
“1. Sobre a pronúncia da H.
O concorrente na sua pronúncia sobre o segundo relatório final manifesta-se (A) contra a exclusão da sua proposta, (B) reclama a exclusão da proposta da B. com base no incumprimento da alínea i) do ponto 3 da cláusula 5.a do caderno de encargos e ainda (C) da alínea l) do mesmo ponto 3 da cláusula 5. a do caderno de encargos. Assim:
A) O Júri fundamentou a decisão de exclusão da proposta da H., conforme o segundo relatório final, na violação da Lei n. ° 96/2015, de 17 de agosto, suportando a sua decisão na ausência de assinatura digital qualificada nos documentos individuais que constituem a proposta. Como se pode ler neste relatório final: a este propósito relembra-se o art. ° 54.°, n.° 5: Nos documentos eletrónicos cujo conteúdo não seja suscetível de representação como declaração escrita, incluindo os que exijam processamento informático para serem convertidos em representação como declaração escrita, designadamente, processos de compressão, descompressão, agregação e desagregação, a aposição de uma assinatura eletrónica qualificada deve ocorrer em cada um dos documentos eletrónicos que os constituem, assegurando-lhes dessa forma a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.° do Código Civil e do n.° 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 290-D/99, de 2 de agosto, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.° 88/2009, de 9 de abril, sob pena de causa de exclusão da proposta nos termos do artigo 146.° do Código dos Contratos Públicos e, para melhor entendimento, transcreve-se o artigo 68.°, n.° 4: Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando o interessado realizar o carregamento, na plataforma eletrónica, de um ficheiro de uma proposta, este deve estar já encriptado e assinado, com recurso a assinatura eletrónica qualificada'. Nestes termos considera-se uma formalidade essencial que os documentos que constituem a proposta estejam já encriptados e assinados antes do seu carregamento na plataforma eletrónica. Face ao exposto, o Júri remete para o segundo relatório final a fundamentação da sua decisão e mantém a exclusão da firma H..
B) O concorrente H. requer a exclusão do concorrente B. alegando o incumprimento da alínea i) da cláusula técnica 5.a do caderno de encargos. A esta propósito cita-se o primeiro relatório final: ‘A cláusula em causa apresenta a seguinte redação: Garantir que todas as propostas apresentem equipamentos e cadeias de automação, caso aplicável, que existam disponíveis no mercado, pelo menos, nos 3 meses anteriores à data limite de entrega das propostas ao concurso. Não serão admitidas propostas que contenham equipamentos ou soluções de automação que venham a estar disponíveis no mercado apenas após a data limite de entrega das propostas ou que não disponham de experiência de mercado de, pelo menos, 3 meses. Ora, o aspeto da cadeia de automação (‘caso aplicável') não se aplica às propostas ao lote 4 dado que o que está em causa é a colocação de um equipamento (cláusula técnica 14.a do caderno de encargos) e não de uma cadeia de automação'. Pelo exposto, apenas é exigido que o equipamento demonstre a capacidade de experiência de mercado de 3 meses, não se aplicando o critério a cadeia de automação ou a ligação física. Neste sentido, não se encontra fundamento para incumprimento mantendo o Júri a decisão vertida no segundo relatório preliminar.
C) O concorrente H. aponta a exclusão da proposta B., alegando incumprimento da cláusula técnica 5.a, ponto 3, alínea l) do caderno de encargos, relativa à garantia de assistência técnica. Esta questão foi já analisada no primeiro relatório final e, como nenhum outro aspeto foi levantado, o Júri remete para este relatório a sua fundamentação e mantém a decisão contida nos relatórios finais anteriores, aceitando a proposta da firma B.”
(cfr. processo administrativo).
11) Por deliberação de 03/07/2019, o Conselho de Administração do R. autorizou a adjudicação do Lote 4 à B., nos termos propostos pelo júri (cfr. processo administrativo).
12) Por lapso do R., a decisão de adjudicação não foi de imediato notificada aos demais concorrentes (acordo).
13) No dia 23/07/2019 foi celebrado o contrato n.° 343/2019, entre o R. e a B., tendo por objeto o fornecimento de reagentes com colocação de equipamento para o laboratório Core II do Serviço de Patologia Clínica, pelo preço de € 205.148,21 (cfr. processo administrativo).
14) Detetado o lapso da falta de notificação da decisão de adjudicação, na sequência de uma ação de intimação para a prestação de informações que foi intentada pela A. contra o R., este promoveu, no dia 25/11/2019, através da plataforma eletrónica, a notificação da decisão de adjudicação e do terceiro Relatório Final aos demais concorrentes, incluindo à ora A. (cfr. doc. de fls. 62 do suporte físico do processo).
15) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 04/12/2019 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte físico do processo).
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Factos não provados:
Não há factos que cumpra julgar não provados com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.
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Os factos que foram considerados provados resultaram do exame dos documentos supra identificados, juntos aos autos e constantes do processo administrativo apenso, conjugados com a vontade concordante das partes (acordo), nos termos expressamente referidos no final de cada facto.
(…)”.
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III.2 - DO DIREITO
Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas no recurso jurisdicionais em análise.
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I - Do imputado erro de julgamento de facto
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A primeira questão decidenda consubstancia-se em saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos pontos indicados pela Recorrente.
Vejamos.
Como se decidiu no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte editado em 11.02.2011, no Procº. n.º 00218/08BEBRG:“1. O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto. 2. Assim, se, na concreta fundamentação das respostas aos quesitos, o Sr. Juiz (...) justificou individualmente as respostas dadas, fazendo mesmo referência, quer a pontos concretos e decisivos dos diversos depoimentos, quer a comportamentos específicos das testemunhas, aquando da respetiva inquirição, que justificam a opção por uns em detrimentos de outros, assim justificando plena e convincentemente a formação da sua convicção, não pode o Tribunal de recurso alterar as respostas dadas”.
Posição que se desenvolveu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.10.2011, no Procº. n.º 01559/05BEPRT, que: “(…) pese embora a maior amplitude conferida pela reforma de processo civil a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto a verdade é que, todavia, não se está perante um segundo julgamento de facto (tribunal “ad quem” aprecia apenas os aspetos sob controvérsia) e nem o tribunal de recurso naquele julgamento está colocado perante circunstâncias inteiramente idênticas àquelas em que esteve o tribunal “a quo” apesar do registo da prova por escrito ou através de gravação magnética dos depoimentos oralmente prestados. XX. É que, como aludimos supra, o tribunal “ad quem” não vai à procura duma nova convicção, não lhe sendo pedido que formule novo juízo fáctico e sua respetiva fundamentação. O que se visa determinar ou saber é se a motivação expressa pelo tribunal “a quo” encontra suporte razoável naquilo que resulta do ou dos depoimento(s) testemunhal(ais) (registados a escrito ou através de gravação) em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos. XXI. Tal como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (cfr. art. 655.º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio. XXII. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal “a quo”, aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal “ad quem”. Daí que na reapreciação da matéria de facto ao tribunal de recurso apenas cabe um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo em todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou”.
E se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 13.09.2013, no processo nº 00802/07.7 BEVIS:” (…) “Determina o artigo 712º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu nº 1, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:
«A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas;
(…)
Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo nº 394/05, de 19.11.2008, processo nº 601/07, de 02.06.2010, processo nº 0161/10 e de 21.09.2010, processo nº 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo nº 00205/07.3BEPNF, e de 14.09.2012, processo nº 00849/05.8BEVIS).
Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho (…)”.
(…)
Em sentido idêntico se pronunciaram os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte:
- Proc. nº 00168/07.5BEPNF, de 24/02/2012:
“1- O tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.”
- E proc. nº 00906/05.0BEPRT, de 07/03/2013:
“2. O tribunal de recurso apenas e só deve alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excecionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão.”
(…)”.
Efetivamente, veio a Recorrente colocar em causa que o Tribunal a quo “(…) tenha considerado o facto constante no número 12 do supra referenciado elenco como provado por acordo e que, a Recorrida, em conformidade com o constante no número 14 dos factos dados como provados, detetado o lapso, tenha procedido através da plataforma eletrónica à notificação da adjudicação à ora Recorrente de acordo com a lei (…)”.
Mas sem razão.
Na verdade, e no que tange ao facto vertido no nº. 12º do probatório, do seguinte teor: ”(…) Por lapso do R., a decisão de adjudicação não foi de imediato notificada aos demais concorrentes (…)”, cabe notar que se trata de tecido fáctico cuja aquisição processual ressalta à evidência da confissão do Réu espraiada no artigo 1º da constestação inserta a fls. 53 dos autos [suporte físico] em relação à alegação da Autora, aqui Recorrente, vertida no artigo 20º do libelo inicial, donde brota grandemente a sua essência.
Por sua vez, e já no que tange à materialidade vertida no numero 14 do probatório, impera salientar que o Tribunal a quo não deu como provado que o Recorrido “(…) detetado o lapso, tenha procedido através da plataforma eletrónica à notificação da adjudicação à ora Recorrente de acordo com a lei (…)”.
Diferentemente, deu como provado que “(…) Detetado o lapso da falta de notificação da decisão de adjudicação, na sequência de uma ação de intimação para a prestação de informações que foi intentada pela A. contra o R., este promoveu, no dia 25/11/2019, através da plataforma eletrónica, a notificação da decisão de adjudicação e do terceiro Relatório Final aos demais concorrentes, incluindo à ora A (…)”.
E quanto a este quadro fáctico constitui suporte probatório o teor do documento que integra fls. 62 dos autos [suporte físico], para o qual, aliás, remete a respetiva fundamentação da matéria de facto, para além da confissão do Réu em relação ao alegado pela Autora, aqui Recorrente, no artigo 20º do libelo inicial.
É certo que, quanto ao teor do ponto 14º do probatório, a motivação da matéria de facto não releva a confissão operada pelo Réu no que tange ao apontado artigo 20º do libelo.
Tal, porém, não permite concluir que existe algo de grave e ostensivamente errado ou desacertado que permita alterar a matéria de facto nos termos do artigo 662º do CPC, pois é “ponto assente” que o teor do ponto 12º do probatório é suscetível de ser processualmente adquirido nos termos e com o alcance supra explicitados.
Nestes termos, improcede o invocado erro de julgamento da matéria de facto.
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II- Do imputado erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 45º e 45º-A do CPTA
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Sobre o erro de julgamento de direito ora em análise, importa que se comece por convocar, no que ao direito concerne, o que se discorreu na 1ª instância:
“(…)
Na presente ação, a A. insurge-se contra o ato de adjudicação proferido no âmbito do concurso público para aquisição de reagentes, com colocação de equipamento, para o laboratório core do Serviço de Patologia Clínica do R., no que respeita ao Lote 4, imputando-lhe, em suma, ilegalidades decorrentes do facto de o R. ter preterido formalidades essenciais dos procedimentos concursais e, em consequência, ter violado princípios basilares da contratação pública, tais como os princípios da igualdade e da transparência, da confiança e da estabilidade concursal.
Vejamos.
Começa a A. por alegar que o R. nunca respondeu à pronúncia por si apresentada em sede de audiência prévia sobre o teor do segundo Relatório Final, como se impunha que o tivesse feito, em virtude da lei, antes da decisão final de adjudicação, o que decorre do art.° 148. ° do CCP, pelo que é inequívoco que o R. incumpriu uma formalidade essencial.
Carece, porém, a A. de razão.
É certo que, segundo o disposto no art.° 148.° do CCP, “cumprido o disposto no artigo anterior [audiência prévia sobre o relatório preliminar], o júri elabora um relatório final fundamentado, no qual pondera as observações dos concorrentes efetuadas ao abrigo do direito de audiência prévia, mantendo ou modificando o teor e as conclusões do relatório preliminar, podendo ainda propor a exclusão de qualquer proposta se verificar, nesta fase, a ocorrência de qualquer dos motivos previstos no n.° 2 do artigo 146.°” (n.° 1). E, “no caso previsto na parte final do número anterior, bem como quando do relatório final resulte uma alteração da ordenação das propostas constante do relatório preliminar, o júri procede a nova audiência prévia, nos termos previstos no artigo anterior, sendo subsequentemente aplicável o disposto no número anterior” (n.° 2) (sublinhado nosso).
Não menos certo é que, no caso dos autos, as exigências decorrentes do normativo em apreço, no que respeita à ponderação e apreciação, no terceiro Relatório Final, das pronúncias dos concorrentes sobre o teor do segundo Relatório Final (mormente, a pronúncia da A.), foram plenamente cumpridas pelo R.
Basta, com efeito, ter presente que, nos termos da factualidade provada, tendo o júri do concurso elaborado, em 23/11/2018, o segundo Relatório Final, no qual propôs a exclusão da proposta da A. e, em consequência, a adjudicação do Lote 4 à B., e tendo a A., por sua vez, apresentado pronúncia sobre este relatório, em 14/12/2018, no exercício do direito de audiência prévia, o júri elaborou um terceiro Relatório Final, já em 31/05/2019, no qual procedeu expressamente à apreciação e ponderação dos argumentos vertidos na pronúncia da A., julgando-os improcedentes, e deliberou, por isso, manter a exclusão da sua proposta, com a consequente adjudicação do Lote 4 à proposta da B. (cfr. pontos 8, 9 e 10 dos factos provados).
Não se vislumbra, assim, em que medida o R. incumpriu a formalidade essencial resultante do art.° 148.° do CCP, porquanto, como vimos, a pronúncia da A. sobre o segundo Relatório Final foi devidamente ponderada e tida em conta aquando da elaboração das conclusões do terceiro Relatório Final, que antecedeu diretamente o ato de adjudicação.
Alega também a A. que o R. reconheceu que a decisão de adjudicação não foi, por lapso, notificada aos concorrentes, sendo que a omissão desta notificação conduz à invalidade do ato. Isto porque, no seu entender, sendo a decisão de adjudicação um ato administrativo, a lei impõe que o mesmo seja reduzido a escrito, com as menções obrigatórias constantes do n.° 1 do art.° 151.° do CPA, que seja notificado aos interessados, através de correio eletrónico ou de outro meio de transmissão escrita e eletrónica de dados, conforme estipula o art.° 467.° do CCP, e que, para ser eficaz, cumpra o conteúdo obrigatório da notificação que é constituído pelos elementos previstos no n.° 2 do art.° 114.° do CPA e no art.° 60.° do CPTA.
Não lhe assiste, todavia, razão.
Por um lado, pese embora o R. não ter procedido, por lapso, à imediata notificação da decisão de adjudicação aos demais concorrentes, a verdade é que essa notificação acabou por ser efetivamente concretizada. Com efeito, detetado o lapso da falta de notificação da decisão de adjudicação, na sequência de uma ação de intimação para a prestação de informações que foi intentada pela A. contra o R., este promoveu, no dia 25/11/2019, através da plataforma eletrónica (tal como prescrito pelo art.° 467.° do CCP), a notificação da decisão de adjudicação e do terceiro Relatório Final aos demais concorrentes, incluindo à ora A. (cfr. pontos 12 e 14 dos factos provados). Por conseguinte, aquela falta de notificação inicial veio a ser plenamente suprida e sanada pelo R., no passado dia 25/11/2019, sem quaisquer prejuízos para o exercício dos direitos de defesa e de impugnação contenciosa da decisão de adjudicação pelos demais concorrentes, cujos prazos apenas começaram a contar-se, naturalmente, a partir da referida notificação, do que é prova cabal a interposição da presente ação pela A.
Por outro lado, importa notar, antes de mais, que o ato administrativo notificado (a decisão de adjudicação, baseada nas conclusões do terceiro Relatório Final do júri) não se confunde com o ato de notificação (a informação transmitida aos concorrentes, no dia 25/11/2019, através da plataforma eletrónica).
Tendo presente esta distinção, e no que respeita ao ato notificado (a decisão de adjudicação), o mesmo foi reduzido a escrito (art.° 150.° do CPA) e, compulsado o seu teor, o mesmo contém as referências e menções obrigatórias prescritas pelo n.° 1 do art.° 151.° do CPA - a indicação da autoridade que o praticou (o Conselho de Administração do R.), a identificação adequada do destinatário ou destinatários (claramente identificados no terceiro Relatório Final, subjacente à decisão de adjudicação), a enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, quando relevantes, a fundamentação, o conteúdo ou o sentido da decisão e o respetivo objeto (todos estes elementos estão presentes no terceiro Relatório Final), a data em que foi praticado (03/07/2019) e a assinatura do autor do ato ou do presidente do órgão colegial que o emana.
Quanto ao conteúdo do ato de notificação, é o art.° 77.° do CCP que se aplica à notificação da decisão de adjudicação (por se tratar de norma especial face ao art.° 114.°, n.° 2, do CPA), o qual dispõe que “a decisão de adjudicação é notificada em simultâneo a todos os concorrentes, indicando-se, quando aplicável, o prazo de suspensão previsto no n.° 3 do artigo 95.° ou na alínea a) do n.° 1 do artigo 104.°, conforme o caso” (n.° 1). Ademais, “juntamente com a notificação da decisão de adjudicação, o órgão competente para a decisão de contratar deve notificar o adjudicatário para: a) apresentar os documentos de habilitação exigidos nos termos do disposto no artigo 81.°; b) prestar caução, se esta for devida, indicando expressamente o seu valor; c) confirmar no prazo para o efeito fixado, se for o caso, os compromissos assumidos por terceiras entidades relativos a atributos ou a termos ou condições da proposta adjudicada; d) se pronunciar sobre a minuta de contrato, quando este for reduzido a escrito; e) confirmar no prazo para o efeito fixado, se for o caso, a constituição da sociedade comercial, de acordo com os requisitos fixados nas peças do procedimento e os termos da proposta adjudicada” (n.° 2). Estas notificações “devem ser acompanhadas do relatório final de análise das proposta P (n.° 3) (sublinhado nosso).
Não se vislumbra, por conseguinte, em que medida a notificação da decisão de adjudicação incumpriu as regras acima transcritas (excluindo a questão do momento em que essa notificação foi efetuada, irregularidade que veio a ser oportunamente suprida, como vimos supra), sendo certo que a A. nem sequer indica, como era seu ónus, qual o conteúdo obrigatório alegadamente inexistente no ato de notificação em causa, limitando-se a remeter para os normativos legais.
Aliás, quanto a esta matéria, sempre se diria que nenhum efeito invalidante seria de aplicar no caso concreto: como é entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência, a consequência de uma eventual falta de notificação da decisão de adjudicação seria a sua ineficácia e, caso faltasse ao ato de notificação algum elemento legalmente previsto, tal geraria mera inoponibilidade da decisão de adjudicação, mas nunca seria capaz de gerar a invalidade (anulabilidade) dessa decisão (sem prejuízo de o interessado, nestes casos, se poder socorrer do mecanismo previsto no art.° 60.° do CPTA, nos termos aí consagrados).
Diga-se, ainda, que não ocorre qualquer violação do art.° 73.° do CCP - pois que o R. cumpriu o dever de adjudicação -, nem se compreende a alegação, nesta ação de contencioso pré-contratual, de incumprimento dos art.ºs 82.°, 83.° e 84.° do CPA (que consagram o direito à informação dos administrados).
Por fim, também não procede, por tudo quanto ficou exposto, a alegação de que o R. violou os princípios gerais aplicáveis aos procedimentos concorrenciais, nomeadamente os princípios da imparcialidade, da transparência e da proteção da confiança, da igualdade e da estabilidade concursal, bem como o direito de acesso à informação administrativa, o dever de fundamentação dos atos administrativos e dos regulamentos, o direito de audiência prévia e os deveres de notificação e publicação dos atos administrativos ablativos. Nada foi alegado a respeito da conduta do R. que possa subsumir-se na violação destes princípios, direitos e deveres procedimentais, atenta, além do mais, a improcedência das ilegalidades apontadas pela A. ao ato de adjudicação nesta sede impugnado.
Ante todo o exposto, não se verificando nenhum dos vícios e ilegalidades imputados à decisão de adjudicação ora em crise, impõe-se concluir, forçosamente, no sentido da improcedência da presente ação.
(…)”.
A Recorrente insurge-se contra o considerado e decidido, insistindo nos vícios já impetrados ao ato impugnado em sede declarativa.

De facto, analisada a argumentação da Recorrente, facilmente se constata que se limita a reiterar a posição sustentada na ação e já enfrentada, em toda a linha, pelo Tribunal a quo no domínio dos vícios imputados ao ato impugnado, de forma que pouco mais a acrescentar.
Na verdade, resulta da sentença supra transcrita que a Senhora Juíza a quo apreciou os elementos carreados para os autos tendo concluído, fundada e acertadamente, pela inexistência de vícios quanto ao ato impugnado.
Como ressalta cristalinamente do artigo 148º do Códigos dos Contratos Públicos, uma vez efetivada a audiência prévia em matéria de relatório preliminar, o júri concursal elabora o Relatório Final, no qual pondera as observações dos concorrentes efetuadas ao abrigo do direito de audiência prévia [nº.1], sendo que, quando do Relatório Final resultar uma alteração da ordenação das propostas, tem aquele que proceder a nova audiência prévia [nº.2].
No caso concreto, o tecido fáctico coligido nos autos é inequívoco na afirmação de que:
(i) em 29.08.2018, o júri concursal elaborou o Relatório Preliminar, no qual propôs a admissão das propostas da A. e da B. e a exclusão da proposta da M., bem como propôs, no que respeita ao Lote 4, a ordenação da A. em primeiro lugar e da B. em segundo lugar, na sequência do que a Autora e B. concorrentes exerceram o direito de resposta em sede de audiência prévia;
(ii) em 24.09.2018, o júri concursal elaborou o Relatório Final, no qual apreciou as pronúncias da A. e da B., julgando-as improcedentes, e manteve o teor das conclusões do Relatório Preliminar quanto ao Lote 4, com a ordenação da A. em primeiro lugar e da B. em segundo lugar, sobre as quais concorrentes ao Lote 4 não apresentaram pronúncia, em sede de audiência prévia.
(iii) em 23.11.2018, o júri do concurso elaborou o segundo Relatório Final, no qual propôs a exclusão da proposta da A., por não apresentar assinatura eletrónica qualificada em todos os documentos individuais que constituíam a sua proposta, mais propondo, em consequência, a adjudicação do Lote 4 à B., na sequência do que a Autora exerceu o direito de resposta em sede de audiência prévia, pedindo a anulação do ato de exclusão da sua proposta e a respetiva readmissão,
(iv) em 31.05.2019, elaborou o terceiro Relatório Final [ata nº. 5], no qual ponderou as observações formuladas pela Recorrente em sede de audiência prévia do segundo Relatório Final [ata nº.4], tendo deliberado manter a posição já ali assumida no sentido da exclusão da proposta da Recorrente, a consequente adjudicação do lote 4 à proposta da B..
Sendo este os contornos fácticos imutáveis do caso a decidir, dos quais este Tribunal Superior não se pode desviar, é nosso entendimento que não assiste razão à Recorrente quando alega que “(…) o R. nunca respondeu à dita pronúncia exercida no âmbito da Audiência Prévia [no âmbito do segundo Relatório Final] (…) como se impunha em virtude da lei, e antes da decisão de adjudicação (…)”.
Tanto mais que “ponderar as observações dos concorrentes”, como o próprio nome indica, não significa que o júri concursal tenha que “aceitar as observações dos concorrentes”, antes exprimindo a ideia de que impede sobre o júri concursal o dever de considerar as observações dos concorrentes no processo de formação de decisão, conferindo ou negando-lhe validade.
E isso, como se vem de expor, foi plenamente operado no caso dos autos.
Sendo assim, isto é, não se mostrando preterida a formalidade de “audiência prévia” a que alude o artigo 148º do CCP, não se descortina, quanto ao aspeto agora tratado, qualquer razão para censura da sentença recorrida.
Idêntica conclusão é atingível no tocante ao demais argumentado no presente recurso jurisdicional, que, como sabemos, prende-se com a omissão de notificação do ato de adjudicação, pois que a mesma foi suprida no decurso do procedimento administrativo, o que acaba por convalidar o ato impugnado inicialmente ineficaz, pela supressão do vício procedimental daí decorrente.
Por conseguinte, não se vislumbra de que modo seja possível afirmar que a Recorrente não foi notificada da decisão de adjudicação do procedimento concursal visado nos autos.
Em todo o caso, e para que não subsistam quaisquer dúvidas, refira-se que a notificação configura um dos modos de comunicação das decisões administrativas aos seus destinatários, visando integrar o conteúdo e sentido da decisão na “esfera de perceptibilidade” do respectivo destinatário.
Por isso, o texto da decisão administrativa constitui, naturalmente, um dos elementos cruciais deste mecanismo, podendo afirmar-se a notificação do ato somente nas circunstâncias em que o respectivo destinatário tenha acesso ao conteúdo integral da decisão, incluindo os fundamentos que lhe servem de esteio.
No entanto, é de salientar que o não cumprimento ou o cumprimento deficiente do dever de notificar não consubstancia uma ilegalidade, ou torna, sequer, a decisão administrativa ilegal.
Na verdade, a notificação apresenta-se como uma condição de eficácia do ato administrativo e não como uma condição de validade do mesmo.
Daí que, e mesmo que hipoteticamente se entendesse que a patologia imputada pelo A. ao ato punitivo ocorre, que já vimos não ser esse o caso, a sanção que ocorreria espoletada seria, apenas, a da ineficácia do ato, e não a da sua invalidade.
Consequentemente, soçobra também este argumento da Recorrente, razão pela qual bem andou o Tribunal a quo ao decidir em conformidade.
Concludentemente, improcedem as conclusões de recurso em análise.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a sentença recorrida.
Assim se decidirá.
* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e, em consequência, manter a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 19 de junho de 2020,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão
Hélder Vieira