Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00756/18.4BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/24/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:CONSTRUÇÃO ZONA REN;
DUNAS COSTEIRAS;
Sumário:1 . Decorrendo dos normativos legais aplicáveis o impedimento, de todo, de construção de qualquer obra, a respectiva demolição impõe-se como ultima e única ratio, sem que se possa imputar-lhe qualquer juízo de desproporcionalidade.

2 . Fixadas legalmente as zonas de REN, nada impede que a construção/manutenção de determinada obra, v.g. muro de vedação, seja, em determinada zona/área, permitida e não noutra; tudo, obviamente, depende da efectiva localização.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO
1. AA, com domicílio profissional na Rua ..., ..., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Aveiro, datada de 26 de Setembro de 2022, que julgou improcedente a Acção Administrativa que havia instaurado contra o MINISTÉRIO do PLANEAMENTO e INFRAESTRUTURAS, entretanto legalmente substituído pelo MINISTÉRIO da COESAÃO TERRITORIAL (art.º 28.º, n.,º7 do Dec. Lei 32/2022, de 19/5), na qual pedia a anulação do acto administrativo que ordenou a demolição de um muro de vedação inserido na tipologia REN e a apresentação da prova do envio dos resíduos de demolição e construção para operar licenciado.
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2. Nas suas alegações recursivas, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
1 Está em causa nos presentes autos, a impugnação do ato administrativo proferido pelo Senhor Vice-Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, em 28.02.2018, concretamente a “Demolição do muro de vedação quer fica inserido na Tipologia da REN “Dunas” (os muros a demolir, são os que se encontram identificados a vermelho, na figura 2 anexa)”.
2 – Decidiu o douto Tribunal a quo, pela improcedência da ação, alegando, em síntese conclusiva, que “Não se estando perante uma operação urbanística legalizável, a ordem de demolição configura uma atuação vinculada da Administração, imposta pela obediência devida ao princípio da legalidade. Acrescente-se que, a ordem de demolição proferida abrange apenas a parte do muro que se insere no ecossistema de “dunas costeiras”, e que por isso, contrariamente ao restante, não será legalizável, mostrando-se, pois adequada e proporcional.”
3 – Com tal decisão não pode o A. conformar-se, porquanto, a decisão recorrida ignorou nos factos provados, os documentos identificados com os números 5, 7, 8 e 9, além de que, ignorou o facto de apenas ter sido emitida ordem de demolição para uma parte do muro, e não para a totalidade, bem assim, o facto de o muro em questão, que é de vedação, mesmo à data em que foram emitidos os pareceres e alvará de licença camarária, já se encontrar construído.
4 – O A. defende na sua ação, não encontrar fundamento para o facto de, tratando-se de um muro de vedação e de delimitação do terreno. Isto porque, o espaço físico e inserido na REN, é o mesmo, pelo que carece de sentido, que relativamente a uma parte se isente de comunicação prévia, o que, de resto, culminou na emissão do alvará de licença por parte da Câmara Municipal ..., apenas seja autorizada a construção de metade e não da totalidade!
5 – Para além de o mencionar, o próprio ato administrativo que aqui se impugna, vem acompanhado de relatório fotográfico, onde é visível a localização do terreno, a sua envolvente, e o muro já construído, sendo possível verificar que a zona envolvente não tem qualquer característica de “Duna”, uma vez que é aí se encontram edificadas várias habitações, servidas pelas necessárias infraestruturas, essas sim, com elevado impacto no solo.
6 – A douta sentença a quo não fundamenta, desde logo, em que medida a construção da metade do muro que se pretende demolir, determina alterações na topografia do solo ou constitui lesão para as Dunas Costeiras. Limita-se apenas, a fazer o enquadramento legal, sem contudo, se pronunciar pela situação de exceção que aqui possa estar em causa, facto, de resto, alegado na p.i., ou a justificação para não poder ser enquadrada nessas mesmas exceções.
7 – Parece a douta sentença a quo, olvidar o facto de que uma parte do muro em questão ter obtido o parecer favorável quer da CCDRC, quer do ICNF, e de a mesma ter obtido o alvará de licença camarário.
8 – Pois, bem, nenhum proprietário com intenção de vedar a sua propriedade, consegue aceitar o facto de lhe licenciarem apenas metade da construção e a outra metade não.
9 – É patente o desequilíbrio da decisão, e constitui uma clara violação ao direito da propriedade.
10 – E é nessa medida que o A. entende, que existe viabilidade de licenciamento da totalidade do muro, aproveitando as exceções que a lei impõe e fazendo o devido enquadramento legal.
11 – E que por essa via, o ato de ordenar a demolição, como ultima ratio que é, nunca devia ter sido praticado, sem que tivessem sido analisadas todas as possíveis soluções que viabilizassem a manutenção do muro no seu todo.
12 – Além da CCDRC, apesar da restrição REN, ter isentado de comunicação prévia a operação urbanística em causa, também o ICNF veio considerar que na “área classificada, não será previsível a existência de impactes negativos significativos sobre os valores de conservação que justificaram a designação do Sítio Ria de Aveiro, decorrentes da construção e permanência dos muros de vedação e do estacionamento para veículos ligeiros pretendido”.
13 – O Regime Jurídico da REN considera desvios ao regime de interdição geral dos usos e ações de iniciativa pública ou privada, nos casos em que os usos e ações sejam compatíveis com os objetivos de proteção ecológica e ambiental e de prevenção e redução de riscos naturais de áreas integradas em REN, como é o caso da construção do A..
14 – Feita uma análise do RJREN, que «decifra» os conceitos de “Dunas Costeiras” e “Dunas Fósseis” (Anexo I, secção I, alínea g), ponto I e ponto II do RJREN) e confrontando com a realidade do local (visível nas fotografias), percebe-se com relativa facilidade, que o prédio onde foi erigido o muro de vedação, não só não se situa ao lado do mar, como sequer confronta com ele, tratando-se sim, de uma zona circundada por habitações.
15 – Além de que, se o que se visa proteger é o ecossistema “Dunas Costeiras”, a verdade é que se mostra potencialmente mais lesivo para a efetivação da função das Dunas, a demolição da obra existente.
16 – Se o legislador previu desvios à regra geral prevista no n.º 1 do artigo 20º do RJREN, permitindo que fossem praticadas ações desde que, designadamente, não coloquem em causa as funções das respetivas áreas (n.º 3 do artigo 20º), então não se deve interpretar a lei no seu sentido (apenas) literal, só porque o legislador não menciona expressamente a construção de muros.
17 – É, pois, evidente, que a pretensão em causa não colide com o RJREN, e que é possível o seu enquadramento, facto que Recorrida devia ter aprofundado, antes de decretar a demolição, a qual constitui a última das medidas a ser ordenada, por aplicação dos princípios da necessidade, da adequação e proporcionalidade.
18 – Diga-se também, não ser razoável que, relativamente ao mesmo espaço de construção, todo ele inserido em REN, se isente uma parte de comunicação prévia por não colidir com o RJREN, e à outra metade, façam enquadramento diferente.
19 – Entende-se assim, que o douto Tribunal terá incorrido em vício de omissão de pronúncia sobre factos essenciais, sobre os quais se deveria ter pronunciado e serem objeto de prova, refugiando-se em afirmações de cariz conclusivo, ao afirmar que a construção do muro (nem sequer foi da metade do muro) não se enquadrava no artigo 20º, n.º 1 do RJREN, concluindo, sem mais, que a deliberação impugnada não padecia dos vícios que lhe eram assacados.
20 – O douto Tribunal a quo para decidir a matéria que lhe havia sido submetida, sempre teria de proceder a acrescida fixação da necessária factualidade, designadamente, provada, após o que se imporia a análise do suscitado, por forma a não limitar a uma decisão conclusiva, sem a necessária pontual atendibilidade da factualidade relevante.
21 – Só assim, seria possível fundamentar de facto, uma plausível solução de direito, designadamente aquela que culminaria na anulação do ato impugnado, pois se a área onde se situa o muro é a mesma, não se percebe que uma parte possa ser licenciada (tal como foi) e outra não. Certo é também, que tal fundamentação não resulta, como deveria, do ato impugnado.
22 – Entende assim o A., que a sentença está ferida de nulidade, nos termos do disposto no artigo 668º, n.º 1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.
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3. Notificados da interposição do recurso, o R./Recorrido apresentou contra-alegações de recurso, bem como a Digna Procuradora da República no Tribunal a quo.
3.1. Nas suas contra-alegações, o Recorrido/Réu Ministério da Coesão Territorial elencou as seguintes conclusões:
A. O Recorrente invoca normas do CPC que já não correspondem à versão em vigor, mas antes àquela que foi revogada em 2013, sendo em qualquer caso certo que a sentença recorrida não padece das nulidades invocadas.
B. Quanto à alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, é absolutamente evidente que a sentença recorrida especifica os factos que considerou provados e não provados, no ponto 1 (“Dos factos”) da fundamentação da decisão, onde são enunciadas dezenas de alíneas de factos provados, da mesma forma que justifica juridicamente a decisão tomada no ponto 2, intitulado “Do direito”, pelo que é manifestamente improcedente a invocação da nulidade da sentença ao abrigo dessa norma.
C. O juiz não deixou de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar, nem conheceu de questões de que não poderia tomar conhecimento, conforme previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
D. Na alegação do Recorrente não vem identificada qualquer suposta questão que o Tribunal a quo teria supostamente deixado de conhecer, mas antes e apenas a defesa de que não teria considerado alguns documentos juntos aos autos, o que por si só é suficiente para constatar a improcedência da nulidade da sentença que vem invocada, já que não está em causa, nem sequer em abstrato, a existência de uma “questão”, no sentido jurídico-processual aqui perspetivado, que tivesse que ser decidida pelo Tribunal.
E. Embora o Recorrente alegue que a sentença recorrida não teria considerado como provados determinados factos que deveriam ter sido assim entendidos, não o faz em termos processualmente adequados, já que não respeita minimamente as exigências do artigo 640.º do CPC quanto à impugnação da matéria de facto, não indicando concreta e designadamente, quais os concretos pontos da matéria de facto que julga que foram incorretamente julgados ou a decisão que deveria ter sido proferida sobre esses aspetos factuais.
F. Não existiu qualquer omissão de pronúncia ou a desconsideração de factos que teriam ficado demonstrados, improcedendo assim, de forma manifesta, esta invocação de que a sentença seria nula, tudo isto evidenciando, em suma, a integral improcedência do recurso interposto.
G. É manifesto que os documentos ..., ..., ... e ... juntos à PI, que o Recorrente alega que evidenciariam o bem fundado da sua pretensão, não têm qualquer relevância, já que, entre outros motivos, respeitam a uma obra que não correspondeu àquela que foi efetuada no terreno em causa.
H. Como se decidiu na sentença recorrida, a parte do muro que o Recorrente construiu e que se inseria na tipologia da REN “Dunas” não podia ter sido construída, nem foi objeto de qualquer decisão favorável, pelo que é inequívoco que tinha de ser demolida.
I. Esta decisão era legalmente devida, e a única possível, de acordo com o n.º 4 do artigo 39.º do RJREN, estando assegurada a sua proporcionalidade pela circunstância de apenas se ter determinado a demolição da parte do muro que se encontrava, efetivamente, em zona proibida, tendo a mesma sido claramente indicada no ato impugnado.
J. Contrariamente ao que, estranhamente, o Recorrente repete na sua peça, a sentença recorrida reconheceu por diversas vezes que o que está em causa é apenas parte do muro e não a sua totalidade e que não era possível legalizar uma obra nas circunstâncias em apreço, por se tratar de uma construção interdita, nos termos do RJREN, designadamente nos termos da alínea h) do item I do Anexo II a que se refere o art.º 20.º desse Regime Jurídico.
K. A sentença recorrida decidiu bem pela validade do ato impugnado e que improcede em absoluto o recurso interposto”.
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3.2. A Digna Magistrada do M.º P.º junto do TAF de Aveiro contra-alegou nos seguintes termos, sem conclusões:
“O Autor, AA, peticionou a anulação do ato administrativo consubstanciado no Despacho de 23/02/2018, do Sr. Vice-Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, Diretor Regional Adjunto da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro, que lhe foi notificado em 28/02/2018, e que ordenou ao autor a demolição de um muro de vedação inserido na tipologia REN, e a apresentação da prova do envio dos resíduos de demolição e construção para operador licenciado.
A situação em causa nos autos prende-se com a edificação de muro inserido em área condicionada pela Reserva Ecológica Nacional (REN) de ..., aprovada e publicada pela Portaria n.º 126/2016, de 6 de maio, nos ecossistemas “áreas de máxima infiltração” e “dunas”, atualmente designados por “áreas de proteção e recarga de aquíferos” e “dunas costeiras”. Na situação dos autos, viria a ser proferida ordem de demolição, ao abrigo do antedito artigo 39.º do RJREN, de parte do muro edificado, precisamente, na parte em que o mesmo se insere no ecossistema de “dunas”.
O Tribunal a quo entendeu que “(...) Não se estando perante uma operação urbanística legalizável, a ordem de demolição configura uma atuação vinculada da Administração, imposta pela obediência devida ao princípio da legalidade. Acrescente se que, a ordem de demolição proferida abrange apenas a parte do muro que se insere no ecossistema de “dunas costeiras”, e que por isso, contrariamente ao restante, não será legalizável, mostrando-se pois adequada e proporcional.
Em face de tudo quanto se deixou exposto, não se julgando procedente qualquer um dos vícios imputados pelo autor ao ato impugnado, improcede assim a presente ação.”
O Autor, designado doravante como recorrente, interpôs recurso de apelação e formulou as conclusões que a seguir se transcrevem:

A DOUTA SENTENÇA A QUO

O Autor vem alegar que a douta sentença a quo, olvida o facto de que uma parte do muro em questão ter obtido o parecer favorável quer da CCDRC, quer do ICNF, e de a mesma ter obtido o alvará de licença camarário. Entende o recorrente, que existe viabilidade de licenciamento da totalidade do muro, aproveitando as exceções que a lei impõe e fazendo o devido enquadramento legal.
O Autor não alega que o muro edificado não corresponde àquele que havia sido objeto de licenciamento, pois, em ações de fiscalização desenvolvidas pela CCDRC nos dias 02­11-2016, 20-12-2016 e 11/04/2017, verificou-se que o recorrente havia procedido a obras que não estavam contempladas no pedido de informação prévia e no parecer favorável emitido pela CCDR.
É nessa sequência que o recorrente requer a legalização destas alterações e no âmbito desse pedido é emitido pela CCDRC novo parecer, no âmbito do artigo 13º-A do RJUE, favorável em relação ao parque de estacionamento e respetivas infraestruturas (rede de drenagem e iluminação) mas desfavorável à legalização dos muros de vedação implantados na faixa da propriedade abrangida pela tipologia de REN “dunas”, por se tratar de ação interdita face à tipologia de REN afetada.
Em consequência, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional notificou o recorrente, em audiência prévia, da proposta de ordem de “Demolição do muro de vedação que fica inserido na tipologia da REN “Dunas”, identificados a vermelho, na figura 2 anexa.
Sublinhe-se que, a ordem de demolição inserta no ato impugnado não se reporta à construção de nenhum muro que tenha sido alvo de licenciamento, na sequência de parecer favorável da CCDR, mas, como vimos, à parte do muro que foi construída pelo recorrente em desrespeito pelo que foi submetido à apreciação e objeto de parecer favorável pela CCDR e de licenciamento pela Câmara Municipal.
O ato administrativo impugnado contém apenas uma ordem de demolição de uma parte do muro construída ilegalmente (sem licenciamento prévio), sita em espaço vinculado pela Reserva Ecológica Nacional, que será insuscetível de legalização e que ainda não havia sido alvo de qualquer outro parecer da CCDR.
A ordem de demolição não se afigura desadequada, excessiva, nem desproporcional, em violação do princípio da proporcionalidade e do princípio da proteção da confiança, pois resulta que a entidade demandada não optou, sem mais, pela ordem de demolição das construções da Autora, antes tendo concluído previamente à prática de tal ato, não ser possível proceder à pretendida legalização, por afrontar claramente o disposto no art. 20º do RJREN (alterado pelo Dec. Lei nº 239/12 de 02.11).
Efetivamente a CCDR – Centro, concluiu que praticamente todo o muro construído do lado poente bem como cerca de metade do muro a sul da propriedade se encontram construídos numa área onde se sobrepõem as duas tipologias de REN, sendo que estes troços dos muros de vedação constituem uma ação interdita face à tipologia “dunas”, pelo que, não poderá ser viabilizada.
Assim, contrariamente ao defendido pelo recorrente, não só as obras realizadas iam para além daquelas submetidas a prévia apreciação pela CCDR, como a inserção de parte delas, no caso do muro, não se mostrava apenas inserido na condicionante de “Áreas Estratégicas de Proteção e Recarga de Aquíferos”, mas também no ecossistema de “Dunas Costeiras”.
A omissão de pronúncia, ocorre quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. Esta nulidade decisória por omissão de pronúncia, está diretamente relacionada com o comando inserto na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC (correspondente ao artigo 660.º do CPC antigo) de acordo com o qual o tribunal “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão, esteja prejudicada para a solução dada a outras”.
Por outro lado, constitui jurisprudência pacífica e reiterada que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
Sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, p. 143: “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão”. Como referia aquele Professor: “São, na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (idem, ob. cit.).
Como se refere no Acórdão do STA nº 01035/12, de 11-03-2015; “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice).
(...)
Resulta também do artº 95º, nº 1, do CPTA que, sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Como este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, haverá omissão de pronúncia sempre que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – cf. neste sentido Acórdãos de 19.02.2014, recurso 126/14, de 09.04.2008, recurso 756/07, e de 23.04.2008, recurso 964/06.
Numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista.
Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.”
Decorre desta interpretação que a sentença não padece de nulidade quando não analisa um certo segmento jurídico que a parte apresentou, desde que fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito.
Ora, a pronúncia em questão, nos termos em que se mostra supra expressada, revela-nos que o Tribunal a quo, efetivamente, tomou posição sobre a questão visada, tendo emitido um juízo de apreciação da mesma. Por conseguinte, a sentença recorrida não padece da assacada nulidade por omissão de pronúncia, a qual deve improceder.
Nestes termos e nos demais de direito deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os efeitos legais”.
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4. A Digna Magistrada do M.º P.º neste TCA, notificada nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, em douto e fundamentado Parecer, pronunciou-se pela improcedência do recurso, sendo que as partes, notificadas deste Parecer, nada disseram.
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5. Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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6. Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts. 1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida:
A) Encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial ..., em nome de AA, ora autor, o prédio rústico sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o nº ...39, da freguesia ..., ..., ... e ..., e descrito sob a descrição ...44 (cfr. doc. n.º ... junto com a petição inicial);
B) A composição, inicial, do referido prédio era de eucaliptal pinhal e mato (cfr. doc. n.º ... junto com a petição inicial);
C) Tal prédio situa-se nas traseiras do “Restaurante ... ...”, de que é proprietário, e serve a zona de estacionamento dos seus clientes (Não controvertido);
D) Em 30 de junho de 2016 foi recebida na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional uma comunicação prévia, no âmbito do Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional (RJREN), Decreto-Lei n º 166/2008, de 22 de agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 239/2012, de 2 de novembro, por parte do autor, para a construção de muros no terreno com o artigo matricial n.º ...39, localizado na Rua ... no concelho ... (cfr. fls. 1 a 16 do processo administrativo);
E) Na memória descritiva junta ao requerimento apresentado em 30 de junho de 2016, no âmbito da comunicação prévia do RJREN, é requerida a “... construção da vedação da propriedade, sendo que se pretende construir o muro de vedação confinante com o caminho publico localizado a Norte da propriedade, numa extensão de 85,43 m (17,98m2) e os muros divisórios localizados a Poente e Sul da propriedade, numa extensão de 224,14 m (44,83 m2). O total dos muros é de 309,57 m (61,91m2)” (cfr. fls. 6 do processo administrativo);
F) Na sequência de reuniões entre o técnico representante do A. e os serviços da CCDR Centro, em 12/07/2016, o autor apresentou um aditamento ao processo de comunicação prévia para a construção de muro e estacionamento, junto de fls. 17 a 24 do processo administrativo, passando o muro de vedação confinante com o caminho público a Norte a ter 84,43m de comprimento, os muros de vedação Poente e Sul a ter 208,63m, e o traçado e implantação do muro situado a Poente e Sul da propriedade alterados, passando a confinar com o limite da tipologia Dunas Costeiras da Reserva Ecológica Nacional;
G) O referido aditamento era integrado pela memória descritiva junta a fls. 17 do processo administrativo, que se tem por reproduzida, da qual se extrai o seguinte segmento:
“Após várias reuniões com os vossos Serviços Técnicos, vimos apresentar novos desenhos em complemento dos já apresentados e para melhor implementação da pretensão, pedimos à Câmara Municipal ..., uma planta georreferenciada com a identificação exata do limite da zona de dunas protegidas de modo a contextualizar o nosso projeto.
Aquando da sobreposição da área do terreno em análise, com a referida planta georreferenciada, conseguiu-se perceber de que o terreno encontra-se na sua totalidade em REN, mas só uma parte do terreno está abrangida pela zona de proteção das dunas.
Por isso a pretensão, devido a condicionantes legais em vigor, irá incidir unicamente na porção de terreno que não é abrangida pelas dunas protegidas”.
H) Em 26/07/2016, a CCDR Centro, através do ofício DSR_Aveiro 277/16, informou o requerente que “Reportando-nos ao assunto suprarreferido confirma-se que, de acordo com a carta da Reserva Ecológica Nacional (R.E.N.) para o município ..., a pretensão encontra-se inserida em áreas de R.E.N, no ecossistema “áreas de máxima infiltração” atualmente designado por “áreas de proteção e recarga de aquíferos”, de acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 43.º do Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional (RJREN).
Assim, e de acordo com os elementos do processo, a pretensão tem enquadramento na alínea h) do Item I, do Anexo II do citado RJREN, estando isenta da apresentação de comunicação prévia a esta CCDR nos termos da subalínea i) da alínea b) do n.º 3 do artigo 20.º do referido diploma legal, totalizando a área de implantação de 58,81 m2 inseridos em área de REN.” (Cfr. fls. 33 do processo administrativo);
I) O requerente, através dos serviços técnicos que o assessoravam, requereu em 9/08/2017 a desistência deste processo, dado que estava a decorrer paralelamente na CCDR outro processo com o mesmo objeto, através da plataforma eletrónica SIRJUE (Cfr. fls. 61 do processo administrativo);
J) Em 01/06/2016, o A. apresentou, na Câmara Municipal ..., um requerimento pelo qual solicitava a emissão de alvará de licença de construção de muros de vedação com a extensão de 85,43ml, e de muros divisórios com a extensão de 224,14ml, o qual correu termos sob o processo n.º ...16 (Cfr. fls. 239 a 251 do processo administrativo);
K) Em 07/06/2016, no âmbito do referido processo, foi elaborada informação técnica pela Câmara Municipal ..., enquadrando o local em causa, nos termos do Plano Diretor Municipal (PDM), em Solo Rural – “Espaço Florestal de Conservação” e em área coincidente com a Reserva Ecológica Nacional (REN), estando a sua viabilidade dependente de um parecer da Comissão da REN (cfr. doc. n.º ... junto com a petição inicial);
L) Em 16/08/2016, deu entrada na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, através do Sistema de Informação do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (SIRJUE) o requerimento ...12, apresentado pelo A., submetido pelo município ... (cfr. fls. 64 a 159 do processo administrativo);
M) A pretensão submetida à apreciação da CCDR Centro, consistia na construção de muros e revestimento de área destinada a estacionamento, em propriedade sita na Rua ..., união de freguesias ..., ..., ... e ..., no município ..., apresentando os seguintes parâmetros:
- Área total do terreno a intervir 9.224,88 m2
- Área do terreno a vedar 7.586,70 m2
- Muro de vedação confinante com caminho privado a Norte (...) 85,43ml de comprimento e 0,20cm de largura.
- Muros de vedação a Poente e a Sul 208,63ml de comprimento e 0,20cm de largura.
- Área de implantação do estacionamento 4.010,80 m2 (Cfr. fls. 132 do processo administrativo);
N) No âmbito deste requerimento ...12, foi emitido uma decisão global pela CCDR, enquanto entidade coordenadora, no âmbito do artigo 13.º-A do RJUE, que englobava dois pareceres das duas entidades consultadas: um parecer da própria CCDR, no âmbito da REN, e a consulta ao ICNF, IP, delegação do Norte (cfr. doc. n.º ... junto com a contestação);
O) No que respeita à consulta à CCDR, enquanto entidade com competências na REN, a decisão global referia que a pretensão se inseria em áreas de Reserva Ecológica Nacional, de acordo com a carta da REN em vigor para o município ..., apenas na tipologia “áreas estratégicas de proteção e recarga de aquíferos”, concluía o parecer DGT 1273/16, que “(N)este contexto, tendo em conta que a construção do muro é uma ação isenta de apresentação de comunicação prévia face à tipologia de REN afetada e a área de estacionamento não colide com o RJREN, a CCDRC informa que, para os efeitos previstos no artigo 13.º-A do RJUE, não há lugar a emissão de parecer no âmbito do Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional” (cfr. doc. n.º ... junto com a contestação);
P) No que respeita ao parecer do ICNF,I.P. – DCNF Norte, referiu que não procedia à emissão do respetivo parecer, informado que o concelho ... não integra a região norte, pelo que deveria ser consultado o ICNF-DCNF Centro, o que originou a realização de novas consultas (cfr. doc. n.º ... junto com a contestação);
Q) Em 04/10/2016 deu entrada na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, através do Sistema de Informação do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (SIRJUE) novo requerimento ...57, apresentado pelo A., submetido pelo município ... (cfr. fls. 175 a 286 do processo administrativo);
R) No âmbito do requerimento ...57, com os mesmos pressupostos do anterior requerimento, foi emitida nova decisão global, em razão da localização, no âmbito do artigo 13-A.º do RJUE, a qual foi favorável (cfr. doc. n.º ... junto com a contestação);
S) A CCDR informou, no que respeita à REN, não haver lugar à emissão de parecer no âmbito da REN, tendo em conta que a construção do muro é uma ação isenta de comunicação prévia face á tipologia da REN afetada e a área de estacionamento não colide com o RJREN (cfr. doc. n.º ... junto com a contestação);
T) Na sequência de uma denúncia apresentada em 14/10/2016, na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), por BB, relativa à construção de um parque de estacionamento em Reserva Ecológica Nacional, do Restaurante ... ..., relativo ao requerimento acima referido, situado na Rua ..., ...), freguesia e município ..., foram realizadas pela fiscalização da CCDRC, nos dias 02-11-2016 e 20/12/2016 deslocações ao local do referido estacionamento para análise da situação (cfr. fls. 415 a 422 do processo administrativo);
U) Em visita ao local, foi verificado que o ali requerente, ora A., havia procedido à remodelação do terreno, incluindo movimento de terras e executado os seguintes trabalhos não contemplados no requerimento que havia apresentado:
- Colocação de lancis de betão, assentes sobre fundação de betão, na delimitação de áreas ajardinadas e área destinada a estacionamento;
- Colocação de resíduos constituídos por material betuminoso em áreas de circulação;
- Execução de um sistema de drenagem de águas pluviais;
- Construção de viga de fundação em L, com o comprimento de 19X15m e 0,50m de largura (Cfr. fls. 477 a 486 do processo administrativo);
V) Em ação de fiscalização da CCDR, em 11/04/2017, foi contratado que “No local, foi verificado que tinham dado continuidade às obras e que estas se encontravam concluídas, como se pode observar nas fotografias anexas. O parque é constituído por vedação em murete de alvenaria de blocos de cimento com a altura variável de 0,80m a 1,00m, encimado com rede metálica, coberta com rede plástica, piso em blocos de pavê, caixa de areia delimitada por estrutura de tábuas de madeira, suportadas em estacas de madeira, rede de águas pluviais em placas de betão e grelhas de metal, candeeiros de iluminação. Nos espaços laterais e ao fundo (poente) junto aos muretes, foram efetuadas caixas com terra e brita de cobertura, em todo o comprimento, com plantação de oliveiras.
Verificada a cartografia da REN vetor, no munisigweb, constata-se que, efetivamente, o polígono do parque de estacionamento do “Restaurante ... ...” se encontra todo inserido no ecossistema da REN – “Áreas de Máxima Infiltração”, a que correspondem as “Áreas Estratégicas de Proteção e Recarga de Aquíferos”, junto ao limite do ecossistema “Dunas” atualmente designado por “Dunas Costeiras” (cfr. fls. 493 a 497 do processo administrativo);
W) Em 17/07/2017, o aqui A. deu entrada na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, através do Sistema de Informação do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (SIRJUE) uma consulta no âmbito do artigo 13-A.º do RJUE(OVR2017/00705), submetida pelo município ..., na qual pretendia a legalização das alterações ocorridas em obra quanto aos de muros e revestimento de área destinada a estacionamento, nomeadamente:
- Muro objeto de legalização com 28ml de comprimento por uma altura de 1,5m
- Muro objeto de legalização com 28ml de cumprimento por uma altura de 1.5m que serve também de suporte da duna existente;
- Pequena rede de recolha de águas pluviais (cfr. fls. 497 a 507 do processo administrativo);
X) O pedido de legalização passava a apresentar os seguintes parâmetros:
- Área total do terreno a intervir 9.224,88 m2
- Área do terreno a vedar 7.586,70 m2
- Muro já construído de vedação confinante com caminho privado a Norte (...) 85,43ml de comprimento e 0,20cm de largura
- Muros já construídos da vedação a Poente e a Sul 208,63ml de comprimento e 0,20cm de largura
- Muros a legalizar 28 ml
- Área de implantação do estacionamento 4.010,80 m2 (cfr. fls. 497 a 507 do processo administrativo);
Y) Sobre a pretensão do A. recaiu a análise técnica junta de fls. 497 a 507 do processo administrativo, a qual se tem por reproduzida, a qual emitiu parecer desfavorável à pretensão daquele, e de onde se extrai o segmento infra transcrito:
“(...)
Muros de vedação
Os muros de vedação e de suporte de terras constituem uma ação com enquadramento na alínea h) do Item I do Anexo II do RJREN.
Os muros construídos do lado norte, nascente e cerca de metade dos muros a sul da propriedade estão construídos numa área abrangida apenas pela tipologia “áreas estratégicas de proteção e recarga de aquíferos”, sendo que estes troços constituem uma ação isenta de apresentação de comunicação prévia e sem requisitos específicos a cumprir, nos termos da alínea h) do Item I do Anexo I da Portaria n.º 419/2012, de 20 de dezembro.
Contudo, ao contrário do que foi apresentado nas peças do pedido inicial, bem como nas peças agora apresentadas, praticamente todo o muro construído do lado poente bem como cerca de metade do muro a sul da propriedade se encontram construídos numa área onde se sobrepõem as duas tipologias de REN, sendo que estes troços dos muros de vedação constituem uma ação interdita face à tipologia “dunas”, pelo que não poderá ser viabilizada. (Ver imagens na página 411 do Processo Instrutor). (...)”
Z) A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional notificou o A., em sede de audiência prévia, rececionado em 03/10/2017, da seguinte proposta de ordem:
No prazo de 30 (trinta) dias, proceder à:
a) Demolição do muro de vedação que fica inserido na tipologia da REN “Dunas” (os muros a demolir, são os que se encontram identificados a vermelho, na figura 2 anexa);
b) Apresentação nestes Serviços, devidamente preenchidas, das cópias das guias de acompanhamento de resíduos resultantes da demolição, comprovando o seu envio para destino licenciado (modelo constante do Anexo I, da Portaria n.º 417/2008, de 11 de junho) (cfr. fls. 515 a 521 do processo administrativo);
AA) No prazo concedido para audiência prévia, o Autor não apresentou quaisquer alegações (Cfr. processo administrativo);
BB) Em 23/02/2018, foi proferido despacho pelo Sr. Vice-Presidente da CCDRC, pelo qual foi determinado ao mesmo para:
“No prazo de 30 (trinta) dias para proceder à:
1. Demolição do muro de vedação que fica inserido na tipologia da REN “Dunas” (os muros a demolir, são os que se encontram identificados a vermelho, na figura 2 anexa);
2. Apresentação nestes Serviços, das cópias dos certificados de receção dos resíduos de construção e demolição resultantes da demolição dos muros, comprovando o seu envio para destino licenciado, conforme art.º 16.º do D.L. n.º 46/2008, de 12 de março (Cfr. fls. 528 a 533 do processo administrativo).

2. MATÉRIA de DIREITO
No caso dos autos, delimitando o objecto do recurso, atentas, por um lado, as conclusões das alegações supra transcritas, por outro, as contra alegações e ainda a sentença recorrida, nos seus fundamentos e dispositivo, importa objectivar concretamente o dissídio que nos cumpre apreciar decidir, nos seguintes termos:
- nulidade da sentença --- als. b) e d) do n.º1 do art.º 615.º do Cód. Proc. Civil --- ainda que o A., por lapso certamente, faça alusão ao art.º 668.º do Cód. Proc. Civil, antecessor do art.º 615.º - Lei 41/2013, de 26 de Junho; e,
- erro de julgamento.
*
Adiantamos, desde já, que carece de total razão o recorrente, em toda a linha.
Aliás, reitera, desde a pi, a mesma tese, ignorando, desde logo, a argumentação propendida, quer em sede de contestação apresentada pela entidade recorrida, quer pelo M.º P.º, nos termos dos arts. 9.º, n.º 2 e 85.º, n.º 2 do CPTA – que mereceu a sua resposta discordante – e depois a análise efectivada pelo Sr. Juiz do TAF de Aveiro em sede de sentença de mérito, que, de forma assertiva, completa e fundamentada, deu resposta às questões colocadas nos autos.
Assim, evitando repetições desnecessárias, atenhamo-nos no discurso jurídico-fundamentador exarado na decisão judicial recorrida e que importa sindicar.
Dela consta – sublinhando nós as partes que temos por mais relevantes – o seguinte:
2. Do Direito
O autor peticiona pela presente ação a anulação do despacho de 23/02/2018, que lhe foi notificado em 28/02/2018, proferido pelo Sr. Vice-Presidente da CCDR Centro, que lhe determinou a demolição da parte do muro edificado por aquele que se mostra inserido na tipologia da Reserva Ecológica Nacional “Dunas”.
Para o efeito, alega que a decisão sindicada se mostra desproporcional, devendo ter sido antecedida da análise sobre a possibilidade de legalização do edificado objeto da ordem de demolição.
Cumpre apreciar.
A Reserva Ecológica Nacional viu o seu regime jurídico ser aprovado pelo Decreto-lei n.º 166/2008, de 22/08, entretanto alterado pelo Decreto-lei n.º 239/2012, de 2/11.
Define o artigo 2.º do Regime Jurídico da REN (RJREN), que esta é uma “estrutura biofísica que integra o conjunto das áreas que pela sensibilidade, função e valor ecológicos ou pela exposição e suscetibilidade perante riscos naturais, são objeto de proteção especial”, consistindo assim numa “restrição de utilidade pública, à qual se aplica um regime territorial especial que estabelece um conjunto de condicionamentos à ocupação, uso e transformação do solo, identificando os usos e as ações compatíveis com os objetivos desse regime nos vários tipos de áreas.”
No que se refere ao regime das áreas incluídas na REN, nos termos do artigo 20.º, n.º1 do RJREN, mostram-se interditos os usos e ações que se traduzam em: i) operações de loteamento, ii) obras de urbanização, construção e ampliação, iii) vias de comunicação, iv) escavações e aterros, e v) destruição do revestimento vegetal.
Exceciona o n.º 2 do mesmo artigo, os usos e ações que se mostrem compatíveis com os objetivos de proteção ecológica e ambiental e de prevenção e redução de riscos naturais de áreas integradas em REN, sendo que o n.º3 do referido artigo 20.º define como compatíveis com os anteditos objetivos, os usos e ações que, cumulativamente: “a) Não coloquem em causa as funções das respetivas áreas, nos termos do anexo I; e b) Constem do anexo II do presente decreto-lei, que dele faz parte integrante, nos termos dos artigos seguintes, como: i) Isentos de qualquer tipo de procedimento; ou ii) Sujeitos à realização de comunicação prévia;”.
Prescreve o artigo 39.º do RJREN, que compete, nomeadamente, “às comissões de coordenação e desenvolvimento regional, à Agência Portuguesa do Ambiente, I. P., aos municípios e às demais entidades competentes em razão da matéria ou área de jurisdição embargar e demolir as obras, bem como fazer cessar outros usos e ações, realizadas em violação ao disposto no presente decreto-lei” (cfr. n.º1), devendo as mesmas entidades “o cumprimento integral dos condicionamentos e medidas de minimização estabelecidos nos termos do n.º 2 do artigo 21.º quando se verifique o incumprimento ou cumprimento deficiente dos mesmos” (cfr. n.º2), podendo ainda determinar “o embargo e a demolição das obras, bem como fazer cessar outros usos e ações, que violem a autorização emitida pela comissão de coordenação e desenvolvimento regional, nomeadamente os termos e as condições que determinaram a sua emissão ou que foram nela estabelecidos e que, desse modo, ponham em causa as funções que as áreas pretendem assegurar” (cfr. n.º3).
A situação em causa nos autos prende-se com a edificação de muro inserido em área condicionada pela Reserva Ecológica Nacional (REN) de ..., aprovada e publicada pela Portaria n.º 126/2016, de 6 de maio, nos ecossistemas “áreas de máxima infiltração” e “dunas”, atualmente designados por “áreas de proteção e recarga de aquíferos” e “dunas costeiras”.
Na situação dos autos, viria a ser proferida ordem de demolição, ao abrigo do antedito artigo 39.º do RJREN, de parte do muro edificado, precisamente, na parte em que o mesmo se insere no ecossistema de “dunas”.
Efetuado o enquadramento legal da questão a apreciar, passemos à apreciação da alegação do autor.
Entende o mesmo que a demolição deverá funcionar como última ratio, não podendo esta ser ordenada sempre que se mostre possível o licenciamento da obra ou sujeição a comunicação prévia, nomeadamente mediante a realização de trabalhos de correção ou alteração.
Em face de tal, sendo o ato de demolição estritamente vinculado ao princípio da proporcionalidade, estava a entidade administrativa a emitir prévio juízo sobre a suscetibilidade de legalização, mesmo que o interessado não tivesse formulado procedimento de licenciamento.
Advoga o A. que, no caso em análise, a Administração não aferiu da suscetibilidade de se proceder à legalização do edificado, tendo aliás se pronunciado em sede de pareceres que a pretensão daquele era viável, dispensando inclusivamente a apresentação de comunicação prévia.
Refere ainda que procedeu à edificação do muro em causa ao abrigo de uma licença emitida pelo município ..., ainda que a mesma tenha sido indevidamente revogada.
Conclui alegando que o R. ordenou assim a demolição de um muro para o qual havia emitido parecer favorável, sem que tivesse previamente notificado o A. para a apresentação de comunicação prévia destinada à regularização da parte do muro objeto do ato impugnado.
Desde já se adianta que, em face da factualidade provada nos autos, a alegação do A. que se acabou de deixar exposta terá necessariamente de improceder.
Com efeito, a demolição de obras ilegais configura uma medida de exceção, devendo apenas ser ordenada enquanto última e indeclinável medida sancionatória da ilegalidade verificada. É o que resulta do artigo 106.º, n.º 2, do RJUE, que estabelece que “a demolição pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou objeto de comunicação prévia ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração”. Tal configura uma decorrência dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível decorrentes do princípio da proporcionalidade.
Resulta efetivamente da factualidade provada nos autos, que o A. apresentou junto da Câmara Municipal ... um requerimento visando o licenciamento de muros a edificar no prédio de que é proprietário, e que se mostra melhor descrito em A) do probatório.
A pretensão então apresentada mostrava-se inserida em zona REN, razão pela qual, mediante recurso à plataforma SIRJUE, o município ... apresentou uma consulta junto da CCDR Centro, nos termos do artigo 13.º-A do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-lei n.º 555/99, de 16/12 (RJUE).
Analisada a pretensão do A., conforme apresentada, concluiu então esta entidade que a mesma se mostrava sujeita às condicionantes de “áreas de proteção e recarga de aquíferos”, estando assim enquadrada na alínea h) do Item I, do Anexo II do citado RJREN, estando isenta da apresentação de comunicação prévia nos termos da subalínea i) da alínea b) do n.º 3 do artigo 20.º do referido diploma legal, pelo que não havia assim lugar à emissão de parecer no âmbito do RJREN [cfr. als. K), O), e S) dos factos provados].
Em face de tal, efetivamente, viria a ser emitido alvará de licença que titulava o muro em causa por parte da Câmara Municipal ....
Sucede porém, que o referido alvará viria a ser revogado pelo município.
Não obstante o A. alegar na presente ação que tal atuação se mostrava vedada, nos termos do artigo 167.º do CPA, este optou por não impugnar o ato em causa, razão pela qual o mesmo se consolidou, deixando o muro edificado de se mostrar respaldado num procedimento de controlo administrativo prévio.
Todavia, atenta a factualidade provada nos autos, verifica-se que o ato aqui impugnado não tem como causa a falta de licença supervenientemente verificada.
Com efeito, conforme resulta provado nos autos, na sequência de uma denúncia recebida na CCDR Centro, viriam a ser realizadas ações de fiscalização por esta entidade, que permitiram constatar que o muro edificado não correspondia àquele que havia sido objeto de licenciamento, e, sobretudo, objeto de consulta junto do referido organismo [cfr. als. Y) a V) do probatório]. Ademais, não só as obras realizadas iam para além daquelas submetidas a prévia apreciação pela apreciação, como a inserção de parte delas, no caso do muro, não se mostrava apenas inserido na condicionante de “Áreas Estratégicas de Proteção e Recarga de Aquíferos”, mas também no ecossistema de “Dunas Costeiras”.
Do que acabou de se referir, resulta evidente que, contrariamente ao que o A. pretende fazer crer, o parecer favorável emitido pela CCDR Centro assentou em pressupostos distintos daqueles que efetivamente se vieram a verificar no local, em que, parte do muro se situava igualmente no ecossistema de “Duas Costeiras”, realidade não considerada, porque não representada pelo A., aquando da análise realizada em sede de consulta via SIRJUE.
Assinale-se aliás, que antes da referida consulta à CCDR Centro, o A. havia questionado esta diretamente sobre a edificação dos muros em causa, tendo então assinalando parte do terreno como abrangido pela zona de proteção das dunas. Todavia, como resulta da memória descritiva subsequentemente apresentada, e na sequência de reuniões com os técnicos daquele organismo, os técnicos do A., por forma a não enfrentarem as condicionantes legais que incidiam sobre a mesma localização, afirmaram que a pretensão passaria a incidir unicamente na porção de terreno “não abrangida pelas dunas protegidas”. Com base na referida premissa, a CCDR Centro afirmou então não estar a pretensão sujeita a comunicação prévia.
Daqui se conclui que, sabendo das condicionantes que a sua pretensão estava sujeita por estar enquadrada no ecossistema de “Dunas Costeiras”, o A. alterou a pretensão apresentada perante a CCDR Centro, não obstante ter vindo a edificar um muro em desrespeito do que havia submetido a análise por esta entidade.
Assim, desde logo improcede a alegação do A. de que a Administração se havia pronunciado favoravelmente à pretensão ora objeto de demolição.
Não obstante o artigo 102.º-A do RJUE prescrever que, nos casos em que tenha lugar a realização de operações urbanísticas ilegais, se se mostrar possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares em vigor, a Câmara Municipal notifica os interessados para a legalização das operações urbanísticas, e contrariamente ao que refere o autor, mostra-se provado nos autos que este diligenciou já pela legalização da edificação, o que foi submetido a análise pelos serviços técnicos da CCDR Centro [cfr. als. W) e X) do probatório].
Foi aliás com base na referida análise que o ato impugnado viria a ser proferido. Perscrutada aquela, a mesma conclui que a pretensão em causa não é suscetível de ser viabilizada em face de se estar perante uma edificação – muro de vedação, interdita face à tipologia “dunas”.
Efetivamente, nos termos do artigo 20.º, n.º 1 do RJREN, nos ecossistemas de “dunas costeiras e dunas fósseis”, de acordo com o Anexo II do Decreto-lei n.º 166/2008, de 22/08, a ação em causa – edificação de muros, mostra-se interdita, razão pela qual não é suscetível de ver legalizável.
Não se estando perante uma operação urbanística legalizável, a ordem de demolição configura uma atuação vinculada da Administração, imposta pela obediência devida ao princípio da legalidade. Acrescente-se que, a ordem de demolição proferida abrange apenas a parte do muro que se insere no ecossistema de “dunas costeiras”, e que por isso, contrariamente ao restante, não será legalizável, mostrando-se pois adequada e proporcional.
Em face de tudo quanto se deixou exposto, não se julgando procedente qualquer um dos vícios imputados pelo autor ao ato impugnado, improcede assim a presente ação.
…” .
**
Quanto às nulidades.
Sem necessidade de repetirmos a dogmática jurídica acerca das nulidades sentenciais questionadas – sobeja e correctamente constantes quer do Parecer do M.º P.º - art.º 146.º, n.º1 do CPTA – quer pelo Ministério da Coesão Territorial em sede de contra alegações Referindo, apenas, que se mostra jurisprudencialmente incontroverso que apenas haverá omissão de pronúncia sempre que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. Aliás, numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido, pois que, uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista, além de que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.

, importa apenas referir que a sentença recorrida se não ignorou os factos provados que objectiva e exaustivamente elencou, nomeadamente os documentos ns ..., ..., ... e ... juntos com a pi, também não deixou de efectivar uma fundamentação assertiva acerca da objectiva fixada factualidade e que, aliás, o recorrente não questiona indicando a essência da sua razão dissídica - art.º 640.º do Cód. Proc. Civil.
Assim, não se verifica nenhuma das nulidades imputadas à sentença do TAF de Aveiro, antes a tese repetidamente apresentada pelo A./Recorrente quando muito relevaria em sede de erro de julgamento, que de seguida analisaremos.
**
Quanto ao erro de julgamento
Adiantamos, desde já, que inexiste qualquer erro na apreciação criticada do recorrente, em relação à sentença recorrida.
Embora todo o muro construído se encontre localizado em área de REN, o certo é que parte dele se encontra localizado em zona especialmente protegida, concretamente em zona de dunas costeiras que a lei especificamente protege e onde se impede qualquer obra humana e assim manifesta e objectivamente ilegalizável qualquer obra aí construída – art.º 39.º, n.º4 do Dec. Lei 166/2008, de 22 de Agosto, alterado pelo Dec. Lei 239/2012, de 2 de Novembro.
Efetivamente a CCDR – Centro, concluiu que praticamente todo o muro construído do lado poente bem como cerca de metade do muro a sul da propriedade se encontram construídos numa área onde se sobrepõem as duas tipologias de REN, sendo que estes troços dos muros de vedação constituem uma ação interdita face à tipologia “dunas”, pelo que nunca poderia ser viabilizada.
Assim, contrariamente ao defendido pelo recorrente, não só as obras realizadas iam para além daquelas submetidas a prévia apreciação pela CCDR, como a inserção de parte delas, no caso do muro, não se mostrava apenas inserido na condicionante de “Áreas Estratégicas de Proteção e Recarga de Aquíferos”, mas também no ecossistema de “Dunas Costeiras”.
Nessas zonas, o normativo legal aplicável impede, de todo, qualquer obra pelo que, ainda que não objectivamente identificados os desvios, excepções - alegados apenas nesta sede recursiva – a respectiva demolição impõe-se como ultima e única ratio, sem que se possa imputar-lhe qualquer juízo de desproporcionalidade.
Fixadas legalmente as zonas de REN, nada impede que a construção/manutenção de determinada obra, v.g. muro de vedação, seja, em determinada zona/área, permitida e não noutra; tudo, obviamente, depende da efectiva localização; estando a parte em questão objectivamente inserida em zona REN – dunas costeiras – nenhuma construção, seja mesmo um muro de vedação, ali pode ser construída/mantida, sendo inócua para o caso a argumentação referente a porventura errada classificação de protecção ambiental.
*
Importa, assim sem mais – na medida em que a repetitiva alegação do A./Recorrente não importa acrescida fundamentação -, em negação de provimento ao recurso, manter a decisão judicial do TAF de Aveiro.
III
DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e assim manter a sentença recorrida.
*
Custas pelo recorrente.
*
Notifique-se.
DN.

Porto, 24 de Março de 2023
Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho