Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00063/12.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/30/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INOBSERVÂNCIA DA SUA FUNDAMENTAÇÃO
IMPOSSIBILIDADE DE SINDICÂNCIA DO ERRO DE JULGAMENTO
Sumário:A inobservância do dever legal de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e, mais concretamente, a falta de referência e da análise crítica dos meios de prova, faz com que o tribunal de recurso fique impedido de sindicar o erro de julgamento invocado pela Recorrente.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:J...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 30/10/2016, que julgou procedente a oposição deduzida por J…, NIF 1…, residente na Rua…, Viseu, instaurada contra a devedora originária, a sociedade comercial “R…, Sociedade de Construções, Lda.”, NIPC 5…e posteriormente contra ele revertida, na qualidade de responsável subsidiário, o qual tem por objecto a cobrança de dívidas de IVA, no montante de € 609.720,78 euros.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso do despacho interlocutório proferido em 12/11/2012 formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
A - Incide o presente recurso, por dela discordar, sobre a douta sentença que julgou totalmente procedente a oposição apresentada nos autos, por falta de legitimidade do Oponente como responsável subsidiário quanto à dívida exequenda, com a consequente extinção do processo de execução fiscal n.º 3700201001004557 relativamente a este.
B - A convicção do Tribunal a quo relativamente aos factos provados resultou “da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos…e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos. O depoimento das testemunhas não influi na presente sentença, ou seja, a decisão é a mesma independentemente da análise dos depoimentos, pelo que este Tribunal absteve-se de apreciar os mesmos, pois redundaria num ato inútil.”
C - Não obstante a circunstância das diligências de prova, designadamente a inquirição das testemunhas arroladas, cujo depoimento ficou registado em ata, não terem sido dirigidas pelo juiz que proferiu a sentença, na qual incorporou a decisão sobre a matéria de facto, não constituir nem nulidade da sentença nem nulidade processual – Cfr. artºs 125º do CPPT e 615º e 195º do CPC; a verdade é, que nos presentes autos, segundo a sentença ora em apreço, o Tribunal assentou a sua convicção apenas na prova documental junta aos autos, não tendo fixado qualquer factualidade resultante da inquirição das testemunhas arroladas, cujo depoimento se absteve de analisar, por reputar de ato inútil; não tendo analisado criticamente as provas ao seu dispor, nem especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, conforme lhe é exigido pelo artigo 607º do CPC.
D - A análise crítica da prova testemunhal é absolutamente inexistente: o Tribunal limita-se a dizer que ela não foi útil, sem esclarecer minimamente quais os motivos que o levaram a concluir dessa forma (não os desenvolve nem sequer os identifica), quando estava obrigado a especificar com clareza que elementos concretos o inclinam para a valorização de determinadas provas e para a desvalorização de outras.
E - E a circunstância de o Tribunal a quo ter omitido qualquer explicação das razões pelas quais julgou inúteis os depoimentos das testemunhas inquiridas, nada tendo dito no sentido de explicitar o seu peso relativo por confronto com os restantes meios (documentais), inviabiliza o acompanhamento do raciocínio do julgador, na parte da resposta à matéria de facto não provada; não estando em causa saber em que medida os depoimentos testemunhais relevaram para a decisão de dar como provados determinados factos, mas saber porque é que esses depoimentos testemunhais não foram aproveitados para dar como provados outros factos.
F - Em causa está saber se a afirmação transcrita satisfaz ou não o comando do artigo 607º do CPC e do art. 125º do CPPT, uma vez que o Tribunal a quo se limitou a dizer que a prova testemunhal produzida não foi útil, sem esclarecer minimamente os motivos que o levaram a concluir dessa forma. E, ainda que considerando que a factualidade que o juiz está obrigado a discriminar se circunscreve à factualidade relevante para a decisão (art.596º do CPC), e que os factos alegados que o juiz não considere relevantes não têm que ser discriminados na sentença (a sua discriminação faz-se por exclusão); a verdade é que se a matéria factual alegada que o tribunal recorrido não apreciou é relevante para a decisão a proferir, há erro de julgamento sobre a irrelevância desses factos e consequente omissão de pronúncia sobre questões de facto que o juiz não apreciou e deveria ter apreciado, o que constitui nulidade da sentença – artigo 125º, nº 1, do CPPT.
G - A sentença faz uma aplicação do direito aos factos que erra quanto à factualidade que se deveria ter dado por provada e dos autos não sobra qualquer dúvida de que todo o circunstancialismo demonstrado pela Fazenda Pública deve orientar o julgador no sentido contrário da decisão tomada, ocorrendo erro de julgamento, por ter decidido o Tribunal a quo em desconformidade com a realidade factual, errando na valoração da prova: o douto tribunal a quo conclui que o recorrido é parte ilegítima na execução, considerando que a AT não demonstrou que o oponente exerceu, de facto, a gerência, e que aquele não exerceu a gerência efectiva da devedora originária no período em causa nos autos (de constituição e pagamento das dívidas tributárias), decidindo pela ilegitimidade do Oponente na reversão contra si efetuada porquanto considera que a renúncia à gerência da sociedade devedora originária em 23/12/2005 foi fator suficiente para o afastar de qualquer responsabilidade relativamente ao não pagamento das dívidas exigidas nos autos.
H - Conclusões incompreensíveis à luz dos factos não levados ao probatório e sobre os quais, consequentemente, não foram extraídas quaisquer consequências: porquanto não obstante existir uma renúncia formal à gerência em 23/12/2005, constam dos autos declarações de A… e José… (precisamente duas das testemunhas arroladas pela Fazenda Pública) que atestam o exercício de funções de gerência de facto da executada devedora originária.
I - Como evidenciada está a co-gestão, pelo aqui Oponente, das sociedades I…, L.da e V…, L.da; sócias da executada originária devedora até 14/02/2007.
J - A renúncia formal ao cargo de gerente, ocorrida em 23/12/2005, tem reflexos na titularidade de direito, mas em nada releva para o exercício de facto dessas mesmas funções, que, como se infere dos factos devidamente atestados documentalmente continuou após aquela data. Assim, o douto tribunal ao considerar que o oponente não é parte legítima na execução por ter renunciado à gerência em 23/12/2005, errou no seu julgamento, pois, resultam dos autos evidências objectivas e seguras que manteve o exercício daquelas funções após a data da renúncia formal ao cargo.
K - A oposição deveria improceder e consequentemente a execução fiscal deveria prosseguir os seus normais termos até final, julgando-se o recorrido parte legítima para a execução fiscal, devendo prosseguir a citada execução contra aquele enquanto responsável subsidiário. E nem se diga (como faz a sentença aqui em apreço) que não vem invocado no despacho de reversão “qualquer factualidade que permita imputar ao revertido qualquer culpa pela eventual insuficiência do património da sociedade para o pagamento das dívidas em execução.”
L - Desde logo, porque tal não corresponde à verdade e, depois, como se colhe do aresto de 16-10-2013, Proc. 0458/13, que traduz jurisprudência do Pleno do STA, não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efetivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reação do visado, a AT terá então (na contestação à oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efetivo exercício da gerência.
M - Nesta sequência, e sendo consequente com o exposto, caberia indagar da posição assumida pela AT quanto a esta matéria no âmbito da contestação presente nos autos. Na sua contestação, a AT alega, além do mais, que em última instância, sempre seria possível, de facto, determinar a atuação da originária devedora por via da posição gestionária detida em ambas as empresas (sócias únicas daquela).
N - A responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto. Inexistindo qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
O - No entanto, como se refere no acórdão do STA de 10/12/2008, recurso nº 861/08, “o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum. E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido.
P - Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal. Isto é, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que o revertido tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Q - Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar. E é justamente a relevância de factos oportunamente alegados e que a douta sentença não considerou – e o correspondente erro de julgamento – que invocamos ao afirmar que na sentença foram julgados inúteis os depoimentos das testemunhas e que todo o circunstancialismo demonstrado devia ter levado à conclusão de que o oponente exerceu a gerência de facto. O depoimento das testemunhas assim o demonstra.
R - Tendo presente que se discute nos autos a legitimidade do oponente na execução fiscal, que se procurou, através da prova testemunhal indicada, demonstrar, precisamente, o exercício da gerência de facto, como resulta da contestação e das alegações apresentadas pela Fazenda Pública e resultando da ata de inquirição de testemunhas, que as mesmas depuseram sobre esta factualidade, o Tribunal a quo veio a consignar que “O depoimento das testemunhas não influi na presente sentença, ou seja, a decisão é a mesma independentemente da análise dos depoimentos, pelo que este Tribunal absteve-se de apreciar os mesmos, pois redundaria num ato inútil.”
S - Foram alegados factos concretos no sentido de demonstrar a gerência de facto, sendo que a sentença não discriminou qualquer factualidade provada ou não provada a esse respeito, isto apesar de terem sido inquiridas as testemunhas e de a sentença ter elegido como questão a decidir a ilegitimidade do oponente.
T - A designada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros.
U - Assim sendo, parece claro que os factos alegados pela Fazenda Pública no sentido de demonstrar a continuidade da gerência de facto não obstante a renúncia à de direito, sobre os quais recaiu a prova testemunhal, eram relevantes – dir-se-á determinantes – para a decisão da causa.
V - Mal andou o tribunal quando não fixou qualquer factualidade resultante da inquirição das testemunhas arroladas, considerando que do seu depoimento nada havia resultado de útil. Há, por isso, erro de julgamento sobre a (ir)relevância desses factos para a decisão.
W - Dos autos resulta que a execução fiscal contra a qual vem dirigida a presente oposição, foi revertida contra o oponente ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, por não se ter provado não lhe ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando “o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício da gerência do cargo”. Embora as liquidações que subjazem às dívidas exequendas se reportem a factos tributários dos anos de 2005 e 2006, como resulta dos autos, o prazo para pagamento voluntário dessas dívidas terminou em 31/12/2009.
X - Por outro lado, foi dado como provado nos autos que “Na descrição da matrícula da sociedade comercial R…, L.da, consta … na Av.1 – AP 8/2006013 a cessação de funções de gerente do aqui oponente desde 23.12.2005, por renúncia” [cf. ponto 6 do probatório], pelo que, na data do vencimento de tais dívidas, o oponente já não era sequer gerente de direito da sociedade devedora originária.
Y - Todavia, o facto de o oponente já não ser gerente de direito da sociedade executada na data em que as dívidas se venceram não obsta que o mesmo possa ser responsabilizado pelas mesmas, pois, como resulta do citado artigo 24º da LGT [onde se refere expressamente “pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração”], o que é decisivo para se afirmar a responsabilidade subsidiária dos gerentes é a demonstração do exercício efectivo ou de facto da gerência, não se exigindo sequer a denominada gerência nominal ou de direito - cf., entre outros, acórdão do TCAN de 14/1/2010, Processo nº 82/03.
Z - O que se constata no caso vertente, quer face à prova testemunhal quer face à prova documental que é confirmada pela análise dos elementos presentes nos autos, é que deveria o Tribunal ter dado a predita factualidade como provada, pelo que, tendo o Tribunal recorrido omitido a pronúncia decisória que era devida quanto a esta factualidade, há que ampliar tal matéria, uma vez que os autos contêm os elementos probatórios necessários para o efeito – uma vez que tal matéria se afigura como fulcral para a decisão da causa de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito.”

Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso e, consequentemente, anulada a sentença recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia acerca da matéria de facto, em erro quanto ao julgamento da matéria de facto, no que concerne à sua selecção, e ponderar se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento por omissão de valoração da prova e, consequentemente, em erro de direito quanto à ilegitimidade do Oponente.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Com interesse para a decisão a proferir considero provados os seguintes factos:
1. Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viseu levaram a cabo uma ação de inspeção à sociedade comercial “R…, Lda.”, relativa aos exercícios económicos dos anos 2005 e 2006, da qual resultaram correções meramente aritméticas em IVA. – Cfr. fls. 29 e ss. dos autos (processo físico – PF).
2. Contra a sociedade comercial “R…, Lda.”, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Viseu, o processo de execução fiscal n.º 3700201001004557, para cobrança coerciva de dívidas de IVA, relativas aos anos 2005 e 2006, cujas liquidações têm data limite de pagamento 31.12.2009, juros de mora e custas processuais, no montante global de € 609.720,78 euros. – Cfr. fls. 12 e ss do PF.
3. As dívidas em causa que estão a ser cobradas no processo de execução fiscal referido em 2., tiveram origem nas correções meramente aritméticas que resultaram da ação de inspeção referida em 1. – Por admissão.
4. Por despacho de 18.01.2011, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Viseu, que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi a execução fiscal revertida contra o Oponente, tendo tal despacho, nomeadamente, o seguinte teor:
“Atento ao teor da informação que antecede e pela análise de todo o processado constante nos autos, constata-se a inexistência de bens penhoráveis pertencentes à originária devedora "R… LDA", NIPC: 5….
As informações oficiais prestadas e documentadas no processo referem que:
1- A sociedade iniciou a sua actividade, para efeitos fiscais em 2004-09-01, com a actividade principal de "Construção de Outras Obras";
2 - A actividade para efeitos de IVA e de IRC foi cessada oficiosamente reportada a 2006-12-26, nos termos do nº 6 do artigo 8º do CIRC e nº 3 do artigo 33° do CIVA, não estando registada a dissolução e encerramento da liquidação:
3 - O valor da quantia exequenda em dívida, ascende a € 609. 720,78 e diz respeito a Imposto sobre o Valor Acrescentado do ano de 2005 e 2006, resultante do apuramento de imposto em falta pela Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viseu;
4 - Todas as notificações efectuadas no âmbito da acção de inspecção, assim como as liquidações que deu origem, foram enviadas para a morada constante do cadastro;
5 - A sociedade foi declarada insolvente, em 2010-02-03, no Processo 1659/08.6TBVIS, do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Viseu;
6 - A insolvência teve carácter limitado, previsto no art. 191° do CIRE;
7 - Desde a constituição da sociedade, devidamente matriculada sob o n.º 507080416 na Conservatória do Registo Comercial de Viseu, correspondendo à anterior matricula nº 5523/2004-04-31, são sócios, da executada:
- imagem omissa -
8 - Segundo a informação existente neste serviço de Finanças e como consta da fotocópia não certificada, emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Viseu, da matrícula de folhas 214 a 221 são/foram gerentes, os seguintes:
- imagem omissa -
(…)
10- Para além da documentada gerência de direito, constatou-se, que os gerentes supra identificados, exerceram as funções de gerência de facto da executada, nos períodos indicados, regulando, conduzindo e representando a vida da mesmna e dando-lhe visibilidade.
Tal constatação assenta em informações recolhidas:
- no Serviço de Finanças
- junto da lnspectora Tributária, Dra Andrea…, que efectuou a fiscalização à executada e que originou a presente dívida;
- através de declarações efectuadas, por clientes e trabalhadores da Executada, dos quais anexamos cópia:
- António…, sócio gerente da empresa D…, Lda. NIPC 5… (folhas 195 a 202)
- A…, NIF 2…- prestador de Serviços à Executada (folhas 204 a 206).
- José…, sócio gerente da sociedade M… Lda NIPC 5…. (folhas 250 a 258).
11 - Requer-se a averiguação das respostas ao questionário enviado por MARIA…, NIF 1…, uma vez que a assinatura constante a folhas 190 a 194, em nada se assemelha à outra, onde a contribuinte se dirige ao Serviço de Finanças, em resposta a um pedido de penhora que integra o PEF 1700200601024027 e apensos, a folhas 246 a 248, dos presentes autos;
12 - Após ter identificado o Sr P…, como gerente da executada, e no seguimento do pedido de cópias de contratos e outros elementos comprovativos do exercido da sua gerência, veio a ASSOCIAÇÃO…, NIPC 5…, afirmar que as informações prestadas ao primeiro questionário, são incorrectas;
13 - Não possuindo, até ao momento, elementos que comprovem que o Sr. P…, exerceu de facto a gerência da executada, não lhe será imputada, para já, a responsabilidade subsidiária;
(…)
16 - Nos termos dos art. 23º e 24° da LGT são responsáveis pela dívida os gerentes de direito e de facto, nos períodos correspondente:
- M…, NIF: 1…, casado, com domicílio fiscal na Estr. Principal…, Viseu, na importância de € 224.253,65 correspondente às dívidas de IVA e Juros Compensatórios dos períodos de 1°, 2° e 3° trimestres de 2005;
- J…, NIF: 1…, casado, com domicílio fiscal no …, 3670-058 CAMPIA na importância de € 609.720,78, correspondente às dívidas de IVA e Juros Compensatórios do ano de 2005 e 2006. Apesar de ter renunciado à gerência, registada na Conservatória em 23 de Dezembro de 2005, continuou a exercer essas funções, como se pode comprovar no ponto 10 da informação.
- C…, NIF: 1…, divorciada, com domicílio fiscal na Rua…3510- 120 Viseu, na Importância de € 385.467,13, correspondente às dívidas de IVA e Juros Compensatórios do 4° trimestre de 2005 e ano de 2006;
Toda a informação antes referida, fundamenta-se no seguinte:
- Fotocópia de teor da matrícula da sociedade emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Viseu (folhas);
- Fotocópia da declaração de início de actividade, apresentada em 2004-08-30 no 2° Serviço de Finanças de Viseu, onde são identificados como gerentes da executada o Sr M… e o Sr. J… (folhas 223 a 226);
- Fotocópia da escritura de constituição da sociedade, do 1º Cartório Notarial de Competência Especializada de Viseu, em 2004-08-27 (folhas 227 a 230);
- Fotocópia do pedido de certificado de admissibilidade de firma (folhas 231 e 232)
- Cópia da citação e da sentença da declaração de insolvência da executada, Processo nº 1659/08.6TBVIS (folhas 169 a 173);
- Cópia do relatório de inspecção, ordem de serviço nº 01200800052, da Direcção de Finanças de Viseu, (folhas 18 a 129)
- Cópia do Auto de declarações do Sr. A…, NIF 2…, em 16/09/2008, no âmbito da Inspecção Tributária (folhas 204);
- Cópia da factura 252 de A…, emitida em 23 de Fevereiro de 2006, à executada (folhas 205);
- Cópia do Auto de declarações do Sr. Carlos…, NIF 2…, na qualidade de TOC da executada, de 23/06/2009 (folhas207);
- Cópia do Auto de declarações da Sra. C…, NIF 1…, na qualidade de gerente da executada, de 04/09/2009 (folhas 208);
- Cópia do contrato entre a T…, SA e a R…, assinado pela Sra. C…, de 1 de Setembro de 2006, na qualidade de gerente (folhas 233 a 237);
Perante a informação que antecede, concluiu-se que os sócios gerentes, M… NIF: 1…, J…, NIF: 1…e C….l, NIF: 1…, são os responsáveis pelos actos decorrentes da actividade da devedora originária, nomeadamente no que diz respeito ao período de origem das dívidas em execução nos autos.
Projectado esse sentido de decisão, foi, por meu despacho, datado de 10 de Novembro de 2010, produzido de fls. 266 a 269, que antecedem, determinado que se desse cumprimento ao disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), tendo em vista a observância do n.º 4 do art.º 23.º da mesma LGT.
Assim se cumpriu, tendo os interessados, identificados no ponto 16 da informação, feito o uso do seu direito de audição prévia.
Analisado o teor das petições entregues por cada um dos virtuais revertidos, verifica-se, no que concerne ao apuramento da responsabilidade subsidiária, que não foram acrescentados novos elementos que contrariem o despacho de projecto de reversão, pois nenhum apresenta qualquer prova documental e/ou testemunhal do que afirma. É comprovada a gerência de facto da devedora originária, quer da Sra C…, quer do Sr. J…, pelos períodos já invocados, através de todo o processado incluso nos autos.
Relativamente ao sócio gerente M…, e tendo em conta o alegado, apenas será imputada a responsabilidade pelo 1º Trimestre de 2005, cujo prazo de entrega da declaração, decorreu no período da sua gerência.
Tomando em consideração os períodos do exercício da gerência, por parte de cada um dos responsáveis subsidiários antes identificados, e constatada a inexistência de bens da originária devedora, tendo como fundamento legal o disposto no artigo 153.º, n.º 2, alínea a) do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), ORDENO A REVERSÃO DA EXECUÇÃO contra os subsidiários responsáveis:
- M…, pelo 1º trimestre de 2005 de IVA e Juros Compensatórios, na quantia exequenda de € 70.161,49 (setenta mil, cento e sessenta e um euros e quarenta e nove cêntimos),
- C…, pelo 4° trimestre de 2005 e ano de 2006, na quantia exequenda de € 385.467, 13 (trezentos e oitenta e cinco mil, quatrocentos e sessenta e sete euros e treze cêntimos),
- J…, pela totalidade da dívida nos presentes autos, na quantia exequenda de € 609.720,78 (seiscentos e nove mil, setecentos e vinte euros e setenta e oito cêntimos), nos termos dos artºs 23° e alínea b) do nº 1 do 24° da Lei Geral Tributária (LGT).
A decisão agora produzida funda-se na presunção legal de culpa, baseada nas informações oficiais e provas documentais inclusas nos autos, que os interessados não contrariaram de forma comprovada e inequívoca.
Os períodos de vigência da legislação invocada, vigoram não só para o período a que respeita a dívida, como também para aquele em que decorreu o respectivo prazo legal de pagamento.
Atenta a fundamentação supra, proceda-se à citação dos executados por reversão, nos termos do art.º. 160° do CPPT, tendo em atenção o disposto no artº. 191º, n.º 3 do mesmo Código, para pagarem no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n.º 5 do art.º 23º da LGT).
Deverão ficar cientes de que, conforme o determinado no art.º. 160º do CPPT, caso o pagamento não seja efectuado dentro do prazo para a oposição, ou se decaírem em oposição deduzida, suportarão, além das custas a que derem causa, as que forem devidas pela originária devedora.
(…)”. – Cfr. fls. 149 e ss. do PF.
5. Foi enviado ao ora Oponente ofício de citação da reversão, que aqui se dá por reproduzido, o qual foi remetido através de carta registada com aviso de receção. – Por admissão.
6. Na descrição da matrícula da sociedade comercial R…i, Lda., consta na insc. 1 – AP. 18/20040831 a designação de gerente do aqui Oponente e consta na Av. 1 – AP 8/20060103 a cessação de funções de gerente do aqui Oponente, desde 23.12.2005, por renúncia. – Cfr. fls. 137 e ss. do PF.

IV.2. Factos não Provados:
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.
IV.3. Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos.
O depoimento das testemunhas não influi na presente sentença, ou seja, a decisão é a mesma independentemente da análise dos depoimentos, pelo que, este Tribunal absteve-se de apreciar os mesmos, pois redundaria num ato inútil.
A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito.

2. O Direito

A Recorrente invoca nas suas alegações a nulidade da sentença, referindo que a mesma não apreciou a prova testemunhal, omitindo a análise de factos e pronúncia sobre os mesmos.
A sentença/decisão pode padecer de vícios de duas ordens:
Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação.
Por outro lado, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º, do Código de Processo Civil (CPC), na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26/6, correspondente ao anterior artigo 668.º do CPC.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 660.º, n.º 2 do CPC (actual artigo 608.º, n.º 2), que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Ora, na sentença recorrida refere-se expressamente que, após analisados o pedido e a causa de pedir, as questões a decidir, pela ordem indicada, eram a ilegitimidade do Oponente e a ilegalidade da liquidação. A ilegitimidade do Oponente foi apreciada na decisão recorrida, tendo a oposição sido, precisamente, julgada procedente por falta de legitimidade do Oponente como responsável subsidiário quanto à dívida exequenda. Além do mais, menciona-se expressamente na mesma decisão que, em face do exposto, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos termos do artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
Nesta conformidade, o tribunal recorrido tomou posição sobre a questão da ilegitimidade do Oponente colocada nos autos e refere, de forma expressa, que o conhecimento das demais questões ficou prejudicado em face da solução dada ao litígio, inexistindo, portanto, nulidade por omissão de pronúncia.
Efectivamente, em princípio, a não apreciação da prova testemunhal poderá constituir erro de julgamento. Contudo, também contende com a fundamentação da própria decisão da matéria de facto, dependendo dos fundamentos invocados para a sua desconsideração, podendo ocorrer omissão de fundamentação quanto a factos essenciais para a decisão da causa (artigo 712.º, n.º 5 do CPC) ou mesmo ausência total de fundamentação por a mesma se apresentar ininteligível (sendo nula, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea b) do CPC).
Assim, tendo sido suscitado erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto, importa iniciar a apreciação pela fundamentação constante da decisão recorrida.
Esta considerou provado, com interesse para a decisão, com base em prova documental que referiu, a designação de gerente do Oponente e a cessação de funções de gerente do aqui Recorrido, desde 23/12/2005, por renúncia; tendo, ainda, reproduzido o teor do despacho de reversão.
No que tange aos factos não provados, utilizou a seguinte fórmula: “Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.”
Na motivação da decisão da matéria de facto consta o seguinte:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos.
O depoimento das testemunhas não influi na presente sentença, ou seja, a decisão é a mesma independentemente da análise dos depoimentos, pelo que, este Tribunal absteve-se de apreciar os mesmos, pois redundaria num ato inútil.
A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito.”
Apreciemos, na linha do que vem sendo decidido por este Tribunal Central Administrativo Norte – cfr., a título de exemplo, os Acórdãos proferidos em 27/02/2014, proc. n.º 409/06.6BEPNF; em 17/04/2015, proc. n.º 735/09.2BEPNF; em 30/04/2015, proc. n.º 36/05.5BEPNF; em 30/04/2015, proc. n.º 730/09.1BEPNF:
O julgamento da matéria de facto é um momento essencial da realização da justiça constitucionalmente cometida aos tribunais. De acordo com o disposto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O juiz tem, por isso, o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT.
Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida. “Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado - e, de certa maneira, objectivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça” – cfr. J. Pereira Baptista, in Reforma do Processo Civil, 1997, páginas 90 e seguintes.
O exame crítico da prova deve consistir, pois, na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro. O julgador não se deve limitar a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos (v.g. “prova testemunhal” ou “prova por documentos”), impondo-se-lhe que analise criticamente essa prova produzida. O tribunal deve justificar os motivos da sua decisão quanto à matéria de facto, declarando por que razão deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares, etc. Quer dizer: não basta apresentar, como fundamentação, os simples meios de prova, v.g., “os depoimentos prestados pelas testemunhas e a inspecção ao local”, sendo necessária a indicação das razões ou motivos porque relevaram no espírito do julgador - cfr. António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, 2ª, edição, a págs. 253 a 256.
Em suma, a fundamentação de facto não se deve limitar à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre os pontos da matéria de facto – cfr. Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, 6ª edição, 2011, Vol. II, pág. 321.
Num processo em que foram ouvidas testemunhas e produzida outra prova, nomeadamente, documental, é essencial o tribunal proceder ao exame crítico das provas. In casu, tal não se verificou, resultando de todo inviabilizada a percepção dos motivos da decisão ou, dito de outra forma, das razões que levaram o tribunal a decidir como decidiu.
Não podemos deixar de reter, como é doutrina e jurisprudência maioritária, que só ocorre nulidade quando faltem em absoluto os fundamentos de facto em que assentou a decisão. Apenas a total e absoluta ausência de fundamentação de facto afecta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada - cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139/140 e Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, pág. 687.
Todavia, como alerta o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão. Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Como se afirmou no acórdão do TCAN, desta Sessão, de 27/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 409/06.6BEPNF, “(…) a inobservância do dever legal de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e, mais concretamente, a mera referência genérica aos meios de prova que a terão suportado e a falta da análise crítica dos mesmos, faz com que o tribunal de recurso também fique impedido de sindicar o erro de julgamento invocado pela recorrente. Tal decisão de facto é, assim, ininteligível, o que é equivalente à falta absoluta de fundamentação.”
No presente caso, a Recorrente assaca erro de julgamento sobre a matéria de facto à sentença recorrida, impugnando a mesma, pretendendo que seja reapreciada a prova produzida, que sejam seleccionados outros factos e valorada a prova testemunhal.
É pacífico na nossa jurisprudência ser decisivo para se afirmar a responsabilidade subsidiária dos gerentes a demonstração do exercício efectivo ou de facto da gerência, não se exigindo sequer a denominada gerência nominal ou de direito.
Compulsada a transcrição da fundamentação constante da decisão de reversão, bem como os factos alegados pela Fazenda Pública, verificamos estar em causa a eventual continuidade da gerência de facto por parte do Recorrido, não obstante a sua renúncia à gerência de direito em 23/12/2005.
Efectivamente, na motivação do despacho de reversão, refere-se, quanto a J…, que, apesar de ter renunciado à gerência, registada na Conservatória em 23 de Dezembro de 2005, continuou a exercer essas funções, como se pode comprovar no ponto 10 da informação.
Por este motivo, o Oponente acentuou, na sua petição de Oposição, ter exercido a actividade de gerência da devedora principal desde a sua constituição até 23/12/2005, data em que renunciou a essas funções, esclarecendo que, por motivos pessoais e de saúde é que abandonou a gerência, tendo sido substituído por sua filha, C…, o que não implica que tenha mantido a actividade de gerência, da qual, pelas referidas razões se afastou completamente. Acrescentou que as alusões a contactos com os representantes da M… e o Sr. A… não decorrem do exercício de gerência, mas da simples circunstância da devedora principal ter feito trabalhos, executados pelos referidos senhores, em obras a que o oponente estava ligado. E que, relativamente à D…, só teve contacto com a empresa na qualidade de gerente da sociedade S…, Lda., tendo simplesmente a devedora principal feito trabalhos para aquela sociedade num estabelecimento da referida D…; finalizando dizendo que o Oponente teve, efectivamente, relacionamento, não como gerente da devedora principal, mas sim como cliente desta ou como gerente de uma outra empresa que nada tem a ver com a devedora principal – cfr. artigos 3.º, 4.º e 13.º a 18.º da Oposição.
Por seu lado, na sua contestação, a Fazenda Pública contraria esta factualidade, remetendo para prova documental junta ao processo de execução fiscal aquando da decisão de reversão – cfr. artigos 11.º e 19.º.
Ora, o tribunal recorrido, além da factualidade relativa à demonstração de ausência de culpa, entendeu pertinente a produção de prova testemunhal acerca destes factos, pelo que designou diligência de produção de prova que se realizou em três sessões diferentes, dado que foram inquiridas onze testemunhas, efectuadas acareações entre algumas delas, requerida contradita relativamente a um depoimento prestado e juntos variados documentos – cfr. fls. 264 e seguintes do processo físico.
Todavia, numa primeira análise, parece decorrer da decisão da matéria de facto que nenhum destes factos releva para a decisão da causa, dado que os mesmos não constam do elenco dos factos provados e, de seguida, refere-se inexistirem outros factos que revelem interesse para a boa decisão da causa, a propósito dos factos não provados.
No entanto, ponderando a motivação constante da decisão recorrida, verificamos a expressa referência à matéria de facto não provada, que terá redundado na ausência de prova produzida. Afinal, não obstante o tribunal recorrido nem sequer ter considerado ou apreciado a prova testemunhal, parece ter entendido existir matéria de facto não provada (não discriminada, mas por exclusão) por ausência de prova produzida.
Esta fundamentação não se afigura perceptível, dado que a Meritíssima Juíza “a quo” afirma ter-se abstido de apreciar o depoimento das testemunhas, pois redundaria num acto inútil. Não se compreende como será um acto inútil sem ter efectuado qualquer análise crítica e, em simultâneo, referir-se a ausência de prova. Como poderá saber existir falta de prova produzida se não a apreciou?
Na verdade, a ausência de fundamentação e exame crítico da totalidade da prova testemunhal e de grande parte da prova documental, nomeadamente, a apresentada em sede de diligências probatórias (e posteriormente), impede que este tribunal de recurso possa sindicar qualquer erro de julgamento sobre a matéria de facto.
A reapreciação da matéria de facto não pode significar a abertura da possibilidade de realização de um novo julgamento pela Relação, objectivo que jamais esteve no horizonte das sucessivas modificações legais, antes uma medida paliativa destinada a resolver situações patológicas que emergem simplesmente de uma nebulosa que envolva a prova que foi produzida e que não foi convenientemente resolvida segundo o juízo crítico da Relação (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, pp. 241 e 245 e Acórdão do TCAS n.º 07219/13, de 29/05/2014).
A modificação da decisão de facto não deve atingir uma amplitude tal que implique todo um novo julgamento de facto, com a reapreciação de toda a prova produzida, a alteração da convicção do julgador a quo e a postergação dos princípios da livre apreciação das provas e da imediação.
In casu, o tribunal recorrido absteve-se de efectuar a concatenação de toda a prova produzida, ficando por explicar o motivo para a total desconsideração da prova testemunhal e de grande parte da prova documental, desconhecendo-se a razão pela qual a Meritíssima Juíza “a quo” formou convicção de que a sentença seria a mesma com base também na valoração da prova testemunhal. Referir somente que os depoimentos testemunhais não seriam de relevar por não influírem na sentença (recorrida), constituindo a sua apreciação um acto inútil, é totalmente ininteligível. Existe, apenas, uma aparente fundamentação, no que ao exame crítico da prova concerne, dado que, em face da factualidade alegada, esta poderá, eventualmente, propiciar uma decisão diferente da prolatada em primeira instância. Parece claro que os factos alegados no sentido de demonstrar a continuidade da gerência de facto, não obstante a renúncia à de direito, sobre os quais recaiu a prova testemunhal, eram relevantes para a decisão da causa.
Como não se compreende a razão que está subjacente à total prevalência de parte da prova documental sobre toda a restante prova produzida nos autos, tal impede a apreciação do invocado erro de julgamento sobre a decisão da matéria de facto – que considerou assente a cessação de funções de gerente do Oponente, desde 23/12/2005, por renúncia. Por outro lado, uma vez que a prova testemunhal não chegou a ser sequer apreciada, a modificação da decisão de facto significaria a postergação dos princípios da livre apreciação das provas e da imediação, que deve ocorrer preferencialmente na primeira instância, sob pena de a alteração dessa decisão atingir uma amplitude tal que implicaria todo um novo julgamento de facto, com a reapreciação de toda a prova produzida e a alteração da convicção do julgador a quo.
Na medida em que a inobservância do dever legal de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos referidos, faz com que o tribunal de recurso fique impedido de sindicar o erro de julgamento invocado pela Recorrente, a decisão tem de ser eliminada da ordem jurídica, com a consequente remessa dos autos ao tribunal de primeira instância para prolação de nova decisão sem os vícios apontados.
O recurso merece, assim, provimento.
Em face do exposto, fica, consequentemente, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

Conclusão/Sumário

A inobservância do dever legal de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e, mais concretamente, a falta de referência e da análise crítica dos meios de prova, faz com que o tribunal de recurso fique impedido de sindicar o erro de julgamento invocado pela Recorrente.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e, consequentemente, ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a fim de aí ser proferida nova decisão onde se supra o apontado vício.
Sem custas.
D.N.
Porto, 30 de Março de 2017
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves