Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01686/07.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/13/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Mário Rebelo
Descritores:AVALIAÇÃO INDIRETA.
Sumário:1. O apuramento da matéria tributável por métodos indirectos visa, ao menos tendencialmente, alcançar o rendimento real e efectivo do sujeito passivo.
2. O que quer dizer que a sua determinação deve, nos termos da lei, basear-se em todos os elementos concretos adequados à situação, não se estabelecendo qualquer constrangimento ao modo de a AT os verificar e colher, antes se lhe impondo um esforço de aproximação com a realidade.
3. Se os elementos colhidos no RIT não constituem indícios seguros, sólidos e suficientes de que a contabilidade do sujeito passivo não reflecte a sua matéria tributável real, fica comprometido o recurso à avaliação indirecta no apuramento da matéria tributável.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:M..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Exmo. Representante da Fazenda Pública inconformado com a sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Viseu que julgou procedente a impugnação deduzida por M…, Lda. contra as liquidações de IRC dos anos de 2003, 2004 e 2005 dela interpôs recurso terminando as alegações com as seguintes conclusões:

a) Incide o presente recurso sobre a aliás douta sentença, que julgou procedente a presente impugnação, com a consequente anulação das liquidações adicionais de IRC e respectivos juros compensatórios, referentes aos anos de 2003, 2004 e 2005, apenas na parte referente às correcções por métodos indirectos;

b) Entendeu a Meritíssima Juiz a quo, na douta sentença, que a AT não demonstrou os pressupostos que a legitimavam a recorrer à avaliação indirecta da matéria tributável da impugnante, pois considerou, no juízo decisório, que não ocorreu a omissão de vendas detectada pela inspecção tributária;

c) Ressalvado o devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, pois entendemos que, atenta à prova produzida nos autos e documentos carreados, a douta sentença ora sob apreciação procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à factualidade apurada;

d) Note-se que a inspectora tributária, no âmbito da acção de inspecção aos exercícios de 2003 a 2005 de que foi alvo a impugnante, verificou que as embalagens de comercialização mais utilizadas por esta eram as de 5 e 20 litros, pelo que, sendo estas as de maior expressão, tomou-as, com o intuito de efectuar o controlo da produção através da quantidade de embalagens utilizadas, como universo;

e) Do controlo efectuado às embalagens apurou, então, a agente fiscalizadora que existiam divergências entre as embalagens existentes na empresa/consumidas e as vendas declaradas pelo contribuinte, pelo que bem concluiu pela omissão de vendas por tipo de embalagens;

f) Considerou, porém, a Meritíssima Juiz a quo que, atenta à prova produzida nos autos, ocorreram perdas e desperdícios no processo de fabrico dos produtos que, no apuramento das divergências entre as quantidades de vendas de produtos embalados declaradas e as embalagens consumidas, os serviços de inspecção tributária não ponderaram, pelo que, não poderia, assim, a Administração Tributária concluir pela omissão de vendas;

g) Para formar aquela convicção (a da existência de perdas e desperdícios), refere a douta sentença que relevaram os depoimentos das testemunhas A… e L… que quanto a esta matéria, foram unânimes em afiançar que a impugnante tinha forçosamente desperdícios, nomeadamente, pelo facto de, por vezes, se verter, na mesa de embalamento, tinta e, por isso, a embalagem ficar inutilizada, sendo que o desaproveitamento de tais embalagens se comprovava através da guia de remessa de embalagens para reciclagem;
h) Em tais guias figuram, tão somente, a designação dos resíduos, mormente, a mera indicação de que se trata de embalagens de metal ou de plástico, não identificando, nem especificando a quantidade de embalagens ou a capacidade das mesmas, pelo que até poderiam estar, apenas, em causa embalagens de 1/4L, 1/2L ou 1L (as quais, recorda-se, não tinham sido objecto de controlo pela inspectora tributária);

i) Logo, estes documentos não seriam suficientes para conferir quantas embalagens de 5 ou 20 litros foram enviadas para reciclagem, nem sequer aferir se tais embalagens estavam aí, efectivamente, incluídas, pelo que não poderia o julgador concluir, como concluiu, que “ficou documentalmente provado” que a impugnante, tendo enviado, nos anos de 2003 e 2004, para reciclagem 1850 Kg de embalagens de metal e de plástico, teve perdas/desperdícios no processo produtivo dos produtos que não foram considerados pelos Serviços de Inspecção Tributária;

j) Atente-se que, da decisão sob recurso consta, ainda, que a contabilidade da impugnante não reflectia as perdas nem os desperdícios (cfr. ponto 19 do probatório), porém, a decisão sob recurso considerou que tal facto não teria qualquer relevância, uma vez que “o apuramento da matéria tributável não estava a ser efetuado directamente através da contabilidade, mas por métodos indirectos.”;

k) Discordamos de tal entendimento, atendendo a que a contabilidade do sujeito passivo deve reflectir todas as operações, as quais devem estar suportadas por documentos, permitindo, deste modo, o controlo e fiscalização do rendimento tributável declarado;

l) A este propósito, a inspectora tributária, no seu testemunho, esclareceu que, ainda, efectivamente, houvesse desperdícios, embalagens defeituosas ou outro tipo de quebras ou perdas, estas deveriam estar relevadas na contabilidade, numa conta de regularização de existências, o que, in casu, não ocorreu;

m) Aliás, enfatiza-se, o facto de a contabilidade de um sujeito passivo não merecer credibilidade, não significa, nem sequer implica, que a mesma tenha que ser, na sua totalidade, desconsiderada, logo, não reflectindo a contabilidade da impugnante a existência de quaisquer perdas ou de desperdícios, não poderia, por isso, a inspectora tributária, no apuramento das divergências entre as quantidades de vendas de produtos embalados declaradas e as embalagens consumidas, considerá-las;

n) Nestes termos, ao contrário do afirmado na decisão sindicada, a Administração Fiscal demonstrou a efectiva omissão de vendas, assim resultando verificado e devidamente fundamentado o recurso à aplicação de métodos indirectos;

o) Nesta matéria, importa ainda referir que, no pedido de revisão da matéria tributável apresentado pela impugnante, foram por esta reconhecidas omissões aos proveitos aos anos ora em causa, embora em valor inferior ao constante no relatório inspectivo;

p) Em suma, ao formular o seu juízo decisório, não poderia a Meritíssima Juiz retirar da prova testemunhal nem documental produzida nos autos, quer em sentido, quer em alcance, mais do que aquilo que ela contém, nisto consistindo o erro de julgamento da douta decisão recorrida, o qual implica a respectiva revogação.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra em que julgue improcedente, por não provado, o vício de erro nos pressupostos legitimadores da aplicação da metodologia indiciária, com as legais consequências.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine consiste em saber se estão verificados os pressupostos para a tributação por métodos indiretos.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. A Impugnante iniciou a sua atividade de “Fabrico de Tinta (exceto impressão), Vernizes, Mastiques e Produtos Similares”, com o C.A.E. 024301 em 02.11.1985, enquadrando-se, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal e, em sede de IRC, no regime geral. – cfr. fls. 17 do processo administrativo apenso.
2. Com base na Ordem de Serviço n.º OI200600698, de 24.11.2006, com o código PNAIT 221.34, a Impugnante foi objeto de uma ação inspetiva de âmbito parcial (IRC e IVA), que incidiu sobre os anos de 2003, 2004 e 2005, que decorreu entre 08.02.2007 e
24.07.2007. – cfr. fls. 16/17 do processo administrativo apenso.
3. Em 24.07.2007 foi elaborado o relatório de inspeção tributária que consta de fls. 14 a 23 do processo administrativo apenso, que se dão por reproduzidas, e do qual consta, entre o mais, o seguinte:
(Segue imagem no original)
“[…]

4. As conclusões do relatório de inspeção tributária foram sancionadas superiormente. – cfr. fls. 14 frente e verso do processo administrativo apenso.
5. Pelo ofício n.º 14828, de 26.07.2007, foi a Impugnante notificada do relatório de inspeção tributária, bem como de que foi fixado o rendimento coletável, para efeitos de IRC dos anos de 2003, 2004 e 2005, com base no Relatório de Inspeção Tributária, nos seguintes termos:
(segue imagem no original)
[cfr. fls. 139/140 do processo administrativo apenso].
6. A Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria coletável e respetivos anexos nos termos constantes de fls. 146 e ss. do processo administrativo apenso, cujo teor se tem por reproduzido.
7. Em 06.09.2007, reuniu-se a Comissão de Revisão, tendo sido lavrada ata n.º 13/07, com o seguinte teor:
(Segue imagem no original)
“[…]
[cfr. fls. 144/145 do processo administrativo apenso].
8. Por despacho de 20.09.2007, o Sr. Diretor de Finanças proferiu decisão nos seguintes termos:
(Segue imagem no original)

[cfr. fls. 143 do processo administrativo apenso].
9. Na sequência da ação inspetiva, em 03.10.2007 a Administração Tributária emitiu as liquidações de IRC n.º 2007 8310016476, referente ao ano de 2003, no montante global de 155 378,95 €, n.º 2007 8310016527, referente ao ano de 2004, no montante global de 69 857,86 € e n.º 2007 8310016574, referente ao ano de 2005, no montante global de 50 783,28 €. – cfr. fls. 12, 14 e 16 dos autos.
Mais se provou que,
10. A matriz de produção de tintas e vernizes encontra-se disponível na internet, sendo certo que os fabricantes mundiais ou as associações de fabricantes fornecem, a pedido, a matriz ou fórmula de fabrico. – cfr. fls. 35/38 dos autos.
11. Nos anos de 2003 e 2004 a Impugnante produziu e enviou para reciclagem 1 850 Kg. De embalagens de metal e plástico. – cfr. fls. 42 a 45 dos autos.
12. As embalagens utilizadas para as tintas (tanto as de 5 Lt. como as de 20 Lt.) têm características diferentes das embalagens utilizadas para colas, vernizes e diluentes.
13. Os jerricans e as embalagens com boca de 42 mm são exclusivamente utilizados para embalar vernizes, diluentes e colas.
14. O processo de fabrico dos produtos utilizado pela Impugnante é semi-artesanal.
15. Durante enchimento manual das latas é frequente verter tinta na parte de fora da embalagem, o que implica a sua inutilização.
16. Por vezes procedia-se à abertura de latas de 20 Lt. para distribuir por 4 latas de 5 Lt. e vice-versa, sendo certo que as embalagens não podiam ser reutilizadas.
17. Nas faturas de venda não é especificado o tipo de embalagem, apenas a sua capacidade.
18. Nas faturas de compra das embalagens é especificado o tipo de diâmetro das mesmas.
19. A contabilidade da Impugnante não refletia as perdas nem os desperdícios.
3.2. Factos não provados:
Para além dos factos referidos, não foram provados outros com relevância para a decisão da causa, nomeadamente que:
1. A Impugnante forneceu à Administração Tributária as fórmulas (menus) para o fabrico de todos os produtos.
2. A falência da empresa N…, Lda. impediu a utilização de 2 000 embalagens com marca própria, com predominância das de 20 Lt.
Motivação da matéria de facto:
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica do teor dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
Para a formação da convicção do Tribunal também contribuíram os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Impugnante, A… e L…, bem como pela Fazenda Pública, Maria….
A…, Economista, não esteve presente no procedimento de fiscalização mas colaborou no processo de revisão da matéria tributável.
Referiu que conhece as instalações da Impugnante bem como o seu processo de fabrico.
Afirmou que os menus, que são as fórmulas de produção das tintas, estão disponíveis para o público em geral e que quem quiser fabricar tintas basta contatar as empresas do ramo.
Todavia, a instância da Representante da Fazenda Pública, referiu que a Impugnante tem que ter uma matriz de todos os produtos que fabrica.
Questionado, referiu ainda desconhecer se foram fornecidos à Administração Tributária os menus de todos os produtos fabricados pela Impugnante.
Referiu que as embalagens diferem consoante os produtos. As tintas são embaladas em embalagens de boca larga e os diluentes em embalagens de boca estreita, embora em termos de quantidade, tanto possam ser de 20 Lt. como de 5 Lt.
Referiu a existência de desperdícios. Concretizando, afirmou que é na cuba que se faz a mistura dos produtos e depois ao verter para as embalagens pode sujar-se as latas, que ficam logo inutilizadas. Afirmou ainda que há uma elevada percentagem de desperdício por o processo de fabrico ser quase artesanal.
Fez referência ao desperdício de 2 000 embalagens de uma empresa que, entretanto, faliu, a N…, bem como à distribuição do conteúdo de latas de 20 Lt. por latas de 5 Lt.
Reconheceu que os desperdícios não se encontram refletidos na contabilidade.
L…, T.O.C. da Impugnante há 20 anos, referiu que conhece o processo de fabrico da Impugnante, que é semi-artesanal. Afirmou ainda que a empresa tem seis trabalhadores e que à data dos factos devia ter mais dois ou três.
Referiu que entregou à Sra. Inspetora os menus de produção e que eram vários, desconhecendo se eram extensivos a todos os produtos. Afirmou ainda que as associações de fabricantes de tintas têm os menus de produção para todos os produtos.
Afirmou que no enchimento das latas muitas embalagens ficam inutilizadas porque,
uma vez suja, a embalagem já não pode ir para o mercado.
Referiu ainda que, por vezes, é necessário passar o conteúdo de embalagens de 20
Lt. para 5 Lt. e que as embalagens não podem ser reutilizadas.
Disse que a sociedade N… vendeu à Impugnante embalagens com o rótulo N… que nunca foram utilizadas.
Questionada pela Fazenda Pública, referiu que nas faturas de venda não é especificado o tipo de embalagem, o mesmo não sucedendo com as faturas de compra que especificam o tipo de diâmetro da embalagem.
Referiu que as perdas/desperdícios foram retiradas das existências finais através das guias de remessa das embalagens para o lixo.
Por último, Maria…, Inspetora Tributária que levou a cabo o procedimento inspetivo que desembocou nas liquidações ora impugnadas, afirmou que a Impugnante fabricava tintas, colas, diluentes e vernizes.
Referiu que solicitou à Impugnante as faturas e vendas a dinheiro em sistema informático bem como os menus de produção de todos os produtos.
Afirmou que apenas foram facultados os menus de alguns produtos fabricados.
Explicou que os menus iriam servir para ver que produtos eram produzidos e em que quantidade para ver se havia correspondência com as vendas.
Relativamente às perdas e desperdícios referiu que na contabilidade não havia qualquer relevância e que a pessoa responsável não forneceu esses elementos pelo que não puderam os mesmos ser considerados.
No que diz respeito à N…, declarou que não viu na contabilidade qualquer referência a essa empresa, nem houve indicação de que essas embalagens não estavam a ser utilizadas.
Referiu que controlou todas as compras de embalagens, as existências iniciais, incluindo os produtos embalados, as vendas, as existências finais, incluindo os produtos embalados, isto de todos os produtos, em conjunto.
No que tange ao preço médio referiu que pôs todas as vendas de embalagens de 5 Lt. e todas as vendas de embalagens de 20 Lt. e dividiu pela quantidade vendida, apurando o preço médio. Referiu que optou pela média de modo a eliminar os valores extremos.
Referiu que solicitou e foi-lhe fornecida a tabela de preços para o ano de 2006 e foram-lhe ditos os valores para os anos de 2003, 2004 e 2005 e que esses valores eram superiores aos preços médios.
Ainda em relação aos menus, esclareceu que a norma em procedimentos inspetivos é, em primeiro lugar, recorrer aos dados dos contribuintes e que os menus base não servem para aquela empresa, em específico. Frisou ainda que não recorreu aos menus gerais porque tinha outro elemento comum: as embalagens.
O Tribunal não deu como provado que a Impugnante forneceu à Administração Tributária as fórmulas (menus) para o fabrico de todos os produtos, face ao depoimento isento e credível da Sra. Inspetora Tributária nesse sentido, por um lado, e, por outro, tendo presente o desconhecimento revelado pelas testemunhas arroladas pela Impugnante relativamente a este aspeto.
Considerou-se ainda não provada a falência da empresa N…, Lda. bem como a não utilização de 2 000 embalagens com essa marca, face à ausência de prova documental relativamente a este aspeto, que o documento junto a fls. 46 dos autos não logra colmatar.
Por último, o Tribunal desconsiderou os documentos juntos a fls. 39 a 41 dos autos uma vez que os mesmos se reportam a 2006, período que não se encontra abrangido pelo procedimento inspetivo.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante foi sujeita a fiscalização externa relativa aos exercícios de 2003, 2004 e 2005 no âmbito da qual foi proposta a liquidação por correções técnicas e métodos indiretos.
Foi instaurado procedimento de revisão da matéria tributável em cuja reunião, a que corresponde a acta n.º 13/07, se não alcançou acordo entre os peritos.
O Exmo. Diretor de Finanças, ao abrigo do disposto no art.º 92º/6 LGT manteve os valores propostos no RIT.
A Contribuinte não se conformou e deduziu impugnação judicial contra as liquidações efetuadas com recurso a métodos indiretos, alegando, entre o mais, não haver fundamentos para a avaliação indireta e falta de fundamentação do cálculo das discrepâncias apontadas nas quantidades.
Efetuado o julgamento- por aproveitamento da prova produzida no processo n.º 1687/07.9BEVIS – foi proferida sentença na qual a MMª juiz julgou procedente a impugnação não tendo a Administração Tributária demonstrado os pressupostos para a avaliação da matéria tributável por métodos indiretos.
A AT não se conforma com o decidido e recorreu para este TCA.

A mesma desconformidade levou a AT a recorrer da decisão relativamente ao apuramento do IVA correspondente aos anos de 2003, 2004 e 2005 que já foi decidida neste TCA pelo douto acórdão n.º 1687/07.9BEVIS de 10 de novembro de 2016. As questões então decididas na sentença e submetidas a este TCA são idênticas às colocadas no presente recurso, diferindo apenas quanto ao imposto apurado - IRC nos presentes autos, IVA naquele.

Tendo em conta a identidade das questões colocadas e aderindo integralmente aos fundamentos expressos naquele douto acórdão, não vislumbrando quaisquer razões para do seu conteúdo e decisão nos afastarmos, com a devida vénia nos apropriamos dos seus fundamentos transcrevendo a parte relevante:

“Na decisão recorrida, ponderou-se, além do mais, que:
“…
Volvendo ao caso sub iudicio, do discurso fundamentador vertido no relatório de inspeção tributária consta o seguinte:
Perante a actividade exercida foram solicitados os menus de fabrico das tintas tendo-nos sido fornecido os menus de fabrico de algumas tintas. Uma vez que não tivemos acesso aos menus de todos os produtos fabricados, logo não foi possível fazer o controlo e eficiência das matérias primas realizadas.
Perante a impossibilidade de efectuar o controlo da produção através das matérias primas, verificou-se que os diversos produtos eram transaccionados quase na totalidade com embalagens próprias 1/2Lt, 1/4LT, 1LT, 20LT e 5LT.
[….]
O controlo das embalagens utilizadas demonstram a omissão de vendas por tipo de embalagem, mas não permite identificar com exactidão que produto foi omitido, quando e a que preço. Assim, não é possível a quantificação directa e exacta da matéria tributável, referida na alínea b) do art.º 87º da L.G.T., enquadrando-se no conteúdo da alínea a) do art.º 88 da LGT, pelo que se propõe que se proceda á determinação da matéria tributável por métodos indirectos nos termos do nº1 do art.º 90º do mesmo diploma, conforme exposto no artigo seguinte.
Assim, a Administração Tributária indicou como pressuposto da avaliação indireta o disposto no artigo 88.º, alínea a) da L.G.T. que prevê “a inexistência ou insuficiência de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não suprida s no prazo legal…”.
Todavia, dos elementos apontados pela Administração Tributária, julgamos que não está principalmente em causa a inexistência dos elementos da contabilidade, nem a falta ou atraso na escrituração ou até irregularidades na organização e execução da contabilidade.
Assim, o que está em causa verdadeiramente é a existência de “factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada. ”, ou seja, a divergência entre os dados constantes da contabilidade e a realidade factual conhecida, com relevo para a aferição da situação tributária, bem como a falta de cooperação presumida, isto é, a recolha de indicadores externos de que o contribuinte faltou à verdade nas declarações apresentadas e de que a sua capacidade contributiva é diversa da declarada.
Vejamos.
A Administração Tributária, efetuando um controlo das embalagens de 5Lt. e 20 Lt., por considerar que eram aquelas que tinham uma maior expressão, concluiu pela omissão de vendas. Todavia, fê-lo sem considerar as perdas/desperdícios inerentes ao processo de fabrico dos produtos.
Com efeito, como resultou da prova produzida nos autos, no processo de fabrico das tintas, vernizes, colas, diluentes, etc. ocorrem perdas e desperdícios. Na verdade, como foi referido pelas testemunhas, o processo de fabrico da Impugnante é semi-artesanal, sendo certo que o enchimento das embalagens tem lugar através de um processo manual. Ora, no decurso desse processo, por vezes, é vertida tinta na parte de fora das embalagens, o que implica a sua inutilização. Também, conforme solicitação dos clientes, a Impugnante procedia à abertura de latas de 20 Lt. para distribuir o seu conteúdo por 4 latas de 5 Lt. E vice-versa, sendo certo que as embalagens não podiam ser reutilizadas.
Acresce que, conforme ficou documentalmente provado, a Impugnante enviou para reciclagem 1 850 Kg. de embalagens de metal e plástico, nos anos de 2003 e 2004.
Ora, do relatório de inspeção tributária não resultam que essas perdas/desperdícios tenham sido ponderadas no apuramento das divergências entre as quantidades de vendas de produtos embalados declaradas e as embalagens consumidas.
É certo que, conforme resultou igualmente provado, a contabilidade da Impugnante não refletia as perdas nem os desperdícios [cfr. ponto 19 do probatório]. Ora, como é sabido, a contabilidade/escrita do sujeito passivo deve refletir todas as operações, as quais devem estar suportadas por documentos, permitindo, assim, o controlo e fiscalização do rendimento tributável declarado.
Todavia, o facto de na contabilidade da Impugnante não constarem quaisquer referências a tais perdas, não teria relevância para o caso, já que o apuramento da matéria tributável não estava a ser efetuado diretamente através da contabilidade, mas por métodos indiretos.
Como se decidiu no acórdão do TCAN de 14.06.2006, processo n.º 00209/04-Viseu, disponível em http://www.dgsi.pt “porque […] o apuramento da matéria tributável por métodos indiretos visa, ao menos tendencialmente, alcançar o rendimento real e efetivo, a sua determinação deve, nos termos da lei, basear-se em todos os elementos concretos adequados à situação, não se estabelecendo qualquer constrangimento ao modo de a AT os verificar e colher, antes se lhe impondo um esforço de aproximação com a realidade”.
Assim, a Administração Tributária, face à ausência de qualquer outro indício que apoiasse a conclusão da existência de omissão de vendas, não estava autorizada, com base apenas nas divergências apuradas, a concluir pela ocorrência de omissão de vendas e, nessa sequência, determinar a avaliação da matéria tributável por métodos indiciários. ...”.

Como é sobejamente sabido, o nosso ordenamento jurídico consagra o princípio do sistema declarativo, como meio de apuramento do valor tributável, surgindo as outras vias da sua determinação, da iniciativa da AF, como meios subsidiários ou residuais.

De facto e como é bem de ver o sistema jurídico tinha, necessariamente de prever meios alternativos ao apuramento da matéria colectável dos impostos, no caso daquele princípio não operar por motivos imputáveis ao contribuinte. É que, se por um lado o sistema parte do princípio da boa fé dos contribuintes na revelação dos seus reais e efectivos rendimentos tributáveis, por outro, não pode ignorar que a simples existência de regras parte do pressuposto da possibilidade do seu incumprimento que, nessa medida, não pode deixar de se mostrar acautelada pelo legislador.

Por isso que o referido sistema do princípio da veracidade do declarado pelos distintos sujeitos passivos seja «temperado» pelo verdadeiro dever de cooperação que, sobre eles, impende de prestarem todos os esclarecimentos e revelarem todos os elementos que, nos casos menos “transparentes”, desde logo por inusuais, permitam esclarecer e eventualmente confirmar, dentro do que lhes seja exigível, a aderência do declarado à realidade. Daí que, nos casos em que se mostre ilegitimamente violado aquele dever de cooperação, como será, v.g. e designadamente, o caso de não se não disponibilizar, sem justificação atendível, os elementos necessários ao controlo da sua situação tributária, por parte da AT, no exercício do poder vinculado que a esta está conferido por lei, se dê a automática legitimação desta entidade no recurso aos referidos meios alternativos disponibilizados por lei, desde que com observância dos restantes pressupostos, por esta, estipulados.
Ou seja e sinteticamente, o alcançar da tributação dos rendimentos reais auferidos, por via do aludido sistema declarativo pressupõe que os contribuintes disponibilizem à AT todos e quaisquer elementos que lhes sejam exigíveis e que se apresentem como indispensáveis ao correcto apuramento dos mesmos.
E, como se referiu, quando assim não suceda, isto é, quando ocorra a quebra daquele dever de colaboração, designadamente pela não apresentação daqueles referidos elementos, cujo ónus impende sobre o contribuinte como meio de assegurar a presunção de aderência á realidade do declarado, inviabilizando a concretização, por parte da AT, do dever estritamente vinculado a que esta, por seu turno, está obrigada pelo princípio da legalidade, do controle e apuramento do efectivo valor tributável, a AF ficará legitimada automaticamente a recorrer a meio alternativo de tributação.
Isto tendo presente que nos movemos no âmbito tributário, em que, por um lado e por força de aí imperarem os princípios do inquisitório e, por consequência, o da oficialidade na investigação, tendo por desiderato último, a descoberta da verdade material é inexistente uma particular incumbência de provar, por parte de quem quer que seja, por outro, tal não significa que neste contencioso, em particular, não exista um direito probatório que regulamente quem tem que provar o quê para que se alcance uma qualquer pretensão formulada. Daí que, porque a questão que se controverte não pode deixar de ser objecto de definição, se os factos relevantes se não provarem, seja por iniciativa das partes, seja por iniciativa do Tribunal, ela não possa deixar de ser decidida de forma que seja desfavorável àquele sobre quem impender, nos termos legais, o respectivo ónus probatório Neste sentido, entre muitos outros e a título meramente exemplificativo, veja-se o Ac. do TCA Sul de 99.12.14, Rec. Nº. 2.467/99..
Assim, por princípio e sempre que a conduta da AT se consubstancie na prática de actos positivos e constitutivos do direito a que se arrogue com consequências negativas na esfera dos direitos dos contribuintes, é a ela que cabe a obrigação de demonstrar da factualidade relevante ou dito de outra forma é à AT que cabe fazer a “...prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos ...” Cfr. Ac. do TCA Sul, de 02.06.04, tirado no Rec. 3.279/00..
Do que resulta que, tendo os elementos contabilísticos do contribuinte de se encontrar organizados segundo os sãos princípios da lei comercial e fiscal, quer do ponto de vista da forma, quer do ponto de vista substancial, casos em que gozam de uma presunção de veracidade, tal não implica, no entanto e “a contrario”, como já acima se referiu, - pela circunstância de tais elementos se encontrarem organizados correctamente do ponto de vista meramente formal -, a inibição da AT, no uso daqueles poderes de controlo, de se servir dos meios legais alternativos ao declarativo no apuramento da matéria colectável, já que o que importa é apurar, tanto quanto possível e ao que aqui releva, o rendimento tributável efectivo.
Tal, contudo não preclude o princípio de que o lançar mão de qualquer dos meios alternativos disponíveis, - correcções técnicas/avaliação indirecta -, e de um deles em detrimento do outro, não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado, sendo que, ao que aqui nos importa considerar, a AT se encontra vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos a tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia indirecta, o que vale por dizer que esta pressupõe uma situação que se mostre “Marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação”, revelando-se como “uma última ratio fisci, ...” Cfr. JLSaldanha Sanches em “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 302/303..
Importa, também, referir que a demonstração dos necessários pressupostos legais ao recurso a metodologia alternativa, designadamente a indiciária, cabe à AFUma vez que nos termos das regras do ónus da prova em sede de direito administrativo tributário, -onde, há luz dos vigentes princípios de descoberta da verdade material e, da consequente, oficiosidade de investigação e indagação das provas, não há uma particular incumbência de provar, por parte de quem quer que seja, sem embargo de, pela impossibilidade de manutenção de um “non liquet”, a ausência de prova de factos relevantes não possa deixar de desfavorecer quem com ela estava onerado-, é à AT que cabe a obrigação “... da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos ...”./ Cfr. Ac. de 02.06.18, Rec. Nº. 6.388/02., sendo certo que, em caso de utilização de metodologia indirecta, ainda e apesar da opção do legislador em abdicar de um grau de certeza na tributação - inerente á maior subjectividade própria da mesma em que, só por circunstâncias meramente fortuitas, a quantificação apurada será aderente à realidade - ela não deixa, no entanto, de ter como baliza, o princípio, com assento constitucional, de que a sua utilização há-de permitir alcançar, na medida do possível, as circunstâncias de facto mais próximas da realidade, com susceptibilidade de apreciação, nomeadamente, jurisdicional Cfr. Prof. Saldanha Sanches in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 305..
E, quando se verifiquem – isto é, quando a AT demonstre a ocorrência - (d)os necessários e legais pressupostos para se lançar mão da avaliação indirecta, o eventual excesso da quantificação, por tal via, operada passa a impender sobre o contribuinte.
Contudo o que se vem de dizer não esgota o tema relativo aos princípios que regem o regime jurídico da avaliação indirecta, particularmente no que concerne ao ónus que vincula a AT.
Isto porque, em sede de avaliação indirecta, o ónus da AT não se consome na necessidade do elencar, e provar, das razões que lhe subjazem, enquanto conduta vinculada que lhe está imposta. Na realidade, o ónus que impende sobre a AF, em tais casos, para além do da demonstração dos necessários e legais pressupostos do recurso à avaliação indirecta, exige, ainda e também, que, simultânea e complementarmente, fundamente adequada e criteriosamente as circunstâncias em que faça suportar a matéria tributável que, no uso daqueles, vier a quantificar.
Na realidade e como já acima se teve oportunidade de referir, sendo embora, em tais casos, opção do legislador abdicar de um grau de certeza na tributação, por falta de colaboração do contribuinte, como única solução de evitar a evasão fiscal e de fazer repartir, na medida do possível, a carga fiscal entre todos os súbditos nacionais que revistam, casuisticamente, a qualidade de sujeitos passivos, não deixa, a actuação da AT, neste domínio, no entanto, de ter como baliza, o princípio de que a metodologia em causa há-de permitir alcançar, na medida do possível, a tributação daquele pelo seu lucro real/efectivo.
Apelando, à jurisprudência do TCA Sul Cfr. Ac. de 02.06.18, Rec. nº. 6.388/02./ Ainda que por reporte ao aludido art.º 81.º do CPT, mas, como decorre do que acima se mencionou, com aplicabilidade ao preceituado no art.º 84.º/3 da LGT. “... cabendo à AF o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários [...].
Na verdade, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AF tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da actividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
A AF tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.” (sublinhados da nossa responsabilidade), e que, acrescentamos agora, que permitam extrapolar uma adequada ponderação da decisão.
Só então passará a caber, ao contribuinte e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.
No caso presente, é sabido que a decisão recorrida entendeu que não se encontravam reunidos os pressupostos para o apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, impondo-se apreciar se, em face do probatório fixado, a sua decisão, ao não dar cobertura ao agir da AT, se mostra, ou não, certeira e conforme à lei.

Nas suas alegações, a Recorrente insiste que a inspectora tributária, no âmbito da acção de inspecção aos exercícios de 2003 a 2005 de que foi alvo a impugnante, verificou que as embalagens de comercialização mais utilizadas por esta eram as de 5 e 20 litros, pelo que, sendo estas as de maior expressão, tomou-as, com o intuito de efectuar o controlo da produção através da quantidade de embalagens utilizadas, como universo, e do controlo efectuado às embalagens apurou, então, a agente fiscalizadora que existiam divergências entre as embalagens existentes na empresa/consumidas e as vendas declaradas pelo contribuinte, pelo que bem concluiu pela omissão de vendas por tipo de embalagens.
Considerou, porém, a Meritíssima Juiz a quo que, atenta à prova produzida nos autos, ocorreram perdas e desperdícios no processo de fabrico dos produtos que, no apuramento das divergências entre as quantidades de vendas de produtos embalados declaradas e as embalagens consumidas, os serviços de inspecção tributária não ponderaram, pelo que, não poderia, assim, a Administração Tributária concluir pela omissão de vendas, sendo que para formar aquela convicção (a da existência de perdas e desperdícios), refere a douta sentença que relevaram os depoimentos das testemunhas A… e L… que quanto a esta matéria, foram unânimes em afiançar que a impugnante tinha forçosamente desperdícios, nomeadamente, pelo facto de, por vezes, se verter, na mesa de embalamento, tinta e, por isso, a embalagem ficar inutilizada, sendo que o desaproveitamento de tais embalagens se comprovava através da guia de remessa de embalagens para reciclagem.
Ora, em tais guias figuram, tão somente, a designação dos resíduos, mormente, a mera indicação de que se trata de embalagens de metal ou de plástico, não identificando, nem especificando a quantidade de embalagens ou a capacidade das mesmas, pelo que até poderiam estar, apenas, em causa embalagens de 1/4L, 1/2L ou 1L (as quais, recorda-se, não tinham sido objecto de controlo pela inspectora tributária), logo, estes documentos não seriam suficientes para conferir quantas embalagens de 5 ou 20 litros foram enviadas para reciclagem, nem sequer aferir se tais embalagens estavam aí, efectivamente, incluídas, pelo que não poderia o julgador concluir, como concluiu, que “ficou documentalmente provado” que a impugnante, tendo enviado, nos anos de 2003 e 2004, para reciclagem 1850 Kg de embalagens de metal e de plástico, teve perdas/desperdícios no processo produtivo dos produtos que não foram considerados pelos Serviços de Inspecção Tributária
Atente-se que, da decisão sob recurso consta, ainda, que a contabilidade da impugnante não reflectia as perdas nem os desperdícios (cfr. ponto 19 do probatório), porém, a decisão sob recurso considerou que tal facto não teria qualquer relevância, uma vez que “o apuramento da matéria tributável não estava a ser efetuado directamente através da contabilidade, mas por métodos indirectos.”;
Discordamos de tal entendimento, atendendo a que a contabilidade do sujeito passivo deve reflectir todas as operações, as quais devem estar suportadas por documentos, permitindo, deste modo, o controlo e fiscalização do rendimento tributável declarado, sendo que, e este propósito, a inspectora tributária, no seu testemunho, esclareceu que, ainda, efectivamente, houvesse desperdícios, embalagens defeituosas ou outro tipo de quebras ou perdas, estas deveriam estar relevadas na contabilidade, numa conta de regularização de existências, o que, in casu, não ocorreu.
Aliás, enfatiza-se, o facto de a contabilidade de um sujeito passivo não merecer credibilidade, não significa, nem sequer implica, que a mesma tenha que ser, na sua totalidade, desconsiderada, logo, não reflectindo a contabilidade da impugnante a existência de quaisquer perdas ou de desperdícios, não poderia, por isso, a inspectora tributária, no apuramento das divergências entre as quantidades de vendas de produtos embalados declaradas e as embalagens consumidas, considerá-las, o que significa que, ao contrário do afirmado na decisão sindicada, a Administração Fiscal demonstrou a efectiva omissão de vendas, assim resultando verificado e devidamente fundamentado o recurso à aplicação de métodos indirectos, além de que no pedido de revisão da matéria tributável apresentado pela impugnante, foram por esta reconhecidas omissões aos proveitos aos anos ora em causa, embora em valor inferior ao constante no relatório inspectivo, pelo que, ao formular o seu juízo decisório, não poderia a Meritíssima Juiz retirar da prova testemunhal nem documental produzida nos autos, quer em sentido, quer em alcance, mais do que aquilo que ela contém, nisto consistindo o erro de julgamento da douta decisão recorrida, o qual implica a respectiva revogação.

Que dizer?
Nesta matéria, tal como refere a decisão recorrida, a Administração Tributária indicou como pressuposto da avaliação indirecta o disposto no artigo 88.º, alínea a) da L.G.T. que prevê “a inexistência ou insuficiência de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não suprida s no prazo legal…”.
Depois, como destaca a decisão recorrida, o que está em causa verdadeiramente é a existência de “factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada. ”, ou seja, a divergência entre os dados constantes da contabilidade e a realidade factual conhecida, com relevo para a aferição da situação tributária, bem como a falta de cooperação presumida, isto é, a recolha de indicadores externos de que o contribuinte faltou à verdade nas declarações apresentadas e de que a sua capacidade contributiva é diversa da declarada.

Nesta sequência, tal como decorre da alegação da Recorrente, sendo certo que a AT constatou nos dados de contabilidade elementos a partir dos quais concluiu pela omissão de vendas e pela impossibilidade da avaliação da matéria tributável com base na contabilidade por não ser possível identificar o produto, quando e a que preço, importa desde logo indagar se a impugnante, logrou infirmar os pressupostos em que assentou tal conclusão, demonstrando que os elementos descritos encontram outra explicação credível que não permite por em causa a credibilidade da sua contabilidade na sua globalidade.

Pois bem, no âmbito da presente impugnação, apurou-se que nos anos de 2003 e 2004 a Impugnante produziu e enviou para reciclagem 1 850 Kg. de embalagens de metal e plástico e bem assim que as embalagens utilizadas para as tintas (tanto as de 5 Lt. como as de 20 Lt.) têm características diferentes das embalagens utilizadas para colas, vernizes e diluentes e os jerricans e as embalagens com boca de 42 mm são exclusivamente utilizados para embalar vernizes, diluentes e colas.
Além disso, provou-se que o processo de fabrico dos produtos é semi-artesanal e durante enchimento manual das latas é frequente verter tinta na parte de fora da embalagem, o que implica a sua inutilização e por vezes procedia-se à abertura de latas de 20 Lt. para distribuir por 4 latas de 5 Lt. E vice-versa, sendo certo que as embalagens não podiam ser reutilizadas.

Pois bem, do RIT não resulta que essas perdas/desperdícios tenham sido ponderadas no apuramento das divergências entre as quantidades de vendas de produtos embalados declaradas e as embalagens consumidas, sendo que não pode relevar-se a tentativa de desvalorização desta situação por parte da Recorrente quando está em causa a caracterização de parte do processo da actividade da Recorrente e de aspectos da sua actividade que contendem directamente com a matéria em apreciação.
Por outro lado, embora se tenha apurado que contabilidade da Impugnante não reflectia as perdas nem os desperdícios e a contabilidade/escrita do sujeito passivo deva reflectir todas as operações, as quais devem estar suportadas por documentos, permitindo, assim, o controlo e fiscalização do rendimento tributável declarado, tal não tem o significado pretendido pela Recorrente na medida em que o apuramento da matéria tributável não está a ser efectuado directamente pela contabilidade, dada a falta de crédito desta, descredibilização que tanto vale para o contribuinte como para a AT, além de que, como refere a decisão recorrida, o apuramento da matéria tributável por métodos indirectos visa, ao menos tendencialmente, alcançar o rendimento real e efectivo, o que quer dizer que a sua determinação deve, nos termos da lei, basear-se em todos os elementos concretos adequados à situação, não se estabelecendo qualquer constrangimento ao modo de a AT os verificar e colher, antes se lhe impondo um esforço de aproximação com a realidade.
Isto para dizer que a AT, face à ausência de qualquer outro indício que apoiasse a conclusão da existência de omissão de vendas, não estava autorizada, com base apenas nas divergências apuradas, a concluir pela ocorrência de omissão de vendas e, nessa sequência, determinar a avaliação da matéria tributável por métodos indiciários.
Com efeito, e na esteira do aresto citado na parte final da decisão recorrida - Ac. deste Tribunal de 12-03-2015, Proc. nº 00009/04.5BEPNF Subscrito pelo mesmo Colectivo que está julgar este Processo, www.dgs.pt -, tendo em conta o que resulta do estabilizado probatório, …, ocorrerem na actividade do sujeito passivo impugnante quebras ou desperdícios de vária ordem que os autos não evidenciam terem sido ponderados no apuramento das divergências quantitativas de matérias-primas inventariadas e matérias-primas compradas e registadas na contabilidade com referência a determinado período - o que permite explicar as divergências subsistentes - não pode ter-se por legitimado o recurso à avaliação indirecta por ausência de indicadores sólidos, seguros e suficientes, de que os erros e omissões constatados na contabilidade do sujeito passivo traduzem omissões de compras e omissões de vendas, ou seja, a existência de fluxos reais à margem da contabilidade que a descredibilizam no seu conjunto e impossibilitam o apuramento do lucro tributável com base nessa mesma contabilidade.
Sublinha-se, aliás e a propósito, que a Administração tributária não faz referência a qualquer outro indicador anormal que coloque em causa a credibilidade da contabilidade do sujeito passivo no seu conjunto, nomeadamente ao nível dos fluxos financeiros da empresa que apoiem a conclusão quanto à existência de omissões de compras e de vendas, nem a qualquer elemento externo à contabilidade do sujeito passivo que aponte no sentido de tais omissões. …”.
Face à prova produzida, há que concluir que os elementos destacados no RIT não constituem indícios seguros, sólidos e suficientes de que a contabilidade do sujeito passivo não reflecte a sua matéria tributável real, ficando comprometido o apuramento da matéria tributável com base nos dados decorrentes dessa contabilidade, de modo que a AT não estava, pois, legitimada a recorrer à avaliação indirecta no apuramento da matéria tributável do sujeito passivo, o que significa que a sentença, que no mesmo sentido decidiu, não incorreu no apontado erro de julgamento, devendo ser confirmada.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da Recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional”

Considerando a identidade de questões apreciadas no douto acórdão transcrito, a cuja fundamentação aderimos integralmente, como já referimos, concluímos também pela improcedência do presente recurso jurisdicional confirmando-se a sentença recorrida.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela AT (com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos decididos pela MMª juiz a fls. 135 dos autos).
Porto, 13 de julho de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira